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A inserção das mulheres na luta pela terra: movimento de participação e/ou submissão

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(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

Ilena Felipe Barros

A INSERÇÃO DAS MULHERES NA

LUTA PELA TERRA:

MOVIMENTO DE PARTICIPAÇÃO

E/OU SUBMISSÃO?

(2)

Ilena Felipe Barros

A INSERÇÃO DAS MULHERES NA

LUTA PELA TERRA:

MOVIMENTO DE PARTICIPAÇÃO

E/OU SUBMISSÃO?

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, como requisito

parcial para obtenção do grau de Mestre em

Serviço Social.

Orientadora:

Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo

(3)

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(4)

ILENA FELIPE BARROS

A INSERÇÃO DAS MULHERES NA LUTA PELA TERRA:

MOVIMENTO DE PARTICIPAÇÃO E/OU SUBMISSÃO?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Serviço Social.

Aprovado em:

Banca Examinadora:

___________________________________

Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

___________________________________

Prof. Dr. Severino José de Lima

Universidade Federal de Campina Grande – UFCG

____________________________________

Profa. Dra. Elisete Schwade

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_____________________________________

Profa. Dra. Rita de Lourdes de Lima

(5)

DEDICATÓRIA

“A construção de uma nova sociedade processa-se dentro das velhas estruturas, que serão derrubadas na medida em que a experiência prática do novo for conquistando as mentes e as

vontades.” (Staccone)

Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais que lutam pelo acesso a terra. De noite e de dia,

no sol ou na chuva, levantes companheiros e companheiras que resistentes como mandacaru,

insistem na peleja de viver o sonho de brotar a terra e realizar a festa da grande colheita. São

milhares de homens e mulheres que caminham nesse país e enfrentam todas as privações para

quando morrer, cansado de guerra, morro de bem com a minha terra; cana, caqui, inhame,

abóbora, onde o vento se semeava outrora”.1

Com eles e elas aprendi o sentido da liberdade e do compromisso de lutar pela vida,

vendo nascer na terra um novo dia. Percorrer a trilha da luta pela terra, compreender a grave

questão social rural me fez cada vez mais comprometida com a luta pela realização da reforma

agrária no Brasil. A essas pessoas meu respeito e minha esperança de paz, justiça social e a

possível construção de um país com equidade de gênero, social, política, cultural e econômica.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradecer significa reconhecer a contribuição de pessoas que foram fundamentais no

desenvolvimento dessa dissertação, pois nenhum trabalho é isolado ou produzido sozinho, nele

está contido o esforço e a sabedoria de muitas e muitos amigos/as e familiares. Foram

contribuições importantíssimas para sua conclusão: cessão de dados, documentos, fotografias,

entrevistas, informações, livros, revistas, cartilhas, textos, artigos, resenhas, dossiês e debates

sobre o tema em pauta. E ainda, pessoas que estiveram presentes na sua forma carinhosa e

afetuosa de apoiar, sempre atentas e preocupadas em saber como eu estava me sentido. Sem essas

pessoas eu não concluiria essa dissertação.

Assim sendo, agradeço a minha família pelo carinho, apoio e compreensão que me

dispensou durante esse trabalho, inclusive pelas muitas vezes que não pude dar a atenção que eles

e elas mereciam, principalmente pelas horas que não pude brincar com meu sobrinho Igor.

A minha irmã Ilana Felipe pelo apoio e dedicação que me dispensou, contribuindo na

transcrição das entrevistas e na leitura dos textos, quando eu estava muito cansada.

A Severina Garcia de Araújo, minha orientadora, com a qual aprendi muito, troquei

experiência e com sua clareza de método e riqueza de conhecimentos contribuiu para transformar

um turbilhão de impressões, espanto, militância, informações e leituras, em um trabalho

científico;

As Professoras Dras. Irene Alves de Paiva e Elisete Schwade, do Departamento de

Ciências Sociais e Antropologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

(7)

Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais que me possibilitaram conhecer um mundo de

lutas, alegrias e trabalho; tendo na terra mãe o sentido maior da vida. Eles e elas abriram suas

casas e seus corações, socializando suas experiências de vida e os mais profundos sentimentos.

Aos amigos e amigas da turma do mestrado, com os/as quais compartilhei momentos

agradáveis de alegrias, discussões teóricas, leituras, debates dos projetos de pesquisas e objetos

de estudos, festas, lanches da livraria AS Livros; como também os dias de angústias quando o

trabalho travava e não conseguia-se produzir. Com especial carinho a Késsia Roseane, pela

amizade que foi construída ao longo do período da Pós-Graduação.

Aos professores, professoras e funcionários do Departamento de Serviço Social, a vocês

meu carinho, respeito e gratidão, sempre tentando apreender a riqueza das suas lições para minha

formação profissional;

Aos companheiros e companheiras de trabalho do CEAHS, com os quais compartilho

preocupações, alegrias, conquistas, saberes, descobertas e inquietações sobre a ação no meio

rural. Essa equipe esteve presente durante todo o processo do mestrado, principalmente pela

compreensão da relevância e importância do tema para o desenvolvimento do trabalho nas áreas

de assentamentos e comunidades rurais; como também pelo apoio e atenção que me dedicaram

durante o desenvolvimento do curso;

As Instituições CEAHS, SAR, FETARN e INCRA por me permitir ter acesso aos dados e

informações dos municípios de Touros e Maxaranguape e do Assentamento Novo Horizonte II,

alvos da pesquisa de campo;

As amigas Íris Maria de Oliveira e Socorro do Vale, pelas valiosas contribuições nessa

dissertação. As amigas Antônia Maria Alves de Albuquerque, Eliana Andrade e Miriam Inácio

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Dalvanir Avelino pela concessão de dados e documentos para a pesquisa, junto ao INCRA. Todas

essas mulheres deram importantes sugestões para melhoria do meu trabalho.

As amigas Késsia Roseane, Eliana Andrade, Miriam Inácio e Divaneide Basílio pelos

momentos agradáveis de afeto e compartilhamento de nossas alegrias, angústias, amores,

impressões, visão de mundo e descobertas. A amizade compreende as coisas que as palavras não

podem expressar.

A Francisco Canindé pelos dias e noites de carinho, afeto, cuidado e apoio no momento

final dessa dissertação. A essência do ser humano reside no cuidado e no amor.

A Fabiana Marcelino pela disponibilidade na organização das fotografias.

A CAPES, pelo apoio financeiro nos últimos meses de conclusão desse trabalho.

Aos fotógrafos Lenilton Lima, Vlademir Alexandre e Teotôneo Roque pela

disponibilidade em ceder as fotografias que fizeram durante o acampamento Vale da Esperança e

do desenvolvimento do Assentamento Novo Horizonte II, sendo parte delas do acervo do

CEAHS.

Ao amigo Sabino Gentilli pela tradução do resumo em língua estrangeira.

Ao amigo Hélcio Pacheco pela correção do português de parte da dissertação.

A todos os/as amigos e amigas que de forma direta ou indireta, contribuíram com seu

estímulo, carinho, apoio, amizade, sempre acreditando no meu potencial de viabilizar e produzir

essa dissertação.

A luz e energia positiva do cosmo que me guiou e me impulsionou na trajetória dessa

(9)

Somos milhões de companheiros e companheiras buscando a libertação da terra, de homens e mulheres em um país onde a terra vale ouro e os seres humanos alguns gramas de chumbo moldados em balas que fazem sangrar o destino do nosso povo sofredor! Na arte de resistir às tentativas da destruição dos nossos sonhos, trincheiras da criatividade se revela a rebeldia dos poetas e dos cantadores filhos da terra e da esperança no palco imaginário para onde marcham as colunas dos grandes guerreiros

e lutadores sem terra. A terra no seu suspiro nos abençoa e agradece através das nuvens de poeira provocadas pelos rígidos pés descalços que seguem destemidos, construindo esta grande irmandade de companheiros em busca da dignidade perdida. Seguimos cantando. Na poesia do cantador se misturam o desejo da terra de homens na grande sintonia da esperança que aponta o horizonte e o longe fica perto quando se caminha adiante. As cordas movem paixões. O sentimento, as pulsações e o sonho de vencer, os corações. Cantar pois é mais que um prazer quando as vozes brotam da força em movimento que ao som de suaves, de belas melodias elevam foices e facões rompendo cercas, retirando morões para ver nascer o novo dia. Assim a terra se converte em causa, a liberdade se converte em sonho, o grito forte se converte em guerra e o povo segue um só caminho na trilha estreita plantando futuro. Que a noite escura da dor e da morte passe ligeira, Que o som dos nossos hinos anime nossas consciências E que a luta redima nossa pobreza. Que o amanhecer nos encontre sorridentes,

Festejando a nossa liberdade. (Terra Sertaneja – Ademar Bogo)

(10)

RESUMO

A presente Dissertação estuda a inserção das mulheres trabalhadoras rurais na luta pela terra desde o processo de ocupação, desapropriação e construção do Assentamento Novo Horizonte II, no município de Maxaranguape. Analisa sua participação no Conflito “Vale da Esperança”, que resultou nos Assentamentos Nova Vida II e Novo Horizonte II, no município de Maxaranguape/RN. A análise incide sobre o desvelamento dos determinantes que levaram as mulheres trabalhadoras rurais, após a conquista da terra, voltarem-se para o espaço doméstico e/ou assumirem cargos de menor relevância nas organizações políticas do assentamento. No conflito Vale da Esperança, as mulheres tiveram um papel fundamental, enfrentando a violência policial, sendo linha de frente dos conflitos com as forças de repressão, expondo suas vidas e a de suas famílias. Após a conquista da terra, transformada no Assentamento Novo Horizonte II, há mudanças na participação das mulheres. Observou-se que apesar do protagonismo das famílias, em especial das mulheres no conflito Vale da Esperança, essas trabalhadoras ainda vivenciam condições sociais, econômicas, políticas e culturais desiguais em relação aos homens, expressando as desigualdades de gênero presentes no cotidiano do assentamento: na associação, no trabalho doméstico e agrícola. A luta pela terra no Vale da Esperança e a conquista do assentamento não significou necessariamente a incorporação da emancipação das mulheres trabalhadoras rurais. Contudo, a participação política no desenvolvimento das lutas propicia as mulheres se descobrirem e iniciarem um processo de libertação enquanto gênero. Há sinais de continuidades e rupturas da cultura vigente, quase sempre impulsionada pela organização das mulheres trabalhadoras rurais.

(11)

ABSTRACT

The following dissertation studies the insertion of peasant women in the conflict for land since the occupation process, dispossession and construction of the settlement New Horizon II, in the municipal district of Maxaranguape. It analyses their participation in the conflict “Valley of the Hope", that resulted in the settlements New Life II and New Horizon II in the municipal district of Maxaranguape. The analysis exposes the reasons which took the peasant women, after the land conquest, to go back into domestic space and/or to assume positions of lesser relevance in the political organizations of the settlement. In the conflict Valley of the Hope, the women had a fundamental role, facing the police violence, being front line of the conflicts against the repression forces, risking their lives and the life of their families. After the conquest of the land, transformed into the New Horizon II Settlement, there are a lot of changes in the participation of the women. We can observe that, despite the protagonism of the families, in special of the women in the Valley of the Hope conflict, these female workers still experiment unequal social, economic, political and cultural conditions in relation to the men, expressing the gender inequalities which are found in the daily life of the settlement: in the community, in the domestic and agricultural task. The conflict for the land in the Valley of the Hope and the conquest of the settlement did not necessarily mean the incorporation of the emancipation of the peasant women. However, the political participation in the development of the conflicts allowed to the women the self discovering and the beginning of an emancipation process as gender. There are signals of continuities and ruptures of the present culture, almost always stimulated by the organization of the agricultural female workers.

(12)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

 Foto 01: Acampados da Fazenda Vale da Esperança, caminhando para

Touros... 08

 Foto 02: Acampada na Fazenda Vale da Esperança, durante uma assembléia... 17

 Foto 03: D. Nailde com suas filhas no barraco na Fazenda Cruzeiro do Sul após a desapropriação... 26

 Foto 04: Vista panorâmica de parte do Acampamento Vale da Esperança.... 89

 Mapa 01: RN com a Localização do Município de Touros... 108

 Mapa 02: Município de Touros... 108

 Mapa 03: RN com a Localização do Município de Maxaranguape... 113

 Mapa 04: do Município de Maxaranguape... 113

 Foto 05: Mulheres trabalhando na horta comunitária do Assentamento Novo Horizonte II... 167

 Foto 06: Crianças do Acampamento Vale da Esperança brincando na Lagoa do Fogo... 208

(13)

LISTA DE TABELAS

 Tabela 01: Extensão Territorial das Fazendas pesquisadas... 118

 Tabela 02: Escolaridade no Assentamento Novo Horizonte II... 183

(14)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACR –Animação dos Cristãos no Meio Rural

AIMTR/SUL– Articulação das Instâncias das Mulheres Trabalhadoras Rurais da Região Sul

AMTR/SUL– Articulação de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Região Sul

ANMTR– Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais

ATES– Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária

CEAHS– Centro de Educação e Assessoria Herbert de Souza

CESE– Coordenadoria Ecumênica de Serviços

CF8– Centro Feminista 8 de Março

CNDRS– Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

CNETTR– Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.

CNMTR Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais

CNTR Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais.

CNTTR Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura

COORAMG – Cooperativa Regional de Produção e Prestação de Serviço dos Assentados da Regional do Mato Grande

CPT– Comissão Pastoral da Terra

CUT– Central Única dos Trabalhadores

DNOCS– Departamento Nacional de obras contra as Secas

DST’s– Doenças Sexualmente Transmissíveis

EJA– Educação de Jovens e Adultos

EMATER– Empresa

EMPARN - Empresa de Pesquisas Agropecuária do Rio Grande do Norte S/A

FETAPE– Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco

FETARN –Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Norte

(15)

FREPAF Frente Potiguar de Agricultura Familiar

FUNRURAL– Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

GEE– Grau de Eficiência na Exploração

GUT– Grau de Utilização da Terra

IBGE –Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS– Imposto sobre Circulação de Mercadorias

IDEC– Instituto de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio Grande do Norte

IDEMA –Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente

IDH –Índice de Desenvolvimento Humano

INCRA –Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS– Instituto Nacional de Seguridade Social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ITERN– Instituto de Terras do Rio Grande do Norte

MA Maranhão

MAB Movimento de Atingidos por Barragens

MAMA Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia

MDA– Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEB– Movimento de Educação de Base

MG – Minas Gerais

MIRAD– Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário

MLST– Movimento de Libertação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MMA-SC – Movimento de Mulheres Agrícolas de Santa Catarina

MMTR-NE – Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste

MMTR/RN– Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Norte.

MPA– Movimento dos Pequenos Agricultores

MS– Mato Grosso do Sul

MST– Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MSTR– Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais

MT– Mato Grosso

OAB– Ordem dos Advogados do Brasil

(16)

ONU Organizações das Nações Unidas

PAC– Programa de Consolidação e Emancipação de Assentamento Resultante da Reforma Agrária

PADRS– Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável.

PB –Paraíba

PCA– Plano de Consolidação do Assentamento

PDS –Programa Desenvolvimento Solidário

PE– Pernambuco

PIB– Produto Interno Bruto

PJR– Pastoral da Juventude Rural

PNAD– Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PNRA– Plano Nacional de Reforma Agrária

PR– Paraná

PRONAF –Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PSF Programa Saúde na Família

PT Partido dos Trabalhadores

RN –Rio Grande do Norte

RS– Rio Grande do Sul

SAR– Serviço de Assistência Rural

SAUR– Serviço de Assistência Urbana

SC– Santa Catarina

SP– São Paulo

STR– Sindicato dos Trabalhadores Rurais

UFRJ– Universidade Federal do Rio de Janeiro

(17)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 18

CAPÍTULO 1: A TRAJETÓRIA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES NA LUTA PELO ACESSO A TERRA... 27

1.1 – A Participação Política das Trabalhadoras Rurais... 31

1.1.1 – A Organização das Trabalhadoras Rurais no RN... 50

1.2 – As Mulheres e o Acesso a Terra... 69

1.3 – A Dimensão de Gênero e o Lugar da Trabalhadora Rural... 78

CAPÍTULO 2: A INSERÇÃO DAS MULHERES NO CONFLITO VALE DA ESPERANÇA – HISTÓRIA E MEMÓRIA... 90

2.1 – A Região do Mato Grande: Palco da Luta do Vale da Esperança... 91

2.2 – A ocupação e a Sobrevivência no Acampamento Vale da Esperança. 117 2.3 – As Ações de Despejo e a Violência Institucionalizada... 137

2.4 – Os Aliados e Parceiros na Luta pela Terra... 148

2.5 – O Processo de Desapropriação... 158

2.6 – O Significado da Posse da Terra para as Mulheres... 162

CAPÍTULO 3: AS MULHERES NO ASSENTAMENTO COTIDIANO E RELAÇÕES DE GÊNERO... 168

3.1 – O Assentamento Novo Horizonte II: Características Gerais... 170

3.2 – A Inserção das Mulheres no Âmbito do Assentamento... 182

3.3 – As Mulheres no Espaço Público do Assentamento... 198

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 209

REFERÊNCIAS... 216

(18)

INTRODUÇÃO

“Oh, mulher te organiza e abraça essa luta!

Oh, mulher, verás uma nova geração!

Oh, mulher, vem com garra, vigor e energia,

Junto às outras com muita euforia,

Muda os rumos de nossa nação!”

(Nazaré Flor)

(19)

INTRODUÇÃO

A presente Dissertação tem como objeto de estudo a inserção das mulheres na luta pela

terra e a sua participação no processo de desapropriação e construção do assentamento Novo

Horizonte II, no município de Maxaranguape, estado do Rio Grande do Norte. A pesquisa buscou

apreender e analisar a inserção das mulheres trabalhadoras rurais no processo de luta pela terra e

sua participação no Conflito Vale da Esperança, que posteriormente resultou nos assentamentos

Nova Vida II e Novo Horizonte II.

A experiência analisada rastreou a trajetória de 300 famílias de trabalhadores rurais

sem-terra, que lutam pela cidadania, através da conquista da terra. No processo as mulheres exerceram

papel relevante desde o início do conflito agrário, quando ocorreu a ocupação, e depois, durante a

constituição e o desenvolvimento do assentamento. Apesar do protagonismo das famílias, em

especial das mulheres no conflito Vale da Esperança, essas trabalhadoras ainda vivenciam

condições sociais, econômicas, políticas e culturais desiguais em relação aos homens,

expressando as desigualdades de gênero presentes no cotidiano do assentamento: na associação,

no trabalho doméstico e agrícola.

O interesse em realizar esse estudo, deve-se, em primeiro lugar, à experiência de

acompanhamento do conflito Vale da Esperança, que ocorreu entre 1995 e 1997, quando

trabalhava no Serviço de Assistência Rural – SAR, setor da Arquidiocese de Natal, entidade

prestadora de assessoria aos/as trabalhadores/as rurais em áreas de conflitos de terra e atingidas

por barragens, na organização das mulheres trabalhadoras rurais, assalariados/as rurais das

(20)

educativo no assentamento Novo Horizonte II, através do Centro de Educação e Assessoria

Herbert de Souza – CEAHS constituindo-se em um desafio pessoal, no sentido de compreender a

formação dos assentamentos, as relações que se estabelecem no seu cotidiano, as dificuldades e

as conquistas dos movimentos sociais na demanda por terra e pela efetivação da reforma agrária.

O interesse deve-se também a relevância da atuação das trabalhadoras rurais nos cenários das

lutas do campo e da sua efetiva participação no cotidiano dos assentamentos.

Durante o período de atuação nas experiências de trabalho das duas instituições, foi

possível observar que no contexto de lutas pela terra e de profundas transformações nas relações

políticas, econômicas e culturais no campo, as mulheres exerceram um papel fundamental. Isto

porque no momento do conflito, além de se manterem nos acampamentos, continuavam

assumindo as atividades domésticas. Nesse processo, enfrentaram com coragem os jagunços e a

polícia local, sendo, muitas vezes, linha de frente dos diversos conflitos com as forças dos

latifundiários, expondo suas vidas e a de sua família à violência institucionalizada, seja por parte

do Estado ou do latifúndio.

Desta forma, chama atenção a história do conflito agrário Vale da Esperança, que tem

início no ano de 1995, quando 300 famílias, mobilizadas pelo MST e Sindicato de Trabalhadores

Rurais de Touros, ocupam as fazendas Aralém, Lagoa do Meio, Vale da Esperança e Fonseca no

município de Touros/RN, de propriedade do Sr. Almir Artêmio de Melo.

Durante três anos, as famílias foram ocupando as quatro fazendas, com destaque a Vale da

Esperança, onde permaneceram acampadas por mais de um ano. No período que durou o

processo de acampamento ocorreram sete ações de despejos, momentos em que os acampados

utilizaram como estratégia de resistência algumas estadias em dois pequenos sítios vizinhos as

fazendas de propriedade dos agricultores familiares Bino e Paulo Varela, que entraram na luta

(21)

de violência exercidas pelos prepostos do fazendeiro e pela ação da polícia local. Os

interrogatórios ocorreram na delegacia de Touros e muitos trabalhadores foram processados por

“invasão de propriedade particular e formação de quadrilha”. Nas ações de despejo, as famílias

eram abordadas com violência e truculência, sendo dois trabalhadores atingidos por tiros.

Essas famílias se mantiveram no acampamento resistindo com o firme propósito de

conquistar a terra. No desenvolvimento das ações, o MST e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Touros organizaram uma comissão, formada com representantes da Igreja Católica – através

do SAR e ACR - da FETARN, do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, da OAB, da

CUT, além das lideranças do acampamento, do MST (Coordenação Estadual) e do STR de

Touros. Essa comissão, juntamente com o INCRA e o representante do fazendeiro, deu início ao

processo de negociação para desapropriação das fazendas Vale da Esperança, Lagoa do Meio,

Fonseca e Aralém.

Após várias reuniões de negociação com o INCRA/RN e duas vistorias nas fazendas, o

laudo técnico concluiu que o solo era impróprio para produção agrícola, não podendo ser

desapropriada para fins de reforma agrária. A partir daí, a comissão dos trabalhadores passou a

negociar com o INCRA a possibilidade de outras fazendas na região do Mato Grande serem

desapropriadas. Com essa negociação, o MST localizou as fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro

do Norte, conhecidas por Soledade e fazenda Santa Águida, ambas localizadas no município de

Maxaranguape. Após o acordo jurídico, as famílias mudaram-se para as fazendas de

Maxaranguape, dando início ao processo de constituição dos assentamentos Nova Vida II

(fazenda Santa Águida) e Novo Horizonte II (fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro do Norte).

Esse processo de luta pelo acesso a terra realizado pelos trabalhadores/as que ocuparam as

Fazendas Fonseca, Lagoa do Meio, Vale da Esperança e Aralém, não se constituiu um fenômeno

(22)

A luta pela terra é uma importante dimensão da questão agrária. Nela estão contidas as

diversas formas de resistência e ação política dos movimentos sociais rurais. A existência de

assentamentos rurais no Rio Grande do Norte e no Brasil é resultado, em grande medida, da luta

pela terra, do que das políticas governamentais implementadas pelos Governos Federais. É nesse

processo histórico de lutas, que as ocupações têm sido uma estratégia fundamental para se

alcançar à democratização da terra.

Nessa perspectiva, os/as trabalhadores/as rurais vão gestando formas de organização e

resistência à concentração fundiária. A cidadania, que lhes é historicamente negada, tende a ser

resgatada nas inúmeras formas de luta, resistência e conquistas, constituindo-se sujeitos políticos

coletivos, ocupando latifúndios improdutivos, reivindicando direitos e alargando os movimentos

sociais rurais.

No contexto das lutas sociais rurais, a participação das mulheres está ligada às condições

de vida no campo e, geralmente, tem início com o enfrentamento dos/as trabalhadores/as nos

conflitos de terra, contra a grilagem de suas terras (exemplo dos posseiros), contra a construção

de barragens, entre outras lutas. É na ação política que a mulher inicia uma reflexão da sua

condição e do seu papel na luta pela terra. A partir do acumulo de experiências apreendidas nas

lutas, as mulheres vão ocupando os espaços públicos, dando lugar a um processo de organização

e de visibilidade da questão de gênero. Assim, na história das lutas no campo, as mulheres

trabalhadoras rurais vêm implementando processos de organização desde o final dos anos 1970,

período em que vários movimentos começaram a se reorganizar na luta contra a Ditadura Militar,

tendo sua maior efervescência a partir da década de 1980.

Nas mais variadas formas de luta pela terra e por direitos, as mulheres têm se expressado

como protagonistas ao lado dos seus companheiros. Ao permanecerem nos acampamentos,

(23)

praticadas pelas milícias armadas dos proprietários de terras e do Estado; cuidam dos filhos/as;

encorajam os companheiros; desenvolvem processos educativos e organizativos; disseminam

esperanças.

Observa-se que, desse processo de inserção na luta pela terra e de organização de base

comunitária, surge, na década de 1980, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do

Nordeste e do Rio Grande do Norte – MMTR/RN. A partir da trajetória de luta pela terra, as

mulheres descobrem a importância da organização, formam grupos e passam a atuar também no

Movimento Sindical, que na década de 1990 dá origem a Comissão Estadual de Mulheres da

FETARN.

As mulheres se constituem um coletivo político importante nos mais diversos movimentos

sociais do campo, com destaque para a luta pela terra. Muitas mulheres se destacam na luta por

reforma agrária e por um conjunto de políticas públicas que assegurem melhores condições de

vida. As mulheres trabalhadoras rurais desenvolvem também um trabalho comunitário de cunho

político e organizativo.

Desta forma, a pesquisa procurou apreender e analisar como se desencadeou a

participação das mulheres na luta pela terra e no processo de constituição e desenvolvimento do

assentamento Novo Horizonte II: as violências sofridas pelo conjunto dos trabalhadores, em

especial as mulheres, durante o conflito agrário; como as mulheres reagiram ao processo de

violência; as estratégias de sobrevivência e os mecanismos que viabilizaram a conquista da terra;

os parceiros e aliados durante o conflito. E após a conquista, como as mulheres exercem a

participação na dinâmica do assentamento. Enfim, tais questões concorrem para responder a

questão central da pesquisa: apreender os determinantes que levaram as mulheres trabalhadoras

rurais, após a conquista da terra, voltarem-se para o espaço doméstico e/ou assumirem cargos de

(24)

relações de gênero desiguais que perpassam o cotidiano do acampamento e do assentamento, o

que implica na invisibilidade da mulher no processo de luta e na construção do assentamento.

Portanto, a pesquisa buscou apreender dois momentos de um mesmo processo: a participação

ativa das mulheres na luta pela posse da terra e seu retorno à vida privada após a conquista,

posterior a desapropriação e constituição do Assentamento Novo Horizonte II.

A concepção teórico-metodológica que norteou a pesquisa centrou-se na pesquisa

qualitativa, recorrendo aos dados quantitativos para complementar as análises. O envolvimento

dos sujeitos na pesquisa foi fundamental, a medida em que se dispuseram a rememorar momentos

dolorosos de sua trajetória até a conquista da terra, transformada nos assentamentos Nova Vida II

e Novo Horizonte II.

No desenvolvimento da pesquisa foram utilizadas a entrevista semi-estruturada e a técnica

da observação participante, instrumentos importantes para captar o universo dos atores

envolvidos e suas interpretações acerca de sua realidade.

Durante as entrevistas, tentou-se coletar informações, emoções e significados dos sujeitos

sobre o objeto de estudo, tendo como base um roteiro com questões semi-estruturadas,

procurando adaptá-las as condições dos entrevistados, evitando rigidez. Foram escolhidos alguns

atores sociais diretamente envolvidos no objeto de estudo. Em primeiro lugar, foram

privilegiadas as mulheres trabalhadoras rurais, consideradas o público prioritário do objeto de

estudo. Em seguida, entrevistaram-se trabalhadores rurais que participaram ativamente do

conflito agrário, e hoje são lideranças do assentamento. Também foram entrevistados membros

da Coordenação Estadual do MST, que vivenciaram o momento do acampamento, além de

técnicas do SAR, que acompanharam e assessoraram a organização das mulheres trabalhadoras

rurais na região do Mato Grande, espaço da pesquisa. E ainda, entrevistas com educadoras do

(25)

Quanto à observação participante, esta se desenvolveu durante as visitas domiciliares, as

entrevistas e os eventos desenvolvidos no assentamento, tentando captar gestos, opiniões,

depoimentos, as relações entre os sujeitos, o ambiente, as emoções e os significados.

O caminho delineado para a pesquisa compreendeu algumas fases: primeiro procedeu-se o

levantamento de dados estatísticos, documentos, fotografias e mapas acerca do objeto de estudo;

além da revisão bliográfica. A segunda fase consistiu no trabalho de campo, onde se

desenvolveu a observação participante, as visitas domiciliares, as conversas informais, a

participação em eventos no assentamento e a realização das entrevistas semi-estruturadas. A

terceira fase correspondeu à análise dos dados – documentos, entrevistas, diário de campo,

mapas, tabelas e revisão bibliográfica – para construção da fundamentação teórica do objeto de

estudo, à luz das categorias teóricas: questão agrária, participação política e relações de gênero. E

finalmente a elaboração da dissertação que está estruturada em três capítulos.

O primeiro capítulo analisa como se desenvolveu a participação política das trabalhadoras

rurais; a sua luta pelo acesso as políticas agrária (terra), agrícola e sociais, e ainda, a dimensão de

gênero nas relações sociais no meio rural e o lugar da mulher trabalhadora rural.

O segundo capítulo procura resgatar a memória histórica do conflito agrário Vale da

Esperança: os acontecimentos relevantes, os atores sociais envolvidos no processo da luta, o

recrutamento das famílias para o processo de ocupação, a organização dos trabalhadores no

acampamento, os aliados e parceiros, a violência institucionalizada, as ações de despejo e o

processo de negociação, a inserção das mulheres no acampamento, o significado da luta pela terra

para essas mulheres, a desapropriação e a imissão de posse.

Para isso, fez-se necessário explicitar o cenário político, econômico e social em que se

(26)

região do Mato Grande, especialmente nos municípios de Touros e Maxaranguape, espaço

geográfico privilegiado desse estudo.

No terceiro capítulo,buscou-se apreender e analisar a inserção das mulheres no cotidiano

do assentamento Novo Horizonte II, seja na participação do espaço doméstico, na associação e no

(27)

CAPÍTULO 1:

A TRAJETÓRIA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

DAS MULHERES NA LUTA PELO

ACESSO A TERRA

“Enfrentei furac

ões com meus vestidos claros,

Quem me vê por aí com esses vestidos estampados,

Não imagina as grades, os muros,

O chão de cimento que eles tornaram lev

es...”

(Iracema Macedo)

(28)

CAPÍTULO 1

:

A TRAJETÓRIA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES

NA LUTA PELO ACESSO A TERRA

Pensar a inserção das mulheres na luta pela terra remete à questão agrária brasileira,

permeada de relações de poder político, econômico, social e cultural, perpassada por interesses

distintos e divergentes, sendo protagonizada, de um lado, por grandes proprietários e grupos

econômicos, tendo o aval e a ação do Estado; e do outro, trabalhadores/as rurais (posseiros,

meeiros, arrendatários, assalariados, pequenos produtores, etc) historicamente submetidos a um

processo perverso de expropriação e violência.

Em vista disso, a experiência analisada não é um acontecimento isolado, mas faz parte de

um processo histórico de âmbito nacional que envolve amplos segmentos das classes subalternas

rurais que foram excluídas ou incluídas perversamente e que desenvolveram um processo de luta

por terra, trabalho e melhores condições de vida para o campo. Trata-se da questão agrária,

marcada por movimentos de lutas, revoltas e resistências desenvolvidas por homens e mulheres

do campo. Conforme Medeiros (1989, p.11)

A imagem que herdamos do homem do campo é uma versão construída pelos vencedores do processo histórico. De acordo com ela fomos, durante muito tempo, levados a pensar o trabalhador rural como passivo, submisso, cordato, incapaz de formular seus próprios interesses e de lutar por eles.2

A história das lutas dos trabalhadores/as urbanos e rurais tem mostrado uma outra face.

Desde a década de 1960 foram registrados diversos conflitos no campo em torno da posse da

(29)

terra, pelas mais diversas categorias de trabalhadores/as rurais (posseiros, arrendatários,

assalariados rurais, meeiros, pequenos proprietários, atingidos por barragens e trabalhadores

sem-terra). Entretanto, é a partir da segunda metade dos anos 1950 e início de 1960, os trabalhadores

rurais entraram na cena política brasileira, como sujeito político coletivo, originando os

movimentos sociais rurais, especialmente as Ligas Camponesas. Naquele momento, o debate

sobre a problemática agrária assumia dimensão social e a reforma agrária passou a ser disputada

por várias forças políticas, pois até então os conflitos agrários ocorriam de forma localizada e por

alguns grupos de trabalhadores.

Medeiros (1989, p.12 e 13) ao analisar esse período afirma:

Nos anos 50, a emergência de Ligas Camponesas, de “associações”, de uniões

trouxer à cena política a luta dos trabalhadores rurais, que impuseram seu reconhecimento a sociedade. Embora ainda localizadas e dispersas, essas lutas repercutiram fortemente nos centros de poder, fazendo da reforma agrária um importante eixo de discussão política. No entanto, nesse mesmo momento, forjou-se a imagem dessas lutas como produto da “ação de agentes externos”, “elementos estranhos a classe”, que por interesses outros viriam incitar a revolta

e perturbar a secular “paz no campo”. Com isso mais uma vez os trabalhadores

eram vistos como incapazes de agir, de formular seus interesses e de se organizar em sua defesa. Em conseqüência se desqualificam suas lutas, tornando-as episódicas e escondendo a real dimensão de tensão e de conflitos existentes no campo.

A questão agrária é, pois, permeada por um movimento de lutas sociais que questiona a

estrutura fundiária, concentrada sob o domínio de uma elite que detém o monopólio da terra. Os

movimentos sociais rurais expressos nas Ligas Camponesas e nos Sindicatos de Trabalhadores

Rurais, além de outros parceiros, passaram a reivindicar uma ampla reforma agrária como parte

de um projeto de desenvolvimento para o País que incluísse os grandes contingentes de

trabalhadores rurais excluídos do acesso à terra e as condições de produzir. A questão agrária é,

portanto, entendida como uma questão política, e para alguns autores, surgiu com a emergência e

(30)

pressionadas pela Inglaterra, cujo desenvolvimento capitalista necessitava da expansão de seus

mercados.3

Martins (1997, p.61), ao analisar a questão agrária brasileira, afirma que:

Ela surge em conseqüência do obstáculo que a propriedade territorial e o pagamento da renda da terra ao proprietário representam para a reprodução ampliada do capital e a acumulação capitalista na agricultura [...] surge à questão agrária quando a propriedade da terra, ao invés de ser atenuada para viabilizar o livre fluxo e reprodução do capital, é enrijecida para viabilizar a sujeição do trabalhador livre ao capital proprietário de terra [...] ela se torna instrumento da criação artificial de um exército industrial de reserva, necessário para assegurar a exploração da força de trabalho e a acumulação [...] assim, a questão agrária foi ganhando visibilidade à medida que escasseavam as alternativas de reinclusão dos expulsos da terra.

Desta forma, historicamente as classes subalternas do campo foram submetidas as mais

variadas formas de expropriação, violência e exploração, exercidas pelos grandes proprietários de

terras, pelos seus prepostos e pelo Estado, através da Polícia Militar. A reação dos trabalhadores

frente às diversas formas e condições de exploração nas fazendas, se expressou na organização de

lutas e resistências, em diferentes momentos históricos4.

As bases políticas dessas lutas e movimentos são determinadas pelas contradições da

acumulação do capital no campo, intensificada a partir da chamada modernização conservadora5,

e da concentração da terra e do poder.

3Segundo Martins (1997, p. 62/63) “O regime de propriedade que então havia era o regime de sesmarias, suspenso em 1822 [...] Era necessário criar um direito de propriedade que fosse, ao mesmo tempo um obstáculo ao livre acesso a terra por parte da massa da população pobre, também por parte dos ex-escravos, daqueles que viessem a ser libertados da escravidão. A fórmula encontrada foi a de aprovar uma nova lei de terras, a lei nº 601, de 1850”.

4 Pode-se destacar as históricas lutas de Canudos (1893-1897); a Guerra de Contestado (1912-1916); os confrontos de posseiros, moradores e colonos com fazendeiros (entre 1930-1945); a organização das Ligas Camponesas contra coronéis e usineiros no Nordeste e a fundação dos Sindicatos Rurais (entre 1945-1964); a resistência de posseiros, arrendatários, seringueiros, atingidos por barragens, entre outros ( em meados dos anos 1970 e início dos anos 1980); o surgimento do MST e as ocupações de terra a partir dos anos 1980 e sua intensificação nos anos 1990. Sobre essas lutas existe vasta literatura.

(31)

Nesse cenário as mulheres trabalhadoras rurais participam das lutas, mas não são

contempladas nas esferas de representação política. É na ação política que a mulher inicia uma

reflexão da sua condição e do seu papel na luta pela terra. A partir do acumulo de experiências

apreendidas nas lutas, as mulheres vão ocupando os espaços públicos dando lugar a um processo

de organização e de visibilidade da questão de gênero. Assim, na história das lutas no campo, as

mulheres trabalhadoras rurais vêm implementando processos de organização política desde

meados dos anos 1970 (época em que vários movimentos começam a se reorganizar na luta

contra a ditadura militar), tendo sua maior efervescência a partir da década de 1980.

O envolvimento das mulheres nas lutas está ligado às condições de vida no campo e

geralmente tem início com o enfrentamento do processo expropriatório a que são submetidas, que

se expressa nas lutas por terra, contra a grilagem (exemplo dos posseiros), na construção de

barragens, na luta dos seringueiros (na região norte) e das quebradeiras de coco babaçu no

Maranhão, entre outras lutas. Todas essas lutas envolvem diferentes segmentos das classes

subalternas do campo, com o intuito de terem acesso à terra e a melhores condições de vida no

meio rural.

Como afirma Grzybowski (1987, p.18):

Contrariamente ao que alguns pensam, as lutas pela terra afirmam histórica e politicamente a diferenciação de classes existentes no interior dos trabalhadores rurais. As lutas pela terra forjam como classe, diferentes frações do

(32)

campesinato em clara oposição à expropriação imposta pela expansão capitalista. As formas de expropriação não são homogêneas, envolvendo diferentes agentes, e não são homogêneos os camponeses que a elas se opõem.

Em todos os movimentos e lutas sociais no campo, as trabalhadoras rurais têm

participado, como esposas, mães, assalariadas, sem terra, seringueiras, canavieiras e sindicalistas.

A mulher que sempre trabalhou na produção agrícola, aumenta também sua participação nas lutas travadas pela classe: nas campanhas salariais e nas greves; nas mobilizações dos pequenos agricultores; na luta pelos serviços sociais de previdência e saúde; na luta por seu reconhecimento como trabalhadora e contra outras discriminações que a atingem mais diretamente. (LIMA, 1992, p. 13).

A respeito disso, cabe analisar como se desenvolveu a participação política das

trabalhadoras rurais, organizando e estruturando movimentos sociais específicos; a sua luta pelo

acesso as políticas públicas: agrária (acesso a terra), agrícola e sociais; e ainda, a dimensão de

gênero nas relações sociais no meio rural e o lugar da mulher trabalhadora rural.

1.1

A Participação Política das Trabalhadoras Rurais:

Na história das lutas políticas da classe trabalhadora, a participação política das mulheres

trabalhadoras rurais pode ser identificada em diversos momentos. A partir da década de 1960, a

expansão do capital no campo acentuou o processo de expropriação e violência desencadeados

sobre as mais diversas categorias de trabalhadores rurais. As conseqüências desse novo contexto

interferiram no cotidiano da mulher trabalhadora rural, impulsionando-a a enfrentar junto com

seu marido e filhos na defesa da terra e da sobrevivência da família. Dessa forma, pode-se

encontrar a participação das mulheres trabalhadoras rurais na luta pela terra e pelo

desenvolvimento da agricultura; na luta pelos direitos sociais, políticos, econômicos e civis; na

(33)

De acordo com Demo (2001) entende-se por participação uma gradual e infindável

conquista, em constante vir-a-ser sempre se fazendo. É, em essência, autopromoção e uma

conquista processual. Segundo Demo (2001, p. 18) a participação não pode ser entendida como

dádiva, concessão ou algo preexistente.

Não pode ser entendida como dádiva porque não seria produto da conquista, nem realizaria o fenômeno fundamental da autopromoção; seria de todos os modos uma participação tutelada e vigente na medida das boas graças do doador, que delimita o espaço permitido. Não pode ser entendida como concessão, porque não é fenômeno residual ou secundário da política social, mas um dos seus eixos fundamentais; seria apenas um expediente para obnubilar o caráter de conquista, ou de esconder, no lado dos dominantes, a necessidade de ceder. Não pode ser entendida como algo preexistente, porque o espaço de participação não cai do céu por descuido, nem é o passo primeiro.

Dessa forma, pode-se afirmar que as conquistas das mulheres trabalhadoras rurais são

fruto de uma ampla participação, com vista a reconstruir, juntamente com outros atores sociais, a

sociedade brasileira. É uma participação que se revela nos grupos de base, nas lutas, nos

movimentos sociais, nos sindicatos, nas organizações comunitárias, nas pastorais religiosas, no

espaço doméstico.

De acordo com Dallari (1994), ao analisar a participação política das pessoas na sociedade

brasileira, ressalta que o primeiro passo para a efetivação da participação política está na

mudança da consciência de cada um. Dado esse passo, está aberta a plena participação, pois a

pessoa conscientizada não fica indiferente às injustiças e aos obstáculos que se apresentam na

realidade. A partir daí, a participação se torna coletiva, concretizando-se na observação da

realidade, na definição de valores e objetivos, bem como na escolha do modo e do lugar de

atuação.

(34)

escola, no clube, nas reuniões de amigos, nos veículos de transporte coletivo e em qualquer outra circunstância em que as pessoas possam conversar [...] A participação coletiva se dá por meio da integração em qualquer grupo social. As formas e as finalidades imediatas das associações são infinitas. Basta um pequeno grupo de pessoas, com algum objetivo definido e a disposição de trabalharem continuamente em busca de objetivo, para se ter uma associação. (DALLARI, 1994, p. 43-44)

A consciência coletiva se desenvolve quando as pessoas se tornam parte de um grupo ou

classe social e são levadas pelas circunstâncias a lutarem e se organizarem em função de

objetivos específicos. É nesse processo que surge a possibilidade da construção de sujeitos

políticos coletivos.

Ao analisar a participação das mulheres trabalhadoras rurais, percebe-se sua inserção

individual e coletiva na realidade do campo, a partir das desigualdades sociais e da negação dos

seus direitos, desde o direito à terra e às condições de trabalho, entre outros. Muitas foram às

mulheres que se mobilizaram em torno da defesa de seus direitos e de suas famílias. Um processo

de participação vivenciado pelo conjunto de famílias camponesas, ao longo da história.

Os registros históricos revelaram que a participação das mulheres trabalhadoras rurais no

Nordeste ocorreu a partir de lutas diversas sem caráter de movimento de mulheres. Por exemplo,

durante o regime de escravidão, várias foram às mulheres negras que lutaram pela libertação do

seu povo e comandaram rebeliões em diversas partes do Nordeste. É representativa a bravura de

Ana:

(35)

A história de outras mulheres também é emblemática para resgatar a memória da

participação política das mulheres trabalhadoras rurais nas mais diversas conjunturas do País, em

diferentes momentos históricos. Outro exemplo é a figura de Ana de Alencar Araripe, que, ao

lado do marido, liderou a Revolução de 1817, insurreição que começou em Pernambuco e logo

chegou a outras províncias nordestinas, realizada por vários setores da sociedade insatisfeitos

com a situação econômica, política e social.

Em março de 1817, os revoltosos reagiram à prisão de vários liberais, formando um governo revolucionário que enviou às câmaras das comarcas uma nova lei orgânica, abolindo os impostos recém-instituídos por D. João VI e implantando novos costumes, próprios ao sistema republicano. Com a repressão aos rebeldes, Ana de Alencar Araripe foi levada presa para Fortaleza, juntamente com seu marido, sendo libertada anos depois. Em 1824, eclodiu em Pernambuco, estendendo-se até a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Ceará, a Confederação do Equador, segunda tentativa de insurreição regional visando à autonomia e a instalação de um regime republicano no Nordeste. Ela estava sempre presente onde aconteciam os combates, ora instalando-se nos acampamentos de guerra, ora refugiando-se em casa de amigos e parentes próximos ao cenário dos conflitos. (SHUMAHER, 2000, p.50-51)

A história de outras mulheres também é típica para resgatar a memória da participação política das mulheres trabalhadoras rurais nas mais diversas conjunturas do País, diferentes momentos históricos. Muitas outras lideranças femininas marcaram as lutas do campo no decorrer da história, mas foi a partir das décadas de 1950 e 1960 que as mulheres emergiram de forma mais presente no movimento das Ligas Camponesas6. Ressalta-se a trabalhadora rural Elizabeth Teixeira, esposa de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas, que junto com o marido mobilizou e organizou a Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba. Após o assassinato de seu marido em 1962, Elizabeth assumiu a liderança das Ligas, “tornando-se um símbolo de resistência dos trabalhadores rurais, dos anos 1960 no Nordeste do Brasil”. (SHUMAHER, 2000, p.190)

(36)

Na década de 1970, duas outras trabalhadoras rurais se destacaram nas lutas do campo na

Paraíba, Maria da Penha Nascimento Silva e Margarida Maria Alves.

Penha nasceu em 1949 em alagoa Grande/PB. Sua trajetória política teve início em 1972 no sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, que tinha Margarida Maria Alves como presidente. Margarida, que se sentia muito sozinha como mulher na atuação sindical, convidou Penha para a luta. Em 1980, participou da reunião nacional para a criação da Central Única dos Trabalhadores – CUT/PB, da qual foi também dirigente. Durante sua trajetória, Penha surpreendia os que a conheciam por sua sensibilidade e aguçada compreensão das lutas de classe e especialmente da situação das mulheres trabalhadoras rurais. Morreu em 15 de março de 1991, num acidente automobilístico, juntamente com Beth Lobo. (SHUMAHER, 2000, p.190)

Margarida Maria Alves era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande/PB, região canavieira da Paraíba [...] Margarida destacou-se como liderança dos trabalhadores rurais na luta pelos direitos sociais, alguns já conquistados pelos trabalhadores urbanos. Lutou pelo registro do trabalho em carteira, pela jornada de oito horas de trabalho, 13º salário, férias, repouso remunerado. Seu empenho na organização dos camponeses vinha se desenvolvendo há 12 anos, e ela já havia feito muitas denúncias contra os proprietários rurais locais. Numa delas, moveu um processo contra o filho de um fazendeiro que havia espancado uma moradora de suas terras, velha e paralítica [...] A dedicação e a coragem de Margarida na mobilização dos trabalhadores rurais do Brejo Paraibano repercutiram na CONTAG e em mais de 32 sindicatos rurais. Seu exemplo possibilitou o início de poderosa campanha salarial e a reivindicação de dois hectares de terras para as famílias dos trabalhadores rurais plantarem roças de subsistência [...] Margarida foi assassinada por pistoleiro a mando de latifundiários. Sua morte provocou inúmeras manifestações dos trabalhadores rurais e de grupos de mulheres do Brasil, em protesto contra a impunidade dos senhores de terra nos atos criminosos que cometem na defesa do sistema latifundiário. (SHUMAHER, 2000, p.361)

Chamam a atenção os desdobramentos reais e simbólicos daí decorrentes, originando

outras lutas sociais, a exemplo da Marcha das Margaridas, empreendidas anualmente sob a

direção da CONTAG, das federações estaduais e da Articulação Nacional de Mulheres

Trabalhadoras Rurais. Nas lutas sociais do campo, as mulheres participam, enfrentando todas as

formas de violências, exercidas pelos latifundiários, ao lado de seus maridos e de suas famílias. A

(37)

política. Descobrem que além das desigualdades sofridas por pertencerem a uma classe, sofrem a

desigualdade de gênero, portanto é preciso lutar pelo direito de ser cidadã com as mesmas

oportunidades que o homem, afirmando a importância da sua organização específica.

A organização das mulheres trabalhadoras rurais ocorreu, num primeiro momento, em

pequenos grupos para discutir seus problemas e dificuldades, sendo também uma oportunidade de

troca de experiências, de construção de vínculos de afetividade, solidariedade e de formação

política, através das representantes dos sindicatos de trabalhadores rurais, das associações e de

outras formas de mobilização.

Num estágio posterior, especialmente a partir de meados dos anos 1980, esses grupos se

articularam, desembocando na organização do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do

Nordeste – MMTR-NE7, iniciado da interação de duas micro-regiões: Sertão Central de

Pernambuco e Brejo Paraibano e se expandindo para outros estados nordestinos na década de

1980. Na mesma época, as mulheres que estavam presentes nos movimentos de pequenos

agricultores, sem terra, expropriados por ações de grileiros e atingidos por barragens na região sul

do Brasil, mobilizaram e organizaram a Articulação das Instâncias das Mulheres Trabalhadoras

Rurais da Região Sul – AIMTR-SUL. O MMTR-NE e a AIMTR-SUL se originaram quando as

mulheres iniciam sua participação política na luta pela terra, nos sindicatos rurais, nas

associações comunitárias e, finalmente, em movimentos autônomos, discutindo um “novo jeito

de organizar a sociedade, onde as mulheres tenham vez e voz”.8

7 O MMTR-NE surge no Sertão Central de Pernambuco através da organização de mulheres trabalhadoras rurais que participaram de lutas por terra no início da década de l980. A partir da organização de grupos de base, elas se firmaram nos espaços públicos e organizaram o movimento. A história do MMTR inicia na década de 1980, quando em vários estados eclodiam conflitos de terra, ao mesmo tempo em que a problemática da mulher nas lutas do campo ganhava destaque. Começaram a discutir os problemas que as mulheres enfrentam, enquanto trabalhadoras, a sua identidade e como a articulação entre elas poderia ajudá-las a ocupar o seu espaço. Com as contribuições dos debates sobre gênero, introduziram-se novas preocupações, como a necessidade de repensar os papéis masculinos e femininos e dar visibilidade ao trabalho das mulheres.

(38)

Nesse contexto, as mulheres trabalhadoras rurais protagonizaram a organização dos

movimentos de mulheres trabalhadoras rurais do Sul e do Nordeste em um cenário de lutas de

classe e construção de novos espaços de participação e lutas. Os dois movimentos surgiram da

participação das mulheres nas lutas do campo e, de forma específica, de acordo com as

características de cada realidade. No Nordeste, a participação foi desencadeada a partir dos

conflitos agrários, das lutas dos/as assalariadas rurais da cana de açúcar e da participação nos

sindicatos rurais.

Daron, Kroth e Rubenich (2003), ao analisarem a trajetória histórica dos movimentos de

mulheres trabalhadoras rurais, ressaltaram quatro momentos relevantes. No primeiro momento,

deu-se a construção e organização autônoma das mulheres com a luta pela valorização e

participação das mulheres trabalhadoras rurais nos vários espaços da sociedade, o que marcou

especialmente a década de 1980.

No segundo momento, houve a afirmação dos movimentos de mulheres trabalhadoras

rurais e/ou de agricultoras com intensas lutas e mobilizações na busca do reconhecimento da

profissão e do acesso a direitos sociais e previdenciários, marcando a trajetória da luta feminina

no campo no final dos anos 1980, no processo Constituinte até a metade da década de 1990.

No terceiro momento, a partir de meados dos anos 1990, destacou-se o fortalecimento dos

movimentos de mulheres trabalhadoras rurais nos vários estados do Brasil. A construção da

Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais, envolvendo as mulheres dos vários

movimentos e organizações camponesas, com a intensificação da luta pela consolidação dos

direitos, o desenvolvimento da mulher aliado à mudança das relações sociais de gênero e classe

na sociedade, vêm se destacando a partir da metade da década de 1990 até hoje.

E por fim, a unificação dos movimentos autônomos com o fortalecimento da luta e da

(39)

a agricultura na lógica da agroecologia, a produção de alimentos mais saudáveis, as plantas

medicinais como fonte de vida, saúde e soberania, o combate aos transgênicos e agrotóxicos; a

mulher como protagonista e a mudança das relações sociais de gênero e de classe. A valorização

e construção da identidade de libertação das mulheres estão inseridas no processo organizativo,

de luta, de formação e de implementação de experiências de resistência ao neoliberalismo, sendo

sinais de construção de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil.

É durante a década de 1980 que os movimentos autônomos de mulheres se proliferaram

nos estados. O primeiro encontro nacional de mulheres trabalhadoras rurais ocorreu em 1986, em

Baurueri (SP), apoiado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com o objetivo de criar uma articulação nacional, do

qual participaram 16 estados, entre eles o Rio Grande do Norte, através da educadora do Serviço

de Assistência Rural - SAR, Marilene da Silva Gomes e duas trabalhadoras rurais (Maurilia, do

Município de São Rafael e Maria das Dores Baracho, do Município de Touros). Na ocasião foi

decidido que os esforços deveriam se concentrar na organização e no fortalecimento dos

movimentos estaduais e nos sindicatos e federações de trabalhadores rurais. Acredita-se que esse

encontro de São Paulo foi fundamental para gestar o Movimento de Mulheres Trabalhadoras

Rurais do Nordeste (MMTR-NE), o qual, no ano seguinte (1987), realizou o I ENCONTRO DO

MMTR-NE, na cidade de João Pessoa, com a participação de oito estados do Nordeste.

Em 1988 foi criada a Articulação das Instâncias das Mulheres Trabalhadoras Rurais da

Região Sul (AIMTR-SUL), com a presença de cinco estados daquela região. Teve como principal

objetivo criar um fórum de discussão do que seria considerado questões de mulheres, como

saúde, sexualidade e o reconhecimento da profissão de mulher trabalhadora rural, entre outras. A

AIMTR-SUL liderou campanhas sociais focalizando-se na profissão da trabalhadora rural. O

(40)

em 1986, com 100 mil assinaturas de mulheres trabalhadoras rurais, a fim de colocar seus direitos

na pauta constitucional, levando uma grande caravana até Brasília.

No Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a organização das

trabalhadoras rurais se deu no final anos 1980, com a formação da Comissão Nacional de

Mulheres do MST, que pressionou o movimento para criar grupos de mulheres nos

acampamentos e assentamentos, como também a inclusão de diretrizes internas que

contemplassem as especificidades das mulheres. Em 1989, o MST publicou a primeira edição de

suas normas gerais, incluindo um capítulo sobre a articulação das mulheres.9 Em maio de 1996

realizou-se o I Encontro Nacional de Mulheres Militantes do MST que desembocou, em seguida,

na fundação do Coletivo Nacional de Mulheres do MST. Esse coletivo publicou um documento,

intitulado A Questão da Mulher no MST – Participando sem medo de ser mulher. Esse

documento apontou claramente o direito das mulheres à terra e à participação em igualdade com

os homens em associações e cooperativas. Em 1999, esse coletivo nacional aprofundou a questão

das desigualdades de gênero no meio rural e reconstituiu a sua articulação nacional, que passou a

se chamar Coletivo Nacional de Gênero.

No Movimento Sindical dos/as Trabalhadores/as Rurais (MSTR), a trajetória de lutas e

conquistas das mulheres rurais retratadas nas resoluções dos congressos nacionais da categoria

foram frutos de sua efetiva participação política. O enfrentamento das discriminações e da

dependência levou as trabalhadoras rurais a romperem com as barreiras de um movimento

exclusivamente masculino, onde o sindicato não é lugar de mulher. (CONFEDERAÇÃO

(41)

NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS NA AGRICULTURA, 2001, P.31). As

primeiras iniciativas dessa organização se deram no Rio Grande do Sul e em Pernambuco,

decorrentes das más condições de vida e das dificuldades das mulheres em obter os benefícios da

Previdência Social e para ser incluídas nas frentes de trabalho nas áreas de seca. Durante a década

de 1980, ainda predominava a visão de que a mulher era dependente do marido, companheiro ou

pai, não sendo necessária sua sindicalização. As resoluções do 3º Congresso Nacional dos

Trabalhadores Rurais (CNTR)10, realizado em 1979 e do 4º CNTR11, ocorrido em 1985,

expressam a luta pelo reconhecimento da mulher trabalhadora rural como autônoma.

Seguindo o caminho organizativo, em 1987, em Florianópolis (SC), ocorreu o I Encontro

Centro-Sul de Trabalhadoras Rurais, coordenado pela CONTAG, com a participação de 53

representantes dos estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Mesmo sendo um encontro

regional, discutiu a organização das mulheres trabalhadoras rurais no movimento sindical, em

âmbito nacional. Desse encontro nasceu a Comissão Provisória Nacional de Mulheres da

CONTAG, que atuou no processo para Assembléia Constituinte, articulou e aglutinou forças

políticas para consolidar a presença da mulher no sindicalismo rural. No ano seguinte, 1988,

realizou-se o 1º Seminário Nacional de Trabalhadoras Rurais, que atuou com destaque no

10 As Resoluções do 3º CNTR apontaram o início da luta pelo reconhecimento político das trabalhadoras rurais e suas reivindicações: defenderam a alteração na legislação então em vigor a fim de que fosse concedida aos trabalhadores rurais aposentadoria por velhice aos 55 anos, quando homem, e aos 50 anos quando mulher; que a aposentadoria por invalidez, auxílio funeral e pensão por morte fossem concedidos a mulher ou companheira do trabalhador rural; defesa do salário maternidade para as trabalhadoras rurais; amparo à esposa ou companheira do trabalhador rural e seu filhos menores, desde que trabalhassem em regime de economia familiar ou sob forma assalariada. Apesar dos avanços obtidos, esse congresso reafirmou a cultura machista ao afirmar que a titulação da

propriedade seja apenas do homem “chefe de família” ou aos jovens que venham constituir família, reforçando a

exclusão das mulheres na titulação da terra. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS NA AGRICULTURA, 2001, p. 12).

Imagem

Foto 02: Acampada na Fazenda Vale da Esperança, durante uma assembléia  Fonte: Lenilton Lima
Foto 03: D. Nailde com suas filhas no barraco na Fazenda Cruzeiro do Sul após a desapropriação  Fonte: Vlademir Alexandre
Tabela 01: Extensão territorial das Fazendas pesquisadas
Tabela 02: Escolaridade no Assentamento Novo Horizonte II
+2

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