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Constitucionalismo contemporâneo no Brasil

No documento UNIO E-book Workshop CEDU/UNISC 2016 (páginas 176-180)

Inicialmente, convém traçar alguns esboços em torno daquilo que se vem denominando de “constitucionalismo”. Notadamente, a delimitação espacial fica por conta do cenário brasileiro. Temporalmente, delimita-se a abordagem aqui realizada entre o ano de 1988, ano de promulgação da Constituição Federal vigente no Brasil, e o corrente ano de 2016.

No Brasil vive-se sob a égide de um Estado Democrático de Direito1, o que significa dizer que Estado brasileiro se constrói sobre a fusão de duas ideias centrais, a de “constitucionalismo”, ou seja, a concepção de que o Estado é limitado pelos direitos fundamentais, e a de “democracia” que pressupõe a vontade e soberania do povo

1Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Esta- dos e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]”, Constituição Federal Brasileira, acesso em outubro 1, 2016, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

constituicao/constituicaocompilado.htm.

como elemento indissociável do Estado2. É possível destacar, portanto, como notas basilares do constitucionalismo brasileiro, a sua intrínseca relação com os direitos fundamentais e com a soberania popular.

Inclusive, a constituinte que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi um processo que contou com a participação de uma sociedade que estava superando mais de vinte anos de vivência de um regime autoritário3.

É importante mencionar, com relação à força normativa da Constituição que esta não pode ignorar suas condicionantes materiais, sociais e econômicas além de que, conforme criação de Konrad Hesse, o elemento essencial para que a Constituição se transforme em força viva é a “vontade de Constituição”, ou seja, a vontade social de que as suas disposições sejam realmente efetivadas. Importa lembrar também, que mesmo existindo uma profunda “vontade de Constituição”, invariavelmente existirão limites impostos pela realidade social à sua efetivação e é importante que o constituinte esteja atento a tais limites, não fazendo da efetividade constitucional um mero devaneio, o que poderia acabar por erodir a força normativa constitucional4.

Importa também destacar o papel que a principiologia constitucional desempenha no cenário da constitucionalização, especialmente no Estado Democrático de Direito e que se alia a esta busca pela efetividade das normas constitucionais, a partir da sua imprescindível conexão com a realidade social. Neste sentido: “Na passagem para o Estado Democrático de Direito, por sua vez, especialmente em face do recrudescimento da idéia dos direitos fundamentais e da noção de dignidade humana, a Constituição acaba, mais do que nunca, assumindo uma função principiológica, assentada em dispositivos de textura aberta, numa estrutura que permite uma aferição ampla de seus conteúdos na realidade cotidiana, isto é, em face da vida constitucional propriamente dita”5.

2 “O Constitucionalismo Democrático No Brasil: Crônica De Um Sucesso Imprevisto”, Luís Roberto Barroso, acesso em outubro 1, 2016, http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/

LRB/pdf/constitucionalismo_democratico_brasil_cronica_um_sucesso_imprevisto.pdf, 01-02.

3 “O Constitucionalismo Democrático”, Luís Roberto Barroso, 01-02.

4 Daniel Sarmento, Direitos Fundamentais e Relações Privadas (2.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010).

5 Mônia Clarissa Hennig Leal, Jurisdição Constitucional Aberta: reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática uma abordagem a partir das teorias constitucionais alemã e norte-americana (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007), 40.

Percetível portanto que a efetividade das normas constitucionais nasce de sua necessária vinculação entre as duas disposições e a realidade social subjacente.

Nesta perspetiva, a totalidade do ambiente jurídico passa a ser revista pela principiologia constitucional. As constituições que seguem esta lógica possuem um caráter de “abertura”, que por sua vez, demanda uma atividade de criação hermenêutica dos tribunais, que possuem a tarefa de definir a abrangência e os limites dos direitos abarcados pela normativa constitucional6.

Tarefa esta que se pode ver sendo exercida, contemporaneamente, através dos meios de comunicação e que é frequentemente televisionada e porque não dizer, espetacularizada?

Enfim, já que se propôs a abordagem do solidarismo jurídico como um marco do direito contemporâneo, convém relembrar alguns outros marcos anteriores.

No paradigma do liberalismo, a Constituição se restringia à esfera pública não sendo “bem-vinda” no campo das relações privadas. Estas relações eram de exclusividade da normativa infra- constitucional, a exemplo do Código Civil. Já no estado social, a autonomia privada passou a sofrer restrições em benefício de interesses coletivos. A ordem civil passou a dividir espaço com a Constituição que trouxe consigo a ratificação de valores solidarísticos7.

Quando se fala em “principiologia” se fazem necessárias algumas considerações a respeito das dificuldades procedimentais que surgem ao se trabalhar com categorias tão ampla em significa- do. O Brasil vive um momento de midiatização do Poder Judiciário no qual as decisões tomadas pela Corte Suprema (Supremo Tribunal Federal) são amplamente divulgadas e discutidas8. Um dos motivos talvez

6 Cfr. Mônia Clarissa Hennig Leal, Jurisdição Constitucional, 53.

7 Cfr. Daniel Sarmento, Direitos Fundamentais.

8 Serve de exemplo as recentes discussões amplamente divulgadas na mídia em torno da (in) constitucionalidade das “vaquejadas”. Conforme notícia do Senado Federal: “De um lado, o bem-estar de animais submetidos a estresse, tração nas caudas e quedas arriscadas enquanto tentam escapar dos vaqueiros. De outro, uma prática secular que é tradição cultural no Nordeste, gera empregos e movimenta a economia na região. A polêmica envolvendo as vaquejadas se intensificou em outubro, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente ação do Ministério Público contra a lei que regulamenta as vaquejadas no Ceará. O relator, ministro Marco Aurélio Mello, considerou haver ‘crueldade intrínseca’ contra os animais.” “Legalização das vaquejadas divide opiniões”, Isabela Vilar, acesso em novembro 1, 2016, http://

www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/01/legalizacao-das-vaquejadas-divide-opinioes.

seja justamente a dificuldade em decidir os casos que chegam às mãos dos juízes constitucionais.

Isto porque os princípios, diferentes das regras, não descrevem condutas determinadas. Os princípios consagram valores e indicam fins públicos a serem perseguidos. Assim, “a definição do conteúdo de cláusulas como dignidade da pessoa humana, razoabilidade, solidariedade e eficiência também transfere para o intérprete uma dose importante de discricionariedade9.”

Dizer o Direito, portanto, é tarefa que hoje ganha espaço de protagonismo na mídia.

A colisão entre normas constitucionais é fenômeno natural no constitucionalismo contemporâneo. Exemplo disso é a possibilidade de choque entre a proteção ambiental de um lado e a promoção do desenvolvimento de outro, embora fosse possível mencionar uma variedade de outros exemplos. No caso da ocorrência de tais choques entre normas hierarquicamente idênticas não se pode encontrar solução em abstrato, sendo necessário ao intérprete criar, no caso concreto, o Direito. Será, portanto, mediante concessões recíprocas (ponderação) que busquem preservar ao máximo cada um dos interesses colidentes que se realizará a verificação de qual deles prevalecerá no caso concreto em razão da sua mais fiel adequação ao espírito constitucional10.

Enfim, é possível sintetizar as linhas que conformam o constitucionalismo contemporâneo no Brasil mencionando, em primeiro lugar, a busca pela efetividade prática das disposições constitucionais. Em segundo lugar, os princípios constitucionais, espelho dos valores mais caros à sociedade brasileira exercem o papel de unificadores lógicos do ordenamento jurídico, espalhando a sua sistemática por todas as disposições infraconstitucionais.

Por fim, a textura aberta das disposições constitucionais exige dos aplicadores do Direito um papel criativo mais destacado. Este papel, desempenhado, por

9 Luís Roberto Barroso, “Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil”, Revista Questio Iuris 2,1 (2006): 1-48.

10 Cfr. Luís Roberto Barroso, “Neoconstitucionalismo e Constitucionalização”, 1-48.

exemplo, pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, é acompanhado por vezes pela mídia que expõe os casos difíceis que chegam à Suprema Corte e que ganham a atenção da coletividade. Talvez, seja a “vontade de constituição” que desperta a curiosidade popular para os rumos que são traçados cotidianamente para o país pelos operadores do Direito. Esta “vontade” poderia se traduzir em uma “vontade de solidariedade”?

No documento UNIO E-book Workshop CEDU/UNISC 2016 (páginas 176-180)