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2.4 Desempenho sustentável das empresas

2.4.3 Triple Bottom Line (TBL)

É uma abordagem ampla de avaliação do desempenho empresarial, que focaliza não apenas o valor econômico gerado, mas também o valor social e ambiental criado ou destruído. Na avaliação pelo TBL, o desempenho social e ambiental é adicionado ao tradicional econômico-financeiro, já que as empresas impactam o ambiente e a sociedade onde atuam. A teoria subjacente ao conceito de TBL implica que as empresas devem dar igual importância aos impactos que causam na sociedade nas três dimensões.

A origem da expressão Triple Bottom Line foi um trabalho de Elkington (1994), que buscava apresentar um vocabulário mais próximo da realidade empresarial para a avaliação do desempenho sustentável, além da dimensão econômico-financeira. As empresas apuram o Bottom Line, que é o lucro líquido, amplamente utilizado nos indicadores para avaliação do desempenho econômico-financeiro. De modo semelhante, a inclusão dos resultados obtidos nas dimensões social e ambiental utilizando a mesma nomenclatura facilitaria a inserção destes conceitos no meio empresarial.

O desempenho ambiental refere-se ao consumo de recursos e aos subprodutos gerados na operação. O desempenho social refere-se ao impacto da empresa e seus fornecedores sobre as comunidades onde atuam. Ambos são de difícil avaliação, por serem únicos para cada empresa, ou ao menos para cada setor de atuação, e difíceis de quantificar e comparar (HUBBARD, 2009).

Apesar das dificuldades, o formato TBL de relatório está bastante disseminado nos vários tipos de organizações que se preocupam em divulgar relatórios de desempenho sustentável. Várias das ferramentas e iniciativas para avaliação da sustentabilidade empresarial, descritas no item 2.4.2, adotam o conceito do TBL.

Um relatório de desempenho com base no conceito do TBL pretende capturar o conjunto de valores, questões e processos que merecem a atenção das empresas no sentido de minimizar os possíveis danos resultantes de suas atividades e garantir a criação de valor econômico, social e ambiental (ROBINS, 2006). É uma estrutura projetada para incentivar as empresas a buscar uma visão global e não apenas o desempenho econômico-financeiro. Os três resultados são interrelacionados, interdependentes e parcialmente conflitantes.

A adoção da avaliação de desempenho com base no conceito do TBL permite que as empresas atendam às necessidades de informação de vários stakeholders, entre os quais os proprietários, além das exigências legais. Entretanto, mais informação não significa informação correta e adequada para as decisões e deve-se lembrar que estas práticas não são obrigatórias nem auditadas. O próprio Robins comenta a necessidade de auditoria para este tipo de relatório, para que seu uso e divulgação não sejam uma escolha e sim uma responsabilidade das empresas. Esta estrutura de avaliação de desempenho apresenta pontos fracos como: a dificuldade de medição dos resultados não econômicos, a dificuldade de priorização entre os diferentes grupos de stakeholders, o tratamento de eventuais trade-offs no atendimento de suas necessidades, assim como a não existência de uma unidade comum que permita a soma dos três resultados (bottom lines).

A adoção do conceito e do relatório no formato TBL não exige que todos os aspectos do desempenho das empresas sejam representados em bases monetárias. São necessários indicadores objetivamente definidos, úteis e confiáveis para avaliar o progresso em termos de prosperidade econômica, qualidade ambiental e justiça social.

Elkington (1994) destaca que as empresas devem adotar estratégias que lhes tragam benefícios e, ao mesmo tempo, beneficiem seus clientes e o ambiente (win-win-win strategies). Na medida em que o foco do debate ambiental mudou para o desenvolvimento sustentável, elas são pressionadas a apresentar cada vez mais

informações sobre seus objetivos e desempenho no campo ambiental; da mesma forma, o conceito de cliente amplia-se para incluir outros stakeholders e suas expectativas. Daí a necessidade de relatórios que apresentem o resultado em três dimensões: econômico- financeiro, ambiental e social. Em outro texto, Elkington (2000) enfatiza os impactos desta nova visão de resultado e desempenho na atuação dos contadores e dos conselhos de administração, pela exigência de novas informações, relatórios, procedimentos de auditoria e de gestão de riscos e oportunidades para garantir a geração de valor no longo prazo.

O mesmo autor descreveu ainda três ondas de pressão pública que moldaram a agenda ambiental e da sustentabilidade até 2004. A primeira onda, com início em 1960, trouxe uma compreensão dos limites ambientais em termos de impactos e escassez de recursos. A segunda onda, com início em 1988, coincidiu com a disseminação da expressão desenvolvimento sustentável e demonstrou a necessidade de desenvolvimento de novas tecnologias de produção e produtos. A terceira onda, com início em 1999, levou ao reconhecimento que o desenvolvimento sustentável exigiria mudanças na forma de governança das empresas e no processo de globalização, com a inclusão dos governos e da sociedade civil.

Já foi dito aqui que o objetivo tradicional das empresas, com base na teoria do shareholder, é gerar valor para o acionista no longo prazo. Os indicadores utilizados para avaliar o desempenho têm origem na contabilidade que, apesar da sua evolução, enfrenta hoje algumas dificuldades importantes, como a forma de registro de alguns ativos intangíveis geradores de valor e a medida do lucro econômico “líquido” dos ajustes positivos e negativos relativos aos impactos das atividades empresariais nos vários tipos de capitais. Ou seja, os indicadores financeiros não refletem o desempenho total das empresas, pois o não reconhecimento dos custos ambientais e sociais lhes traz riscos, bem como para as comunidades onde elas atuam.

A partir dos anos 90, a empresa começa a ser vista como tendo responsabilidades maiores, além daquelas para com os acionistas. Com base na teoria dos stakeholders e na exigência de contribuição para o desenvolvimento sustentável, seu objetivo torna-se mais amplo: gerar valor para todos os stakeholders, respeitando o ambiente e reduzindo as desigualdades sociais. Os instrumentos passíveis de utilização são oriundos da

contabilidade ambiental e da contabilidade social. A contabilidade ambiental experimenta suas maiores dificuldades na identificação dos custos ambientais e na avaliação dos passivos ou na estimativa das provisões para passivos ambientais. A contabilidade social precisa considerar, por exemplo, competências adquiridas ou perdidas e o nível de confiança entre stakeholders. A internalização destes custos é o desafio para a contabilidade e para as empresas na geração de relatórios com base no TBL.

A teoria dos stakeholders propõe uma avaliação do desempenho empresarial com relação às expectativas de vários grupos que se relacionam e têm interesses específicos nas atividades das empresas, reconhecendo os acionistas como um destes grupos. Esta visão é compatível com a proposta de Elkington de avaliar o desempenho das empresas com base no TBL, adotando o conceito mais amplo de stakeholder ao considerar também grupos com os quais a empresa não se relaciona diretamente.

Norman e Macdonald (2004) fizeram uma análise crítica do conceito e da prática do TBL, apresentando pontos favoráveis e desfavoráveis e ressaltando que a ideia não é nova e atrapalha o relato do desempenho social e ambiental das empresas. Segundo os autores, a preocupação com aspectos sociais e ambientais, além dos econômico- financeiros, já está presente na estratégia de muitas empresas e o que o conceito traz de novo é a ênfase na quantificação e no relato para usuários externos. Por outro lado, não existem definições e metodologias que permitam chegar a resultados sociais e ambientais com o mesmo sentido do bottom line obtido da demonstração de resultados do exercício, na dimensão econômica. As dificuldades de quantificação, de comparação com padrões e de agregação dos três bottom lines tornam o conceito inútil tanto no planejamento quanto na implementação dos princípios da sustentabilidade nas empresas.

Em resposta, Pava (2007) concorda que uma contabilidade de acordo com o conceito do TBL apresenta limitações, mas argumenta que o desempenho econômico também não se reflete adequadamente usando apenas um indicador (lucro líquido ou 1º bottom line). Analogamente, não se pode exigir o mesmo dos desempenhos social e ambiental. Por outro lado, um relatório com base no TBL é uma boa metáfora para lembrar que o desempenho empresarial é multidimensional e certamente comporta vários bottom lines.

A empresa KPMG publica, a cada três anos, desde 1993, uma pesquisa sobre as informações contidas nos relatórios sobre responsabilidade social corporativa, ou de sustentabilidade, das maiores empresas do mundo. Da pesquisa realizada em 2007 e publicada em 2008 participaram empresas de 22 países, incluindo as 100 maiores em receita por país e as 250 primeiras na lista da Fortune Global 500 do ano de 2007. O objetivo da pesquisa foi identificar tendências na divulgação de informações sobre os impactos econômicos, ambientais e sociais das empresas, a partir de relatórios específicos, websites e relatórios financeiros anuais. Não só foi observado crescimento no número de empresas que publicam relatórios separados, como também cresceu o número de empresas que incorporaram as informações sobre a responsabilidade social no relatório financeiro anual. Entre as empresas listadas na Fortune Global, cerca de 80% apresentaram relatórios separados; entre as maiores empresas dos 22 países 45% foi a média, sendo a maior pontuação no Japão, com 88%. No Brasil, 56% das empresas apresentaram relatórios separados e 22% apresentaram as informações inseridas nos relatórios financeiros anuais. Esta pesquisa reflete o interesse e a demanda crescentes por dados sobre sustentabilidade empresarial por parte de analistas, investidores e líderes corporativos.

Se as empresas pretendem atuar de forma sustentável é fundamental entender os significados da sustentabilidade; que não se trata de um objetivo a ser atingido e sim de um processo contínuo de melhoria, inserido nos objetivos e nos processos organizacionais. Daí a necessidade de revisão das estruturas organizacionais, o surgimento de novas funções para lidar tanto com os aspectos globais quanto com os locais e o aprofundamento do conhecimento. É possível afirmar que a preocupação com a sustentabilidade está cada vez mais presente, entretanto estes conceitos e práticas devem ser internalizados na gestão das empresas, o que exige aprimorar ainda mais os sistemas de gestão.

Segundo Hubbard (2009), a introdução da sustentabilidade implica em mudanças na estratégia empresarial, assim como no sistema de avaliação de desempenho. Diante da variedade de definições, usos e implicações estratégicas, a medida do desempenho sustentável, contemplando o TBL, fica complicada, existindo muitas estruturas e metodologias para orientar a confecção de relatórios de sustentabilidade, com ampla

variedade de temas. Para ele, a visão mais ampla da teoria dos stakeholders, em conjunto com a consideração dos impactos nas necessidades das gerações futuras, faz com que a abordagem conceitual do TBL seja adequada para a avaliação do desempenho sustentável das empresas.

Empresas sustentáveis, que fazem uso na gestão de um conjunto de indicadores de desempenho vinculados aos objetivos estratégicos, têm mais condições de criar valor para todos os stakeholders no longo prazo.

Uma das formas possíveis de realizar uma gestão de desempenho com base no TBL é adotar sistemas de gestão como a série ISO14000 para o desempenho ambiental, a ISO26000 para o desempenho social ou o Balanced Scorecard de Sustentabilidade.

Elkington (1994) adotou o termo Triple Bottom Line justamente para destacar que a sustentabilidade empresarial, com todas as suas premissas, implica na consideração de múltiplos aspectos que, juntos, podem garantir a sobrevivência das empresas no longo prazo, atendendo às necessidades de todos os stakeholders com resultados econômico- financeiros, preservação da natureza e equidade social.