• Nenhum resultado encontrado

Situado na Zona do Litoral Norte, o município de Touros abrange uma área de 1.121 km² do estado do Rio Grande do Norte, banhado por 84 km do Oceano Atlântico. A Subzona de Touros atinge os municípios de Poço Branco, Taipu, Pureza, São Miguel do Gostoso e Touros. Sua população é de 27.879 habitantes, sendo 7.794 na área urbana e 20.285 na área rural; destes totais 14.239 são homens e 13.640 são mulheres56. Possui o clima árido e semi-árido, com temperatura média anual de 26ºc e precipitação média anual de 400 a 1.000mm.

Localização de Touros no Mapa RN: Mapa de Touros:

Localizado a 87 Km da capital Natal, Touros é um município naturalmente atrativo por suas praias, dunas e lagoas, com potencial de jazidas de calcário, além de possuir uma grande quantidade de terras férteis, atraindo investimentos de grupos nacionais e internacionais que adquiriram grandes faixas de terra para a implantação de projetos agroindustriais e turísticos, ou para especulação imobiliária, dentre outros. Suas principais atividades econômicas são a

agricultura e o turismo. Seu solo fértil, apto à agricultura e a pastagem permanente, propicia às culturas de ciclo longo, como o coco, algodão, sisal57 e caju.

No que se refere à produção agrícola, Touros possui como principais produtos abacaxi, coco-da-baía, mandioca, algodão herbáceo, banana, manga e batata doce, entre outros. Segundo dados do IDEMA e IBGE (2002) dois produtos se destacam na economia local, o coco-da-baía e o abacaxi, colocando o município como o primeiro produtor dessas culturas no Rio Grande do Norte. O coco-da-baía ocupava uma área de 14.060 hectares, possibilitando uma produção de 35.150 toneladas. Já o abacaxi contabilizava 57.500 toneladas do produto numa área de 2.300 hectares.

Por situar-se no litoral e ser banhado pelo Oceano Atlântico, Touros possui uma outra fonte econômica local importante, a pesca. Segundo a Colônia dos Pescadores, sua produção é ainda tradicional, com a presença de poucas empresas de porte médio, sem a utilização de recursos tecnológicos. Toda a produção é comercializada para a capital do estado – Natal e para outros estados do Nordeste. De acordo com o IDEMA/IBGE, em 2001 foram produzidas 1.298,1 toneladas de pescados, com destaque para peixes e lagosta.

O breve cenário rastreado sobre a região do Mato Grande não deixa dúvidas sobre a importância econômica do município de Touros. Suas potencialidades naturais constituem um atrativo para grupos econômicos e capitalistas individuais locais, nacionais e estrangeiros, que sob a opção política do Estado em priorizar um desenvolvimento elitista, propiciou uma corrida ao mercado de terras com o objetivo de expandir o capital às custas de um processo de expropriação.

57 Nas décadas de 1950 e 1960, Touros foi um grande produtor de sisal, com a instalação do Complexo Zabelê,

conjunto de quatro grandes propriedades para produção e comercialização de sisal, que entrou em falência nos anos 1970. Em 1993, após uma grande mobilização de trabalhadores sob a direção do MST, foram desapropriadas dez mil hectares de terras e assentadas 337 famílias.

A estrutura fundiária de Touros, em que pesem algumas especificidades reproduz as características da concentração da propriedade da terra no País. Com a implementação das políticas estatais de investimento de capital no campo, iniciada pelos governos militares, a partir da segunda metade dos anos 1960 com destaque para a década de 1970, os trabalhadores rurais passaram por um intenso processo de expropriação e exploração. No entanto, reagiram enfrentando os conflitos de terra que se agravaram à medida em que avançaram os casos de grilagem, expropriação e violência. Trata-se de posseiros, meeiros, arrendatários, agricultores familiares, minifundiários. Nessa perspectiva, nas décadas de 1980 e 1990 os conflitos e as ocupações de terras ganham visibilidade na Região do Mato Grande, onde o município de Touros se destacou com o maior número de conflitos agrários.58

Conforme assinalou Araújo (1992, 2005) o processo de expansão do capital no campo, no município de Touros seguiu a tendência ocorrida no Nordeste, no Rio Grande do Norte e no País. A modernização da agricultura foi direcionada para atender grupos econômicos e grandes proprietários de terras, através de uma política de incentivos fiscais, subsídios governamentais e infra-estrutura que favoreceu a implantação de agroindústrias, a especulação fundiária, originando intenso mercado de terras, agravando o monopólio da terra e a concentração econômica, política e de poder.

Esse cenário evidencia a exclusão das camadas trabalhadoras rurais, bem como a expropriação, exploração e violência, provocando a luta e resistência dos trabalhadores rurais em face a opção do Estado de não realizar uma reforma agrária ampla e massiva.

58 Segundo Araújo (1992, p. 39), “em 1989, esse município apresentava uma das mais acentuadas concentrações de

terra do Rio Grande do Norte, onde os latifúndios ocupavam uma área de 64.225,5 hectares, correspondendo a 74,65% da área total do município. As chamadas empresas rurais ocupavam também, em 1989, 10.208,1 hectares (11,86%), enquanto os minifúndios ocupavam 11.525,6 hectares (13,47%) da área total, caracterizando o típico fenômeno da minifundiarização, em contraste com o latifúndio”.

Muitos dos inúmeros conflitos de terra59 ocorridos no Estado, iniciados na década de 1980 e transformados em assentamentos na década de 1990, ocorreram no município de Touros. Chama a atenção entre outros, o conflito de Lagoa do Sal entre o proprietário Joaquim Vitorino e os/as trabalhadores/as rurais que trabalhavam na área como arrendatários há 15 anos. Ante a possibilidade de reforma agrária acenada pelo Programa Nacional de Reforma Agrária – PNRA da Nova República, em 1985, o proprietário interrompe os contratos de arrendamento com os trabalhadores, que receberam intimação judicial para abandonar a terra e suas lavouras. Inspirados na experiência de outras comunidades do município e orientados pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Touros, as famílias resolveram resistir e enfrentar a luta pela desapropriação da propriedade. Nesse processo enfrentaram a reação e a violência do proprietário, que acionou seus prepostos, a polícia de Touros e aliados, culminando no assassinato da principal liderança dos trabalhadores rurais, Manoel Edmilson de França, quando se encontrava no roçado, três dias depois de assinado o decreto de desapropriação da área pelo presidente José Sarney, em dezembro de 1986.60

É no cenário de efervescência das lutas por terra na região do Mato Grande, particularmente no município de Touros, que as mulheres trabalhadoras rurais, participando ativamente, iniciam um processo de organização enquanto sujeitos políticos coletivos. O Plano de Ação do SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL (1994) esboça uma síntese nessa direção:

O despertar para o trabalho com mulheres, para a Equipe do SAR, surgiu da percepção da força das mulheres na luta concreta pela terra. No entanto, essas mulheres pouco participavam das reuniões de decisões em comunidades. No

59 Para ilustrar essa questão pode-se citar os conflitos: os colonos do Projeto Boqueirão, na localidade do Geral,

enfrentam a CIDA, órgão do Governo Estadual, conseguindo a permanência na terra; posseiros da comunidade de Baixa da Preguiça, enfrentam por dois anos o Fazendeiro Max Santana que grilou suas terras e saem vitoriosos; conflito da Lagoa do Jiqui, onde os trabalhadores/as rurais enfrentaram o latifundiário Otto Leite da Fonseca, primeiro envolvendo as terras ao redor da lagoa e depois a ocupação da Fazenda Capivara de sua propriedade, sendo desapropriada em 1998, entre outros. Para maiores informações sobre os diversos conflitos no município de Touros ver ARAÚJO (1992 e 2005) e SILVA (1995). Essas pesquisas oferecem um quadro da luta pela terra no Rio Grande do Norte, principalmente no município de Touros.

início dos anos 80, durante o acompanhamento a vários conflitos de terra na região do Mato Grande, observou-se que as mulheres desempenharam papel fundamental de ânimo e resistência. Daí o SAR começou a reuni-las de forma mais específica para discutir a luta pela terra, seus valores, a importância de sua participação e organização, enquanto mulheres. A partir daí vários grupos de mulheres foram surgindo nas diversas localidades onde o SAR atua: Parazinho, São Bento do Norte, Macaíba, Montanhas, Touros, Goianinha, Macau, São Rafael, Pureza, Ielmo Marinho, Ipanguaçu, Pedra Grande, João Câmara, Maxaranguape, Canguaretama, Poço Branco, Taipu, Nova Cruz, Itajá, Santo Antônio, Carnaubais.

Entretanto, a organização das mulheres trabalhadoras rurais no Rio Grande do Norte surgiu vinculada a um processo já desencadeado no Nordeste e no País a partir de finais dos anos 1970 e particularmente em toda década de 1980, momento de efervescência política em que se rearticularam e se expandiram as lutas e os movimentos sociais urbanos e rurais. Nesse processo, surge e é organizado na década de 1980 o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste, tendo como maior expressão às experiências das mulheres da Paraíba, principalmente na luta pela terra e no âmbito do Movimento Sindical. Nesse sentido é representativa a eleição de Margarida Alves para presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB), bem como a inserção de sua companheira de luta Maria da Penha.

No Rio Grande do Norte, a partir da luta pela terra as mulheres descobriram a importância da organização, formaram grupos e passaram a atuar, também no Movimento Sindical, que na década de 1990 daria origem à Comissão Estadual das Mulheres da FETARN, que se consolidaria e se estruturaria nos anos 2000.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a trajetória das mulheres que se inseriram no processo de ocupação do Vale da Esperança não é um acontecimento isolado, mas faz parte de um processo histórico e de uma trajetória de organização e luta da classe trabalhadora pelo direito a terra e ao trabalho e melhores condições de vida.

Nesse sentido, é que pode ser compreendida a experiência por ora estudada, dos/as trabalhadores/as rurais sem terra que ocuparam as fazendas Aralém, Lagoa do Meio, Vale da Esperança e Fonseca, de propriedade de Almir Artêmio de Melo, como parte de uma trajetória de lutas, resistências e vitórias parciais de diversas categorias de trabalhadores do campo.

Para proceder ao rastreamento e à análise da experiência, faz-se necessária uma breve caracterização do município de Maxaranguape, palco da desapropriação e construção dos Assentamentos Novo Horizonte II e Nova Vida II, resultado do conflito agrário iniciado na Fazenda Vale da Esperança, em Touros (RN).