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2.3 – As Ações de Despejos e a Violência Institucionalizada

Ao passo que constroem o acampamento muitos problemas e dificuldades surgem no cotidiano dos/as acampados/as. Merece destaque a violência acionada pelo fazendeiro, contando sempre com o aparato policial além de seus prepostos, a exemplo da violência ocorrida em todo País praticada pelos grupos econômicos e grandes proprietários de terra.

A violência no campo tem sido uma estratégia de intimidação da organização política das classes subalternas no mundo rural demandantes de terra e condições de sobrevivência. As formas de violência são variadas: ações de despejos, assassinatos, prisões arbitrárias, agressões, lesões corporais, ameaças de morte e tortura, destruição das plantações e de moradias.

A Comissão Pastoral da Terra – CPT realiza anualmente uma pesquisa sobre a violência no campo e registrou de 1985 a 2002, 1.150 assassinatos de trabalhadores/as rurais, advogados, lideranças sindicais e religiosos/as ligados à luta pela terra. Desses 1.150 assassinatos, apenas 121 foram levados a julgamento. Entre os mandantes dos crimes, somente 14 foram julgados, sendo 7 condenados. Foram levados a julgamento 4 intermediários, sendo 2 condenados. Entre os 96 executores julgados, 58 foram condenados66.

A violência no campo se dá de três maneiras: a primeira, armada, é a reação dos latifundiários com suas milícias, jagunços, capangas e a própria polícia militar; a segunda refere- se a violência do judiciário, juízes concedendo liminares com base em documentos falsos; e a

66 Um dos casos mais importantes de violência contra os/as trabalhadores/as rurais foi o massacre de Eldorado dos

Carajás, no Pará. Em 17 de abril de 1996, oficiais da Polícia Militar mataram 19 trabalhadores rurais, ferindo gravemente outros 69. Alguns meses depois, outros 2 lavradores morreram em conseqüência dos ferimentos. Segundo o médico legista Nelson Massini, houve execução sumária, pois a maioria das vítimas foi atingida com tiros no peito, cabeça e nuca. Em agosto de 1999, todos os 154 policiais militares acusados de participar do massacre foram absolvidos. Aquele julgamento foi anulado e, em 2001, outro júri condenou somente 2 oficiais. Apesar disso, eles continuam em liberdade por meio de recurso. (A Hora da Justiça: Massacre de Eldorado dos Carajás. Revista Caros Amigos Especial, Edição Especial nº 12. São Paulo: Editora Casa Amarela, abril/2002).

terceira refere-se à violência da mídia, que não raro provoca uma versão distorcida dos fatos e acontecimentos, criminalizando os movimentos sociais rurais, colocando a população e a opinião pública contra a reforma agrária e seus protagonistas. (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA, 1992).

No caso da ocupação em análise, as famílias foram submetidas a todas as formas de violência praticada pelo fazendeiro com o aval do Estado. O primeiro despejo ocorreu no dia seguinte à ocupação da Fazenda Aralém (Touros/RN), quando os/as trabalhadores/as foram abordados pelo proprietário da terra, o delegado de Touros e alguns policiais. As lideranças do acampamento negociaram com o proprietário. Em seguida, antes de a polícia retornar para fazer o despejo, as famílias se retiraram da Fazenda Aralém e ocuparam pela primeira vez a Fazenda Vale da Esperança, conforme expressa o depoimento:

Acampamos no dia 5 de novembro de 1995 e no dia 6 de novembro de 1995 já chegou a polícia de Touros, como fazia parte do município de Touros, lá a área. O proprietário chamou a polícia de Touros pra negociar que nós saísse sem conflito e nós dissemos para o delegado que nós não ia sair dali, que nós tinha chegado ali, necessitava da terra, nós ia permanecer. Como eles eram pouquinho, só 6 policiais, com 265 famílias, quase só homem, na hora que a gente foi não tinha muita criança, nos sentimos reforçados e encaramos, né. Aí o delegado falou já que nós não queria negociar pra desocupar a área. Eles iam voltar, mas que não era de acordo, não tava de acordo que nós tomasse aquela posição porque eles estavam poucos naquele momento, mas depois podia ir mais e nós sair de qualquer forma. Aí nós respondemos pra ele que a gente tava ali como a gente tinha sido disposto de ir pra terra pra lutar. A gente encaramos porque se não desse pra gente resistir com mais policiais que viesse a gente desocuparia a terra, então a gente ficou o resto do dia [...] Da fazenda Aralém nós despejamos por conta própria, quando a polícia chegou pra iniciar a negociação para desocupar, nós aceitamos”. (Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

As famílias permaneceram acampadas no Vale da Esperança, por quase quinze dias quando ocorreu o segundo despejo. O agrupamento de policiais se deslocou para o local do acampamento e realizou o despejo, sem nenhuma negociação. Humilhadas e ameaçadas pelos policiais e prepostos do fazendeiro, as famílias saíram da fazenda e ficaram acampadas em um

sítio vizinho por três meses, quando voltaram e reocuparam o complexo fundiário na fazenda Vale da Esperança. O depoimento de um ocupante revela a trama de violência desencadeada pelas forças do latifúndio para realizar o despejo.

Agora o despejo feito por policiais no Vale da Esperança, no dia 15/11/95. Um dia antes, na parte da tarde, às 3 horas, começaram a transportar os policiais e colocar todos na casa da sede da fazenda. Os carros eram da polícia mesmo, aquelas C-10. Aí quando deu 4 horas da manhã o policiamento tava todo localizado na casa, sendo do outro dia até tarde da noite eles transportando esses policiais pra lá. Quando deu 4 horas, 3 horas da manhã já estava todo mundo na ativa pra ir para a ação. Aí os carros começaram a transportar pro local onde nós tava acampado. (Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Durante os três anos de ocupação nas propriedades de Almir Artêmio de Melo, os/as trabalhadores/as se revesavam nas fazendas. Entre uma ocupação e outra, as famílias ficavam acomodadas num pequeno sítio vizinho das fazendas. Ocorreram sete ações de despejos: duas na fazenda Aralém, três na Vale da Esperança e duas na Fonseca. Quando eram despejados de uma propriedade, voltavam para o sítio, onde passavam de três a sete meses, período em que planejavam a reocupação de outra fazenda. Isso se expressa nos depoimentos de Chico e Rosa ao relatarem as ações de despejo:

As famílias saíram. Um parceiro que tava também na luta com nós, um companheiro que tinha uma, ainda tem uma terrazinha [...] e o pessoal insistiu e chegou até o lugar onde o parceiro tinha arrumado a terra com o pai pra o pessoal ficar acomodado... nessa terra nós ficamos lá aproximadamente 2 anos e a gente reocupou a Vale da Esperança sete vezes [...] Montamos um acampamento provisório. A gente ficou fazendo as ocupações, revezando, uma ocupação a gente fazia numa fazenda, como era todas quatro com os acessos de entrada tudo próximo, uma ocupação maior parte a gente fazia numa fazenda, outra repartição fazia noutra, outra repartição fazia noutra. Que era a nossa reivindicação pela terra era desapropriar todas quatro. Só as 4 dariam para acomodar as 275 famílias, todas tinham solo fértil, todas tinham água, embora tivesse muito solo arenoso, mas o pessoal insistia em que aquela terra devia ser desapropriada pra ser assentado nela [...] Muitos não agüentava a sair pra tomar nem um banho com a polícia pastorando, caçando, pastorando, foi uma vida difícil. Pra gente fazer um contato por telefone pra Santa Luzia, que era o local mais próximo, a gente tava mais próximo de Santa Luzia que foi da vez que a gente veio pra Fazenda Fonseca era escondido, dentro dos mato de noite, fazer um contato, convidar pra uma reunião, pra marcar uma viagem, arrumar algum recurso pra viajar, era de noite, escondido e capanga e polícia tudo pastorando”.

(Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

A gente ocupou a terra e a gente mesmo saiu uma vez. Aí depois nós fumo de novo, é assim ia e voltava quase toda semana à gente fazia barraco. A roça que nós fizemos foi destruída. (Rosa, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

O cotidiano no acampamento era tenso, com a presença permanente da polícia e dos jagunços. A violência vivida pelos/as trabalhadores/as rurais no acampamento também se expressava nas visitas de oficiais de justiça e advogados com mandatos de reintegração de posse, que agem para perturbar o cotidiano das famílias, a ponto de lhes tirar o sono, o sossego de seu trabalho, e fazê-los desistir da ocupação. Nesse processo observa-se uma explícita absorção do Estado pelo capital, de forma que as instâncias militares e jurídicas agem prioritariamente em defesa do capital através da coerção e do abuso de poder.

Nós tava sabendo, nós vivia na expectativa, nós não dormia no acampamento, nós mantinha um sistema de segurança permanente dia e noite. Porque a gente acreditava, o movimento com a experiência que ele já tem de luta é a primeira coisa que agita o trabalhador, companheiro nós não podemos dormir, mas nós tem o trabalho que todo mundo dorme e todos vigiam uns aos outros. Todo dia nós fizemos uma turma pra vigiar o dia e outra pra vigiar a noite, revesava: quem vigiava o dia, não vigiava a noite e quem vigia a noite, não vigiava o dia. E a gente permaneceu no acampamento tranqüilo e quem tava nas guaritas e nos montes mais altos para se fazer ter uma visão melhor do que acontecia ao redor, “lá vem um carro”, aí “lá vem o soldado”, aí “lá vem um capanga”. A gente já tava todo mundo alerta, cada um com sua foice na mão pro que desse e viesse. (Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Acontecia da gente de noite num tê sossego pra durmir, quando a gente tava deitado a puliça chegava soltando bomba dentro do acampamento, fazendo treinamento, atirando pra dentro do acampamento. (Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

Observa-se como os ocupantes criaram formas coletivas de resistência, táticas e estratégias para responder pacificamente à violência, acumulando forças para conquistar a desapropriação da terra. Certamente a tensão constante amendrontava as famílias acampadas, mas

as estratégias e táticas acionadas para enfrentar a violência e assegurar a integridade dos ocupantes acabava vencendo o medo. Nesse momento crucial da luta, as mulheres participaram ativamente, organizando formas para conviver ou mesmo sobreviver à violência, conforme expressa o depoimento abaixo:

Muita violência. Como você sabe, logo no começo houve tiroteio, até mesmo da época que eu morei lá, eu vi muitas das vezes que eles atiravam e a gente via mesmo as balas passavam bem pertinho dos barracos. Pra gente tomar um banho tinha que uma tomar um banho e a outra ficar pastorando por causa da polícia. Às vezes vinham os carros e a gente corria e já vinha vestir a roupa perto de casa. (Nalva, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

A história do conflito Vale da Esperança não é um caso isolado, mas faz parte de um processo histórico que atravessa um longo período da história do País. Nos momentos de maior conflito de terra, torna-se visível a ação conjunta entre os proprietários rurais e o Estado, através da polícia local, representantes do poder judiciário, entre outros. No caso em estudo os depoimentos dos ocupantes revelam a eficiência, desburocratização e presteza com que a polícia e a justiça agiam em favor da propriedade privada de Almir A. de Melo. O delegado de Touros lançou mão de grande parte da corporação para realizar as ações de defesa do latifúndio, ao invés de garantir a segurança para a população acampada, que sofria ameaças e agressões, tratando-os como “ladrões de terra” e “invasores”. Questiona-se quais os elementos que determinam a aliança entre o capital e o Estado na defesa do bloco agrário? Nesse sentido, a ação da polícia se revelou contundente, como pode ser exemplificada no relato abaixo:

O despejo foi total. Todo mundo saiu batendo nas palhas, nos barracos dos outros “alevanta que a polícia ta cercando nós”. Todo povoroso levantou-se o barraco e lá vai partiu pro campo que a gente tinha, assim uma área livre pra se reunir e ficamos esperando. Eles foram trazendo polícia e trazendo e cercando, cercando, cercando, cercaram toda frente, não foi mais apertado pra nós porque a área era grande [...] Ele fizeram um cordão assim de 4 metros de um pro outro, foram cercando, cercando. Ainda pegaram 4 companheiros: 2 de Santa Luzia e 2 de Rio do Fogo. Não eram lideranças do MST, eram acampados mesmo, trabalhador. Aí deixaram lá eles como refém, “encoste no carro aqui e

me dê a foice”. Cada um entregou a foice, eles não reagiram. Outro conseguiu escapolir entrou nas árvores e desapareceu e eles não conseguiram capturá-lo. A liderança do movimento se encontrava, nesse momento pegaram uma jangadinha, já tinha levado pra pescar peixe, um barco ancorado por outro lado. Eles pegaram o ônibus de Touros, ninguém conseguiu pegar mais eles. E aí, se foi pra negociação e a polícia queria despejar nós de imediato e nós negociamos, negociamos que não podia sair, que tinha muita criança e tava tudo com fome e que assim mesmo tinha que fazer a alimentação pra dar as crianças. Eu sei que quando a gente conseguiu negociar pra sair as 10 horas. Se nós não conseguisse desocupar a área, eles iam tocar fogo em tudo quanto tinha de barraco, se tivesse área desocupada, se tinha gente ou que não tivesse, eles iam tocar fogo em tudo [...] A gente permaneceu por mais de um mês cercado de polícia, desde a noite os policiais iam pra Santa Luzia enchiam a cara de birita e voltava pro acampamento e chegava e saia atirando a toda hora da noite. E não era distante não, do local que eles ficavam pra dentro do acampamento, era aproximadamente uns 200 metros, 250 metros. (Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Os conflitos agrários expressam que os interesses dos trabalhadores rurais em relação à terra não são iguais aos dos latifundiários e grupos econômicos. Para os/as trabalhadores/as rurais a terra é antes de tudo, o meio de sua sobrevivência, meio de produzir. Enquanto que o proprietário utiliza a terra como mercadoria para a acumulação, especulação, reserva de valor e concentração de poder, quase sempre sob o amparo na legislação que tem privilegiado a grande propriedade particular.

No acampamento Vale da Esperança, à medida que ocorria o acirramento do conflito, com as freqüentes ações de violência, os/as trabalhadores/as rurais elaboravam táticas e estratégias de resistência e sobrevivência no acampamento. O MST e o STR de Touros buscaram aliados e parceiros para fortalecer o processo de organização e alcançar a conquista do imóvel. Nesse sentido, é representativo o envolvimento do SAR e da FETARN na defesa dos trabalhadores/as sem terra. A cada conflito armado, a coordenação do acampamento articulava as contribuições que vinham também na forma de assessoria jurídica, de acompanhamento dos trabalhadores/as à Polícia Federal e à Delegacia de Touros, realizado pelos advogados do movimento sindical

(FETARN e CUT), da OAB e dos mandatos populares da então deputada estadual Fátima Bezerra e do então vereador de Natal Fernando Mineiro.

Chama a atenção como os trabalhadores/as rurais responderam à violência com ações organizadas de resistência, de defesa da vida. Nesse percurso utilizaram instrumentos e mecanismos que pudessem interferir a seu favor nas várias reuniões com a Secretaria de Segurança Pública, o Gabinete Civil e o INCRA, momento no qual o MST e os acampados denunciaram as violências sofridas e exigiram providências legais para neutralizar a ação violenta do proprietário da terra.

Outra ação que merece destaque refere-se a estratégia de ocupar também os meios de comunicação no sentido de divulgar, denunciar o conflito e conquistar aliados. Várias reportagens foram veiculadas na imprensa local, sob a mediação do SAR e da FETARN. A situação de conflito, ao ser publicizada no espaço da mídia, funcionou como poder de pressão sobre os órgãos responsáveis para agilizar o processo de desapropriação dos imóveis em questão; contribuiu para sensibilizar a sociedade para a concentração da terra no Rio Grande do Norte; desenvolveu a solidariedade das pessoas na medida em que participaram das campanhas de doação de alimentos para as famílias do Vale da Esperança; e exerceu de certa forma um freio nas ações violentas dos policiais e prepostos, a serviço do proprietário.

No último ano de ocupação, as famílias estavam acampadas na fazenda Fonseca, numa área conhecida como “Fornos”, onde passaram quase um ano. Ao longo desse tempo estavam vigiadas dia e noite pela polícia e pelos jagunços, mas sem grandes agressões. Na interpretação dos ocupantes foi o tempo de maior sossego. Antes desse período, ocorreram outros despejos das fazendas Vale da Esperança, Aralém e da própria Fonseca, mas um despejo ocorrido na Aralém, marcou a vida daquelas pessoas que lutavam pela terra. A polícia de Touros e os jagunços do proprietário agiram com muita brutalidade e violência. Foram dois trabalhadores baleados e

outros presos; além dos interrogatórios na delegacia de Touros. A reconstituição desse momento, expressa nos discursos dos atores que vivenciaram essa experiência, revelam a dimensão da arbitrariedade policial:

Na 3ª ocupação que a gente fez que foi na Aralém novamente, foi onde teve um companheiro baleado de Carnaubinha, aliás, um de Carnaubinha, e Lenilton, que era um fotógrafo que acompanhava o pessoal da ocupação [...] O policial partiu para desarmar todo mundo, o pessoal quis se revoltar, mas depois recuou, depois que viu os dois parceiros no chão, todo mundo recuou, você via, podia ter acontecido uma coisa pior, então depois prenderam ainda três companheiros. Os companheiros foram pegar as foices dos companheiros que estavam baleados pra levar para o hospital, a polícia chamou uns pra acompanhar, levou eles direto pra delegacia e deixou eles presos, ninguém sabia onde eles estavam presos, passaram 17 dias presos. (Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Nessa mesma direção a fala de uma mulher revela não apenas a violência policial, mas as táticas de resposta ao agressor.

Era puliça e jagunço, quando eles chegavam, vinham de longe, eles já vinham atirando. E teve um dia que eu fui intimada, eu fui a delegacia de Touros. Quando eu cheguei lá tinha quatro policiais. Aí eles “chegue pra cá”. Entremo pra dentro de um quarto assim. Aí fiquemo, um do lado, outro doutro e dois na minha frente. Aí tinha um que dava cada murro em riba do birô. Aí dizia: “quem foi que mandou a senhora ir pro Vale da Esperança?”. Aí eu disse: “sabe quem mandou? Bernardo Cintura”. Aí eles disse: “quem é Bernardo Cintura?”. Eu disse: “você não sabe quem é Bernardo Cintura? É a fome, foi quem mandou nós ir pra lá, porque a gente ver um fazendeiro com tanta terra, criando gado, que a terra dele só dá pra criar gado, é a gente morrendo de fome e num ter um parmo de terra pra trabalhar”. Aí ele disse: “mas quem foi que incentivou vocês ir pra lá?”. Eu digo: “ninguém incentivou, foi nós que vimo a Portela, o MST ocupou a Portela e hoje todo mundo tem terra pra trabalhar, mesmo assim nós também”. Ele disse: “você já viu som?”. Eu disse: “num vi

nem um toque, quanto mais um som”. Ele disse: “mas lá tem um baixinho

que anda correndo no meio de vocês gritando, aquele ali é o cabeça de vocês?”. Eu disse: “você sabe que onde tem muita gente, tem muita cabeça, você ainda num viu um corpo sem cabeça”. Aí outro policial disse: “homem, solte o

diabo dessa mulher, é doida, a gente pergunta uma coisa e ela vem com outra muito diferente”. Então ele disse: “você não tem medo de ir presa?”. Eu

disse: “o homem é aquele que prende, o homem é aquele que solta, eu num já tô presa, porque eu já to aqui nesse quarto junto com vocês”. Ele disse: “mas a senhora ta vendo aquele quarto acolá, eu vou lhe trancar lá que a senhora tá aqui é mentindo”. Eu disse: “não, eu tô dizendo minha verdade”. Ele perguntou: “quando a senhora sair daqui, a senhora ainda vai para o Vale da Esperança?”. Eu disse: “eu vou porque a minha casa ta lá, a minha casa é lá e lá é que estão me esperando, enquanto eu não adquirir um pedaço de terra, de lá eu não saio”. Aí eles disseram que eu era doida, que fazia uma pergunta e eu dizia outra. Aí