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Entrevista Família 3- 19 de Março de 2019 Conceição- Mãe da utente (U6) Inês Bismarke – F3

Entrevistadora- E

Duração da Entrevista –30´47 Minutos

E- Como é que se chama? F3- Sou a Conceição Silveira E- E tem quantos anos? F3- 77 anos

E- E o que é que faz neste momento?

F3- Agora estou reformada, fui professora de ensino secundário…tive 4 anos a dar aulas também no especial

E- onde é que vive?

F3- Vivia em Lisboa, agora estou na Cumeada perto de Messines

E- Falando agora um pouco sobre o percurso escolar, como é que foi a Inês na escola? Ela tirou até que ano?

F3- Até ao 9ºano

E- E como é que foi a sua adaptação na escola? Ela relacionava-se bem com os colegas? F3- Ela começou no infantário e detetou-se logo a deficiência dela. No infantário teve sempre uma professora que lhe dava muita atenção e fazia um programa especial para ela. Depois foi para um colégio inglês e teve um problema de epilepsia e pronto…teve que sair lá, porque não era muito adequado o espaço. Hamm…. quando entrou na primária consegui que a aceitassem numa turma especial….e pronto fez a quarta classe, depois continuou num colégio também e fez até ao 9ºano, mas naquele programa do ministério para deficientes que dão até ao 9ºano e pronto para ali… é o diploma de frequência. E- Como é que foi o relacionamento dela com os colegas?

F3- Ela relacionava-se bem, mas os amigos começavam por ser muito simpáticos no principio do ano…logo a seguir começavam a abusar dela, faziam dela o bobo da festa.

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Até para comer ela tinha que sentar perto das funcionárias, porque se não era judiada… isto foi assim até ao 9ºano

E- E alguma vez sentiu que a sua filha foi excluída por alguém na escola?

F3- Pelos colegas sim… pelos professores não, exceto quando entrou na escola primária que ele queria que ela fosse para a classe especial e a professora recusava-se mete-la na classe especial, porque já tinha muitos alunos e não podia ser mais…mas por fim arranjei uma maneira

E- Como é foi a adaptação da sua filha na escola em relação às suas dificuldades? F3- Sim, quer dizer ela foi sempre muito ajudada, principalmente, em casa porque inclusivamente pusemos a dar-lhe aulas em casa uma professora do ensino especial…aquilo foi uma tourada muito grande, ela não aceitava a professora… a professora não conseguia fazer nada com ela. Finalmente nós fomos à psiquiatria em Júlio de Matos, e com o acompanhamento de uma psicóloga em um ano conseguiu ler e escrever e só não começo a contar, porque houve um desentendimento entre o pai e a psicóloga e ela teve que sair

E- Durante e depois da escola os professores da Inês preocupavam-se sobre o seu percurso?

F3- Sim…mas repare nenhum conseguiu pô-la fazer nada direito, só foi assim um dessossego. A Inês tem Borderline, tem muitos quistos no cérebro…nasceu com isso E- Quando a Inês andava ainda na escola como era a sua relação com os professores? F3- Eu não andava a chatear os professores, eu confiava nele….pronto eu ia busca-la todos os dias, todos os dias metia um pouco conversa com a professora

E- E você incentivava a Inês para estudar? Ajudava-lhe? F3- Sim, sim…ela tinha os trabalhos de casa e eu ajudava E- Gostaria que ela tivesse continuado com os estudos?

F3- Eu gostava, mas a rapariga realmente não conseguia fixar, ela só fixa aquilo que lhe interessa. Hamm….é muito fechada e muito lenta em tudo….a pensar, a falar, a comer, a vestir, não tem noção das horas ou não quer ter

E- A sua Inês já teve um emprego?

F3- Foi para uma instituição em Lisboa…quando ela entrou lá havia salas com diversas atividades e ela acabou por estacionar na atividade de azulejaria… ela tem dificuldade nos movimentos finos

E- E já a ajudou em procurar um emprego ou incentiva-la? F3- Eu tentei, mas não havia nada capaz para ela

159 E- Ela mostra também vontade em procurar? F3- Não…

E- Na sua opinião é fácil para uma pessoa com deficiência ter um emprego?

F3- Não é nada fácil, depende da deficiência e da capacidade da pessoa, e da vontade que ela tem de realizar qualquer coisa

E- E porque é que acha que não é fácil?

F3- Ninguém está para isso, ninguém está para aturá-los…até a família E- Falando agora um pouco sobre a sua vinda à instituição como é que foi?

F3- Viemos para cá e eu cheguei a pô-la numa Santa Casa da Misericórdia de paços de ferreiras….só que era apenas para velhinhos, pronto é um lar…não têm absolutamente mais nada nem para os velhos nem para os novos. Mas como tinha liberdade de sair e estava acompanhada pelo namorado que também é deficiente, piravam-se para passear… é isso que gostam e que são capazes de fazer… gostam imenso de conversar. A Inês até não é burra

E- Ela já não está cá na Casa do Povo?

F3- Ela não está aqui porque não quer estar na presença dos outros deficientes… porque ela não quer ser deficiente

E- E já tentou explicar-lhe de outra forma a sua deficiência?

F3- Várias vezes, mas ela nega. Ela ainda veio para aqui, ainda foi para a piscina…ela não desgostava da piscina mas como ela é muito lenta e está habituada que apapariquem. Hamm… como ela tinha que andar depressa e não podia andar ao ritmo dela não quis ir mais à piscina….tem de ser como ela quer

E- Das poucas vezes que ela esteve aqui mostrou alguns progressos? F3- Não, não teve tempo para nada

E- Neste momento ela está a ser acompanhada por quem ou o que é que está a fazer? F3- Agora não está a fazer nada

E- Como é que é a vida social da Inês?

F3- Ela gosta muito de conversar…ela e o namorado ao dois juntos, passeiam por todo o lado, só que o namorado também tem deficiência e viveu muitos anos connosco na minha casa, acontece que a família dele apoiou-se muito em mim, por isso a partir de agora eu não tomo mais a responsabilidade pelo Rui, porque não posso por duas razões….ganho pouco e sou reformada , os pais dele não me davam dinheiro

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F3- Se ela estivesse mesmo inserida num grupo de deficientes….se tivesse numa atividade profissional como ela já esteve na cerâmica ela até aderia, mas saltitar tarefa em tarefa não agrada muito… ela precisa de se concentrar, precisa do seu tempo.

E- No dia-a-dia você encontra dificuldades enquanto ela realiza alguma tarefa?

F3- Ela faz as suas tarefas, é autónoma mas não gosta muito de colaborar em casa, depende do humor dela

E- E Você incentiva-a

F3- Eu? Eu as vezes nem faço que é para ela fazer…eu digo: ou comes se fizeres, ou não comes porque eu não te faço, já tem que ser assim. Quando é assim ela acaba por fazer, está sempre dependente a mim

E- No ponto de vista de mobilidade ela tem autonomia motora? F3- Sim, mas tem pouca força e pouca destreza como disse

E- E alguma vez a Inês manifestou em querer ter autonomia financeira?

F3- Ela já teve, o pai pôs-lhe sempre na mão um cartão de multibanco com o dinheiro que ela tem direito, então ele põe um tanto por semana no cartão, só que ela deixa o namorado resolver essas questões, dava o dinheiro…não tem consciência do dinheiro

E- Em relação à rede de transportes públicos, é suficiente para vocês?

F3- Eu tenho carro, mas a Inês como não sabe as horas e não cumpre as horas, fica um bocado baralhada com os transportes públicos, se for necessário ir de transporte a maior parte das vezes com certeza ela não chega aos sítios…porque o dia dela ativo começa já à tarde quando as coisas estão a fechar

E- A nível dos serviços, para além da junta de freguesia e da Casa do Povo, quais são os apoios sociais que você conhece?

F3- Não sei, não conheço

E- Na sua opinião o que é que poderia ser melhorado?

F3- Eu não sei, mas por exemplo as escolas em si poderiam ser um foco de informação disso, mais do que a junta de freguesia…para mim acho que a escola é que teria melhor essa função

E- Como é que é a sua relação com a Inês?

F3- (silêncio) Ela é muito pegada a mim, mas eu tenho que ter muita paciência…é um treino de paciência fantástico

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F3- Tenho…muito, mas o que é que eu hei-de fazer, onde é que eu hei-de encaixar que ela esteja segura….primeiro porque ganho pouco, e essas coisas pedem muito dinheiro, as instituições

E- E de que forma apoia a sua filha diariamente?

F3- Estamos ali….trabalhamos uma ao lado da outra em casa, é a alimentação, o vestuário, é a companhia, é puxar por ela para ver se ela faz, se mexe neste momento e pronto

E- Sente algum tipo de discriminação em relação à deficiência em si?

F3- Olhe…. (silêncio) eu própria tenho escolhido os amigos que a aceitam, se não aceitam não posso ter…ou então é ter uns amigos que não a julgam

E- E já alguma vez esteve presente nua situação onde a sua filha Inês foi maltratada? F3- (silêncio) olhe eu acho que… realmente a única vez que me recordo assim que ela foi maltratada foi a tal professora primária que se recusou e estava ali…parecia humm….tive que me armar em má

E- Considera que a sua filha e você estão muito isoladas ou excluídas?

F3- A Inês também se exclui, ela própria exclui. Quando ela sente que as pessoas a aceitam e que a ouvem…tudo bem ela até conversa e tem uma conversa até com lógica, é lenta e muito preguiçosa mas não é estúpida

E- Relativamente à população como é que foi o acolhimento perante à Inês?

F3- Olhe em geral acolheram bem…hamm ela esteve cá com o namorado também, ainda esteve cá uns meses, ele mete um bocado o pé na argola….é metediço, ele conversa a mais e a certa altura cria muitas confusões

E- Na sua opinião acha que se ele não tivesse na vida da Inês seria melhor para ela? F3- Neste momento ele acaba por não ajudar muito na vida da Inês, porque ela serve-se dele como bengala…quando ela precisa de alguma coisa ele faz-lhe como um criado dela E- Quais são as principais necessidades da Inês?

F3- Quer dizer é uma questão de sobrevivência… ter uma casa onde possa estar, ter uma alimentação adequada, ter algum apoio para vigiar a saúde dela, porque ele precisa diariamente da medicação… não podemos deixar na mãe dela, precisa de um acompanhamento consciente

E- Chegamos ao fim da entrevista, quer dizer mais alguma coisa que não disse? F3- Não, acho que está tudo dito

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