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INTRODUÇÃO à PROTEÇÃO JURíDICA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE DOS POSSíVEIS IMPACTOS NEGATIVOS DOS OGMS – ExIGÊNCIA DE ESTUDO DE IMPACTO

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DOS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIfICADOS

2. INTRODUÇÃO à PROTEÇÃO JURíDICA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE DOS POSSíVEIS IMPACTOS NEGATIVOS DOS OGMS – ExIGÊNCIA DE ESTUDO DE IMPACTO

AMBIENTAL

A festejada Constituição da República Federativa do Brasil promul- gada em 988 (“CF/88”), acertadamente, reservou um capítulo exclusivo e especial para a proteção do meio ambiente pátrio, enfatizando no inciso II do seu artigo 225 a importância da diversidade e integridade do patrimônio genético do país, incumbindo ao Poder Público o pode-dever de f iscalizar3 as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético e as técnicas de engenharia genética por elas desenvolvidas. A CF/88 expres- samente dispôs sobre a proteção do meio ambiente e, como uma de suas vertentes, estabeleceu o controle das técnicas de engenharia genética vi- sando proteger a diversidade e a integridade do nosso patrimônio genético.

O EIA é o instrumento previsto na CF/88 para prevenir possíveis impactos negativos advindos da instalação de atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.

Dessa forma, a legislação infraconstitucional, em especial as Políticas de Proteção do Meio Ambiente e a Legislação sobre Biossegurança, deve espelhar as diretrizes constitucionais, sob pena de incorrerem em flagrante inconstitucionalidade sob o prisma da hierarquia das normas, consagrada pelo mestre Hans Kelsen. Exatamente esse é o escopo do presente trabalho, qual seja a demonstração de como a nova Lei de Biossegurança violou pre- ceitos da CF/88 ao restringir o exercício da competência dos entes da Fede- ração para a proteção do meio ambiente dos possíveis impactos negativos dos OGMs e desconsiderar a importância do EIA.

2 Refiro-me ao “Relatório sobre o Registro de Contaminação Transgênica - 2005” publicado em março de 2006 pelo Greenpeace International e GeneWatch UK, o qual indica 88 casos de supostas contaminações transgênicas, 7 casos de suposta liberação ilegal de OGMs e 8 relatos de supostos efeitos negativos dos OGMs na agricultura em todo o mundo.

3 São freqüentes, na mídia, notícias de que o IBAMA vem atuando de forma repressiva, em especial com base na Lei Fede- ral no 0.84/03, no caso de plantações de OGMs em área de amortização de Florestas e Parques Nacionais.

2.1 Competência comum dos entes federados para a proteção ambiental

Critica-se a nova Lei de Biossegurança, em especial os parágrafos 2o e 3o do artigo 6, que outorgam competência exclusiva à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio para analisar se determinado OGM é efetiva ou poten- cialmente causador de degradação ambiental e, portanto, sujeito ao licenciamento ambiental e/ou elaboração de EIA/RIMA. Esses dispositivos, na prática, têm sido utilizados para relativizar as exigências não só do artigo 225, inciso IV da CF/88, como se verá adiante, mas também para tolher a competência comum constitucio- nal dos Estados Federados e dos Municípios para a proteção ambiental4.

Como veremos abaixo, até a entrada em vigor da nova Lei de Biosseguran- ca, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (“IBAMA”) possuía competência exclusiva para o licenciamento dos OGMs, me- diante prévia manifestação técnica dos Estados e obtenção de certidão da Prefei- tura Municipal atestando que o empreendimento em licenciamento cumpria as exigências ambientais locais5, ou seja, a competência comum dos Estados e dos Municípios era, de certo modo, respeitada. Isso não ocorre mais em razão dos poderes exclusivos outorgados à CTNBio, razão pela qual se fazem importantes as questões levantadas neste artigo.

Será adotada uma linha de argumentação baseada nas peculiaridades regio- nais e locais do meio ambiente como legitimadoras da atuação do órgão estadual do Sistema Nacional do Meio Ambiente (“SISNAMA”), o que não constatei du- rante minha pesquisa como fundamento de qualquer questionamento à nova Lei de Biossegurança, portanto caracterizando a originalidade da tese ora formulada.

O § único do artigo 23 da CF/88 determina que Lei Complementar regu- lamentará a cooperação entre os entes federados na proteção ambiental, no en- tanto tal Lei não foi publicada até hoje, apesar da iniciativa do Projeto de Lei no 24/20036. Esse Projeto expressamente exige o licenciamento ambiental dos OGMs e, por ser norma hierarquicamente superior à nova Lei de Biosseguran- ca, certamente a revogará tacitamente na parte que condiciona o licenciamento ambiental dos OGMs à anuência da CTNBio. Essa omissão legislativa é prejudi- cial ao meio ambiente brasileiro mas tem sido parcialmente suprida por excelente doutrina e jurisprudência; senão vejamos.

A competência material comum em matéria ambiental deve ser entendida à luz da competência concorrente para legislar sobre o assunto, pois os Estados

4 Os incisos VI e VII do artigo 23 da CF/88 estabelecem que é de competência comum da União, dos Estados e dos Municípios a proteção do meio ambiente, o combate à poluição, bem como a preservação das florestas, da fauna e da flora. Essa competência comum significa que os três entes federados devem lançar mão de atos administrativos que visem prevenir a ocorrência de dano ambiental, sem haver superposição de competências e em observância dos interesses ambientais impactados.

5 Vide Resolução CONAMA no 237/97, artigo 0, § o.

6 Esse Projeto de Lei Complementar visa regulamentar exatamente os incisos VI e VII do art. 23 da CF/88. O Projeto encontra-se na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. Segundo esse Projeto de Lei, a política ambiental contemplaria as particularidades regionais e locais, restando com o Estado uma competência residual para licenciar as atividades cujos impactos não sejam nacional, regional ou exclusivamente local. O artigo 8o, inciso XIV, alínea “e” desse Projeto prevê expressamente que OGMs serão licenciados pelo IBAMA.

e os Municípios atuarão com fundamento em lei federal, estadual ou municipal.

Os atos administrativos dos três entes federados visando a proteção ambiental possuem a mesma hierarquia, porém, em matéria legislativa o mesmo não ocorre, pois cabe à União editar normas gerais, devendo os estados e os municípios adotar suas diretrizes quando da elaboração de suas próprias normas7.

No caso específico dos OGMs, há diversas polêmicas em virtude da publi- cação de leis estaduais que decretaram moratória aos OGMs ou expressamente proibiram sua plantação e/ou comercialização no Estado8. Em regra, cabe aos Estados uma competência material comum e uma competência legislativa con- corrente (suplementar), podendo os Estados estabelecer restrições mais severas a certas atividades desde que fundamentadas nas particularidades do seu território.

Na matéria ambiental, no caso de haver norma federal, estadual e/ou municipal sobre um mesmo assunto, caberá a aplicação da norma mais restritiva.

Caso emblemático ocorreu nos autos da ADIn no 3035, em que o STF de- clarou, cautelarmente, a inconstitucionalidade de Lei do Estado do Paraná que bania todo e qualquer OGM do seu território. Poderia ter o Estado do Paraná estabelecido exigências mais restritivas ao OGMs com fundamento em sua regio- nalidades, mas nunca tê-los banido incondicionalmente, pois a Lei Federal deve ser respeitada como norma geral, a qual permite a liberação de OGMs desde que sejam realizados determinados estudos de análise de risco.

A doutrina nos ensina que não deve haver superposição no exercício da com- petência material comum para proteção do meio ambiente. Cada ente federado deverá agir na medida do interesse para a proteção do ambiente do seu território.

Luís Roberto Barroso nos ensina que “embora as competências sejam comuns, em princípio não há superposição de atribuições. São esferas distintas, autôno- mas de atuação”9. A própria Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (“CONAMA”) no 237/97 expressamente estabelece em seu artigo 7o que o licen- ciamento ambiental deve ocorrer em um só nível de competência.

Em aprofundamento da doutrina, os irmãos Dino consagraram o trinômio ambiental “licenciar-fiscalizar-punir” ao defenderem que “... se a competência dos Estados para legislar em matéria ambiental é suplementar, do mesmo modo a sua competência administrativa deve ser assim qualificada”. Perseveram os ir- mãos Dino lecionando que:

7 Na Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIn no 3338, o ex-Procurador Geral da Republica, Cláudio Fonteles, requereu a declaração de inconstitucionalidade de Lei do Distrito Federal que estabelecia o programa distrital de inspeção veicular para proteção do ambiente, alegando que esse diploma feria a competência exclusiva da União para legislar sobre trânsito.

O Supremo Tribunal Federal - STF, tendo como relator o Excelentíssimo Senhor Ministro Eros Grau, acertadamente jul- gou improcedente a ação por entender que a Constituição Federal outorgou competência comum ao Distrito Federal para proteger o meio ambiente.

Nãoobstante, a Segunda Turma do STF se manifestou também nesse sentido, recentemente, ao julgar o Recurso Extraor- dinário nº 286789/RS e decidir que cabe ao Estado do Mato Grosso do Sul desempenhar competência comum no controle dos agrotóxicos visando à proteção ambiental.

Aguarda-seansiosamente a manifestação do STF nos autos do Recurso Extraordinário no 94.704/MG, em que serão me- lhor delineados os liames da competência comum para a proteção ambiental.

8 Vide, por exemplo a (i) Lei do Estado do Rio de Janeiro no 3.967/02, que veda o cultivo comercial de OGMs no Estado e (ii) Lei do Estado de Santa Catarina no 2.28/02, que decreta moratória de 5 anos aos OGMs, podendo ser prorrogada.

9 BARROSO, Luís Roberto. Revista Forense n. 37, página 70.

... por força do art. 10, § 4o, da Lei n. 6.938/81, o licenciamento nes- tes casos é atribuição do IBAMA. O plexo licenciar-fiscalizar-punir é indivisível, por conseguinte, na hipótese de agressão ilícita ao meio ambiente, que tenha alcance nacional ou regional, caberá ao IBA- MA adotar as medidas repressivas na seara administrativa0. Muito embora seja a proposta dos irmãos Dino extremamente prática e ve- nha a evitar a constante superposição de exercício de competências com que os empreendedores têm que lidar na matéria ambiental, ouso contestá-la com base no art. 23 da CF/88 e na jurisprudência acima colacionada. Muito embora seja o IBAMA competente para licenciar certas atividades, seus impactos ambientais poderão afetar interesses ambientais dos Estados e/ou dos Municípios, razão pela qual estão esses entes constitucionalmente incumbidos do poder-dever de proteger o ambiente do seu território independentemente da atuação do IBAMA. Isso por- que as peculiaridades da biodiversidade dos Estados e Municípios são mais bem conhecidas por estes do que pelo IBAMA; certo ato de um empreendedor pode não ser considerado prejudicial ao ambiente nacional ou regional pelo IBAMA, mas o Estado e/ou o Município, com base nas regionalidades da biodiversidade do seu território, podem considerá-lo extremamente danoso.

Desta forma, advoga-se aqui a competência comum do Estado para a prote- ção do ambiente, especialmente no caso dos OGMs, não só como um poder desse ente mas na verdade como um dever que, no caso de omissão, como todo dever, gera responsabilidade civil2.

3. CO-RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTADOS fEDERADOS POR OMISSÃO NA

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