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Principais características da Teoria das Representações Sociais

CAPÍTULO 2 DIRETRIZES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

2.3 Principais características da Teoria das Representações Sociais

Reafirmando, a TRS foi desenvolvida e elaborada por Serge Moscovici com o objetivo de entender a realidade de um determinado grupo social. A TRS é uma teoria complexa e, de certa forma, transita entre os limites epistemológicos de duas grandes áreas do conhecimento humano, as Ciências Sociais, em especial a Sociologia e a Psicologia, mais precisamente a Psicologia Social. Inicialmente, Moscovici buscou inspiração nas teorias do filósofo e sociólogo francês David Émile Durkheim (1858- 1917), que, juntamente com Karl Marx e Max Weber, é citado como um dos fundadores da Sociologia moderna. Dentre as principais ideias de Durkheim, a que mais influenciou Moscovici foi a Teoria da Representação Coletiva. Em essência, essa teoria buscou compreender e explicar fenômenos sociais, tais como a fé, as mitologias, as crenças etc.

Durkheim investigou criticamente esses fenômenos sócio-históricos em termos de categorias espaço-temporais, inerentes ao conhecimento de uma determinada sociedade ou grupo social.

Apesar de ser inicialmente influenciado por Durkheim, Moscovici buscou romper com as ideias do sociólogo, afastando-se da sua abordagem sociológica e direcionando- se para o campo psicológico. Durkheim entendia as “representações” como fenômenos compartilhados heterogeneamente por grupos sociais distintos. Moscovici, por sua vez, apesar de reconhecer a contribuição das Ciências Sociais para a formulação de sua TRS,

72 dirigiu suas ideias para o campo da Psicologia, em especial da Psicologia Social, de quem ele é um dos maiores representantes.

Segundo Moscovici (1978), o conhecimento é alcançado pelo entendimento adquirido pelos sujeitos que o refletem, mas nunca de forma isolada, pois a afinidade de ideias, ações e falas compartilhadas por membros de um mesmo grupo social ilustra a existência de uma reflexão coletiva e comum a todos. Para Moscovici, as RS movem-se, relacionam-se e fixam-se constantemente e initerruptamente por meio de falas, argumentos, comportamentos e relacionamentos no espaço cotidiano. Dessa forma, as RS vão se estabelecendo como uma espécie de conhecimento particular que surge na comunicação entre os sujeitos, cujas funções principais são a criação, fixação e perpetuação de comportamentos.

Moscovici (1978) ressalta que as RS são entidades quase tangíveis, produzidas no cotidiano de cada sujeito. As RS são fenômenos que perpassam a simples formulação conceitual sobre um certo fato social, abrangendo, principalmente, a produção de comportamentos com base nas vivências sociais e experiências coletivas. São conjuntos de ideias construídas coletivamente e subjetivamente no seio de espaços e fenômenos sociais. De acordo com Jovchelovitch (2001), a TRS é uma teoria sobre a construção dos saberes sociais. Contudo, existe muita confusão nesse sentido e não é difícil alguém se equivocar e confundir “saberes sociais” com “opiniões particulares”. O próprio Moscovici (1978) argumenta que a opinião, enquanto ação, é descrita como sendo algo muito pouco estável e confiável, pois está sempre atravessada por perspectivas e interesses particulares.

Logo, as opiniões são aspectos caracteristicamente notados de forma mais individual, enquanto as RS apresentam um caráter mais coletivo. Posso dizer que tudo que é relacionado à vida cotidiana de um determinado individuo, incluindo o espírito do seu tempo (Zeitgeist) e o espírito do povo (Volksgeist), são, em grande medida, formadores ativos de RS. Em outras palavras, os aspectos da vida, inclusive o momento sócio-histórico-cultural, influenciarão o sujeito na formulação de RS a respeito dos fenômenos sociais nos quais ele está inserido.

Um conceito-chave para a TRS é a ideia de “objeto” representado. Segundo Moscovici (1978), representar um objeto tem múltiplos significados, isto é, atribuir-lhe a significância de “signo” e tomar conhecimento dele e, em mesma medida e ao mesmo tempo, torná-lo significante. É tornar o objeto, até então estranho e não familiar, em algo familiar. Segundo o autor, existem duas maneiras de o conhecimento ser constituído.

73 Esses são os conceitos provenientes do “Universo Reificado” e do “Universo Consensual”, fundamentais na TRS.

Oliveira e Werba (2001) afirmam que os Universos Reificados dizem respeito a espaços restritos, que são mundos caracterizados pela objetividade onde estão presentes as ciências e as teorias abstratas. Nos Universos Reificados, a sociedade é entendida como um grupo social, imerso em um sistema no qual os sujeitos possuem diferentes funções e se dividem em diversas classes sociais. Em suma, uma sociedade onde existem desigualdades entre os indivíduos.

No que se refere aos Universos Consensuais, estas são teorias do chamado “senso comum” e do espaço das práticas cotidianas, onde são formadas e produzidas as RS. Nos Universos Consensuais, a sociedade é compreendida como um grupo social de sujeitos iguais, em que cada membro tem a notoriedade de falar em nome de todo o grupo.

Segundo Moscovici (1981), o universo consensual formaliza a consciência coletiva, trazendo compreensão sobre fenômenos sociais, de modo que possam ser apreendidos pelo Universo Reificado, das ciências, por exemplo, sendo novamente transferido ao Universo Consensual cotidiano, quando será representado.

Segundo Jacques (2001), a TRS se configura como um significativo método de investigação, pois é capaz de delinear um contexto real, um fenômeno que existe no seio de um grupo social, o qual inúmeras vezes os próprios sujeitos envolvidos não dão conta, tamanho o envolvimento deles com o objeto. Entretanto, esse fenômeno pode possuir um enorme poder mobilizador e explicativo. As RS mostram-se como um agrupamento de conjecturas, ações e ajuizamentos que se relacionam a certos assuntos e podem estar presentes em pontos do percurso de uma pesquisa de opinião, bem como no debate a respeito do senso comum de um determinado coletivo de pessoas, do qual cada um faz parte, conscientemente ou inconscientemente.

A voz coletiva, que é a chamada “opinião pública”, constrói os seus significados a partir de situações multindividuais, nas quais os sujeitos se expressam voluntariamente, ou são convidados a se expressar a favor ou contra algum fato determinado, sujeito específico ou alguma demanda de interesse geral. Guareschi (1996) faz distinção entre RS e a opinião pública. Para o autor, a “voz coletiva” tem uma dimensão numérica, grau de intensidade e fator de constância, a qual dá origem à possibilidade de afetar, direta ou indiretamente, a ação e a reação frente e em direção ao objeto específico, afastando-se das RS. O autor complementa que a TRS parte da ideia de que cada contexto sociocultural pode ser desmembrado em três partes:

74 1. a atitude;

2. a informação; e,

3. o campo de representações ou a imagem.

Vou discorrer brevemente sobre cada uma dessas dimensões. Segundo Moscovici (1978), a “atitude” é o posicionamento a respeito e frente ao objeto, podendo ser positivo, isto é, favorável ao objeto, ou negativo, rejeitando o mesmo. O autor considera que a tomada de posição diante do objeto pode ser ainda intermediária, ou seja, o meio termo entre os dois extremos.

Moscovici (1978) afirma que a “informação” corresponde a conjuntos de informações e conhecimentos que cada agrupamento social tem sobre um certo objeto social. Sendo assim, conforme for o grau de conhecimento que o grupo possui sobre objeto, mais precisas serão as informações a respeito dele. Por fim, no que se refere ao

“campo de representações”, Moscovici (1978) o considera a imagem particular que cada grupo social constrói coletivamente a respeito do objeto social. Logo, seria uma espécie de modelo social referente aos atributos da representação do objeto.

A área de conhecimento da Psicologia Social tem trabalhado com as RS em diferentes âmbitos, como: no objeto de estudo, na relação sujeito-coletividade etc. O campo também tem se interessado pelos aspectos cognitivos, entretanto, de forma diversa do paradigma clássico da Psicologia. As RS refletem como os sujeitos e grupos sociais constroem e compartilham o seu conhecimento particular a partir da sua inserção social, cultural, econômica etc. Em outras palavras, estuda o modo como um determinado grupo social se faz conhecer e como constrói e compartilha as informações entre os seus membros. Em suma, como agem, reagem e interagem, indivíduos e sociedades, no intuito de ordenar e organizar uma determinada realidade, além de como fixam, compartilham e preservam um contexto social em uma estreitíssima relação com a comunicação e a afetividade.