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As primeiras Irmãs Azuis em Terra Guarani

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 169-175)

Destarte, o objetivo principal deste capítulo é analisar o contexto político, econômico e social do Paraguai nas três primeiras décadas do século XX, com a intenção de compreender sua conjuntura no período que antecedeu à chegada das Irmãs Azuis. A construção deste capítulo pauta-se essencialmente nas obras publicadas pela congregação e em bibliografias sobre os temas aqui abordados. Há poucos trabalhos produzidos acerca do Paraguai, portanto, a escrita deste capítulo enfrentou dificuldades com relação a alguns assuntos, mormente com o socialismo. Foram mapeados pouquíssimos trabalhos que tratam dessa temática, o que não permitiu esclarecer algumas questões. Seria uma questão política? Por outro lado, há uma gigantesca produção acerca da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, é como se o país se resumisse somente a isso.

A República do Paraguai localiza-se no centro da América do Sul e, assim como a Argentina, é um país majoritariamente católico. Cerca de 87,72% da população professa a fé católica, ao passo que outras religiões correspondem a 12,08%, segundo dados de 201427. Todavia, ao contrário da Argentina, que possui cerca de 97% da população com ascendência europeia, a população do Paraguai é, em sua maioria, composta de eurameríndios (94%), de ameríndios (3%) e europeus ibéricos (3%) (FRANCISCO, s/d). E, assim como na Argentina, no Brasil e em grande parte dos países da América Latina, a Igreja Católica, apesar de ter passado por muitas crises entre o final do século XIX e XX, conseguiu, mediante uma série de estratégias, manter seu lugar e/ou posição na sociedade, conquistada durante o processo de colonização.

De certa forma, a Congregação das Irmãs Azuis contribuiu para a hegemonia da Igreja no país, haja vista que atuou em muitos locais afastados e desprovidos de padres. Nesse sentido, começo por analisar o processo de estabelecimento das Irmãs no Paraguai.

Agustín, àquelas alturas, já conhecer a congregação, possivelmente foi um elemento favorável à comunidade. Madre Germanie Sapena, então superiora provincial da Argentina, não hesitou em aceitar a proposta (STREVIS, 1951).

Em Lomas de Zamora, na Argentina, as irmãs preparavam-se para a partida. Findados os preparativos, embarcaram na estação ferroviária Frederico Lacroze, que interligava Buenos Aires e Assunção, capital do Paraguai. Após uma viagem de trem que durou cerca de 48 horas, o grupo chegou a Maciel, a 11 km de Caazapá, no sábado, dia 25 de fevereiro de 1939.

Dali, as irmãs seguiram em um caminhão até o destino, onde foram saudadas por grande parte dos moradores que se encontravam no local para recebê-las. O grupo era composto por madre Lucienne Laroche (francesa), superiora da nova comunidade e assistente de irmã Bernardin Gau (francesa), além das irmãs Victorina Santos Souza e Cristina Correngia (argentinas), Juliana Vidal e Ignacia Benítez Balmaceda (paraguaias). Dessa forma, parcela das irmãs que iniciaram as missões no Paraguai era fruto da atuação da congregação no continente (MECABO, 2004).

A primeira casa alugada para as irmãs em Caazapá, onde atualmente é a casa paroquial, pertencia a uma família tradicional da cidade. Foi nessa casa que a primeira escola começou a funcionar, ainda em condições precárias. No mesmo ano, as Irmãs receberam da prefeitura um terreno para a construção do Colegio Imaculada Concepción, que passou a receber “pessoas vindas de todos os cantos do país. Tem uma reputação que nos alegra, pois é para a Glória de Deus” (GERMANIE apud MECABO, 2004, p. 76). Dessa forma, foram iniciados os trabalhos com meninas que não podiam frequentar as aulas diurnas. Contudo, a instituição foi fechada pouco tempo depois, visto que não era seguro que as alunas transitassem pelas ruas escuras (MECABO, 2004).

A doação do terreno pela prefeitura demonstra que havia uma espécie de acordo entre a Igreja e o poder público, pois, muito provavelmente, era mais prático e menos dispendioso para a prefeitura contribuir para a fundação de uma escola que seria gerida pelas Irmãs do que fundá-la e mantê-la. Ambas as partes saíam beneficiadas mediante esse sistema.

É evidente que, assim como no Brasil e na Argentina, casos já estudados anteriormente, essa não era a primeira experiência de educação católica que o país vivia.

Desde o período colonial, a Igreja manteve-se presente nessa área. Jesuítas, mercedários, jerônimos, franciscanos e dominicanos foram responsáveis pela incorporação dos nativos ao ritmo de “vida civilizada”. Nesse processo, a educação foi essencial. E assim como em grande parte dos países do Novo Mundo, a educação era um direito para todos. Os poucos colégios

que foram criados atendiam apenas os homens, e as mulheres estavam relegadas ao mundo doméstico, para o qual recebiam instrução religiosa e de prendas domésticas.

Foi nesse período que ocorreu a fundação do Colégio Carolino e de algumas cátedras livres. Aqueles que possuíam condições financeiras poderiam realizar os estudos universitários em cidades mais próximas, como Córdoba, Charcas ou ainda em Lima e Santiago, no Chile (ROESLER, 2017). As poucas escolas funcionavam em casas de professores particulares, que utilizavam como material de ensino os textos do catecismo católico e primavam por conhecimentos como ler, escrever, contar, religião e artesanato. Em suma, a educação reduzia-se aos “interesses dos governadores e das ordens religiosas oriundas da Espanha” (ROESLER, 2017, p. 139). A “escassez de professores, de materiais escolares e de recursos financeiros” foi uma das marcas da educação nessa época.

Decorridos três anos após o início das atividades das Irmãs em Caazapá, em 1942, elas atenderam ao apelo da Srta. Irene Cardus para fundar uma escola rural em Concepción. A instituição deveria atender, em regime de internato e externato, crianças que residiam em Concepción e Saladillo, uma cidade próxima. O projeto efetivou-se em 16 de agosto de 1943.

Uma propriedade de cerca de 4.500 m² foi doada pelo Dr. Gualberto Cardús- Huerta para a construção da escola que tinha como objetivo formar as meninas “nos trabalhos domésticos e preparadas para seus deveres de mães de família” (MECABO, 2014, p. 78). Pouco tempo depois, madre Marie Agathe, em carta enviada para a sede da congregação, orgulhava-se de poder afirmar que a “escola tem dado à sociedade, ao longo de sua história, mulheres bem formadas, capazes de ser boas esposas e donas de casa” (MADRE MARIE AGATHE apud MECABO, 2004, p. 85). A escola era gratuita e mantinha-se daquilo que era produzido pelas alunas e pelo aluguel de parte do terreno. Ao que tudo indica, as Irmãs recorreram a empréstimos do governo para a construção da Escuela Rural Irene Cardus, que iniciou suas atividades em 1944, com um noviciado em anexo, criado para jovens que aspiravam à vida religiosa.

A Escuela Profesional Francisca Bernal, em Concepción, em funcionamento desde 1941, foi transferida para as Irmãs Azuis em 1944, cabendo sua direção à irmã Maria Victória, que alterou o nome da instituição para Escuela Profesional Emilie. No ano de 1950, anexo à escola em Concepción, foi criado um internato com o intuito de atender adolescentes que residiam no interior e desejavam completar os estudos secundários na cidade. Pouco tempo depois, foi aberto um ateliê de costura que oferecia aulas para jovens duas vezes por semana, também gratuitamente. A instituição fechou as portas em 1961, mas a essa altura, as Irmãs mantinham em Concepción, desde 1947, além das insituições citadas, um Jardim de

Infância que mais tarde se tornou uma escola primária, oficinas que atendiam meninas da região e, ainda, os trabalhos no presídio da cidade.

A congregação continuou a expansão de suas atividades no país. Em junho de 1956, o Estado reconheceu e autorizou o funcionamento em Saladillo, cidade pequena e próxima a Concepción, de uma escola rural mista para atender os alunos camponeses das redondezas.

Nas instituições escolares as crianças eram instruídas na religião católica, de forma que esses espaços se convertiam locais privilegiados de evangelização. As meninas eram, sobretudo, preparadas para o casamento que não tardaria muito. Grande parte dessas escolas era gratuita e mantinha-se daquilo que era produzido em seus quintais. Era comum os alunos trabalharem em hortas, cuidarem de animais etc. Em Saladillo, por exemplo, as meninas tinham “duas horas de trabalho e costura e duas horas e meia de aulas, todos os dias” (MADRE St.

CLEMENT apud MECABO, 2004, p. 83).

As irmãs desenvolviam também um trabalho de visitações às famílias, principalmente nos fins de semana. Essas regiões mais afastadas eram desprovidas de padres, que se deslocavam até lá apenas para celebrar missas, muitas vezes de forma irregular. Eram, portanto, as irmãs que se mantinham mais próximas dessas famílias. Como já discutido no capítulo 1, essa estratégia passou a ser frequente e incentivada pela Igreja com o intuito de se fazer mais presente e consequentemente de impedir que religiões, tais como o protestantismo, encontrassem nessas regiões espaço para se expandir.

Consolidadas as atividades das Irmãs Azuis nessas cidades (Caazapá, Concepción e Saladillo), outros horizontes em terras paraguaias foram vislumbrados. A cidade escolhida foi Encarnación, situada à sudoeste do país e, naquele período, uma das mais prósperas, tendo por isso atraído uma grande leva de imigrantes europeus, especialmente alemães, eslavos e ucranianos, além de japoneses. Nesse caso, as Irmãs não foram convidadas a iniciar suas atividades na cidade, foram elas, no início de 1946, que apresentaram o pedido à paróquia da cidade para abrir um colégio, que foi logo aceito pelo pároco, Pe. Francisco, haja vista que a cidade carecia de instituições de ensino.

Em 20 de fevereiro do ano seguinte, o grupo de irmãs designado para fundar o referido colégio embarcou no trem em Lomas de Zamora, na Argentina. Compunham o grupo: madre María Magdalena Segura (argentina), irmãs Angèle Letellier (francesa), Marie Aurélie Duarte (paraguaia) e madre Saint Clément, provincial da Argentina. Decorridos dois dias, em 22 de fevereiro o grupo chegou ao destino, inicialmente instalando-se na casa de uma família conhecida, os Alvarenga (STREVIS, 1951). No mesmo dia foi fundado o Colegio Inmaculada Concepción, instituição voltada à educação feminina, que oferecia o ensino primário. Logo

em seguida, foi instalado um externato, que geralmente recebia meninas que residiam a longas distâncias do colégio. A instituição prosperou, de forma que em poucos dias após a fundação já contasse com cem alunas entre internas e externas. Passados dois anos, em decorrência da demanda, o colégio mudou para um prédio mais amplo, o qual se encontra em funcionamento atualmente. Aos fins de semana, sob a supervisão das irmãs, as crianças eram conduzidas às atividades na pastoral da paróquia e colaboravam com a catequese de outras crianças e jovens, organizavam grupos de catequistas, visitavam famílias nas redondezas e doentes no Hospital Regional.

No ano de 1953 surgiu outra oportunidade de expansão da congregação. O núncio apostólico, em uma de suas visitas a Saladillo, acompanhado do monsenhor Emilio Sosa Gaona, transmitiu suas preocupações em relação aos cuidados com os enfermos do Hospital Militar de Assunção, visto que as franciscanas se retirariam em breve. A solicitação de envio de irmãs para atuarem no hospital foi encaminhada à madre Saint Clément, madre provincial, e o parecer favorável foi dado quase que imediatamente. Era mais uma oportunidade de as Irmãs Azuis fincarem suas raízes nesse país, não podendo, portanto, ser desperdiçada. Poucos dias haviam se passado quando o arcebispo de Assunção, monsenhor Aníbal Mena Porta, concedeu a autorização necessária para o início dos trabalhos das Irmãs no Hospital Militar, fazendo com que alcançassem, assim, a capital do país, um passo deveras significativo. Para esse novo projeto foram designadas quatro irmãs da comunidade da Argentina, sendo elas:

madre María Genoveva Soulet (francesa), irmãs Ana Luisa Ramírez, Ignacia Benítez, Bernardina González (paraguaias) e Cristina Correngia (argentina), que chegaram em 14 de maio de 1953 e poucos dias depois, após regularizarem os contratos, deram início aos trabalhos no hospital. Essas irmãs receberiam um ordenado e mantimentos da prefeitura, além de uma casa, enquanto atuassem na instituição (MECABO, 2004).

Decorridos alguns meses, as relações entre o diretor do hospital, a superiora e a comunidade tornaram-se tensas. Ao ver a possibilidade de ficarem sem recursos para manter as atividades em Assunção, as Irmãs iniciaram os trâmites para a construção de um colégio (THEDY, s/d). O motivo alegado por elas foi que o trabalho no hospital passou a exigir qualificações que não possuíam. Isso, de certa forma, foi restringindo suas atividades na instituição e levou-as a exercer outras funções além daquelas já executadas, como, por exemplo, a evangelização na Pastoral da Saúde, em que acompanhavam os enfermos na “sua dor física, dando atenção espiritual nos momentos difíceis”. Ficou a cargo delas também

“providenciar o necessário para a limpeza e asseio do Hospital, assim como o cuidado da rouparia, dirigindo o trabalho das costureiras e lavadeiras” (MECABO, 2004, p. 91).

Enquanto isso, os trâmites para a fundação do colégio não cessaram, e as Irmãs recorreram às comunidades de Saladillo, Concepción e Lomas para a obtenção dos recursos para a construção. De fato, o projeto efetivou-se e no dia 15 de março de 1960 o Pe. Ismael Rolón deu abertura às solenidades de inauguração do Colégio Immaculée Concepción de Assunção, escola privada que oferecia 5 séries para um total de 102 alunos. As fundadoras foram: madre Manuela Fajardo, irmãs Victorina Santos Souza, María Hermelinda Almada e Pilar María Masseto. Em 1961, o colégio passou a oferecer o ciclo primário completo e, devido ao êxito alcançado, em 1964 já oferecia os ciclos primário e básico, além do bacharelado em Ciências e Letras e Ensino em Educação Primária. Em 1966 formou a primeira turma de mestras e atualmente está em plena atividade, embora não ofereça mais os cursos de bacharelado.

Além dos trabalhos no colégio e na paróquia, as Irmãs também atuavam na Pastoral Social, que se ocupava da assistência social às famílias carentes, uma característica do catolicismo da época, como já foi discutido em outro momento. Carlota Strevis afirma que as Irmãs receberam vários pedidos para se estabelecerem em outras regiões do país, contudo, não foi possível atender a demanda, haja vista que, entre as dificuldades, existia a falta de pessoal para se embrenhar em regiões interioranas e, não raro, de acesso dificultoso.

Em 1968, o Capítulo Geral da Congregação decidiu pela criação da Província do Paraguai. Anos depois, a Venezuela foi integrada, passando a ser Província do Paraguai- Venezuela, cuja sede está localizada na cidade de Assunção, no Paraguai. Atualmente são ao todo dezessete comunidades: quinze no Paraguai e duas na Venezuela. As obras incluem cinco escolas, estando localizadas nas seguintes cidades: Assunção, Caazapá, Encarnación, Concepcion e Saladillo; além da atuação no Hospital Militar (Comunidade Sagrado Coração de Jesus).

A chegada das Irmãs Azuis no Paraguai coincidiu com um período dramático no país.

Desde a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1865-1870), que dizimou três quartos da população paraguaia (SCHWARCZ, 2017), grande parte dos sobreviventes era composta por mulheres, idosos e crianças (BREZZO; SALINAS, 2015). Um percentual expressivo da mão de obra ativa foi dizimado durante o conflito. O país atravessava uma fase de crise econômica, em muitas cidades e povoados a pobreza e desigualdades imperavam. Na primeira metade do século XX, várias revoltas estouraram no país, aterrorizando a população e desestabilizando sua frágil política interna.

Volto um pouco na História para conhecer o contexto da Terra Guarani no período que antecedeu à chegada das Irmãs Azuis.

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 169-175)