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Apêndice I: Teste de Normalidade – Divido por Região de Coleta

4.3 Cultura e Cultura Nacional

4.3.3 Valores

Existem alguns fatores, comportamentos, práticas e valores que existem em todas as civilizações, mas que variam na forma que são percebidos ou valorizados dependendo da cultura ou povo. Murdock (1945) em um trabalho clássico, compilou uma lista de tópicos que poderiam servir como denominador comum entre povos, encontrando fatores como classificação por faixa etária, adornos corporais, divisão de trabalho, educação, fé, folclore, ritos, jogos, linguagem, leis, política populacional, direitos de propriedade entre vários outros fatores.

Esta lista, embora não seja completa, ajuda a entender as diferentes culturas e mesmo realizar comparações através do estudo de como cada cultura trata cada um dos fatores, sendo assim possível diferenciar povos e compara-los. O modo que cada cultura trata com estes itens ou fatores, mostra na verdade um julgamento de valor, que expressa os valores básicos e as crenças (HILAL, 2002).

Assim, o conceito de valor é frequentemente utilizado para entender as atitudes e comportamentos não só de indivíduos, mas também para entender o funcionamento de organizações, instituições e sociedades (SCHWARTZ et al., 2001). Rokeach (1973) indica que o conceito de valores é um dos poucos conceitos psicológicos que foram empregados com sucesso em todas as disciplinas das ciências sociais. De acordo com Rokeach (1973), os valores humanos são metas desejáveis que apresentam uma importância variável e relativa, e servem como um guia na vida das pessoas, capaz de influenciar de forma substancial as respostas afetivas e comportamentais dos indivíduos.

Oslon e Zanna (1993) indicam que os valores são potenciais determinantes das preferências e atitudes das pessoas, e segundo revisão de literatura destes autores, os valores são poderosos preditores de atitudes em relação a armas nucleares, a desempregados, e crenças em um mundo mais justo.

Por se tratar de um tema tão amplo existe uma infinidade de definições e intepretações sobre o que seriam valores. Meglino e Ravlin (1998) indicam que além de outras coisas, os valores já foram considerados como necessidades, tipos de personalidade, objetivos, utilidades, atitudes, interesses e entidades mentais não existentes.

Essa gama de definições e proposições sobre o que seriam valores criou problemas para a interpretação de vários estudos, e trouxe a necessidade de um maior consenso sobre o que seriam valores, como são definidos e mensurados.

No entanto, segundo Lefkowitz (2003) embora os cientistas sociais em geral estejam bem acostumados em refinar conceitos ambíguos e resolver contradições teóricas de forma empírica, justamente quando entramos no campo dos valores e ética os métodos científicos deixam de ser eficazes e necessitam recorrer ao bom senso e especulações sobre a moralidade dos filósofos para auxiliar a resolver as questões básicas.

Lefkwitz (2003) aponta que a filosofia sempre tratou das questões que a ciência não pôde responder, como também responder o que deveria ser ao invés do que é objetivamente, como por exemplo: “O que é certo fazer?” ou mesmo “Como devo viver a minha vida?”, e a tentativa de responder a questões como essas, definindo o que é errado, certo, bom ou mau, ou definir de que maneira alguém deveria se portar constitui o cerne da ética ou da filosofia moral.

O questionamento sobre a natureza da moralidade ou ética, como se consegue chegar a definições do certo, errado, bem ou mal, são questões conhecidas como meta-éticas e estão envolvidas, mesmo que de forma implícita em todas as teorias normativas de ética (Lefkwitz, 2003). Bryant (1996) indica que de forma diferente de outras sociedades ocidentais, de onde a resposta do questionamento sobre o que era o “certo” sempre viria dos reis ou sacerdotes, na sociedade grega buscava-se ativamente a respostas sobre estas questões em público, com discussões sobre o bem, o mal, a moral, a justiça e o modo correto de viver a vida.

propriedade privada. Lefkowitz (2003) sugere que alguns valores seriam compartilhados por algumas sociedades, mas não por outras, pois os valores seriam adaptativos, sendo condicionados a fatores contextuais como nível de desenvolvimento econômico, crenças históricas e religiosas, tradições, convenções culturais e sistema político, entre outros.

Lefkowitz (2003, p.88) indica que o desenvolvimento dos aspectos da psicologia moral tiveram influência na criação da teoria do funcionalismo de Durkheim, mais especificamente na ênfase do funcionalismo no processo de socialização pelo qual internalizamos as convenções, valores e padrões da sociedade, e de forma estes padrões são ensinados por uma grande gama de educadores, o que inclui os pais, irmãos, colegas, professores, e também indiretamente através de mecanismos de socialização como televisão e filmes, que contribuem para o entendimento do processo de transmissão de valores.

Dawis (1991, p.838) diferencia os valores das atitudes, pois os valores estão mais “inseridos, permanentes e estáveis, mais gerais e menos ligado a qualquer referência específica, e fornece um framework perceptual que modela e influencia o comportamento”. Além disso, existe uma diferença conceitual importante entre os valores e os interesses, pois os valores têm uma importância relativa, enquanto o interesse é uma questão de grau de gosto, ou seja, enquanto o valor indica crenças sobre o que deveria ser, o interesse é meramente desejado ou preferido, ou seja, não se pergunta se um indivíduo gosta de justiça ou verdade, mas sim o qual importante são estes itens (LOFKOWITZ, 2003).

Lofkowitz (2003) acrescenta que uma outra maneira de diferenciar valores de atitudes é de que os valores são mais gerais, pois as atitudes se referem a crenças avaliativas sobre objetivos, situações ou comportamentos específicos, enquanto os valores referem-se a crenças em relação a estados fins ou modos de conduta.

Os valores são influenciados por experiências pessoais e exposição a formas de socialização mais formais, sendo aspectos centrais do conceito de si mesmo, relativamente estáveis, mas não permanentes. Um valor é uma crença que conduz a ações e julgamentos, com duas funções principais: a de servir como um padrão, para orientar a vida e também como motivação, que justifica os esforços necessários para realizar um valor (ROKEACH, 1973). Rokeach (1973) afirma que existe uma hierarquia de valores, isto é, uma classificação ordenada de valores ao longo de um contínuo de importância, ou seja, um valor será preferido a outros que estiverem abaixo na hierarquia de valores de um indivíduo.

Epstein (1989) sugere dois sistemas de valores relativamente independentes entre si. O primeiro seria o sistema racional-conceitual, no qual os nossos valores seriam expressos como crenças sobre a relativa desejabilidade dos resultados, com as atitudes associadas, tais crenças seriam relativamente racionais, analíticos e motivados por uma necessidade de confirmação lógica e empírica. Reese e Fremouw (1984) referiam-se a este sistema de valores, como normativos ou prescritivos, e Argyris e Schon (1978) como valores esposados.

Já o segundo sistema, o experimental-conceitual, seria mais relacionado com processos pré- conscientes, emocionais e afetivos, sendo chamados de valores normais (REESE & FREMOUW,1984) ou valores em uso (ARGYRIS & SCHON, 1978). Embora estes sistemas de valores promoviam de certa forma uma divisão entre valores, os sistemas eram visto como sobrepostos, ou seja, alguns valores normativos, racionais poderiam ser expressados no comportamento normal.

No entanto, Lefkowitz (2003) afirma que é importante fazer a distinção entre os dois componentes de valores tanto de um ponto de vista teórico e também pela diferença que isto implica na mensuração dos valores. Leftowitz (2003, p139) afirma que a pesquisa tipo survey ou a utilização de um inventário padronizado seria mais adequado para mensurar o sistema de valores normativos (REESE & FREMOUW, 1984) ou prescritivos/esposados (ARGYRIS & SCHON, 1978), pois o sistema de valores normais ou em uso, se refletiria mais no comportamento e não estariam acessíveis por auto respostas. Por possuir esta natureza, de dois

níveis, um consciente e outro pré-consciente é que Epstein (1989) afirma que os valores auto reportados tem baixo poder de predição de emoções e comportamentos, pois algumas vezes os dois sistemas de valores não se correspondem.

Segundo Tamayo e Porto (2009) os valores têm sido estudados desde épocas remotas, com o seu estudo científico efetivamente se iniciando com a busca da correta mensuração do constructo. No entanto, Lefkowitz (2003) indica que valores gerais não foram claramente diferenciados de crenças, atitudes, interesses, preferências e outros atributos de personalidade, existindo uma infinidade de “valores” na literatura.

Lefkowitz (2003) afirma que a Psicologia deu uma importante contribuição para o entendimento dos valores, que anteriormente era objeto de estudo exclusivo da Antropologia, Sociologia e Filosofia, a partir do momento que considerou os componentes cognitivos, afetivos e comportamentais dos valores, explicitando que os valores devem ser tratados não somente como crenças generalizadas sobre o que é ou não desejável, mas também como motivações que influenciam as avaliações, escolhas e ações dos indivíduos.

Outro importante passo para o estudo dos valores foi a construção de tipologias conceituais para classifica-los. Atualmente utilizam-se técnicas matemáticas como análise fatorial ou análise do menor espaço para encontrar empiricamente uma taxonomia de valores (LEFKOWITZ, 2003).

Segundo Tamayo e Porto (2009), Eduard Spanger, na Alemanha em 1928 teria sido o pioneiro nesta área, estudando os valores e personalidade, dividindo em vários tipos psicológicos, conforme Quadro 14:

Quadro 14: Valores segundo Spranger

TRAÇO PRINCIPAL OBJETIVO

Teórico Busca de Verdade

Político Busca do Poder

Econômico Busca do Útil

Social Busca o Amor dos outros

Estético Busca Avaliar formas e harmonia

Religioso Busca da unidade mística com uma força superior

FONTE: TAMAYO E PORTO (2009)

Este estudo serviu de base para a construção do primeiro instrumento conhecido para avaliação dos valores, chamado de Study of Values, elaborado por Allport, Vernon e Lindzey (1951), seguido pelo Questionnaire d’Intérêts et de Valeurs (QIV) de Larcebeau(1974) baseando-se também na teoria de Spranger (TAMAYO & PORTO, 2009). Segundo Berry e colaboradores

(2002) outro estudo que representou um grande avanço para o estudo dos valores foi a pesquisa de valores de Kluckhohn e Strodtbeck (1961) que utilizou uma amostra de indivíduos provenientes de comunidades rurais nos Estados Unidos, em cinco grupos culturais diversos (Texanos, Mórmons, Hispânicos, Zunis e Navarros).

Estes indivíduos foram apresentados a uma série de histórias curtas e deveriam escolher a sua preferência pelo desfecho. Com a compilação destas respostas, Kluckhohn e Strodbeck (1961) criaram uma afirmação geral sobre a orientação de valores nestas culturas, utilizando cinco dimensões: orientação homem-natureza, orientação em relação ao tempo – passado, presente ou futuro, orientação à atividade, orientação relacional, natureza humana.

Posteriormente foi criado o Rokeach Values Survey (RVS), publicado em 1967, sendo a escala mais conhecida para mensuração de valores (OSLON E ZANNA, 1993), mensurando 36 valores, divididos em 18 valores instrumentais e 18 valores terminais ou valores-fim. Rokeach também categorizou os 36 valores como pessoais ou sociais, além de valores morais e competentes (LEFKOWITZ, 2003; TAMAYO & PORTO, 2009). A Rokeach Value Survey foi posteriormente validada em uma amostra norte-americana e resultou em sete fatores: gratificação imediata vs gratificação deferida, competência vs moralidade religiosa, auto- restrição vs auto-expansão, orientação social vs orientação pessoal, segurança societal vs segurança familiar, respeito vs amor, centrado em si vs centrado nos outros (TAMAYO & PORTO, 2009).

Segundo Schwartz (1992), os valores apresentam cinco características principais:

a) São crenças ligadas a emoções, reagindo a falta ou ameaça a esses valores por um lado, e ficando felizes quando conseguem alcançar aquele valor;

b) Referem-se a objetivos desejáveis que motivam ações por parte dos indivíduos; c) Os valores são objetivos abstratos que transcendem ações específicas e situações,

sendo assim diferentes de normas e atitudes;

d) Os Valores são padrões ou critérios que acabam por guiar a seleção ou a avaliação de ações, políticas, pessoas e eventos;

e) Valores apresentam uma ordem de importância, e cada indivíduo apresenta um sistema próprio de priorização de valores;

No entanto, de acordo com Schwartz et al (2001), tais características não nos informam sobre o conteúdo dos valores, ou seja, quais os diferentes “tipos” de valores, pois pode-se elencar um número praticamente infinito de valores, no entanto, existem razões significativas para o estudo de um número limitado de valores que são reconhecidos em vários grupos humanos e usados para estabelecer prioridades. Além disso, estas características não informariam nada sobre a estrutura de relacionamento entre os diferentes valores, como por exemplo, quais valores são compatíveis ou podem entrar em conflito com outros.

Uma das grandes questões do estudo dos valores é a da frequente discrepância observada entre os valores esposados e as ações (LEFKOWITZ, 2003). Miller (1999) indica que as pessoas tem uma tendência a verbalmente expressar maior aderência a uma norma social, ou um valor, do que é percebido em suas atitudes e comportamentos. Meglino & Raylin (1998) explicam este fenômeno, atribuindo isso ao fato de que muitos valores são socialmente desejáveis, sendo assim existem fortes pressões sociais exercidas no indivíduo para que ele se expresse e confirme estes valores, mesmo que não sejam congruentes com seus valores individuais. Argyris e Schon (1978) destacam a importância de se distinguir valores do discurso e valores que são efetivamente utilizados ou aplicados na prática.

Lefkowitz (2003) afirma que existem duas dimensões, não ortogonais que os valores podem se basear, primeiramente em relação à generalidade ou especificidade pela qual podemos distinguir entre valores gerais e valores mais específicos relevantes a apenas um domínio, como valores familiares, e valores de trabalho. Ou também se pode especificar o nível de análise que pode ser nível individual, ou o nível coletivo, onde os valores comuns de uma sociedade como um todo é considerado.

Os valores gerais normalmente são divididos em valores pessoais e valores sociais, referindo ao foco destes valores. Os valores pessoais estão associados a atributos da própria pessoa, do seu Eu. Já os valores sociais correspondem a objetivos mais amplos, e maneiras de alcançar estes objetivos que envolvem a sociedade. Entre os valores sociais mais estudados estão os relacionados a poder, universalismo, benevolência, tradição, conformidade e segurança (LEFKOWITZ, 2003).