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Do acórdão do Tribunal de Justiça DEB Deutsche

No documento UNIO E-book Workshop CEDU/UNISC 2016 (páginas 138-141)

Assim, não poderíamos deixar de analisar o mencionado acórdão DEB Deutsche, uma vez que o Tribunal de Justiça já se havia pronunciado pela possibilidade de também pessoas coletivas gozarem de apoio judiciário. Na realidade, no âmbito de um reenvio prejudicial14 de interpretação, este tribunal organicamente europeu

12 Cfr., para maiores desenvolvimentos, Joana Covelo de Abreu, “As interações entre jurisdições no contexto da adesão da União Europeia”.

13 Cfr. Acórdão TJUE, de 22 de dezembro de 2010, DEB Deutsche, Processo n.º C-279/09, ECLI:EU:C:2010:811.

14 Cfr., para maiores desenvolvimentos, Recomendação do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de novembro de 2012, Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais, 2012/C 338/01, http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/

PDF/?uri=CELEX:32012H1106(01)&qid=1496908779643&from=PT. No mesmo sentido, e para análise dogmática, cfr. Joana Covelo de Abreu, “Anotação ao Despacho do Tribunal de Justiça (10.ª Secção) de 16 de julho de 2015 – Processo n.º C-507/14”, in Anuário de Direito Internacional 2014/2015

reformulou a questão submetida pelo tribunal nacional no sentido de aferir se, à luz da tutela jurisdicional efetiva, acautelada nos termos do artigo 47.º da CDFUE, poderia uma pessoa coletiva com fins lucrativos gozar de apoio judiciário quando a sua não concessão determinasse a impossibilidade de tal pessoa coletiva poder exercer, em juízo, os seus direitos15.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça recorda que, apesar de o artigo 47.º da CDFUE apenas falar em pessoa – parecendo referir-se a “indivíduos” –, não exclui as pessoas coletivas já que, sistematicamente, no título em que se insere este artigo “estão consagrados outros princípios processuais que se aplicam tanto às pessoas singulares como às pessoas coletivas16. Por sua vez, como o apoio judiciário não foi um direito incluído no título relativo à solidariedade, não pode ser entendido apenas como um “direito social” a fim de se extrair que “só deverá ser concedido às pessoas singulares17.

Mais concretamente, o Tribunal de Justiça justifica que, apesar de a diretiva não abrir a porta a que também as pessoas coletivas gozem de apoio judiciário, tal não configura um argumento irrefutável de que a CDFUE afaste tal suscetibilidade, não se podendo daí “extrair uma conclusão de caráter geral18.

Não se encontrando, à partida, afastada a possibilidade de conceder apoio judiciário às pessoas coletivas, o Tribunal de Justiça afiança, no considerando 52 deste aresto, que tal concessão terá de ser aferida tendo por referência a situação da sociedade em causa, nomeadamente a sua situação económica e financeira. Deste modo, “[n]o quadro da tomada em consideração da capacidade financeira do requerente, tratando- se de uma pessoa coletiva, pode atender-se, nomeadamente à forma da sociedade – sociedade de capitais ou de pessoas, sociedade de responsabilidade limitada ou não – à capacidade financeira dos respetivos sócios, ao objeto social da sociedade, às modalidades da sua constituição e, em especial, à relação entre os meios que lhe foram atribuídos e a atividade a que pretende dedicar-se19.

(Lisboa: Instituto Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 2016).

15 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 33.

16 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 40.

17 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 41.

18 Cfr. Joana Covelo de Abreu, “As interações entre jurisdições no contexto da adesão da União Europeia”, 139.

19 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 54.

Perante tais considerações, o Tribunal de Justiça respondeu que “o princípio da proteção jurisdicional efetiva, como consagrado no artigo 47.º da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não está excluído que possa ser invocado por pessoas coletivas e que o apoio concedido em aplicação deste princípio pode abranger, designadamente, a dispensa de pagamento antecipado dos encargos judiciais e / ou a assistência de um advogado20, cabendo “ao órgão jurisdicional nacional verificar se os requisitos de concessão do apoio judiciário constituem uma limitação do direito de acesso aos tribunais suscetível de prejudicar a essência desse direito, se têm um objetivo legítimo e se existe uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados e o objetivo prosseguido21. Neste contexto, o Tribunal de Justiça reconhece, ao tribunal nacional, a faculdade de equacionar, nesse seu juízo, “o objeto do litígio, as hipóteses razoáveis de sucesso do requerente, a gravidade do que está em causa para este, a complexidade do direito e do processo aplicáveis bem como a capacidade de o requerente defender efetivamente a sua causa22 e, concretamente no que diz respeito à proporcionalidade, tomar em consideração “a importância dos encargos judiciais que deve ser paga antecipadamente e o carácter insuperável, ou não, do obstáculo que estes eventualmente representam para efeitos do acesso à justiça23.

Finalizando, o Tribunal de Justiça concretiza as suas construções entendendo que, tratando-se de pessoas coletivas, caberá ao tribunal nacional “tomar em consideração a situação destas […] designadamente, a forma e o fim lucrativo ou não da pessoa coletiva em causa bem como a capacidade financeira dos seus sócios ou acionistas e a possibilidade de estes obterem as quantias necessárias para a propositura da ação24.

Deste modo, “o Tribunal de Justiça não fecha a porta a que as pessoas coletivas também possam gozar, por força do direito da União, de apoio judiciário. Contudo, deriva esta conclusão do fenómeno da interconstitucionalidade que subjaz ao processo de integração25: no caso, para além das conclusões vertidas neste acórdão derivarem das fontes que vivem em tensão comunicativa na União Europeia – a saber, “a jurisprudência consolidada do

20 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 59.

21 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 60.

22 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 61.

23 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 61.

24 Cfr. Acórdão DEB Deutsche…, cons. 62.

25 Cfr. Joana Covelo de Abreu, “As interações entre jurisdições no contexto da adesão da União Europeia”, 140.

TEDH, que ajuda a interpretar as disposições da CDFUE (que foi beber influências às tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e aos instrumentos de proteção de direitos humanos de caráter internacional, de onde se destaca a CEDH) –, o Tribunal de Justiça derivou, sistemática e literalmente, da CDFUE que também as pessoas coletivas poderão gozar de apoio judiciário em situações de carência económica26.

Assim, este é o pano de fundo que nos permite, com a análise da jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional português, falar numa verdadeira

interjurisdicionalidade”, explicando o fenómeno alicerçado no exemplo paradigmático do apoio judiciário e da sua possibilidade de concessão a pessoas coletivas.

3. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 591/2016, de 9 de novembro

No documento UNIO E-book Workshop CEDU/UNISC 2016 (páginas 138-141)