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A desmistificação do malandro em contos de João Antônio

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Academic year: 2017

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A DESMISTIFCAÇÂO DO MALANDRO EM CONTOS DE JOÃO ANTÔNIO

Edi&on LtUz LOMBARDO*

1 - INTRODUÇÃO

João Antônio e s c r e v e , sem e n f e i t e s , sobre a v i d a m a r g i n a l . Aborda o submundo do R i o de Janei. r o e de São P a u l o . Revela-nos, m u i t a s vezes, o l a d o do mundo que pagamos para não v e r .

No c o n t o a s e r a n a l i s a d o , "Leão de Cháca r a " (1) acompanhamos de p e r t o a v i d a de um leão-de-chácara. Conhecemos o submundo de uma boate da Zona S u l c a r i o c a onde a leonagem é f e i t a p o r Pirraça; além de comentários sobre os i n f e r n i nhos e b i r o s c a s da Praça Mauá. Vamos d e s c o b r i n d o que nesse mundo, assim como na sociedade burgue sa, há l e i s , a p r e n d i z a d o , código de h o n r a , a l t a s e b a i x a s , d i s p u t a s , e n f i m um mundo onde - como nos lembra bem A n t o n i o Cândido - competição e p r o p r i e d a d e também imperam.

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2 - O MITO DO MALANDRO E A SOCIEDADE BURGUESA/A DESMISTIFICAÇÃO DO MALANDRO

A sociedade burguesa tem e s t a d o no poder du r a n t e m u i t o s séculos. Por mais d i v e r s a s que t e nham s i d o as mudanças históricas, a sociedade a i n d a é uma sociedade burguesa. Porém, d u r a n t e todos esses anos, a b u r g u e s i a tem p r o c u r a d o apa gar sua denominação. Não se encontram p a r t i d o s

"burgueses", "a b u r g u e s i a d e f i n e - s e como a c l a s -se s o c i a l que não quer s e r denominada" ( 2 , p. 158). E assim, não assumindo nominalmente seus v a l o r e s , p r o c u r a passá-los como v a l o r e s n a t u r a i s : "as normas burguesas são v i v i d a s como l e i s e v i d e n t e s de uma ordem n a t u r a l " ( 2 , p. 1 6 1 ) .

A q u i i n i c i a - s e a nossa colocação sobre o ma l a n d r o na e s c r i t u r a de João Antônio, e s p e c i f i c a mente acompanhando o c o n t o "Leão-de-Chácara". O malandro v i v e em c o n f l i t o com as normas burgue

sas, embora a t u e j u n t o aos burgueses. É a c e i t o por e s t e s quando l h e s o f e r e c e e n t r e t e n i m e n t o ; é p e r s e g u i d o p e l a justiça burguesa quando e n t r a em c o n f l i t o com os burgueses. O malandro está ã margem dessas l e i s que p r o d u z i d a s p e l a burgue

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P o r t a n t o é submetido às " l e i s de sua nação", que p r i v i l e g i a o burguês. Pela f a l a de Pirraça perce bemos i s s o :

"A v i d a c a c h o r r a é a s s i m . Os homens lá em c i m a a s s i . nam um p a p e l e a g e n t e a q u i embaixo, n a v i d a , v a i comendo q u e n t e , agüentando r i p a d a no lombo e c a d e i a . Comendo o pão que o d i a b o amassou com o r a b o " ( 1 , p. 12)

João Antônio nos mostra que n e s t e mundo mar g i n a l também há l e i s :

"0 otário mete a g r a n a em mao de m u l h e r porque e l a o a t u r a n a cama e n a s V o n t a d e s . Vem o m a l a n d r o , o c a f i o l o e apanha a n o t a da i n f e l i z . Mas e s s e mordedor também p e r d e a b o c a s e não a d i s c i p l i n a r , o r i e n t a r , a t u r a r a mina; é um preço. A q u i l o que dá g r a n a dá c a n s e i r a " ( 1 , p. 7)

" E l e e s t a v a g o s t a n d o da dona, mas s e e s q u e c e u de uma l e i dos m a l a n d r o s : a g e n t e v i com os o l h o s e lambe com a t e s t a " . ( 1 , p. 11)

Os malandros, os c a f i o l o s também l u t a m p a r a con s e g u i r o seu d i n h e i r o :

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Estando s u j e i t o a l e i s análogas às do c a p i t a l i s mo:

" ( . . . ) em cima de m u i t a s u b i d a e m u i t a p i o r a que ho j e me a r r i s c o a d a r fé de algumas c o i s a s que s i n t o " . ( 1 ,

p. 7)

"E lã p o r d e n t r o , uns querendo que os o u t r o s s e r a l e m .0 e s p e r t o m u i t o a c o r d a d o , o t r o u x a m u i t o c a v a l o e o b e l d r o e g a s . No fundo fundo mesmo empatam: c a d a um c o r r e atrás do s e u pedaço. Podendo um come o o u t r o p e l a p e r n a " .

( 1 , P- 7)

Esse l a d o da malandragem a b u r g u e s i a não v i . 0 m i t o do malandro de v i d a fácil, d e s o r d e i r o , es conde esse mundo semelhante ao mundo burguês, su j e i t o , até mesmo, às l e i s do c a p i t a l i s m o . A pró p r i a personagem n a r r a d o r nos aponta esse e s q u e c i mento da b u r g u e s i a :

"Que não é de h o j e que da g e n t e da boémia só s e f a l a m as g r a n d e z a s e a glória; o s f i a s c o s e o s s o f r i m e n t o s a c a bam f i c a n d o p r a lá, e s q u e c i d o s n a s p o e i r a s dos a n o s " . ( 1 , p. 9 )

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tória ã n a t u r e z a , fazendo assim uma economia: "abole a complexidade dos a t o s humanos, c o n f e r e - l h e s a s i m p l i c i d a d e das essências, suprime t o da e q u a l q u e r dialética, q u a l q u e r elevação para lá do visível i m e d i a t o , o r g a n i z a um mundo sem contradições, porque sem p r o f u n d e z a , um mundo p l a n o que se o s t e n t a na sua evidência, c r i a uma c l a r e z a f e l i z : as c o i s a s parecem s i g n i f i c a r so

z i n h a s , p o r e l a s próprias" ( 2 , p. 1 6 4 ) .

No c o n t o "Leão-de-Chácara", essa complexida de vem ã t o n a : Resgatam-se as d i f i c u l d a d e s do s e r - m a l a n d r o . Se se é malandro, e x i s t e um passa do de privações que acaba p o r c o n d u z i r a i s s o :

" E n g r a x e i , l a v e i c a r r o , v e n d i f l o r e s , amendoim, f u i moleque de v i d a b r a v a e que me l e m b r e , nao t i v e g r a n d e s

c o l h e r e s de Chã nem no Catumbi, nem no Estácio e nem em Fátima, lá nos b a r r a c o s onde me c r i e i . Conforme s e v e , f u i s a b e r d a s c o i s a s na r u a , nos b e c o s e nos m u q u i n f o s e nao s e n t i a m u i t a v o n t a d e de e s q u e c e r os e n s i n o s . Uma bo b e a d a , um escorregão e os b a n d i d o s m a i s v e l h o s me t a s c a vam safanão n a s v e n t a s . Nunca um bom c o n s e l h o " . ( 1 , p. 6)

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que também p r e c i s a s e r a d q u i r i d o :

" A l c a n c e i tudo i s s o : n a quizumba e nos e s p o r r o s d a s r o d a s da L a p a , num tempo de o u r o . A l i s e e n r u s t i a a m a i o r e s c o l a que um b a n d i d o tem". ( 1 , p. 8)

João Antônio, ao t r a n s m i t i r a f a l a ao malan d r o , t e n t a s u p r i m i r o mundo p l a n o que o m i t o b u r guês constrói. Mostra as contradições que e x i s tem p o r trás desse " o b j e t o " . O malandro, no con t o , p o s s u i uma f a l a t r a n s i t i v a , a linguagem dos a t o s , i m e d i a t a , i m p o t e n t e para m e n t i r .

Não e x i s t e m , p o r t a n t o , relações de verdade e n t r e o m i t o do malandro e sua r e a l i d a d e . A b u r g u e s i a u t i l i z a - s e do m i t o segundo suas necessjL dades:

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Deformando conforme suas conveniências:

"0 ano p r e t o do t r o t o i r f o i o do I V Centenário. Os homens p a r t i r a m a n s i o s o s p a r a a s r u a s e de supetão f e c h a ram os h o t e l e c o s (...) Os homens q u e r i a m l i m p a r a c i d a d e

que i a r e c e b e r g e n t e i m p o r t a n t e e p r e c i s a v a f i c a r b o n i t i nha ( . . . ) " . ( 1 , p. 1 2 )

Com o t e x t o de João Antônio percebemos até mesmo que os encarregados de e x e c u t a r a l e i b u r guesa se lançam em complacências d u v i d o s a s com as c l a s s e s que d e v e r i a m a t a c a r :

" ( . . . ) mas também molhando a mao dos r a t o s , que os a r r e g o s são da l e i " . ( 1 , p. 6)

"Tinham s u a s m u l h e r e s na v i d a e malandravam com os homens da polícia". ( 1 , p. 10)

E que movidos p e l a opinião pública, que o r a ães p e r t a o m i t o do malandro d e s o r d e i r o , acabam p o r c u m p r i r seu p a p e l :

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E n f i m , percebemos que o p a p e l do t e x t o de João Antônio é t e n t a r f a z e r com que vejamos a história do malandro, as contradições e a comple x i d a d e desse m i t o que a b u r g u e s i a deforma. É um t e x t o que p r o c u r a m o s t r a r a distinção e n t r e sen t i d o e forma, d e s t r u i n d o a significação imposta p e l o m i t o . D e s m i s t i f i c a e e s c l a r e c e os usos que o burguês f a z desse m i t o .

3 - A RETÓRICA DO MITO DO MALANDRO

Barthes propõe a i n d a no l i v r o Mitologicu um esboço de uma retórica do m i t o . Entende-se p o r retórica um c o n j u n t o de f i g u r a s f i x a s nas q u a i s vêm encaixando as formas v a r i a d a s do s i g n i f i c a n t e mítico.

Apresentaremos as f i g u r a s que ocorrem com m a i o r i n t e n s i d a d e na formação do m i t o do malan d r o na sociedade burguesa.

a - A omissão da história - "Quando o m i t o f a l a sobre um o b j e t o , despoja-o de t o d a a histó r i a " ( 2 , p. 1 7 1 ) . U s u f r u i desse " o b j e t o " sem q u e s t i o n a r sua o r i g e m .

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quês. Contanto que e l a não o ameace, e l a terá " l i v r e ação".

Essa evaporação da história f a z com que o homem não s e j a responsável p o r essa c l a s s e . E é p e l a f a l a de Pirraça no c o n t o "Leão-de-Chãca r a " que percebemos que p o r trás do malandro há t o d a uma história que, em p a r t e s , f a z com que vejamos que a marginalização a que a sociedade burguesa submete determinados g r u p o s , c o n t r i b u i para a perpetuação da m a r g i n a l i d a d e :

"Não s o u menino. De m a i s a m a i s f o i cedo que a p r e n d i , d e b a i x o de p o r r a d a , a v e r sem s a l a m a n q u e s a s c o i s a s d e s s a v i d a " . ( 1 , p . 6)

O m i t o apaga essa r e s p o n s a b i l i d a d e não as sumida.

b - A identificação - "O pequeno burguês é um homem incapaz de i m a g i n a r o o u t r o " ( 2 , p. 171), m o t i v o p e l o q u a l o malandro ê t r a t a d o p o r essa sociedade de duas formas:

* o r a o malandro é encarado como alguém exótico, t r a n s f o r m a d o em puro o b j e t o , quando não c o n s t i t u i nenhum a t e n t a d o à segurança da nossa própria casa;

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l o , um a t e n t a d o , quando m a n i f e s t a seus verdadei. r o s a n s e i o s , i n d o c o n t r a a camada da sociedade que deve s e r v i r . A i , então, e l e é j u l g a d o p e l a consciência pequeno-burguesa, que p o s s u i "peque nos s i m u l a c r o s do bandido, do p a r r i c i d a , do pede r a s t a , e t c , que, p e r i o d i c a m e n t e , o corpo judi_ ciário e x t r a i do seu cérebro, c o l o c a no banco de acusados, censura e condena: só se j u l g a m análo gos desencaminhados: é uma questão de caminho e não de n a t u r e z a , p o i s o homem é assim" ( 2 , p. 172) .

4 - CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ANTONIO, J . Leão de Chácara. I n :

Leüo-de- ChácaAXL. R i o de J a n e i r o : R e c o r d ,

1980. p. 5-17.

2. BARTHES, R. ULtologÃj&Á. 7. e d . São P a u l o : D i f e l , 1987.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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CANDIDO, A. Dialética da malandragem: c a r a c t e r i zação d a s Memórias de um S a r g e n t o de Milícias. Rev. ín&t. Eitadoò ZKOLAJAIÁAOÍ,, São P a u l o , n. 8,

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