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A docência como atividade complexa

CAPÍTULO III: O CAMINHAR METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO

4.1. Docência na educação superior: ambivalência entre a atuação profissional e o exercício do

4.1.2. A docência como atividade complexa

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CAPÍTULO IV: O Papel da ... Superior: tensões entre a intenção e a ação Nandyara Souza Santos

condições de trabalho com as quais os docentes convivem diuturnamente. Pensar na profissionalização da docência em uma instituição de educação superior que remunera os professores apenas pelas horas-aulas é significativamente desafiador, como versaremos posteriormente.

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mercado, caracterizando o que Sguissardi (2008) considera como mercadoria- educação, ou seja, a venda do bem social que tem na relação professor – aluno a sua configuração.

Já a professora Clara levanta dois aspectos sobre o perfil dos estudantes que têm chegado às instituições de educação superior privadas, pelo o fato de serem trabalhadores e a dificuldade, desses estudantes, em se concentrarem nas aulas, devido à utilização do celular. A professora utiliza a expressão capturar o estudante, sugerindo-nos que ela se refere à utilização de estratégias de ensino para convergir a atenção e a participação do estudante no momento da aula. Contudo, há de se considerar a questão da utilização das estratégias de ensino, reconhecendo que a adoção dessa ferramenta, só terá o efeito esperado (o vínculo colaborativo estabelecido pelo estudante e professor na construção do conhecimento), caso seja acompanhada da revisão das bases teórico, epistemológica, metodológica dos docentes (ANASTASIOU, 2006).

O professor Tiago declara que o ensino necessita estar referendado na realidade dos estudantes. Para o docente algumas discussões e proposições que são feitas pelos pedagogos não são aplicáveis ao contexto da sala de aula, com estudantes desinteressados, além de condições adversas do trabalho para o docente, como falta de livros e salas superlotadas. A fala do professor Tiago deixa claro o descrédito dos docentes com relação a algumas inovações que, segundo ele, não são compatíveis com a realidade das IES.

Outra questão que os professores depoentes declararam, tem concorrido para o desprestígio da profissão da docência na educação superior e a falta de profissionalismo, diz respeito à chegada de novos profissionais para atuarem no magistério superior sem formação específica, além da questão de que esta oportunidade de emprego foi a última opção que muitos desses sujeitos encontraram. Como se pode observar na representação da professora Maria, a chegada à docência na educação se deu por questões de falta de oportunidade de emprego em sua área de formação, conforme depoimento da professora:

Infelizmente ser professor atualmente é difícil. Alguns falam que é amor, outros acarretam que é vocação, outros até mesmo durante conversa com o colega e até mesmo para traçarmos um ponto de vista de docência, verifica-

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CAPÍTULO IV: O Papel da ... Superior: tensões entre a intenção e a ação Nandyara Souza Santos se que às vezes seria uma última alternativa ou a primeira oportunidade de emprego (Maria).

Com o advento da sociedade do não-emprego profissionais liberais, que não conseguem se colocar no mercado, acabam se aproximando da docência na educação superior, para obterem renda. Esta questão contribui, para a desqualificação do trabalho docente, bem como baixa qualidade do ensino. É mister que as instituições de educação superior possuam programas de desenvolvimento profissional, a fim de promoverem a formação pedagógica dos docentes que chegam ao magistério sem nenhuma orientação sobre o ato educativo, o seu papel na formação dos estudantes e sobre o processo ensino-aprendizagem (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002).

No caso dos professores da educação superior, as oportunidades de emprego vêm aumentando, com a expansão das instituições particulares de ensino, em todo o território nacional. A esse aumento numérico de empregabilidade não estão associados processos de profissionalização, nem inicial nem continuada, para os docentes universitários, pois as exigências para a docência, nesse nível, se encontram associadas apenas à formação na área específica. Além disso, considerando que, muitas vezes, a atividade docente é assumida como mais uma atividade para a obtenção de renda, e não como profissão de escolha, os próprios docentes não valorizam uma formação profissional (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p.

128 – 129). .

Outro elemento que, nos dizeres dos professores, tem ampliado a complexidade de ensinar na educação superior é a falta de uma cultura institucional de trabalho colaborativo dos professores entre si e dos professores com a instituição. A marca mais forte dessa inexistência do trabalho colaborativo na docência da educação superior diz respeito ao isolamento pedagógico que os professores relatam, tendo a impressão de que estão sozinhos no ato de ensinar, em relação aos estudantes.

Dar aula é muito fácil, é só você entrar e falar. E não tem isso. Não é assim.

Não é tão simples assim na grande maioria das vezes. Primeiro porque você vai lidar com uma instituição e você lida com uma sala de aula, com milhões de alunos e você (Lívia).

É forte no depoimento da professora Lívia o sentimento de que ela está só, diante de

“milhões de alunos”. Esta expressão da professora sugere que ela encontra alguns problemas na docência, e não tem apoio institucional para lidar com estas questões – sente-se sozinha frente a “milhões” de alunos. Outro aspecto importante que emerge do excerto acima é a aparente falta de condições de trabalho com as quais os docentes de instituições de educação superior privadas se deparam diariamente,

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a exemplo de salas superlotadas, número excessivo de turmas para completar a carga horária (uma vez que esses docentes recebem a remuneração compatível com a quantidade de horas-aulas), o que reverbera na quantidade de estudantes pelos quais esse professor é responsável.

Nem sempre o professor consegue ir para oficina. Às vezes o professor vai lá só no horário da aula e não consegue chegar antes ou depois da oficina, porque tem outros lugares para dar aula ou coisas desse tipo (Tiago).

O depoimento do professor Tiago retrata a situação vivenciada por parcela considerável de professores da educação superior, por trabalharem noutras instituições e terem uma jornada de trabalho densa, acabam não conseguindo participar das atividades de formação pedagógica promovidas pela IES. Esta questão da proletarização do magistério superior e da precarização do trabalho docente são aspectos que necessitam ser enfrentados pelas IES, se pretendem, de fato, promover a profissionalização da docência e contribuírem para o fortalecimento da identidade profissional do professor do magistério superior.

A dificuldade dos professores da educação superior em participarem das atividades de profissionalização da docência, aludida pelo professor Tiago, vai ao encontro do que asseveram Borba, Ferri e Hostins (2006):

As condições estruturais da docência universitária favorecem a individualidade, o trabalho isolado e solitário do professor na sua disciplina.

Os contratos de trabalho, o acúmulo de atividades, a participação em outras instituições, entre vários outros aspectos, fazem com que o professor se coloque como indivíduo em um curso ou diante de seus alunos (p. 212).

Além disso, entendemos que o isolamento pedagógico se deve, em parte, a uma prática recorrente nas instituições de educação superior, em que o professor trabalha sozinho, isolado. Essa prática não contribui para os professores criarem uma cultura de trabalho colaborativo com seus pares. Supomos que essa prática se justifica, pois os professores não querem que seus colegas se aproximem da sua prática profissional docente, para não avaliá-los. Baseados nos argumentos da autonomia e da cátedra, os professores da educação superior envolvem sua prática docente em uma redoma, não permitindo que professores, estudantes e assessores pedagógicos, por exemplo, opinem sobre o seu desempenho no ato de ensinar e em sala de aula, deixando de se nutrirem da relação dialógica com esses sujeitos, como defendem Soares e Cunha:

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CAPÍTULO IV: O Papel da ... Superior: tensões entre a intenção e a ação Nandyara Souza Santos A reflexão sobre a prática, imprescindível para o engajamento consciente e protagonista do professor à deontologia regulamentada de uma identidade profissional do docente universitário, como sinalizado anteriormente, não implica o seu isolamento. Ao contrário, se nutre da relação dialógica com seus pares num processo de interpretação das normas num contexto social particular. Assim, quanto mais os docentes co-constroem os sentidos da sua profissão mais desenvolvem a reflexão subjetiva sobre sua prática, e vice- versa (SOARES e CUNHA 2010, p. 75).

Diante do que foi exposto até aqui, notamos que a efetivação da formação pedagógica de professores da educação superior enseja, entre outras coisas, que o ensino seja tomado como principal referência para o exercício da reflexão sobre a prática. Além disso, é urgente que seja criada, nos espaços de formação desses professores, uma cultura de aprendizagem entre pares, de maneira que o docente desvele o véu que envolve a sua aula, partilhando com os colegas as suas dúvidas, inseguranças, acertos e equívocos. Esse é um caminho possível para caminharmos na direção da melhoria da qualidade do ensino das instituições de educação superior.

4.1.3. Docência como vocação versus profissionalização: a desafiadora e

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