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No que se refere à propriedade da terra o Rio Grande do Norte registra um índice de gini de 0,807% (INCRA/RN, 2004), o que o caracteriza como um estado com uma acentuada concentração fundiária. Desde o período de 1850, já havia disputa por terra no estado Potiguar, classificada como revolta, banditismo e motins. A partir da década de 1950, com o fim da terra

de permissão45, acentuaram-se os conflitos sociais no campo, provocados pela pauperização nas

fazendas e pela expulsão em massa da figura do morador.

44 Dados da Previdência Social, 2002.

45A expressão “fim da terra de permissão” caracterizada o momento em que os proprietários fundiários começam a

não ceder mais terra para moradia e para roçados aos trabalhadores rurais. Para aprofundar esse assunto ver: PALMEIRA (1977); SIGAUD (1977); GARCIA (1983); ARAÚJO (1992).

Moreira (1995), ao analisar tal processo afirma que a relação de moradia na grande fazenda reduz os custos salariais e de investimentos produtivos dos proprietários, favorecendo um maior acesso ao capital de crédito, à especulação das terras, à compra de bens de produção, de transportes e de máquinas, entre outros. Além disso, o fazendeiro mantinha a relação de sujeição com os trabalhadores/as e suas famílias, através, entre outras coisas, de um estabelecimento comercial, o barracão, para os moradores adquirirem produtos alimentícios e outros.

O crédito aberto ao parceiro no barracão da fazenda ou da plantação ou em algum comércio indicado pelo fazendeiro ou plantador vai cumprir duas funções. Garante o acesso do parceiro aos bens industriais ou agrícolas necessários ao consumo familiar e funciona como mais um mecanismo de sujeição [...] esta operação da contabilidade comercial de débito-crédito coloca o parceiro como devedor e mascara a relação de exploração [...] de uma posição de credor de trabalho, o parceiro aparece como devedor de dinheiro e favores, posição certamente inferiorizada. (MOREIRA, 1995, p. 150)

Nota-se que há uma ruptura nessa relação de dependência a partir da expansão do capital no campo, provocando um processo perverso de expropriação e violência, gerando daí a reação dos trabalhadores/as rurais, através da resistência, visualizada na organização política das Ligas Camponesas e na criação dos sindicatos de trabalhadores rurais, tendo como aliados setores da Igreja Católica e partidos de esquerda. Muitas lutas no campo potiguar se desencadearam nas décadas de 1960, 1970 e 198046.

Na segunda metade da década de 1960 houve um refluxo das lutas camponesas, dada a conjuntura de repressão da ditadura militar, perseguição aos movimentos sociais urbanos e rurais, além dos projetos governamentais levados a cabo pela modernização conservadora. Na segunda metade da década de 1970 o cenário nacional do campo apresentava inúmeros conflitos agrários.

Nos anos 70, as lutas por terra tiveram como personagem mais característico, embora não exclusivo, o “posseiro”, acuado pelos grandes projetos que recebiam incentivos fiscais, sobretudo na Amazônia. Nesse momento, grandes

46 Muitas lutas vão ocorrer no campo potiguar a partir da resistência de moradores à tentativa de expulsão da terra de

morada e roçado, exercidas pelos fazendeiros. SILVA (1995) e ARAÚJO (1992 e 2005) resgatam essas histórias de forma memorável.

extensões de terra foram transferidas, através de diversos mecanismos de políticas públicas, para mãos de particulares, em especial grandes empresas do setor industrial e financeiro. Ainda no bojo do processo de modernização, verificou-se um esforço do Estado no sentido de abrir as fronteiras também para projetos de colonização, públicos e privados, que, de alguma forma, serviam de escoadouro para as demandas por terra que começavam a se avolumar no Sul do país, fruto do processo de expropriação que se intensificava com o avanço da modernização da agricultura”. (MEDEIROS, 2002, p.27).

A expansão do capital no campo, sob a égide do projeto modernizador da agricultura implementado pelo regime militar potencializou os conflitos fundiários, a expropriação e a violência sobre vastos segmentos dos trabalhadores/as rurais. A propriedade privada capitalista, caracterizada pelo latifúndio, recebeu um investimento financeiro, fiscal, tecnológico e industrial, expandindo a agropecuária e os complexos agroindustriais, como assinala Delgado (1985) fenômeno também presente na realidade potiguar. Por outro lado, esse processo gerou um contingente de trabalhadores rurais sem terra (posseiros, meeiros, foreiros, arrendatários, pequenos proprietários), bem como um enorme processo de assalariamento. Nesse contexto, algumas lutas são representativas da história da organização dos trabalhadores/as rurais do Rio Grande do Norte, como no Nordeste e no conjunto do País, a partir da segunda metade da década de 1970, e com mais força nos anos 1980, impulsionados pela conjuntura de reorganização democrática do Brasil e de retomada dos movimentos sociais populares.47

Inúmeras experiências de organização dos trabalhadores/as rurais, na década de 1980 em torno da posse da terra podem ser rastreadas. Destaca-se o processo da resistência e da ação política das várias categorias de trabalhadores do campo. Por todo País eclodiam conflitos agrários, expressos nas mais diversas formas, inclusive com bastante força nas regiões do Oeste e do Mato Grande do Rio Grande do Norte. Isto se justificava considerando-se o cenário geopolítico-econômico descrito anteriormente, pois as potencialidades da região foram geradoras

47 SILVA (1995) e ARAÚJO (1992 e 2005) analisam diversos processos de organização e luta dos trabalhadores

de disputas e interesses em torno do acesso à riqueza natural, especialmente a terra. Ou seja, percebe-se uma clara disputa de classes em torno da questão agrária no Rio Grande do Norte.

É também na década de 1980 que se expandiu a cana-de-açúcar no agreste potiguar sob a política de incentivos fiscais do Pró-álcool, provocando, por um lado, a adoção de novas tecnologias de gerenciamento e produção; por outro lado, o assalariamento em massa, a expulsão de pequenos produtores rurais que tinham suas terras em torno das usinas e destilarias e a destruição ambiental, além das precárias condições de trabalho e da favelização dos/as trabalhadores/as assalariados/as, nas periferias dos municípios canavieiros.48 A cana de açúcar é ilustrativa das formas de que assumiu a questão fundiária no estado dada a necessidade de grandes extensões territoriais pressupostas no modelo de plantation.

A partir de finais da década de 1980 e durante os anos 1990, observou-se algumas transformações societárias (Neto, 1996)49 dentre as quais as políticas de ajuste estrutural, que afetaram o perfil da questão social no campo, gerando o agravamento das condições de vida e resultando na reação dos movimentos sociais rurais, em especial do MST, de forma que acirraram-se as lutas por terra, por melhores condições de vida pelos trabalhadores rurais e contra o neoliberalismo. Conforme Araújo (2005, p.68) a desigualdade social,

Expressa não apenas nos contingentes de trabalhadores expulsos de suas terras nas décadas anteriores, mas se torna visível também nos centros urbanos e periferias de pequenas e médias cidades, em decorrência do processo expropriatório e da destruição de postos de trabalho urbanos.

Araújo (2005, p.79) ainda afirma:

48 Dadas as precárias condições de vida e de trabalho na área canavieira do Rio Grande do Norte, o Movimento

Sindical, juntamente com o Serviço de Assistência Rural – SAR elaborou e desenvolveu o Projeto EDUCANA – RN (Projeto Educação Sindical dos Trabalhadores Assalariados da Lavoura Canavieira do Rio Grande do Norte), no período de 1989-1995, que tinha como propósito realizar um trabalho de cunho educativo-político-organizativo, no sentido de fortalecer os sindicatos da área canavieira; formar novas lideranças; lutar pelo cumprimento das convenções coletivas e dos acordos trabalhistas dos canavieiros; organizar as campanhas salariais e a luta pelos direitos dos canavieiros. Esse projeto teve o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviços – CESE/Bahia.

49 Entre as transformações mais significativas tem-se a flexibilização das relações de trabalho, globalização da

Não obstante a existência de consideráveis transformações em torno da questão fundiária, especialmente nos últimos tempos, com destaque o mercado de terras, as determinações ainda são as mesmas. Isto é, continuam as alianças entre os detentores do monopólio fundiário, o capital e o Estado, cujos traços mais visíveis é a não-existência de um programa real de reforma agrária com políticas públicas consistentes e definidas em atendimento à grande massa de agricultores familiares, pauperizados e os contigentes de sem-terras e desempregados que reivindicam sua inclusão no mercado de trabalho.

Assim, os proprietários fundiários e grupos econômicos urbanos, além de se apropriarem das terras e transformá-las em negócios capitalistas rentáveis ou em reserva de valor, contando sempre com o aval do Estado, enfrentaram também a organização e resistência dos/as trabalhadores/as rurais na luta pela terra e por um projeto de reforma agrária de caráter nacional que resultasse no aumento do número de áreas desapropriadas para criação de assentamentos rurais. A título de ilustração, o Rio Grande do Norte possui atualmente 248 assentamentos rurais, cuja maioria advém da luta dos trabalhadores rurais demandantes de terra no enfrentamento com grandes grupos econômicos e proprietários de terra. (INCRA, 2005). Vale ressaltar que, apesar dos avanços obtidos pelos movimentos em luta pela terra, permanece intacta a estrutura fundiária. Nesse contexto, a região do Mato Grande é representativa, dado o volume de capital investido em agroindústria e turismo. Por outro lado, gerando uma incidência de conflitos agrários traduzidos em disputas pela terra e processos de organização. Trata-se de conflitos empreendidos pelas diversas categorias de trabalhadores do campo, que, ao enfrentarem o grande capital, expresso no monopólio fundiário, tendem a se constituír em sujeitos políticos, o que pode ser verificado na seqüência.