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As mulheres da/na história: o movimento feminista no Brasil

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 83-88)

da mulher, como a sensibilidade, a irracionalidade e a emoção, juntamente com a imposição do amor romântico como um fator constitutivo e essencial da identidade feminina”

(SANTOS; MOURA, 2018, p. 95). Quando solteira, a vida da mulher era controlada pela figura paterna, e ao casar-se esse controle passava para o marido. É claro que havia exceções.

Muitas mulheres resistiam e rebelavam-se contra o sistema, fosse enclausurando-se em conventos ou dedicando-se à preceptoria e, mais tarde, à docência, ou ainda fugindo de um casamento arranjado, dentre outras formas de resistência. Essa concepção de feminilidade cunhada no século XIX ainda persiste, bem como persistem o machismo, o paternalismo, o sexismo e a misoginia. Embora tenham ocorrido avanços, falta muito para uma sociedade igualitária. É mister lembrar que naquele período os conceitos de sexismo e misoginia ainda não haviam sido cunhados.

Referi-me, até o momento, às condições das mulheres de classes médias e elites, mas, e quanto às mulheres populares? Essas, desde o período colonial, gozavam de certo grau de liberdade. Pelas condições de vida que possuíam, eram obrigadas a transitar de um lado para o outro, executando uma série de atividades com o objetivo de ajudar no orçamento doméstico. Isso não quer dizer que possuíssem uma vida melhor, mais confortável, pelo contrário, é sabido das péssimas condições de vida que grande parte das mulheres populares viviam e ainda vivem.

Foi nas camadas médias da população que o feminismo floresceu. Numa sociedade em que as mulheres eram privadas do direito à educação e recebiam apenas a instrução suficiente para habilitá-las ao casamento, salvo exceções, o movimento encontrou um terreno fértil. É de 1827 a legislação que estabelecia a criação de escolas para as meninas. As profissões que cabiam às mulheres restringiam-se à enfermagem e à docência, vistas como extensão do papel maternal. Nesse contexto, Nísia Floresta (1810-1885), considerada uma das primeiras educadoras feministas no Brasil, publicou, em 1832, Direitos das mulheres e injustiça dos homens, primeira obra a tratar do direito das mulheres à educação e trabalho.

Mais tarde vieram as obras Conselhos à Minha Filha (1842), Opúsculo Humanitário (1853) e A Mulher (1856). É dela também o crédito pela fundação da primeira escola para meninas, no Rio Grande do Sul e, posteriormente, fundou outra, na então capital federal, o Rio de Janeiro.

Foi especialmente a partir do século XIX que um número cada vez maior de mulheres brasileiras passou a se envolver em revoltas ligadas à construção do país, como a causa abolicionista. E somente na década de 1890 que a luta pelo direito ao voto foi posta em voga, algo pelo qual as feministas nos Estados Unidos já vinham lutando desde a década de 1840.

Esse período configura-se como a “primeira onda feminista”, ainda chamado de “feminismo bem comportado” (GREGORI, 2017).

O movimento ganhou uma adesão significativa das mulheres em fins do século XIX, devido a vários fatores, como a presença cada vez maior de mulheres no trabalho industrial.

Na indústria têxtil, por exemplo, chegaram a ser maioria. Esses espaços, como discutido em outro momento, estavam tomados pelas ideias anarquistas e socialistas, o que fez muitas mulheres passarem a ingressar nas lutas sindicais em defesa de melhores salários, higiene e saúde no trabalho, “além do combate às discriminações e abusos a que estavam submetidas por sua condição de gênero” (COSTA apud GREGORI, 2017, p. 51). Após a proclamação da República, e mais tarde, em 1891, com a Constituição que instituía o sufrágio universal para todos, o movimento entrou em um período de letargia. O problema residia justamente no “para todos”, visto que se restringia aos homens alfabetizados, excluindo uma parcela expressiva da população. As mulheres continuavam sem direitos políticos.

Foi apenas com a chegada do século XX que as lutas pelo direito ao voto ressurgiram, intensificando-se ao longo das décadas de 1910 e 1920. Contudo, como é sabido, o direito só foi adquirido anos mais tarde, durante o governo de Getúlio Vargas, em 1932. Não cabe aqui analisar em que circunstâncias.

No que concerne à luta por direitos trabalhistas, algumas mudanças começaram a ser sentidas durante as greves de 1907, como, por exemplo, a pouco conhecida greve das costureiras e a greve de 1917. Em ambas, as mulheres exerceram um papel relevante. Na primeira década desse século, existiam várias organizações feministas de cunho socialista, anarquista e liberal espalhadas pela América Latina. Nelas eram discutidas e propagadas as reinvindicações pelos direitos da mulher, bem como eram realizados congressos que reuniam um número expressivo de mulheres. No Brasil, algumas dessas organizações foram fundadas, destacando-se pela atuação e mobilização de uma quantidade expressiva de mulheres, como, por exemplo, a União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas. O Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 pela professora Deolina Dalho, promoveu, em 1919, uma passeata com quase cem mulheres pelo direito ao voto (NOREMBERG;

ANTONELLO, 2016).

No que concerne ao uso da imprensa, a partir da segunda metade do século XIX as feministas investiram na publicação de periódicos e revistas como meio de propagação das ideias e, ao mesmo tempo, de reivindicações, como, por exemplo, o acesso à educação e à instrução (BIROLI, s/d). A imprensa foi, aliás, um dos principais meios de circulação das ideias feministas, em que buscavam incutir nas leitoras a necessidade de lutar pelos direitos,

chegando a estabelecer uma rede na qual se conectavam mulheres de várias regiões do país.

A principal pauta até a década de 1930 era o sufrágio feminino, contudo, não era a única, na medida em que se discutia também a “causa abolicionista (...) em favor do direito das mulheres ao acesso à educação (...) a legalização do divórcio (...) o direito a participar de concursos e cargos públicos (...) e outros” (SANTOS; MOURA, 2018, p. 90). A maioria dessas mulheres era republicana e defendia sua aquisição de direitos jurídicos e políticos.

Voltando à questão da imprensa, o Brasil foi o país na América Latina no qual houve maior desempenho da imprensa feminista. Até então, a escrita feminina, especialmente de mulheres de elite, restringia-se a gêneros bem específicos, como cartas para o/a filho/filha no colégio interno, receitas e diários. A escrita de diários era inclusive uma prática incentivada pela Igreja, como meio de exame de consciência, e poucos eram os livros publicados por mulheres. Conjecturo, portanto, que é muito provável que essas mulheres responsáveis pelos jornais tenham sofrido uma série de retaliações

As militantes foram levadas a lidar com uma série de problemas ligados à escrita, como o alto índice de analfabetismo, o controle dos impressos pelos homens e a falta do acesso à educação pelas mulheres. Todavia, esses empecilhos não impediram que diversos periódicos fossem criados.

Os primeiros indícios da atuação feminina na imprensa periódica datam de 1822, quando o jornal Sentinela da Liberdade, em Recife, publicou um manifesto assinado por 120 mulheres da Paraíba, no qual reivindicavam direitos. Entretanto, foi na década de 1850 que a imprensa periódica feminista floresceu, e a partir daí vários títulos foram publicados. O Jornal das Semhoras (1852), editado por Joana de Paula Manso, foi o primeiro a ser criado, e posteriormente surgiu o Belo Sexo (1862), sob direção de Julia de Albuquerque Aguiar. Na década seguinte, já em 1873, Francisca Senhorinha Diniz passou a editar O Sexo Feminino (1873) e mais tarde vieram O Eco das Damas (1879), de Amélia Carolina Couto; O Direito das Damas (1882), de Idalina D’Alcântara Costa; e A Família (1888), de Josephina Alvares Azevedo, dentre outros (SANTOS; MOURA, 2018). Embora não tenha localizado estudos referentes à receptividade da imprensa feminista pelo público, a quantidade de títulos indica que provavelmente tenha sido significativa. Partindo do pressuposto de que havia um percentual significativo de analfabetismo, pelo menos em muitas cidades, é possível que ocorressem leituras de jornais em reuniões, assembleias e rodas de conversas, entre outros meios de encontros coletivos e/ou sociabilidades.

Além das mulheres responsáveis pelas edições dos periódicos acima citados, muitas outras se destacaram no mesmo período (final do século XIX e início do XX), como Edith

Mendes (1903-1982). Nascida na Bahia, essa educadora e escritora dedicou-se, entre outras causas, à defesa pelo sufrágio feminino em seu estado (GHIORZ, 2016). Outro destaque foi Maria de Lourdes Teixeira (1905-1996), ou Lulurde, como era mais conhecida, que atuou no interior do estado de Minas Gerais. Professora, diretora e escritora do jornal A Estrella da Oeste, Maria de Lourdes deixou também uma trajetória de luta pelos direitos das mulheres na cidade de Divinópolis (SANTOS; MOURA, 2018). Bertha Lutz (1894-1976) foi uma das feministas mais proeminentes de sua época. Bióloga e política, foi uma das organizadoras do movimento sufragista. Outra feminista símbolo da luta pelo sufrágio foi Mietta Santiago (1903-1955), escritora, poeta e advogada, a primeira a exercer o direito de votar e ser votada. Muitas outras mulheres destacaram-se, entre intelectuais, professoras, advogadas, poetisas, operárias e donas de casa, e cada uma à sua maneira contribuiu com a luta pela igualdade e contra a discriminação de gênero e cor.

Todavia, nem tudo foram flores. O movimento enfrentou muitas resistências. O próprio termo feminismo foi (e ainda é) alvo de resistência, o que não se constitui em uma peculiaridade do Brasil. O antifeminismo do século XIX e XX (e XXI) foi bem-sucedido ao disseminar a imagem da mulher feminista em oposição à feminilidade. Difundiu-se uma imagem estereotipada de que o feminismo agregava mulheres que não cuidavam da aparência física ou que eram feias, lésbicas, ressentidas, masculinizadas, mal-amadas e anti- homens. Nesse sentido, o antifeminismo foi, de fato, vitorioso, haja vista que essa concepção é muito latente na atualidade. Antifeministas, incluindo neste grupo mulheres, argumentavam que, caso a mulher assumisse funções socialmente masculinas (de acordo com a mentalidade da época) ela iria adquirir características que não condiziam com a função natural da mulher, qual seja, a maternidade. Para a sociedade, ao assumir-se feminista a mulher tornava-se fria, mundana, imoral e, pior, fugia do que a natureza estabelecia (SANTOS; MOURA, 2018).

Em decorrência disso, Santos e Moura (2018) afirmam que muitas mulheres, temerosas da rejeição e perseguição, socialmente falando, em especial aquelas mulheres integrantes da primeira onda feminista, não se afirmaram como tal. Personalidades famosas, como Nísia Floresta, foram vítimas de perseguições. O feminismo encontrou na Igreja Católica uma das suas principais opositoras. Como será discutido no próximo capítulo, encíclicas foram expedidas especificamente para criticar e, ao mesmo tempo, combater movimentos como o feminismo, que questionavam bases até então sólidas dos dogmas católicos. A Igreja encarava como uma afronta a defesa de igualdade entre os gêneros, política e socialmente, por exemplo. Reivindicações como essas, do ponto de vista da Santa

Sé, a longo prazo trariam sérias consequências para o catolicismo, e por isso era preciso agir rápido para desarticular o movimento. Sabe-se que, nesse caso, a Igreja Católica não obteve tanto êxito, visto que, apesar dos ataques que sofreu (e ainda sofre), o movimento mostrou (e mostra) que veio para ficar.

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 83-88)