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O DIREITO hUMANO AO MEIO AMBIENTE

No documento iniciais VOL-2.indd (páginas 150-154)

A idéia de direitos humanos surge, no final do século XVIII, durante a Re- volução Francesa27, época em que esses revolucionários, influenciados por um Direito Natural de conotação racional-iluminista, criaram um documento jurídico (Declaração Universal dos Direitos do Homem de 79) que serviu de referência para todo o sistema jurídico que optasse por assegurar certos direitos, inatos ao homem, que seriam invioláveis.

22 Artigo 2 da CRFB/88.

23 Artigo 22 da CRFB/88.

24 Artigo 24 da CRFB/88.

25 ARAGÃO, André Aureliano. Ob. Cit. p. 8. Conclui André Aragão que embora “seja uma prerrogativa constitucional do Governo e dos Deputados”, apenas o Governo tem feito uso do exercício da iniciativa legislativa em São Tomé e Prín- cipe, graças a norma constitucional constante no art. da Constituição política, de modo que cumpre aos Deputados assumirem sua parcela de responsabilidade.

26 A competência constitucional relacionada no artigo 98 trata da reserva para que a Assembléia Nacional legisle sobre qualquer assunto que verse sobre a matéria penal, tributária e propriedade de bens de produção.

27 PORTANOVA, Rogério. Direitos Humanos e Meio Ambiente em Perspectiva Histórica. In BENJAMIN, Antonio Her- man (Org.). Anais do 6º Congresso Internacional de Direito Ambiental, de 3 a 6 de junho de 2002: 10 anos da ECO-92 – O Direito e o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002. p. 682.

Naquele período, a Revolução Francesa consagrou como direitos fundamen- tais do homem os direitos civis e políticos que, ao serem abraçados pelo sistema jurídico, foram um marco na ocupação do espaço público pelo cidadão28. Sucede que com o decorrer do processo histórico29, o mundo passou por muitas trans- formações e percebeu-se que, não bastava conferir uma igualdade formal entre os cidadãos e nem tentar amenizar as disparidades sócio-econômicas produzidas pelo Estado Liberal com algumas ações no âmbito dos direitos aos trabalhadores e da seguridade social, se o paradigma civilizatório da humanidade se assenta no desenvolvimento da ciência e dominação da natureza a todo custo, visão esta am- parada na falsa crença da “inesgotabilidade dos recursos naturais”30.

É a partir dessa conscientização, ocorrida, principalmente, no final dos anos sessenta3, que se tem o início da construção histórica do direito fundamental ao meio ambiente, conforme explicita Santiago Felgueras a seguir:

En 968, la Asamblea General reconoció la amenaza contra los derechos fundamentales de los seres humanos impuesta por los cambios tecnológicos. En el mismo año, la Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura (Unesco) organizó la Conferencia Intergobernamental de Expertos sobre las Bases Científicas para el Uso Racional y la Conservación de los Re- cursos en la Biosfera. Ésta fue considerada como una de las primeras iniciativas relacionadas con el nacimiento del derecho a un medio ambiente sano32.

E não tardou essa construção histórica no reconhecimento do direito fun- damental ao meio ambiente, conforme foi o que aconteceu em 972, durante a Primeira Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida em Estocolmo (Suécia), a qual resultou na Declaração de Estocolmo de 972, importante documento jurídico internacional que proporcionou, em seu princípio n° , o reconhecimento do direito humano ao meio ambiente33.

E o direito ao meio ambiente tem se expandido tão rapidamente no cená- rio internacional que, atualmente, ele integra a preocupação dos mais diversos organismos internacionais desde o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) até a ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados)34.

Além da concepção transversal da temática ambiental junto aos organismos internacionais, cumpre salientar o reconhecimento pelo desse direito fundamental pelo Direito Internacional Público, conforme se observa pela posição do Tribunal

28 PORTANOVA, Rogério. Ob. Cit. p. 683.

29 As revoluções liberais no Século XIX, os movimentos operários e marxistas entre os séculos XIX e XX, as duas grandes guerras mundiais, a descolonização dos continentes americano, asiático e africano, entre outros eventos.

30 PORTANOVA, Rogério. Ob. Cit. p. 683.

3 DEL POZO, Mercedes Franco. El derecho humano a un medio ambiente adecuado. Bilbao, ESP: Universidad de Deusto, 2000. p. 32.

32 FELGUERAS, Santiago. Derechos Humanos y Medio Ambiente. Buenos Aires: Ad Hoc, 996. p. 32-33.

33 DEL POZO, Mercedes Franco. Ob. Cit. p. 32-33. A professora espanhola Mercedes Del Pozo inclusive ressalta diversas tentativas de reconhecimento do direito ao meio ambiente pelo Sistema Europeu de Direitos Humanos, antes da sua decla- ração na Conferência de Estocolmo, como a tentativa de elaboração de um protocolo à Convenção Européia de Direitos Humanos de 950, ocorrida entre 970 e 97.

34 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado (Ed.). Derechos Humanos, Desarrollo Sustenible y Medio Ambiente. San José de Costa Rica: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, Banco Interamericano de Desarrollo, 992. p. 4-5.

Internacional de Haia o qual já entende que “o meio ambiente não é uma abstra- ção, mas um espaço onde vivem os seres humanos, pelo qual dependem, a quali- dade de sua vida, sua saúde e que compreende as gerações futuras”35 e do fato de que existem inúmeros tratados internacionais (no ano de 992, já eram mais de 50)36 que vem sendo celebrados sobre a matéria ambiental.

Exposta a parte histórica, conceitua-se o direito humano ao meio ambiente, direito fundamental de terceira geração, como o “direito de todas as pessoas e todos os povos a desfrutar de um meio ambiente saudável adequado para o seu desenvolvimento”37.

Existe uma estreita relação entre o direito ao meio ambiente com diversos outros direitos fundamentais, destacando-se o direito à vida e o direito à saúde, já reconhecidos pela doutrina jurídica, enquanto outros ainda buscam consolidação doutrinária como o direito à paz e o direito ao desenvolvimento38.

Santiago Felgueras aponta dois fatores que demonstram a intrínseca intera- ção entre os direitos humanos e meio ambiente como o fato de que a deterioração do meio ambiente podia chegar a impedir o gozo de direitos já reconhecidos e a idéia de um direito autônomo ao meio ambiente sadio ganhou corpo à medida que se percebia a velocidade e a intensidade da deterioração do ambiente39.

O ambiente é uma condição fundamental para o desenvolvimento da vida, pois esta somente pode existir num espaço que contenha certos elementos, como a água, o ar e solo, dotados com suas propriedades naturais de uma forma integral, contudo, com a degradação, esses elementos sofrem modificações em suas pro- priedades naturais, dificultando o desenvolvimento da vida naquele espaço.

O direito à vida, proclamado pelos arts. 3° e 25, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 948, compreende dois aspectos: um individual que é o direito de todo ser humano a não ser privado de sua vida e outro social que é o direito a um nível de vida adequado a ser promovido pelo Estado. Dentro desta perspectiva, salienta Mercedes Del Pozo que “o direito a um meio ambiente saudável aparece como uma extensão do direito à vida, já que salvaguarda a própria vida humana propiciando a base para a existência física e de saúde de todos os seres humanos, assim como uma qualidade e condições de vida dignas”

(tradução nossa)40.

Assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é a concre- tização do direito fundamental à vida. O direito à vida, que se encontra resguar- dado tanto no artigo 22 da Constituição santomense, quanto no art. 5°, caput, da Constituição brasileira, é um direito fundamental básico que, em face de sua abs-

35 PRIEUR, Michel. Ob. Cit. p. 05.

36 TOLBA, Mostafa K. The United Nations Environment Programme, International Environmental Law and the In- ternational Law of Human Rights: message to the inter-american seminar on human rights and the environment. In TRINDADE, Antônio Augusto Cançado (Ed.). Derechos Humanos, Desarrollo Sustenible y Medio Ambiente. San José de Costa Rica: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, Banco Interamericano de Desarrollo, 992. p. 267.

37 DEL POZO, Mercedes Franco. Ob. Cit. p. 32.

38 DEL POZO, Mercedes Franco. Ob. Cit. p. 47. Nesse mesmo sentido: FELGUEIRAS, Santiago. Ob. Cit. p. 6.

39 FELGUEIRAS, Santiago. Ob. Cit. p. 7.

40 DEL POZO, Mercedes Franco. Ob. Cit. p. 49-50.

tratividade, necessita de algo que o materialize, e esse algo, é o que entendemos como direitos derivados do direito humano à vida, tais como o direito à integri- dade física, o direito à saúde, e o direito ao meio ambiente, visto que sem estes, é impossível a sobrevivência do ser humano como organismo vivo.

São muitas as objeções doutrinárias ao reconhecimento do direito ao meio ambiente no rol dos direitos fundamentais. Muitos autores se recusam a reco- nhece-lo, assim como outros “novos direitos”, em virtude do receio doutrinário de que surja uma de “inflação de direitos” na área dos direitos humanos, a qual debilitaria o movimento dos direitos humanos, ao impedir a devida proteção não somente dos novos direitos como dos direitos já reconhecidos4, fora a questão das denominadas “reclamações frívolas” que segundo Philip Alston vem buscando se firmar como direitos humanos, junto a problemas éticos fundamentais42.

Reconhecer o direito fundamental ao meio ambiente não implica no prevale- cimento de um direito sobre os demais, mas sim na igualdade entre direitos funda- mentais (não importando se são de primeira, segunda ou terceira geração), confor- me nos amparamos na seguinte posição do professor francês Michel Prieur:

De qualquer maneira, a consagração constitucional do meio ambiente não é evi- dentemente a afirmação de uma preeminência do ambiente sobre os outros direitos fundamentais e sobre os outros interesses protegidos. Ele é o reconhecimento de uma igualdade de direitos fundamentais conduzindo, no caso concreto, e sobre o controle dos juizes, a arbitrar entre os direitos existentes no mesmo valor jurídico (tradução nossa)43.

Interessante notar que o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado no artigo 49 da Constituição santomense44, é reafirmado pela a legislação infraconstitucional, conforme se observa no artigo 2º da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 0/200)45, exposto abaixo:

Artigo 2º

Direito ao Ambiente

. Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

2. Incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a inicia- tivas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, indivi- dual e colectiva dos cidadãos.

Em face disto, inferimos ser o direito humano ao maio ambiente na realidade santomense, um direito que não enfrenta nenhum obstáculo jurídico para ser im- plementado, de modo que se o mesmo não é aplicado na realidade do país, é por que o órgão executor da norma (Governo, Governo Regional ou Câmara Distrital) está se omitindo em cumprir com a lei.

4 FELGUERAS, Santiago. Ob. Cit. p. 39.

42 ALSTON, Philip apud FELGUERAS, Santiago. Ob. Cit. p. 39-40.

43 PRIEUR, Michel. Ob. Cit. p. 0.

44 Está previsto no artigo 49 () da Constituição de São Tomé e Príncipe: “Todos têm direito à habitação e a um ambiente de vida humana e o dever de o defender”.

45 ARAGÃO, André Aureliano. Ob. Cit. p. 78. Diz o jurista santomense André Aragão sobre a Lei de Bases do Ambiente de São Tomé e Príncipe que “constitui um enorme avanço no direito positivo são-tomense” de modo que a aprovação desse instrumento jurídico iniciou uma nova era no ordenamento jurídico santomense, em matéria ambiental.

No Brasil, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se encon- tra amparado no art. 5, da CF/88, que prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia quali- dade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Contudo, não há remissão expressa ao direito humano ao ambiente na legis- lação ordinária brasileira. Isto se deve ao fato de que após a Constituição Federal, praticamente, somente foram promulgados diplomas legais específicos a deter- minados setores do meio ambiente46, enquanto que a principal lei que disciplina o meio ambiente em geral, é anterior à CF/88, ou seja, é a Lei n° 6.938/8 que estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente e que seria o diploma legal mais adequado para reconhecer no plano infraconstitucional o direito fundamental ao meio ambiente.

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