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Direitos e Deveres de Caráter Intergeracional: as Gerações futuras são Titulares de Direitos?

No documento iniciais VOL-2.indd (páginas 85-88)

GERAÇõES fUTURAS

3.2 Direitos e Deveres de Caráter Intergeracional: as Gerações futuras são Titulares de Direitos?

Segundo Weiss, cada geração é, ao mesmo tempo, depositária e beneficiária do legado planetário, o que lhe confere certos direitos e impõe também certas obrigações. Assim, cada geração deve preservar a diversidade, a qualidade e o livre acesso dos recursos planetários. Contudo, essas obrigações só tomam senti- do quando se traduzem, no plano do direito internacional ou do direito nacional, em obrigações precisas, como as relativas à proteção de um determinado recurso natural ou de um ecossistema.

Weiss apresenta cinco obrigações relativas à utilização dos recursos: dever de conservar os recursos; dever de assegurar uma utilização eqüitativa (tanto no âmbito intergeracional, como entre os membros de uma mesma geração); dever de evitar os efeitos prejudiciais; dever de evitar as catástrofes, de limitar os desgastes e de fornecer uma ajuda de urgência (cooperação entre países no caso de desastres ecológicos); e dever de reparação em caso de danos ao ambiente.

Quanto aos direitos intergeracionais ou planetários, Weiss os define como direitos de cada geração de receber o planeta em uma condição que não seja infe-

2 François OST, Un héritage sans testament: patrimoine et générations futures, p. 4.

22 Edith Brown WEISS, Justice pour les générations futures, p. 35.

23 Edith Brown WEISS, Justice pour les générations futures, p. 25.

rior àquela da qual se beneficiou a geração precedente, de herdar uma diversidade comparável de recursos naturais e culturais, e de ter acesso eqüitativo ao uso e aos benefícios desse legado.24

Mas, se as gerações futuras são formadas por indivíduos que ainda não exis- tem, como podem ter direitos? Já se argumentou que somente poderiam existir direitos se houvesse interesses identificáveis, os quais somente existiriam caso fosse possível identificar os seus titulares. Como não se sabe hoje quem e quantos serão os indivíduos futuros, não se poderia atribuir-lhes direitos.

Porém, é preciso notar que os direitos planetários não são direitos atribuídos a indivíduos determinados, mas a um grupo (geração). Conforme observa Weiss,

Os direitos planetários são uma conseqüência da sucessão temporal de gera- ções na utilização de recursos naturais e culturais. Esses direitos, que são direitos intergeracionais, podem ser considerados como direitos coletivos, ou direitos de grupo, na medida em que são as gerações que os detêm na qualidade de grupos em relação às outras gerações – passadas, presente e futuras. A sua existência é inde- pendente do número e da identidade dos indivíduos que compõem cada geração.25

Mas, se se reconhece a existência de obrigações intergeracionais, estas não seriam suficientes para a defesa dos interesses das gerações futuras? Não seria inútil assegurar direitos às gerações do futuro, uma vez que as obrigações interge- racionais já cumpririam o papel daqueles?

De acordo com Weiss, enquanto que os direitos estão sempre conectados a obrigações, o inverso nem sempre é verdadeiro. Dessa forma, a obrigação da geração presente em relação às gerações futuras poderia, em tese, constituir obri- gações ou deveres para os quais não haveria direitos correspondentes, pois não haveria pessoas determinadas às quais ligar o direito.

Essa é a opinião de Hans Jonas. Para esse autor, aquele que ainda não existe não pode ser, desde já, titular de direitos, tendo em vista a eventualidade de sua existência no futuro. Somente podem ter direitos aqueles que já existem.26 Porém, conforme se pode observar, Jonas se refere a direitos individuais, e não a direitos atribuídos às gerações futuras (direitos transindividuais).

Conforme observa Tremel, somente poucos teóricos conceituaram de forma explícita as gerações como entidades titulares de direitos. Desde a década de 970, falou-se quase que exclusivamente em “direitos das gerações futuras”, quando, na verdade, a maioria dos autores queria se referir a “futuros indivíduos”.27

Além disso, considerar apenas as obrigações intergeracionais não é a solu- ção mais adequada, pois ignora a relação temporal que liga cada geração a todas as outras e que dá origem aos direitos de cada geração a uma utilização eqüitativa dos recursos naturais e culturais do planeta. Ao se admitir a existência de direitos, foca-se a discussão no bem-estar das gerações de uma forma que as obrigações isoladamente não seriam capazes de fazer, conforme demonstra Weiss:

24 Edith Brown WEISS, Intergenerational fairness and rights of future generations, p. 6.

25 Edith Brown WEISS, Justice pour les générations futures, p. 90.

26 Hans JONAS, Le principe responsabilité, p. 87.

27 Jörg TREMMEL, Positivrechtliche Verankerung der Rechte nachrückender Generationen, p. 353.

Se as obrigações da geração presente não estivessem ligadas a direitos, a ge- ração presente teria um forte incentivo para desviar a definição dessas obrigações em seu próprio favor e às expensas das gerações futuras. Os direitos intergeracio- nais possuem uma força moral maior que a apresentada pelas obrigações.28

Daí surge uma nova questão: os direitos e obrigações planetários são apenas morais ou são também legais? Segundo Weiss, “eles representam, em primeira instância, uma proteção moral de interesses, que deve se transformar em direitos e obrigações legais”.29 Assim, cabe ao Direito, nacional e internacional, positivar esses direitos e obrigações de forma a dar-lhes juridicidade.

No caso brasileiro, o caput do art. 225 da Constituição de 988, além de referir- se expressamente às futuras gerações, assegura a todos o direito a um ambiente ecolo- gicamente equilibrado. Além disso, os §§ ° a 6º desse mesmo artigo estabelecem as medidas e os meios necessários para se assegurar a efetividade desse direito.

Dessa forma, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais impõe o reconhecimento de um direito a um ambiente equilibrado também às gerações futuras.

Contudo, atribuir direitos às gerações do futuro traz um problema prático:

como os indivíduos que ainda não existem poderão fazer valer os seus direitos?

Ora, o fato de um sujeito não poder fazer valer ele mesmo os seus direitos não re- tira a existência destes. Assim, Weiss propõe uma espécie de tutor legal ou repre- sentante das gerações futuras, a fim de representá-las na defesa dos seus interesses nos processos de tomada de decisões e na tutela dos seus direitos.

O art. 29, inciso III, da Constituição brasileira estabelece como função ins- titucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Ora, conforme apresentados por Weiss, os direitos intergeracionais, além de se relacionarem com a defesa do meio ambiente, podem ser classificados como direitos difusos30 e, portanto, sua defesa se inclui no âmbito de atuação do Ministério Público. Este seria, no ordenamento jurídico brasileiro, o principal representante das gerações futuras, o qual deve zelar pela proteção de seus direitos e interesses.

Além disso, o direito das gerações futuras a um ambiente ecologicamente equilibrado também pode ser protegido por meio de ação popular ou ação civil pública e, assim, também podem assumir a função de representantes das gera- ções futuras, no primeiro caso, qualquer cidadão e, no segundo caso, a União, os Estados e os Municípios e também as autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e as associações que cumprirem os requisitos dos incisos do art. 5º da Lei nº 7.347/985.

28 Edith Brown WEISS, Intergenerational fairness and rights of future generations, p. 6.

29 Ibid., p. 6.

30 Apesar de Weiss se referir a direitos coletivos, segundo a doutrina brasileira esses direitos seriam classificados como “difu- sos”, uma vez que seus titulares são pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato. Já os direitos coletivos, segun- do definição dada pelo inciso III do art. 8 do Código de Defesa do Consumidor, são aqueles “de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

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