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5. Cientificismo canibal

5.2 Uma história social do sujeito gramatical

Antonio de Nebrija, em 1492, publicou a Gramática de la lengua castellana58, apoiado por Isabel de Castela, que servia aos propósitos políticos da guerra de reconquista e da consolidação do reino de Castela e Léon como unificadores da Espanha59, valorizando o castelhano em detrimento das outras línguas faladas no território unificado. Fernão Oliveira escreveu, em 1536, a Grammatica da lingoagem portuguesa, centralizada na fala de Lisboa. De acordo com o próprio autor, assim procedeu porque “o tempo e a terra mudam a língua, cada região possui sua particularidade e para evitar defeitos na língua fica esta sob a guarda dos que mais leram, mais viram e mais viveram com pouca afeição pela mudança” (OLIVEIRA, 1536, p. 59, com alterações de ortografia), “portanto não nos desprezemos dela a qual foi sempre e agora é tratada por homens que se entendem e sabem o que falam, cuja imitação nos fará galantes e primos a nós e a nosso falar”. (OLIVEIRA, 1536, p. 80, com alterações de ortografia) O desenvolvimento das gramáticas das línguas nacionais fazia parte do projeto de construção dos Estados europeus nos quais vigorava a ideia de um povo e uma língua em uma nação. Esta língua, que seria a

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58Línguas indígenas brasileiras e a esperança de um futuro, de Yonne Leite, 2007, p. 43.

língua nacional, era a língua da elite política e econômica que traçava os planos do projeto colonial no mundo.

Fernão Oliveira (1536, p. 56) escreveu sobre o fato de não incluir a fala dos velhos e a dos aldeãos em sua gramática, pois suas falas não seriam “moderadas”, o que significa dizer que, por estarem impregnadas de marcas sociais, deturpariam a pureza da língua portuguesa. Já em Fernão Oliveira, era vigente a ideia de quanto mais complexo o entorno mais sofisticada a capacidade para interpretar e adaptar o mundo em que se vive, sendo uma das mais importantes referências de civilidade e de desenvolvimento científico o estado em que se encontra a linguagem deste homem. Assim a língua seria uma fonte de transformação sobre o meio. O homem verdadeiramente civilizado desenvolveria uma linguagem de acordo com suas possibilidades culturais da mesma forma que possuiria aparatos técnicos para satisfazer suas necessidades materiais. No século XVI, estudiosos como os padres

Joseph de Acosta e Nóbrega acreditavam que as línguas ameríndias eram pouco complexas, pois como dizia Fernão Oliveira (1536, p. 18), “os homens fazem a língua e não a língua os homens”. Portanto, línguas que careciam de termos para exprimir ideias abstratas e universais, tais como as listadas por Charles-Marie de la Condamine (1992, p. 56): tempo, duração, espaço, ser, substância, matéria, corpo, virtude, reconhecimento, justiça, liberdade, ingratidão, que eram o coração das especulações filosóficas da época, seriam provas evidentes do pouco progresso dos espíritos desses povos. Havia dúvidas se a linguagem era, conforme Platão, a expressão das coisas, como escreveu Fernão Oliveira (1536, p. 10), remetendo à consideração de Cícero feita a Brutus e a Quintiliano, “das coisas nascem as palavras não das palavras as coisas” ou, se como em Aristóteles, era o veículo para expressar formas que já existiam na sociedade. O padre Joseph de Acosta (1979, p. 82) predicava que as línguas ameríndias eram muito mais simples que o hebraico, o grego e o latim, mas as tentativas frustradas de aprendê-las não deixavam esta impressão muito convincente.

Fernão Oliveira (1536, p. 36) filosofou, ao dizer que o homem senhoreava o mundo, que, se algo aconteceu ao homem, foi por desígnio de Deus, pois acima do homem, apenas Deus. Consideração bem respaldada por Anchieta (1977, p. 37) em uma carta na qual relatou o ataque de uma onça “A fera sem medo de tanta gente armada, atirou-se a um, e agarrando-o com as unhas pela cabeça e peito o teria matado, se uma flecha dirigida pelo Senhor, a não atingisse no coração e derrubasse morta.” Em outros termos, significa dizer que o homem é agente nas orações em que

toma decisões por conta própria, mas ao cair em um buraco ou ser atropelado por uma carroça, não sendo ele responsável pelo ocorrido, obviamente só poderia ser castigo de Deus que o fez sofrer esses danos em razão de algum mal-feito. Sintaticamente, isto significa que, em verbos como cair, não poderia haver um sujeito, somente um paciente. Da mesma maneira que a etimologia à moda de Isidoro, para quem conhecer a origem das palavras era conhecer a origem das coisas, era a revelação de sua natureza, citado por Sylvain Auroux (2014, p. 97), em A revolução tecnológica da gramatização, nos dizia que homo vem de húmus, porque o homem vem da terra. Assim, as categorias sintáticas esbarravam nas convicções religiosas que conduzem nossa história há bastante tempo. Reduzir as categorias da representação às nossas próprias convicções, para Sylvain Auroux (2014, p. 94-95), seria supor que estas categorias existiriam identicamente em todas as línguas sob as mesmas propriedades tais como tempo, espaço, ser, sugerindo uma relação entre linguagem e pensamento. Há que se considerar, no entanto, o fato de que as gramáticas das línguas indígenas americanas foram escritas por homens ocidentais do século XVI, para os quais o sujeito gramatical, tal como elaborado por Fernão Oliveira, senhoreava o mundo, por meio de pronomes pessoais relacionados a verbos. No entanto, nada pode nos certificar de que ao dizer ‘eu sou’ ou ‘eu corro’, o ‘eu’ e o ‘ser’ ou o ‘correr’ se distinguem do corpo de ‘eu’ alocado no espaço de um território determinado pelas ações e significações humanas do grupo ao qual ‘eu’ pertence.

Jean Starobinski (2002, p. 27) nos alertou que o princípio aristotélico de movimento foi amplamente absorvido pelas ideias escolásticas. Segundo o autor, para Aristóteles, o movimento pressuporia uma ação recíproca onde o paciente agiria em retorno sobre o agente. Esta seria a ideia da faca que, ao cortar a carne, perderia o fio da lâmina ou do ferro em brasa que, ao ser submergido, aqueceria a água fria. Para cada ação, haveria uma ação recíproca, uma resistência. Então o que corta seria embotado pelo cortado, o que aquece seria esfriado pelo aquecido. O início do movimento seria imóvel e eterno, esse motor imóvel seria divino. Abaixo da esfera divina estaria o primeiro móvel, a esfera superior do céu, que moveria as demais esferas celestes por propagação do movimento até chegar ao mundo inferior, abaixo da lua, onde vivem os humanos. A vinculação das esferas fez do movimento circular o princípio ao qual estariam fixados o céu e a natureza, o divino e o humano, em níveis hieráquicos bem distintos, sendo o divino superior ao homem e o homem inserido entre os outros seres que o cercam. O movimento inicial seria o movimento circular,

em cujos ciclos de sucessão das gerações viveriam todos os seres. Embora o paciente reagisse em retorno ao agente que lhe infringira uma ação, os astros não receberiam a ação recíproca dos seres ou dos elementos das esferas sublunares, pois a ação recíproca pressupunha similitude entre agente e paciente, assim o ferro em brasa aqueceria a água em que fora mergulhado. Portanto, os elementos das esferas inferiores não agiriam reciprocamente ao sol, o que significa dizer que o divino não receberia do homem uma ação reativa, embora o homem fosse o agente primordial na esfera terrestre, pois o homem teria seu movimento expresso pelos ciclos generacionais. Isso significa dizer que as qualidades constituintes do agente e do paciente teriam uma mesma natureza, formada pelos quatro elementos: o ar (quente e úmido), o fogo (quente e seco), a terra (fria e seca) e a água (fria e úmida). Haveria no mundo terrestre potências ativas e potências passivas, embora o movimento do mundo tenha sua origem em uma potência ativa, porém impassível, pois o movimento universal teria como causa a perfeição do motor imóvel. Os astros agiriam sobre os objetos do mundo inferior, mas não sofreriam nenhuma ação em retorno.

Retomando a discussão feita por Tomás de Aquino a partir de Aristóteles na Suma Teológica, Jean Starobinski (2002, p. 19-31) nos esclareceu que Tomás de Aquino propagou o movimento primordial até o homem, imbuindo-o de uma agência divina capaz de gerar movimento a partir de si, ao dizer que “o movimento é o ser em ato” e que “tudo o que é movido é movido por um outro”. Sempre remetendo a Aristóteles ao pressupor que haveria semelhança de gênero e diferença de espécie entre o agente e o paciente. Nesta física, a ação implicaria a vitória de um agente sobre um paciente. No meu entender, este agente seria o homem, porém o homem que tivesse conhecimento de Deus e de seu poder divino como motor primordial do movimento do qual o próprio homem se encontrava imbuído. Este homem seria indubitavelmente cristão e seu Deus, apenas Deus, jamais Yahweh ou Alá.

A meu ver, em termos gramaticais, mover-se faria de um ser agente, portanto, sujeito. Ser capaz de reagir ao movimento ou à ação sofrida, não apenas sofrê-la, faria de um ser paciente, mas nunca objeto. Dadas as semelhanças de gênero que pressupõe a ação reativa, os objetos não poderiam reagir aos agentes. No caso do ferro em brasa que aquece a água, ambos, água e ferro em brasa, estariam envolvidos em um movimento de reação, um ao outro, mas seriam ambos objetos sofrendo a ação do real agente, neste caso, o homem que aqueceu o ferro e o imergiu na água, sem devolver- lhe parte de sua ação em forma de reação, mesmo se considerarmos que o vapor

provocado pela imersão do ferro em brasa na água seja a reação de ambos os objetos ao agente. O homem senhoreava o mundo e se separava dele ao senhoreá-lo. Alguns exemplos clássicos, em língua portuguesa, usados em teorias linguísticas como a teoria Gerativa, ainda hoje, carregam em si grande carga de aristotelismo. No caso da frase:

(1) A manteiga derreteu.

Segundo Eliseu (1984, p. 15), o verbo derreter pode ser considerado um verbo inacusativo, pois o sujeito “a manteiga”, assim considerado por sua posição anterior ao verbo, corresponderia ao objeto direto, impossibilitado de tornar-se sujeito por não possuir o traço semântico [+ agentivo]. O alçamento do objeto direto para a posição de sujeito é um artifício linguístico que ocasiona o fenômeno sintático da inacusatividade no verbo “derreter”. Como a manteiga não pode ser agente, seu derretimento, portanto, é fruto de sua exposição ao calor, provavelmente, o calor do sol, visto que não há nenhuma outra indicação de fonte de calor na frase. De acordo com as suposições arsitotélicas e de Tomás de Aquino, não haveria a menor possibilidade de um pedaço de manteiga devolver parte da ação sofrida pelo calor do sol ao astro. Mesmo considerando que a manteiga seja um produto humano, não haveria a menor possibilidade de a manteiga devolver parte da ação sofrida de volta ao homem. Ela seria, portanto, um objeto inquestionável, o que não a faz agente nem paciente sob hipótese alguma.

Os valores semânticos atribuídos por meio de traços semânticos não são nada mais que as concepções filosóficas usadas no discurso científico sobre o que acreditamos que seja a manteiga e de como achamos que sua relação com o humano e com os astros funciona. Philippe Descola (2016, p. 13), contou uma pequena história sobre o valor dos sonhos para os Achuar, que vivem na Amazônia, fronteira entre o Peru e o Equador. Uma senhora havia sonhado com meninas que reclamavam porque estavam sendo envenenadas. A senhora interpretou o sonho como uma reclamação vinda das mudas de amendoim que haviam sido plantadas muito próximas de uma planta venenosa usada para fazer veneno de pesca. As mudas de amendoim tomaram a forma humana para comunicarem-se, pelos sonhos, com a senhora Achuar. Um valor bastante agentivo para uma planta silenciosamente imóvel. Valores semânticos não são, de maneira alguma, universais.

A lição aprendida pelos verbos inacusativos da língua portuguesa poderia ser observada em um fenômeno sintático presente na análise de línguas indígenas, trata-se da ergatividade. Em termos gerais, para a teoria da Tipologia linguística, ergatividade significa que o sujeito gramatical de um verbo intransitivo (S) receberia o mesmo caso que o objeto de um verbo transitivo (O). Os verbos intransitivos oferecem apenas uma posição sintática para ser preenchida que é sempre o sujeito gramatical (S). Os verbos transitivos oferecem duas posições sintáticas, sendo uma o sujeito (A) e a outra o objeto (O). S (sujeito intransitivo) teria sempre o mesmo caso que O (objeto), em vez de receber o mesmo caso que A (sujeito transitivo), associando sob um mesmo alinhamento sintático duas categorias sintáticas aparentemente opostas. Fenômeno linguístico que só ocorre nas línguas em que a ergatividade sintática estiver presente, em geral, línguas não ocidentais, como as línguas yanomamö, por exemplo.

(2) Joahiw a+ ia+ ma nome 3sg+comer+passado Joaquim comeu.

(3) Joahiw-nö ihiru a + naka+ ö

nome erg. criança 3sg+chamar+dinâmico (presente) Joaquim chama a criança.

Vemos então que em (2), Joahiw e, em (3), ihiru criança receberam o chamado caso absolutivo, que não apresenta marca, em oposição a Joahiw-nö, em (3), que recebeu a marca sintática de ergatividade -nö. Embora tenhamos a tendência de entender Joahiw-nö como o agente da ação de chamar, o alinhamento sintático proposto pela ergatividade nos conduziria à outra leitura, deslocando a subjetividade de Joahiw-nö para ihiru. Este deslocamento nos produziria um grande embaraço ao tentarmos traduzir esta simples oração para o português. Teríamos como opção ‘a criança chamada por Joahiw’ ou ‘a chamada da criança por Joahiw’. Em ambos os casos, perde-se o caráter verbal da oração, inclusive apagando o sentido de ‘som saindo da boca no momento da fala’ que a partícula ö expressa, aproximando-a de um sintagma nominal, o que fortaleceria a compreensão de que orações ergativas seriam um desenvolvimento de orações anteriormente passivas, em especial, nas línguas em que o ergativo coincide com a partícula que marca instrumento. Como no exemplo:

(4) Akuri-nö Joahiw-nö juri a +hanö+ma faca-instr. nome-erg. peixe 3sg+cortar+passado Joahiw junto com a faca cortou o peixe.

Entre as traduções possíveis, nunca se consideraria como uma tradução legítima ‘Joahiw junto com a faca cortou o peixe’. A impossibilidade formal da diferença expressa pela marca ergativa acoplada ao nome Joahiw impede que se aceite esta tradução, tornando as traduções e a compreensão reféns de um jogo para iniciados cujas regras se amparam na estrutura formal da oração. Ultrapassando a superficialidade das relações sintáticas formais, poderíamos buscar alguma orientação no sentido expresso pelas orações. Assim, teríamos na semântica uma aliada, muito embora ela seja considerada uma escolha metodológica fraca por teorias como a Tipologia, sob o argumento de não possuir sentidos universais. A semântica nos permite percorrer os trajetos significativos trilhados pelos elementos que receberam o caso absolutivo, não marcado, ou ao menos, lançar alguma luz sobre este tema obscuro. No exemplo (5),

(5) kamij-nö war ja +p + nia-ma

eu erg. porco 1sg/erg. +3pl/abs. +flechar-passado Eu flechei os porcos.

Em geral, a tradução mais aceita para uma frase ergativa como a do exemplo (5) seria ‘a flechada dos porcos por mim’ o que reproduziria os mesmos problemas apontados no exemplo (3), distanciamento do sentido verbal aproximando-se de um sintagma nominal, transformação em passiva, e deslocamento do foco para ‘a flechada’. Enquanto não encontramos solução para o alinhamento sintático, a pergunta que permanece é por que não considerar Joahiw-nö tão sujeito quanto Joahiw? Se considerarmos que existe equivalência de agentividade entre Joahiw e Joahiw-nö, teríamos então que resolver a coincidência da partícula -nö em uso como marcador instrumental como no exemplo (4). Assim, o alinhamento sintático tão esperado estaria entre sujeito e instrumento, ambos, juntos, desempenhando uma modificação no objeto, seja cortando-o ou perfurando-o. No entanto, o que a Tipologia nos propõe em termos de alinhamento sintático ergativo seria uma forma de nivelar o ‘peixe’ e ‘Joahiw’ ou de nivelar ‘eu’ e ‘os porcos’, ambos no papel de objetos. Seria mais fácil, para o linguista ocidental, nivelar o selvagem ao objeto que elevar o objeto para nivelá-lo ao humano. Em geral, o “outro” não é percebido como sujeito, Isabelle Stengers (2005, p. 994-1003) nos alertou que se exclui também do termo sujeito tudo aquilo que não é humano nem visível. Ideias que se projetam sobre o estabelecimento do papel de sujeito gramatical, sempre sob os argumentos científicos que distinguem humanos e coisas e estabelecem hierarquias entre ambos.

Se a relação entre o ‘peixe’ e ‘Joahiw’ ou entre ‘eu’ e ‘os porcos’ é equivalente à relação entre o ferro em brasa e a água, ou seja, trata-se de dois objetos em relação um ao outro, quem seria o agente real que fomentaria a relação entre os dois objetos? Deus ou o linguista? Não responder a estas perguntas antes de elaborar uma teoria sobre alinhamento sintático como um pressuposto universal nos conduz ao círculo vicioso do método descritivo, pasteurizando sob o título de universal toda e qualquer memória discursiva indígena presente em seus sentidos, sob o pretexto da neutralidade científica.

Voltando ao princípio escolástico do movimento como o “ser em ato”60. O homem como motor primordial da esfera terrestre, foi a base do pensamento cartesiano, principalmente, a ideia que separou a alma do corpo61, estabelecendo a supremacia da alma (res cogitans) sobre o corpo (res extensa). A alma (mente) seria o reflexo divino no homem e o corpo sua existência material, uma espécie de estoicismo à moda cristã, justificando a subjugação do homem ao divino. As esferas arsitotélicas celestes e terrestre foram separadas umas das outras pela doutrina galileana que assumira o mundo como sendo uno, visto que as mesmas potências o governavam em todas as partes e que estas poderiam ser calculadas. O princípio do motor original se tornou a inércia e as esferas celestes obedeciam a regras próprias diferentes das regras de funcionamento da esfera terrestre, onde o homem senhoreava o mundo. René Descartes elaborou em seu pensamento que, dada a dualidade do ser62, tendo em vista que as diferenças individuais eram inesgotáveis, o espírito humano, sendo uno, evocaria um método universal63, possível de ser estimado, desde que entendido e dedicado ao espírito humano (alma/mente), o substrato abstrato do ser humano. A meu ver, esta ideia surgiu com o intuito de libertar o homem do domínio exercido pela linhagem de anjos e sacerdotes que mediavam o acesso ao divino, embora ainda o submetesse ao divino, pois o espírito divino já estaria no homem, alicerçando a ideia de domínio do humano sobre as demais criaturas e sobre a natureza. Este princípio !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

60 Homo est dominus sui actus. Quaestio VI, art. III. Summa Theologiae, 1951, p. 58.!

61 Esse enim hominis consist in anima et corpore: et quamvis esse corporis dependeat ab anima, esse tamen

humanae animae non dependet a corpore, ut supra ostensum est; ipsumque corpus et proper animam, sicut materia propter forman et instrumente propter motorem ut per ea suas actiones exerat. Quaestio II, art. V. Summa

Theologiae, 1951, p. 14-15.

62De maneira que esse eu, ou seja, a alma, por causa da qual sou o que sou, é completamente distinta do corpo e,

também, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, mesmo que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é.” Discurso sobre o método, 1973, p. 47.

63 Studiorum finis esse debet ingenii directio ad solida et vera. de iis omnibus quae occurrunt, proferenda iudicia.

contradizia a concepção aristotélica de que no mundo sublunar somente haveria decadência e, inclusive, subvertia a ideia cristã de que, no mundo humano, imperava a desordem que impelia o mundo ao colapso apocalíptico, no entanto, não separava o homem de Deus.

As ideias de René Descartes influenciaram fortemente a gramática elaborada pelos pensadores do monastério de Port-Royal-des-Champs, em 1660, conhecida como a gramática de Port-Royal. Para eles, o pensamento determinaria a linguagem, pois a ordem dos elementos do enunciado não seria linguística, mas sim lógica. A lógica seria a expressão do espírito ou da alma ou da mente, elevando a atividade humana da fala à expressão do divino manifestado pela matéria. Assim comprovava- se que o pensamento passava para a língua por meio das palavras, sendo o conceito (pensamento) a base da operação do raciocínio. A gramática, entendida como conjunto de regras, seria, então, um conjunto de processos do espírito ou da alma ou da mente, visto que o espírito humano seria uno, a gramática seria universal, portanto, as línguas obedeceriam a regras universais de funcionamento. Estas regras seriam