• Nenhum resultado encontrado

A RELEVâNCIA DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA PARA A PROTEÇÃO DO AMBIENTE

No documento iniciais VOL-2.indd (páginas 68-71)

DOS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIfICADOS

5. A RELEVâNCIA DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA PARA A PROTEÇÃO DO AMBIENTE

Como exposto, o EIA é o instrumento constitucional de prevenção de signi- ficativos impactos ambientais da atividade objeto de licenciamento, visando evitar que uma atividade seja autorizada a funcionar e, posteriormente, se verifique que ela causa danos inaceitáveis ao ambiente. No EIA, são ponderados os benefícios e ma- lefícios sócio-econômicos e ambientais de determinada atividade e, de forma funda- mentada e motivada24, se decide pela viabilidade ou não do seu licenciamento.

O respeito às exigências formais do EIA pelo Poder Público, em especial as destacadas no parágrafo acima (fundamentação, motivação, ampla defesa, contradi- tório e devido processo legal), é essencial para a legitimação do ato administrativo estatal visando à proteção ambiental preconizada pelo legislador-constituinte e ordi- nário. Aplicam-se os indispensáveis ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco:

23 A Política Nacional da Biodiversidade, estabelecida pelo Decreto Federal no 4.339/02, cristaliza os compromissos assu- midos pelo Brasil no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica , sendo que sua violação pela nova Lei de Biosse- gurança pode acarretar responsabilidade para o Estado Brasileiro no âmbito do Direito Internacional Público. O Decreto supra referido reforça a competência dos órgãos do SISNAMA haja vista a riqueza regionalizada da nossa biodiversidade e exige licenciamento ambiental de todo OGM, sendo indispensável a elaboração de EIA nos casos de significativo impacto ambiental.

24 Ressalta-se que todos os atos administrativos, inclusive os de natureza ambiental, devem ser motivados e fundamentados, em respeito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, também aplicáveis aos processos administrativos por expressa previsão constitucional (CF/88, artigo 5o, inciso LV).

Quando se diz que o procedimento legitima o resultado do exercí- cio do poder, tem-se em vista agora o modo de ser dos procedimen- tos que o direito positivo oferece e que constituem o penhor da lei à preservação dos princípios constitucionais do processo, a começar pelo contraditório... A idéia da legitimação pelo procedimento é vitoriosa hoje, mesmo fora do campo jurisdicional, pelo que ela tem de expressivo do ponto de vista da inserção do sistema proces- sual na ordem constitucional e da sua aceitabilidade social... Sua natureza instrumental impõe que todo o sistema processual seja permeado dessa conotação, para que realmente apareça e funcione como instrumento do Estado para a realização de certos objetivos por ele traçados25.

Sendo o dano ambiental comumente de difícil reparação, ou muitas vezes ir- reparável, se torna ainda mais essencial a realização do EIA antes da autorização da implementação de atividades potencialmente poluidoras como os OGMs (por expres- sa previsão da Resolução CONAMA no 257/97). Porém, caso não se constate essa potencialidade de dano significativo (por exemplo, no caso em que não houver cor- respondente natural da espécie geneticamente modificada, ficando descartado o fluxo gênico), estaria o empreendedor isento da apresentação do EIA, que seria substituído por estudos mais simplificados. Ensina-nos Paulo de Bessa Antunes, sobre a natureza de norma de ordem pública da exigência do EIA, que:

O EIA é conditio sine qua non para a concessão de qualquer li- cenciamento de obra ou empreendimento de impacto ambiental.

Destarte, o licenciamento transmutou-se em ato administrativo complexo, cujo requisito básico é a apresentação e aprovação do RIMA, em seus aspectos técnicos e formais. Parece-me que por for- ça de caráter eminentemente público, assumido pelo EIA, os requi- sitos formais para sua elaboração assumem natureza imperativa, de essencialidade para a própria validade do ato. A formalidade administrativa é, aqui, um pressuposto capaz de garantir à coleti- vidade a correta utilização do meio ambiente26.

O EIA permite que sejam ponderados os impactos positivos e negativos de cunho ambiental e econômico da atividade, bem como a possibilidade de adequação desses impactos às exigências ambientais, o grau de tolerabilidade do ambiente e a eficácia das medidas mitigadoras propostas. Essa necessidade de ponderação entre a preservação do meio ambiente e o fomento da ordem econômica, prevista expressamente no artigo 70 da CF/88, é, a meu ver, a beleza e relevância da atuação das autoridades ambientais, nos ensinamentos

25 In, A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Ed. Malheiros, pp. 55 e 3, 994.

26 ANTUNES, Paulo de Bessa apud BARROS, Felipe Luiz Machado. Biodiversidade e o desenvolvimento sustentável.

Aspectos teóricos da proteção legal brasileira ao patrimônio genético. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, no 44, ago 2000.

inolvidáveis de Ada Pellegrini Grinover sobre a inexistência de direitos cons- titucionais absolutos:

Na moderna doutrina das liberdades públicas, nenhum direito constitucionalmente assegurado é considerado absoluto. Cada di- reito, cada liberdade, há de ser harmonizado e interpretado em conjunto com os outros direitos e as outras liberdades27.

As conclusões do EIA somente vinculam a autoridade pública concedente da licença na medida em que ela deverá considerá-las na fundamentação da sua decisão, porém, não se cogita obrigar a autoridade ambiental a conceder a licença somente porque as conclusões do EIA, apresentado pelo interessado, foram favo- ráveis à implementação. Por fim, ainda se destaca a participação popular quando da discussão do EIA, o que não ocorre na avaliação de risco da CTNBio28.

A Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida relatou extenso acórdão29 sobre a exigência de EIA/RIMA para a liberação de soja geneticamente modificada e se posicionou pela aplicação do Princípio da Precaução, preconizado na ECO-92 no sentido de que “...a falta de certeza cientifica não poderá ser usada como razão para o adiamento de medidas efetivas para prevenir a degradação ambiental”, implicando na necessidade de se buscar ao máximo o conhecimento dos possíveis efeitos negativos e positivos dos OGMs para estabelecer, por meio do EIA/RIMA, as medidas mitigadoras e/ou compensatórias. Para tanto, a Desembargadora citou Leonardo da Vinci ao argu- mentar que “a busca pelo conhecimento é algo de que nunca nos arrependeremos”.

Por fim, a Desembargadora adotou a tese popperiana30 da verdade científica, qual seja a de que ela está sempre em mutação e sujeita a evoluções. Dessa forma, não se poderia exigir uma certeza científica absoluta e incontentável para que se liberasse certo OGM, mas se deveria exigir a realização de um EIA que previsse todos os possí- veis impactos e estabelecesse as medidas de mitigação e de compensação adequadas.

Esse era o regime jurídico de prevenção ambiental aplicável às atividades de introdução de espécies geneticamente modificadas na flora brasileira até a publi- cação da nova legislação específica sobre Biossegurança.

27 In, O Processo em Evolução. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, p.42, 996.

28 Infelizmente, em certos momentos a CTNBio não tem considerado algumas manifestações da sociedade civil, como se infere do seguinte trecho da resposta da CTNBio a uma petição de Organizações Não-Governamentais acerca da autori- zação para importação de milho geneticamente modificado da Argentina: “... o argumento apresentado é desprovido de fundamentação técnica compatível com o nível científico dos membros da CTNBio... Portanto, fica claro que a introdução ilegal de soja no país deve-se grandemente à ação impetrada pelo IDEC...”.

29 Apelação Cível no 998.34.00.027.682-0/DF, acórdão de 28 de junho de 2004 da Quinta Turma do TRF da a Região.

O voto da relatora possui 378 páginas e é repleto de considerações de cunho técnico, com base nos dizeres de Stephen Breyer, Juiz da Suprema Corte norte-americana de que “tradicionalmente, muitos acreditavam que nós não precisávamos saber nada de ciência, pois o conhecimento jurídico era suficiente para tomada de decisões. Esta visão é irreal, tendo em vista que as implicações de nossas decisões no mundo real são muito grandes, quanto mais nós entendermos de ciência, melhor será”.

30 Karl Popper (902/994), cientista de origem austríaca, combateu a corrente científica conhecida como positivismo, defendendo, inicialmente em sua obra ‘Lógica da Descoberta’, de 934, que não há conhecimento científico dogmático e imutável.

No documento iniciais VOL-2.indd (páginas 68-71)