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A Igreja Católica no Paraguai entre o final do século XIX e XX

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 175-179)

da permissão do governo, que proibiu também a dependência da Igreja a outras congregações externas. A mais alta autoridade da Igreja no país passava a ser o ditador Francia, o que conferia apenas a ele o poder de nomear ministros eclesiásticos.

Na educação, Francia primou pela maior participação do Estado e restringiu a atuação da Igreja (LÓPEZ, 2019), além de investir na educação elementar, que se resumia a ler, escrever e contar. Porém, ler e escrever já era de domínio da grande maioria da população, cenário não muito comum nos demais países da América do Sul no mesmo período.

Registra-se “a existência de aproximadamente 435 escolas, contabilizando 16.555 alunos sem contar as escolas particulares” (ROESLER, 2017, p. 141). As mulheres, contudo, continuavam sem direito à educação, e as primeiras instituições de educação feminina surgiram apenas anos mais tarde. Não houve muito investimento para a educação média e superior, e grande parte das instituições era de iniciativa privada, não contemplando a maioria da população, que não possuía recursos para arcar com esses custos (ROESLER, 2017). Nesse período foram criadas as primeiras escolas normais, na tentativa de suprir a escassez de professores que desde a colônia assolava o país.

Se no período que antecedeu a Independência a Igreja gozava de grande prestígio social, haja vista que pelo regime de padroado era governada junto à Coroa, o governo francista passou a exigir que ela se submetesse às exigências da fase pós-independência. A Constituição de 1844, no Artigo 17, Título VII, na qual constam as atribuições do presidente da República, estabelecia que ele poderia “celebrar concordatos con la Santa Sede Apostólica;

conceder o negar su beneplácito á los decretos de los concilios y cualesquiera otras constituciones eclesiásticas; dar o negar el exequátur á las bulas o breves Pontificáis, sin cuyo requisito nadie las pondrá en cumplimiento” (CONSTITUCIÓN DE PARAGUAY DE 1844, Título VII, Artigo 17).

A Constituição retirava da Igreja Católica em território paraguaio grande parte de sua autonomia. Esse foi o cenário presente em muitos países latino-americanos ao longo do século XIX. No Paraguai, embora ela tenha exercido papel significativo no processo de Independência, o Estado a reduziu à mínima expressão, cerceando sua influência no âmbito educacional e assistencial com o intuito de dirimir suas forças. Buscava-se ainda limitar a disposição de bens econômicos, além de buscar “encerrar toda su actividad dentro de los muros de los templos, y bloqueando su actividad pastoral” (GRAU, 2017, p. 21).

Os constantes ataques sofridos pela Igreja por parte dos novos Estados foi um dos principais motivos que levaram à realização do Concílio Plenário Latino-Americano, em 1899. Papa Leão XIII defendia que todo esse contexto decorria da falta de cuidados da Santa

Sé para com as Igrejas da América Latina. Para ele, “hemos permitido que a las escogidas Republicas de la America Latina, falten los cuidados y los desvelos que hemos prodigado a las demas naciones católicas” (LEÓN XIII, DECRETO DEL CONCILIO PLENARIO, 1889, p. XV).

Anos mais tarde, papa Pio IX exigiu do governo paraguaio a devolução dos bens confiscados durante o governo francista, bem como o direito de nomear bispos que não fossem de nacionalidade paraguaia. É importante frisar que nessa época o país carecia de bispos e padres, e, em decorrência disso, muitas regiões não podiam ser atendidas pela Igreja (BREZZO; SALINAS, 2015).

Os desacordos entre Igreja e Estado levaram ao envio de uma missão diplomática ao Vaticano, em 1854. Nesse período, o país era governado pelo general Francisco Solano López (1862 – 1870). O acordo firmado entre a Santa Sé e o Estado, entre outras questões, definiu que:

1) el presidente paraguayo tenía, según la Constitución, el patronazgo de todos los bienes eclesiásticos y además el derecho de otorgar o rehusar su permiso a todos los decretos conciliares y eclesiásticos de otra índole, para Paraguay; 2) se hacía depender la proclamación e implementación de bulas y cartas papales em el Paraguay de un consentimiento del gobierno; 3) se disponía del diezmo eclesiástico, 4) estaba prohibido el establecimiento de instituciones educativas de todo tipo y, en el caso de que fuese permitido, el Gobierno disponía la selección de profesores y de los textos y 5) se prohibía recurrir a jurisdicción extranjera, incluso en cuestiones eclesiásticas y matrimoniales (BREZZO; SALINAS, 2015, p. 108).

Nesse período, como se discutirá mais adiante, ocorria no Paraguai a tentativa de constituição de um Estado Liberal. A Constituição de 1870, denominada de liberal por alguns estudiosos, no Capítulo 1, Artigo 3, definia como religião do Estado a católica apostólica romana, no entanto, advertia que o chefe da Igreja no país deveria ser de nacionalidade paraguaia. O Estado também poderia proibir o livre exercício de qualquer outra religião no território nacional (CONSTITUICÍON DEL PARAGUAY, 1870, Capítulo I, Artigo. 3). Isso, de certa forma, significava uma vitória para a Igreja, na medida em que garantia a manutenção de parte de sua influência, situação muito parecida com a vivida na Argentina. Outra questão relevante no que se refere a essa Constituição foi a criação de ministérios. Um deles, o Ministério da Justiça, Culto e Instrução Pública, tinha a função de administrar o culto cristão da Igreja Católica que nessa época, como salientado anteriormente, estava ligado ao Estado.

Cabia a ele, portanto, suprir as demandas da Igreja, como construir igrejas e a formação do clérigo. O governo passava a destinar verbas vultosas à Igreja, se comparadas àquelas concedidas a outras instituições. A Igreja, por outro lado, tinha a obrigação de formar clérigos e disseminar a religião entre a população (SOUZA, 2006). Qual seria a explicação?

A justificativa utilizada foi que “com a valorização, a divulgação e a observância dos princípios cristãos, a justiça ficaria mais aliviada, pois a população seria dotada de uma moral superior, não incorrendo em tantos problemas e atos criminosos” (SOUZA, 2006, p. 146). Por outro lado, no Artigo 69, a Constituição barrava a participação de membros do corpo eclesiástico católico no Congresso, “ningún eclesiástico podrá ser miembro del Congreso;

tampoco podrán serlo los empleados a sueldo de la nación sin renunciar antes a su puesto”

(CONSTITUICÍON DEL PARAGUAY, 1870, Capítulo VII, Artigo 69).

No Paraguai do pós-guerra, em meio às crises que marcaram esse conturbado período, as manifestações religiosas, tais como procissões, festejos, a devoção à Virgem Maria e a recepção aos sacramentos, evidenciavam a vitalidade da religiosidade popular no país, independentemente das mudanças institucionais e de problemas com o clero. Nota-se que as pessoas que residiam especialmente no interior do país, onde o poder clerical era mais ausente, aprenderam a viver a dimensão da vida religiosa na ausência da Igreja institucional,

“desarrollando prácticas que sobrevivieron independientemente de ella” (BREZZO;

SALINAS, 2015, p. 111). Essas práticas religiosas não institucionalizadas, somadas com a ausência de sacerdotes/padres para atender essas regiões geralmente afastadas dos grandes centros (no pós-guerra, havia 47 sacerdotes para uma população de 346.048 habitantes), foram elementos cruciais para a implementação da nova política da Igreja Católica, que consistia em atrair congregações para atender tais localidades. Dessa forma, era possível à Santa Sé estender seus tentáculos por toda parte do território nacional, e uma dessas congregações foi a das Irmãs Azuis.

O ano do estabelecimento das Irmãs Azuis (1939) corresponde a um período em que a Igreja buscava reagir aos movimentos políticos e filosóficos, tais como o liberalismo, o socialismo e o anarquismo, dentre outros. Uma das estratégias que marcaram sua ação entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX foi a Ação Católica, movimento que se propôs a “construir una verdadera contra-sociedad a través de un «paralelismo católico»

creador de sindicatos, universidades, colegios, escuelas, prensa y movimientos católicos de todo tipo” (LOPEZ, 2005, p. 02). O incentivo para que as Irmãs fundassem colégios se insere nesse contexto. A Igreja também se desdobrou na tarefa de ajustar, orientar e acompanhar as atividades do episcopado, a partir da realização de concílios com grande parte do episcopado latino-americano. Entre 1939 e 1947, foram realizados três importantes concílios : o primeiro no Brasil, em 1939 ; o segundo em 1946, no Chile ; e o terceiro no Equador, no ano de 1957.

A Igreja Católica, até os anos 1950, desenvolveu-se dentro de uma estrutura rígida na América Latina. A “catolicidade”, conforme assinala Valdes (s/d), é um fato reconhecido e

uma “herança herdada”. Parte daí a tendência em defender valores ao mesmo tempo que há pouca sensibilidade em detectar os sintomas das mudanças ocorridas na sociedade. O interesse concentrava-se nos problemas internos da Igreja, como a ignorância religiosa, a

“desmoralización de costumbres, obligación de los preceptos de misa dominical y de confesión y comunión anual, promoción de la vida sacramental y de las prácticas de culto, conservación y difusión de nuevas devociones” (VALDES, s/d, p. 303). Quais acontecimentos marcaram o período em que as Irmãs Azuis se estabeleceram no Paraguai?

Qual era a situação enfrentada pela Igreja? Esses são alguns questionamentos que busco discutir nas páginas que se seguem.

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 175-179)