• Nenhum resultado encontrado

Docência como vocação versus profissionalização: a desafiadora e solitária trajetória de

CAPÍTULO III: O CAMINHAR METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO

4.1. Docência na educação superior: ambivalência entre a atuação profissional e o exercício do

4.1.3. Docência como vocação versus profissionalização: a desafiadora e solitária trajetória de

146

CAPÍTULO IV: O Papel da ... Superior: tensões entre a intenção e a ação Nandyara Souza Santos A reflexão sobre a prática, imprescindível para o engajamento consciente e protagonista do professor à deontologia regulamentada de uma identidade profissional do docente universitário, como sinalizado anteriormente, não implica o seu isolamento. Ao contrário, se nutre da relação dialógica com seus pares num processo de interpretação das normas num contexto social particular. Assim, quanto mais os docentes co-constroem os sentidos da sua profissão mais desenvolvem a reflexão subjetiva sobre sua prática, e vice- versa (SOARES e CUNHA 2010, p. 75).

Diante do que foi exposto até aqui, notamos que a efetivação da formação pedagógica de professores da educação superior enseja, entre outras coisas, que o ensino seja tomado como principal referência para o exercício da reflexão sobre a prática. Além disso, é urgente que seja criada, nos espaços de formação desses professores, uma cultura de aprendizagem entre pares, de maneira que o docente desvele o véu que envolve a sua aula, partilhando com os colegas as suas dúvidas, inseguranças, acertos e equívocos. Esse é um caminho possível para caminharmos na direção da melhoria da qualidade do ensino das instituições de educação superior.

4.1.3. Docência como vocação versus profissionalização: a desafiadora e

147

CAPÍTULO IV: O Papel da ... Superior: tensões entre a intenção e a ação Nandyara Souza Santos

Segundo a professora Lívia a docência é considerada como um “dom” inato, os professores já nascem “prontos”, necessitando de treinamento para investirem em sua formação e desenvolvimento profissional. Essa compreensão de docência enquanto “dom” caracteriza o modelo tradicional ou prático-artesanal da prática docente institucional, donde:

A finalidade do ensino é transmitir os conhecimentos diretamente vinculados às habilidades para fazer coisas ou objetos e aos modos, usos e costumes, crenças e hábitos, reproduzindo-os e, portanto, conservando os modos de pensar e agir tradicionalmente consagrados e socialmente valorizados (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 183).

Contudo, já é visível uma mudança dessa representação em algumas instituições e de alguns professores, que reconhecendo a insuficiência de sua formação inicial para o exercício da docência, têm se lançado ao desafio da profissionalização de professor do magistério superior, como podemos observar na representação de uma das depoentes deste estudo:

E depois o aluno veio me perguntar se eu era novata. Há quanto tempo eu dava aula? Então eu disse que já tinha mais de dez anos, enfim. A justificativa dele era porque a minha empolgação era de quem estava começando. E o que eu disse para ele foi exatamente isso: “eu escolhi a educação, eu escolhi ser professora”. Diferente, sem crítica nenhuma, há alguns colegas que têm a técnica e não têm a forma de passar, enfim... não sei se isso é dom também (Ana).

O depoimento da professora Ana ilustra claramente a compreensão de Pimenta e Anastasiou (2002) acerca da superação dos modelos tradicional ou prático- artesanal e técnico ou academicista da prática docente institucional, que vem emergindo com uma força importante, por meio do enfoque do professor hermenêutico ou reflexivo. É salutar considerar a trajetória pessoal percorrida pela professora Ana, que tem formação na área de Sistemas de Informação, com pós- graduação stricto sensu em nível de mestrado, na área de Educação.

O investimento feito por Ana, em sua formação inicial, indica-nos que a professora sentiu falta dos conhecimentos específicos da docência para atuar no magistério da educação superior. Trajetórias como a da referida professora ainda são pouco vistas em instituições de educação superior, já que para ingresso na carreira do magistério superior são requeridos formação específica na área, experiência profissional e desenvolvimento de pesquisas.

148

CAPÍTULO IV: O Papel da ... Superior: tensões entre a intenção e a ação Nandyara Souza Santos

Outro aspecto que nos chama à atenção no depoimento da citada professora, ela declara que escolheu ser docente, diferente da realidade de parcela considerável dos professores da educação superior, em alguns casos veem a docência como complementação da sua carga horária de trabalho, porque são profissionais liberais com carreira reconhecida, ou até por prestígio social, pois ser docente da educação superior consagra ao sujeito uma colocação diferenciada no mercado de trabalho (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002).

Todavia, vale notar que a professora Ana ainda se deixa influenciar pela representação construída no seu grupo social, a docência como dom. Ora, se é verdade que primeiro mudam as práticas para depois mudarem as representações sobre um determinado objeto e tendo em vista que estas são construídas e reconstruídas socialmente, no cotidiano, ou seja, são dinâmicas, esperamos que mediante políticas de formação dos professores as representações sobre a docência possam ser transformadas e compartilhadas, passando a orientar as práticas desses profissionais.

Outro grupo de professores, que chega à docência na educação superior faz esta incursão por questões de empregabilidade, aumento da renda salarial, por dificuldade de se colocar no mercado de trabalho na área de sua formação específica, sendo o magistério superior a última opção, como afirmamos anteriormente. Estes dois grupos, via de regra, não investem na profissionalização da sua docência porque, para eles, o magistério na educação superior não figura como profissão, ou seja, eles se sentem bacharéis nas mais diversas áreas, que atuam ou atuarão como profissionais liberais (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002).

Ainda sobre o depoimento de Ana, gostaríamos de salientar que a percepção da professora sobre a profissão do professor da educação superior encontra-se difusa.

Existe um aparente conflito entre ser professor da educação superior por profissionalização, perspectiva em que nós acreditamos, ou ser professor por vocação, como cogitado pela docente Ana. Tal compreensão nos sugestiona que a professora está vivendo a transição do paradigma: de um lado temos o professor profissional e do outro o professor por vocação, que vai ao encontro do proposto por Cunha (1998):

149

CAPÍTULO IV: O Papel da ... Superior: tensões entre a intenção e a ação Nandyara Souza Santos A contraposição de posições aparentemente antagônicas não significa que se possa perceber a realidade numa perspectiva dual e estruturalista, ou seja, ou se é de um jeito ou de outro. O uso de paradigmas deve ser entendido como sinalizados de movimentos que se aproximam em constante oscilação. A realidade é sempre multifacetada e precisa ser percebida como processo, como ato dinâmico e contextualizado. Grande parte das ações pedagógicas que procuram antecipar inovações, vivem intensos espaços na transição dos paradigmas, ora vivenciando práticas que façam avançar o modo tradicional. Ora ainda reproduzindo processos presentes na história de cada um. O novo não se constrói sem o velho e é a situação de tensão e conflito que possibilita a mudança (p. 24 – 25).

Parece-nos que ainda observaremos este movimento, de abandonar o paradigma dominante e caminharmos na direção do paradigma emergente, uma vez que marcas profundas foram deixadas em nós, na nossa forma de pensar e de nos relacionarmos com o conhecimento. Defendemos que os paradigmas dominante e emergente coabitarão a nossa forma de nos relacionar com os estudantes e a produção do conhecimento. Acreditamos em que o desafio é reconhecer os sinais do paradigma dominante, persistentes em nossas práticas profissionais de docentes (até porque muito do que somos como professores, trazemos da experiência de quando éramos estudantes) e avançarmos no desafio e na insegurança de reinventar a nossa condição de profissionais da educação superior.

Mais uma perspectiva da profissionalização do professor da educação superior, reporta-se ao trabalho colaborativo que precisa ser realizado entre professores, estudantes e instituições de educação superior, na direção da garantia da aprendizagem qualificada dos acadêmicos e, por conseguinte, da formação profissional deles. Percebemos a relevância do trabalho colaborativo a ser efetivado entre professores, estudantes e instituição na consecução dos fins da educação superior no depoimento de uma professora:

A docência é um aprendizado bilateral, só que há momentos em que nós precisamos articular não só apenas com o aluno, mas, também, com a instituição (Maria).

No discurso da professora Maria fica evidente que a docência se dá por um trabalho colaborativo que envolve docentes, estudantes e a instituição. Ora, se a relação existente entre esses sujeitos é de colaboração, emerge um saber baseado na pergunta, na curiosidade, inovador, criativo. Em caso contrário, emerge um saber reprodutivo, reprimido, sem protagonismo. Segundo a depoente, nas situações de ensino, a articulação entre docentes e estudantes é necessária para a concretização dos fins da educação. Contudo, a professora reconhece que além de trabalharem

150

CAPÍTULO IV: O Papel da ... Superior: tensões entre a intenção e a ação Nandyara Souza Santos

professores e estudantes nos processos de aprendizagem, também há que se articular com a instituição, em algumas situações.

A professora se refere à necessidade de os programas das disciplinas e da instituição serem organizados a partir das aprendizagens dos estudantes, atentando para a questão de que a missão precípua da educação superior é formar profissionais competentes para contribuírem efetivamente com o desenvolvimento do país, através da ciência e tecnologia, além de exercerem seu papel na sociedade de forma ética e comprometida com a melhoria da qualidade de vida da população de maneira geral.

Pela observação das representações dos professores, fica evidente que a docência na educação superior exige conhecimentos específicos e, para tanto, primeiro, faz- se necessário que as instituições da educação superior invistam em processos de profissionalização dos professores, caminhando na superação dos modelos de docência tradicional ou prático-artesanal e do professor técnico ou academicista, na direção do modelo hermenêutico ou reflexivo (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002).

Segundo, é mister que os professores do magistério superior tomem a docência como profissão, tendo conhecimentos específicos, caminhando para uma prática profissional de professor centrada no ensino a uma docência comprometida com a aprendizagem dos estudantes. E, por fim, é urgente que as IES constituam uma política de desenvolvimento profissional dos professores (para que sejam asseguradas melhores condições de trabalho e reserva de tempo na carga horária dos professores para as atividades de formação), de maneira que o ensino seja tomado como referência para a formação dos professores. Pretendemos com isto, que o ato de ensinar seja ressignificado nas instituições de educação superior.

Outline

Documentos relacionados