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Uma sociedade secreta no Brasil: a Maçonaria e a defesa de uma

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 94-99)

protestantes, e a educação católica, concorrendo com a educação protestante. Embora tenha havido conflitos e embates entre os dois modelos, a história nos mostra que houve (e há) espaço para as duas. Tanto é que, atualmente, colégios, creches e instituições de ensino superior católicas e protestantes se encontram espalhados Brasil afora.

2.8 Uma sociedade secreta no Brasil: a Maçonaria e a defesa de uma sociedade

republicana, entre outras causas. No Brasil, é conhecida, por exemplo, a influência que exerceu no processo de Independência, na abolição da escravatura e na instituição da República no país.

A filantropia é uma das frentes de atuação da Maçonaria no Brasil. A partir da fraternidade, um dos princípios basilares da irmandade, importantes obras assistenciais foram e ainda são empreendidas pelas lojas espalhadas pelo país. Atualmente, estima-se que haja cerca de 211 mil maçons filiados, distribuídos em aproximadamente 6 mil lojas e/ou templos pelo Brasil (PANTANO FILHO, 2011).

A primeira referência a uma loja maçônica no Brasil data de 1797, no atual estado da Bahia, na fragata francesa La Preneuse, denominada de Cavaleiros da Luz. Pouco tempo depois sua transferência foi efetuada para Salvador, no bairro da Barra. Todavia, foi no Rio de Janeiro, em 1801, que ocorreu a fundação da primeira loja regular no país, chamada de Reunião. A loja era filiada ao Oriente da Ilha de França, atualmente Ilha Maurício, quando o território estava nas mãos dos franceses. Logo, as primeiras atividades da Maçonaria no Brasil estão ligadas à presença dos franceses (CARVALHO, 2010). Foi também na Bahia, em 1813, que ocorreu a fundação do Grande Oriente Brasileiro, e o grão-mestre escolhido foi Antônio Carlos de Andrada. É importante salientar que alguns estudiosos, como Carvalho (2010), colocam esse Grande Oriente – que esteve em operação até 1817 - como uma organização efêmera e sem valor legal. Poucos anos depois, mais precisamente em 1816, foi criada, em Recife, a segunda Obediência, esta regional, e a Grande Loja Provincial, que operou até 1817. Com o desejo de propagar a “verdadeira doutrina maçônica”, como salienta Carvalho (2010), o Grande Oriente Lusitano nomeou três delegados com plenos poderes para criar lojas no Rio de Janeiro, filiadas a ele. Resultantes dessas políticas, foram criadas as Lojas Constância e Filantropia, as primeiras regulares. No entanto, anteriormente às lojas, já havia agrupamentos secretos, mais ou menos aos moldes maçônicos. Nos primeiros anos do século XIX, lojas foram fundadas na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Algumas eram livres ou ligadas ao Grande Oriente Lusitano e/ou à França, entre elas: Loja Virtude e Razão (1802), na Bahia; Loja Virtude e Razão Restaurada (1807), sucessora da Virtude e Razão; Loja Regeneração (1809), em Pernambuco; Loja Distintiva (1812), em Niterói; e Loja Comércio e Artes (1815), no Rio de Janeiro. Posteriormente, outras foram fundadas (CARVALHO, 2010).

É importante frisar que naquela época os governos coloniais eram instruídos a não permitir o funcionamento de lojas maçônicas na então colônia. Em decorrência disso, as lojas no Rio de Janeiro, por exemplo, cessaram suas atividades e concentraram-se na Bahia e

em Pernambuco. Contudo, apesar da proibição, as Lojas São João de Bragança e Beneficência prosseguiram com suas atividades, embora de forma clandestina. Em 1818, uma série de conflitos envolvendo a colônia e Portugal culminou na proibição de toda e qualquer atividade de sociedades secretas, entretanto, os maçons continuaram atuando de forma clandestina. Em 1821, quando os acontecimentos político-militares que culminariam na Independência do Brasil em relação a Portugal iniciaram, a Maçonaria emprestou sua organização para essa finalidade. Isso porque naquele período não havia partidos políticos que estivessem à frente da organização e mobilização contra o domínio português. A irmandade voltava à plena atividade. No ano seguinte (1822), ocorreu de fato a Independência, e nesse mesmo ano foi fundado o Grande Oriente do Brasil (GBO). Fizeram parte do processo 94 homens, entre eles José Bonifácio de Andrada e Silva e Joaquim Gonçalves Ledo, duas figuras marcantes no período (PANTANO FILHO, 2011). O próprio príncipe D. Pedro foi indicado para a Ordem, em 13 de julho de 1822, respondendo à proposta do grão-mestre José Bonifácio.

O Grande Oriente exerceu uma influência expressiva no cenário político brasileiro ao longo do século XIX, ao participar ativamente da Independência do Brasil, na luta pelo fim da escravidão e pela Proclamação da República. Há estudiosos que defendem inclusive que o principal objetivo dos fundadores do Grande Oriente era a independência do Brasil. Foram os maçons que em Portugal lideraram a Revolta Liberal do Porto em 1821, na qual se exigia o retorno de D. João VI à metrópole. Entretanto, as relações entre a Irmandade e D. Pedro I logo azedaram, de forma que, em outubro do mesmo ano, este resolveu fechar o Grande Oriente, o qual permaneceu adormecido - pelo menos legalmente - até 1831. Isso não significa que as atividades da irmandade tenham cessado, lojas individuais continuaram em plena atividade, e deputados maçons passaram a compor forte oposição ao imperador. Ao mesmo tempo, maçons ligados ao Grande Oriente uniram-se na tentativa de desgastar e solapar o trono, o que resultaria na abdicação de D. Pedro I, em 1831. O Grande Oriente, por sua vez, foi reinstalado logo em seguida (CARVALHO, 2010), (PANTANO FILHO, 2011).

O Grande Oriente e boa parte dos maçons eram contrários ao sistema escravocrata.

Em alguns momentos, chegaram a exigir do imperador o fim do sistema. À medida que o século XIX avançava, essa questão tornava-se cada vez mais latente. Entre os maçons de renome nacional e abolicionistas podem-se citar Luís Gama, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco. A partir da década de 1870, a causa abolicionista ocupou cada vez mais a atenção das lojas. Juntamente com a luta pelo fim da escravidão vinha a defesa pelo republicanismo.

Basta lembrar que foi nessa mesma década que ocorreu a chamada Questão Religiosa,

envolvendo a Igreja e o imperador, que implicou também a Maçonaria. Maçons também participaram da criação do Partido Republicano na década de 1870.

O Golpe de 15 de novembro de 1889, que derrubou a Monarquia do poder, contou com a participação de ilustres maçons, como Deodoro da Fonseca, além de outros que atuaram nos bastidores desse evento. Instituída a República, Deodoro foi escolhido como chefe do governo-provisório e montou um ministério constituído quase que exclusivamente por maçons “Quintino Bocaiuva, na Pasta dos Transportes; Aristides Lobo, na do Interior;

Benjamin Constant, na da Guerra; Rui Barbosa, na da Fazenda; Campos Salles, na da Justiça; Eduardo Wandenkolk, na da Marinha; e Demétrio Ribeiro, na da Agricultura”

(CARVALHO, 2010, p. 43). Exceto por Rui Barbosa, todas as pastas estavam nas mãos de maçons, que compunham a nata dos republicanos históricos e, por coincidência ou não, integravam o Grande Oriente. É possível perceber que a Maçonaria participou ativamente de momentos marcantes na história nacional. Em 19 de dezembro de 1889, Deodoro foi eleito grão-mestre do Grande Oriente do Brasil, assim como, mais tarde, outros líderes políticos, também ocuparam tal cargo/função, o que não cabe discutir aqui. Muitos outros maçons ocuparam a presidência da República nos anos posteriores, como Floriano Peixoto, Campos Sales, Hermes da Fonseca, Nilo Peçanha, Wenceslau Brás e Washington Luís.

As atividades da Maçonaria não ficaram restritas à luta pelo fim do domínio português ou ao republicanismo, suas reinvindicações foram bem mais amplas. A educação, por exemplo, foi objeto de sua atenção. Os maçons posicionaram-se em defesa do ensino público para todos, pela obrigatoriedade do ensino primário e contra o analfabetismo que atingia uma parcela expressiva da população brasileira. Engajados na luta contra o obscurantismo advindo do apego à religião, propunham uma educação sem influências clericais e/ou jesuíticas, consideradas inadequadas. Defendiam, portanto, o ensino laico e pautado no “uso da razão na busca do progresso intelectual, social e moral e como forma de debelar toda a tirania, seja intelectual, moral ou religiosa” (AMARAL, 2017, p. 65). A entidade criou uma série de escolas primárias direcionadas às camadas populares. Nelas, os ideais da irmandade eram disseminados entre os alunos. Essa era uma eficiente maneira de difundir seus princípios para a sociedade. Entre os anos de 1890 e 1930, foram criadas 138 escolas, distribuídas em 17 estados17. Aliadas à criação de escolas, vieram também as bibliotecas, com o objetivo de aproximar pessoas das camadas populares ao mundo letrado.

17 Para mais informações consultar: MAGALHÃES, Fernando da Silva. Maçonaria e educação: contribuições para o ideário republicano. 2013, 305 fls, Tese (Doutorado em Educação) - Centro de Educação e

Humanidades, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em:

http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5598

A irmandade esteve envolvida também na modernização do sistema educacional na Primeira República. Ligada aos princípios liberais e positivistas, como dito em outro momento, a Maçonaria defendeu, inclusive em alguns de seus jornais, a educação elementar obrigatória. De acordo com ela, esta seria a forma mais adequada de preparar mão de obra para os novos e modernos processos de produção que a industrialização inaugurava. Ao estimular as “diferenças individuais, deveria habilitar a população para assumir os diferentes papéis exigidos pela “nova sociedade”, ou seja, a sociedade industrial emergente”

(AMARAL, 2017, p. 66-67). A educação, nesses moldes, estendida a todos brasileiros (daí a defesa pela obrigatoriedade do ensino primário e da necessidade do Estado em investir na educação pública) resultaria na ordem e no progresso, princípios caros à República recém- instalada. Aliada aos interesses positivistas e liberais, a Maçonaria preocupou-se em disseminar suas ideias em defesa do casamento, do registro civil e da instituição dos cemitérios, além de prezar a liberdade de pensamento, a independência da razão, a liberdade religiosa e as liberdades individuais como meios de combater a superstição e a religião (BARATA apud MORAIS, 2016). A defesa da racionalidade tinha como objetivo construir uma sociedade mais secularizada e com menor influência das questões religiosas “para que se construísse uma identidade nacional própria” (MORAIS, 2016, p. 10), o que contrariava os princípios defendidos pela Igreja.

A Maçonaria investiu na imprensa e fez largo uso dessa ferramenta. A imprensa maçônica data da segunda metade do século XIX e constituiu-se em um mecanismo relevante para a Maçonaria, tendo sido utilizada para, entre outras finalidades, propagar as ideias defendidas pela irmandade. Em 1871, foi criado o jornal Boletim do Grande Oriente do Brasil, periódico voltado para o corpo de membros. No ano seguinte foi fundado o A Família, jornal dos interesses maçônicos (1872-1874), o Boletim do Grande Oriente e Supremo Conselho do Brazil, jornal oficial da Maçonaria brasileira (1873-1875) (GONÇALVES, 2012), dentre outros criados posteriormente. Além de ser um importante meio de propagação dos princípios da irmandade, alguns desses jornais foram utilizados como meio de criticar a ação do governo, como a falta de comprometimento com a educação das camadas populares.

E, para não fugir à regra, a Igreja Católica e a Maçonaria travaram conflitos históricos. No Brasil, não foi diferente. Entre o final do século XIX e início do XX, a relação entre as duas tornou-se mais tensa. Contribuiu para o desencadeamento dos conflitos as prisões dos bispos D. Vital e D. Antônio Macedo Costa, de Belém e Olinda respectivamente, no famoso episódio da Questão Religiosa. O fato de outros religiosos católicos terem aderido

à irmandade também foi mais um ingrediente para acirrar os ânimos (MORAIS, 2016). É bom frisar que quando se trata de religiosos maçons, a referência não é apenas a católicos, embora fossem em maior número, mas protestantes também passaram a frequentar as reuniões. Muitos missionários batistas, metodistas e presbiterianos eram maçons (CALVANI, 2009). Essa conjuntura persistiu até o início do século XX. Fica claro que, nesse caso, era uma espécie de aliança contra o inimigo comum, no caso, a Igreja Católica.

A Maçonaria passou a defender ideias liberais, como o laicismo do Estado e consequentemente a separação entre a Igreja e o Estado. Como esses princípios ameaçavam a Igreja, os ânimos inflamaram-se contra a irmandade. Os maçons passaram a ser encarados como ameaça para a Igreja, visto que questionavam o poder e o controle que esta exercia na sociedade. Diante das perseguições que passou a enfrentar de forma mais intensa nas últimas décadas do século XIX, especialmente a partir da Questão Religiosa, a Maçonaria começou a fazer uso do Parlamento e da imprensa como mecanismos de luta. A Igreja, por outro lado, passou a divulgar uma visão estereotipada de que “esta sociedade secreta (a Maçonaria) escondia algum mal, ocultava segredos por trás de seus ideais, os quais seriam revelados somente aos homens filiados e escolhidos” (MORAIS, 2016, p. 07). A irmandade, na “visão da Igreja Católica, (era) um instrumento da conspiração contra os bons costumes, a fé verdadeira, sendo que seus rituais eram feitos [para] destruir a verdadeira religião”

(MORAIS, 2016, p. 08). A Igreja fez uso desse argumento com o objetivo de abalar seus fiéis, para que não viessem a aderir à irmandade e, ao mesmo tempo, condená-la. A estratégia não foi bem sucedida, tanto é que muitos católicos continuam participando efetivamente das reuniões da irmandade.

2.9 Espiritismo kardecista, umbanda e candomblé

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 94-99)