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A relação memória-linguagem nas demências: abrindo a caixa de Pandora DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Juliana F. Marcolino-Galli

A relação memória-linguagem nas demências: abrindo a caixa de Pandora

DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA

LINGUAGEM

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Juliana F. Marcolino-Galli

A relação memória-linguagem nas demências: abrindo a caixa de Pandora

DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA

LINGUAGEM

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem sob a orientação da Professora Doutora Maria Francisca Lier-DeVitto.

SÃO PAULO

(3)

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

(4)

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos

______________________________

(5)

Aos meus pais, amor incondicional

(6)

Agradecimentos

A Dra. Maria Francisca Lier-DeVitto pela orientação e pelo cuidado com

minha formação como investigadora. Sua escuta atenta transformou

minhas inquietações em questões de pesquisa. Sua aposta proporcionou

enfrentamento dos desafios e uma enorme admiração. Obrigada por tudo!

A Dra. Suzana Carielo da Fonseca que me acompanha bem de perto

desde a graduação e com quem posso contar sempre para novas questões

teóricas e também para confissões. Agradeço todos os direcionamentos e

demandas para que este trabalho fosse possível. Você conhece o meu

percurso.

A Dra. Lourdes Andrade pela minha formação clínica e questionamentos

sobre a relação memória-linguagem em outros momentos, mais

informais. Ainda lembro como eu gostava dos seus grupos de “análise de

dados” na DERDIC.

A Dra. Maria Teresa Lemos pela leitura pontual e certeira na qualificação

do trabalho. Suas contribuições são sempre valiosas.

(7)

A Dra. Rosana Novaes-Pinto pela disponibilidade e interesse em

compartilhar seu ponto de vistas na banca de defesa.

A Dra. Rosana Landi pela contribuição na qualificação deste trabalho e

pelas reflexões sobre as demências, ponto em comum. Saudades do

tempo em que eu estava no aprimoramento e você sempre por perto!

Ao Dr. João Trois pelos apontamentos na qualificação deste trabalho e,

mesmo à distância, sempre acessível para mais discussões.

Aos pesquisadores do grupo “Aquisição, Patologias e Clínica de

Linguagem” pela presença na

reflexão encaminhada aqui, fruto de um

trabalho sólido e conjunto.

As amigas Sonia Fachini e Melissa Catrini, aproximações pela Clínica de

Linguagem que se estenderam.... obrigada pela cumplicidade e amizade.

Soninha, você é boa surpresa que encontrei no doutorado!

Aos familiares e amigos que sempre torceram pelas minhas conquistas.

Aos meus pais pelas oportunidades e ensinamentos, pelo carinho em

todas as minhas chegadas e partidas. Fernanda, minha irmã que admiro

muito! Ao Ricardo, meu grande amor, pela compreensão nos momentos

difíceis, ajuda com a rotina e apoio em todas as minhas decisões Aos

meus sogros pela disponibilidade e auxílio com idas e vindas ao

aeroporto.

(8)

que já nos aproximava antes do trabalho na universidade e, agora, pela

escuta e parceria. Muito bom ter você por perto! Ana Paula Leite sempre

encantadora e disposta a ajudar. Francine Marson e Adriana Romão pelos

bons momentos. Cris Magni, grande companheira na chefia, obrigada

pelas palavras carinhosas e pela serenidade. Gilsane por compartilhar

angustias que vivemos na fase do doutorado.

Ao Departamento de Fonoaudiologia, especialmente as antigas chefes

Juliana De Conto e Michelly Andrade pelos esforços para ajustar meus

horários e compreensão das minhas ausências. Saudades das nossas

conversas!

As alunas e ex-alunas do projeto de extensão na UNICENTRO, pelo

compromisso e pelas questões que sempre nos unem. Um agradecimento

especial à Michelly D. Cordeiro, ex-aluna e agora uma querida amiga,

pela disponibilidade e todo auxílio na revisão da tese.

Ao Setor de Ciências da Saúde pelo apoio administrativo e pedagógico,

especialmente ao secretário Edilson.

(9)

RESUMO

As questões que impulsionaram este trabalho nasceram no acolhimento de sujeitos com diagnóstico médico de demência em fase inicial. Invariavelmente, esses pacientes queixaram-se de dificuldades de memória. Entretanto, eles eram pouco afetados por sua fala repetitiva e não sustentavam uma demanda para atendimento. Outras questões sobre a inclusão da família e a direção do acompanhamento desses casos foram suscitadas. Do ponto de vista teórico, este trabalho discute a relação memória-linguagem nas demências. Do ponto de vista clínico, problematiza-se o acolhimento das queixas de dificuldades de memória em uma Clínica dita de Linguagem. O ponto de partida é apresentar o estado da arte na clínica médica e fonoaudiológica nas demências. O discurso atual orienta-se pela Neuropsicologia Cognitiva, o que remete ao entendimento da memória como estocagem e a linguagem como expressão desses conteúdos. O passo teórico seguinte afasta-se desses estudos neuropsicológicos e caminha em direção à Psicanálise, mais especificamente ao percurso de Freud na fundação do Inconsciente e os desdobramentos que Lacan aponta com a teoria significante. Trajetória teórica que tangencia a relação percepção-objeto. A relação memória-linguagem foi investigada a partir do pressuposto de que o sujeito é efeito (é-feito) de linguagem e que, também, memória é efeito (é-feita) de linguagem. Pressupostos que estão em consonância com as reflexões encaminhadas pelos pesquisadores do grupo de pesquisa “Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem, coordenado por Lier-De Vitto e Arantes no LAEL/DERDIC”. Ao final, as questões clínicas foram mobilizadas pelos operadores de leitura construídos ao longo dos capítulos.

(10)

ABSTRACT

The issues that drove this work arise in the attendance of individuals with a medical diagnosis of early-stage dementia. Invariably, these patients complained of memory difficulties. However, they were little affected by their repetitive speech and did not hold a demand for care. Other issues on the inclusion of the family and the direction of the monitoring of those cases arose. From the theoretical point of view, this paper discusses the language-memory relationship in dementia. From a clinical perspective, the hearing of complaints of memory difficulties in a so-called Language Clinic is questioned. The starting point is presenting state of the art in medical and phonoaudiological clinics in dementia. The present discourse is guided by the Cognitive Neuropsychology, which refers to the understanding of memory as storing and language as expression of such content. The next theoretical step moves away from these neuropsychological studies and goes toward psychoanalysis, more specifically to the route of Freud in the foundation of the Unconscious and the developments that Lacan points out with the significant theory. Theoretical trajectory that touches the relation perception-object. The relation language-memory was investigated under the assumption that the subject is effect of language and that also memory is effect of language. Assumptions that are consistent with reflections submitted by the researchers of the research group "Acquisition, Pathology and Language Clinic", coordinated by Lier-DeVitto and Arantes at LAEL / DERDIC. Finally, the clinical questions were mobilized by the reading operators constructed throughout the chapters.

(11)

ÍNDICE

Introdução 14

Capítulo 1. Discurso e Clínica das demências: memória e

linguagem.

20

1.1. Neuro – Psico – Linguística. 21

1.2. Cérebro, Envelhecimento e Memória. 23

1.3. A semiologia da demência: diagnóstico e

tratamento na clínica médica.

34

1.4. A clínica Fonoaudiológica nas demências:

influência da Neuropsicologia Cognitiva.

42

1.5. Sociedade, Memória e envelhecimento. 46

1.6. A Neurolinguística Discursiva: memória,

linguagem e demência.

48

Capítulo 2. Freud: o aparelho de linguagem, o aparelho de

memória.

55

2.1. As afasias: o aparelho de linguagem. 56

2.2. O Projeto para uma Psicologia Científica: esboço

de um aparelho de memória.

60

2.3. O aparelho de memória: a representação de um

funcionamento.

62

2.4. O Inconsciente freudiano: condensação e

deslocamento.

69

(12)

Capítulo 3. A senhora Lili: um olhar psicanalítico sobre as

demências.

83

3.1. O Atendimento de Lili. 84

3.2. Real, Simbólico e Imaginário. 93

3.3. Do simbólico a lalíngua. 100

Capítulo 4. A clínica de linguagem e sujeitos com demência 103

4.1. A fala de pacientes com demências na Clínica de

Linguagem.

111

4.2. A queixa de dificuldades de memória na Clínica de

Linguagem: o acolhimento da senhora Marlene

117

4.3. A fala e a escrita da senhora Marlene:

considerações sobre a avaliação da linguagem.

127

4.4. A direção de tratamento no caso da senhora

Marlene

136

Considerações Finais 140

(13)

A relação memória-linguagem nas demências: abrindo a caixa de Pandora

(14)

14

Introdução

Minha experiência e formação foram dirigidas para o atendimento de afásicos, o que me levou, mais recentemente, ao atendimento clínico de pacientes1 com diagnóstico médico de demência. A relação suposta, no

enunciado acima, entre atendimento de afásicos e demenciados, deve-se ao fato desses adultos já terem, um dia, se reconhecido, no passado, como falantes “plenos” de uma língua. Há, ainda, o fato de que quadros de afasia e de demência envolvem lesão cerebral associada à perturbação na linguagem - esta relação entre eles levou a literatura médica e fonoaudiológica a concluir que, nas demências, há afasias.

A Demência é um diagnóstico médico caracterizado pelo:

desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos, que incluem comprometimento da memória e pelo menos uma das seguintes perturbações cognitivas: afasia, apraxia, agnosia ou uma perturbação do funcionamento executivo (DSM-IV, 2013, online, ênfase minha).

Afirma-se que a “perturbação na memória” é o principal sintoma e a afasia (alteração da linguagem), um sinal associado. Isso quer dizer que as alterações cerebrais, presentes na demência, alteram a memória e promovem prejuízos na linguagem (MARCOLINO, EMENDABILI, 2011). Sob esta ótica, o agravamento das alterações na linguagem é ditado pela progressiva perda da memória. A atuação do fonoaudiológico nas demências é recente, sendo sua presença mais marcada em propostas de prevenção, elaboradas no âmbito da Neuro(psico)linguística. Há, ainda, sugestões de tratamento bastante semelhantes ao que habitualmente se propõe para afásicos.

A prevenção é basicamente assentada em “oferta de estratégias cognitivas” (como o treino/exercícios dememória), associada ao “incentivo para

(15)

15 uma vida social ativa” (BRUM et. al., 2009). Os fonoaudiólogos Bayles e Kaszniak (1987) relataram, pela primeira vez, déficits cognitivos e linguísticos em estágios da demência. Neste relato, destaca-se a atuação do fonoaudiólogo no atendimento da família e/ou dos cuidadores – a ele caberia a elaboração de “estratégias facilitadoras da comunicação”, orientações que foram, antes, realizadas por enfermeiros. Afirma-se que a progressão da doença é acontecimento que descartaria, de antemão, a terapia fonoaudiológica. Foi apenas no início da década de 1990, que ela começa a acontecer - o fonoaudiólogo passa a ter uma prática direta com o próprio paciente (BOURGEOIS e HICKEY, 2009). Atualmente, os dois modos de atuação – direta e indireta – são recomendados como atendimento desses pacientes. Segundo a American Speech-Language-Hearing Association, o terapeuta deve ter claras suas metas e objetivos para que possa decidir quando irá investir em um atendimento direto2 (ASHA, 2005).

No que concerne à fala dos pacientes, a terminologia da afasiologia migra sem reflexão. É bastante frequente ler-se, por exemplo, que:

No primeiro estágio da Demência do tipo Alzheimer, os sintomas assumem a natureza de uma afasia anômica. Ou seja, pacientes têm fala fluente, articulada e sintaticamente preservada. [...] No estágio intermediário, a linguagem torna-se parafásica [...]. As fratorna-ses são interrompidas (e abandonadas) e muitas são, em si, confusas. [...] as alterações de linguagem nesse estágio são similares àquelas da afasia transcortical sensorial ou da afasia de Wernicke.[...] No estágio final, há diminuição significativa da fala, presença constante de automatismos, queda acentuada da compreensão, perda da capacidade de leitura e escrita e tendência ao mutismo. Esse quadro lembraria uma afasia global (EMENDABILI, 2010, p. 66-67).

Como destaca Emendabili, o que se entende por “linguagem” encontra raízes no senso comum, ou seja, nos trabalhos médicos/fonoaudiológicos não

(16)

16 se apreende qualquer base científica referente às considerações ou afirmações sobre a linguagem – não há, nesses estudos, qualquer compromisso com uma reflexão consistente ou sólida sobre a linguagem ou sobre a relação sujeito-linguagem. Frente a tal naturalização, não se deveria estranhar que as ocorrências de fala de pacientes com demência, sejam identificáveis à “fala afásica”. Parece-me necessário indagar, ainda, se a bipartição demência – afasia importa ao clínico de linguagem. Adianto que afasia e demência remetem a quadros distintos para a Clínica de Linguagem, seja por sua manifestação sintomática, seja pelo efeito que produz no sujeito-falante (FONSECA, 2011).

A meu ver, apesar de afasias e demências remeterem a um problema cuja etiologia é cerebral, a diferença entre essa determinação não aproxima o que dela emerge como efeito em quadro e em outro. Do ponto de vista orgânico, a afasia decorre de uma lesão cerebral estável e a demência implica lesão degenerativa e gradual do cérebro – trata-se de uma doença neurológica progressiva, o que, de antemão, deveria interrogar propostas clínicas. Do ponto de vista linguístico, a clínica e a reflexão de autores filiados à Clínica de Linguagem3, introduziram nessa discussão a questão do sujeito, mais precisamente, como mostraram Lier-DeVitto, Fonseca e Landi (2007), ao indicar diferenças na relação do sujeito com a própria fala e com a do outro. Podemos dizer, com Fonseca (1995, 2002), que o afásico guarda na escuta a sua fala de antes da lesão cerebral e, por isso, reconhece que seu dizer afásico é expressão de uma fala em sofrimento. Essa cisão na escuta do afásico propulsiona a demanda: que o clínico possa mudar sua condição de falante (FONSECA, 2012).

Ao iniciar um processo diagnóstico de pacientes com demência, questões teórico-clínicas e éticas impõem-se: pergunta-se se a práxis com pacientes afásicos, já tão quotidiana numa Clínica de Linguagem, poderia direcionar um caminho para atendimento de pacientes demenciados. É preciso partir da queixa: o paciente com demência, invariavelmente, queixa-se de dificuldades com a memória e este não é o caso com pacientes afásicos. É

(17)

17 preciso perguntar “o que essa queixa significa para um fonoaudiólogo, clínico de linguagem”? Como ele escuta essa queixa? Afinal, o que é memória para uma clínica que se diz de linguagem?

Pois bem, atendi o Sr. Pedro, cuja queixa era de “dificuldades de memória” e “dificuldades para compreender a leitura” que fizemos em duas sessões. Ele veio sozinho, encaminhado pela audiologista da instituição. Iniciei a entrevista perguntando como ele estava e obtive a seguinte resposta: “como você acha que alguém com 84 anos está”? Assim, ele se apresentou: ora incomodado com a velhice, ora negando qualquer dificuldade. Associou suas dificuldades de memória com a morte da sua irmã. Em seguida, perguntou se eu era psicóloga, apesar de eu ter lhe explicado o meu trabalho. Como não se configurou uma demanda clara, agendei uma nova entrevista. Ele pediu para eu anotar o meu nome, horário e data da sessão seguinte. Durante a semana, ele ligou várias vezes na secretaria da clínica para perguntar sobre o agendamento. Foi informado que faria uma entrevista - a anotação que fiz parecia não ter valido para ele.

Na semana seguinte, ele compareceu no dia e horário combinados. Agiu como se nunca tivesse me conhecido. Perguntou o meu nome e estranhou quando eu disse que já havíamos conversado. Em seguida, para minha surpresa, ele espalhou uma pasta com muitos papéis sobre a minha mesa. O Sr. Pedro trouxe o seu currículo datilografado e contou detalhes de suas experiências profissionais. Talvez a palavra “entrevista” tenha promovido um deslocamento: de entrevista clínica para entrevista para trabalho. Ele não soube me dizer porquê havia trazido seu currículo e documentos. Passou a queixar-se dos esquecimentos, das dificuldades de leitura e de escrita. Combinamos que iniciaríamos uma avaliação dessas dificuldades. Depois disso, ele passou a vir até à clínica em dias e horários não esperados por mim. No dia agendado, ele não veio. Consegui falar ao telefone com sua irmã, que comunicou o encerramento do atendimento, dizendo que ele não tinha “nenhuma dificuldade de memória”. Nota-se que apesar das queixas, o tratamento não pode ser sustentado pelo próprio paciente (e nem seria pela família, parece-me.

(18)

18 atendimento de pacientes com demência. Como sustentar uma clínica com um sujeito alienado no próprio sintoma? Parece que o manejo com a família é mesmo necessário. Entretanto, a demanda da família é suficiente para produzir efeitos no atendimento desses sujeitos? A distinção clínica entre afasia e demência está associada ao efeito que o sintoma produz/afeta um sujeito – sobre sua posição na relação com a própria fala e com a fala do outro. Fonseca (2010) pergunta se a demência é um desafio ou um limite para a clínica de linguagem já que uma “dissolução linguística e subjetiva” está em jogo na demência (FONSECA, 2012).

O paciente com demência, num ponto razoavelmente avançado da doença, fica preso, alienado num dizer petrificado, repetitivo e, com frequência ligado a um passado distante. Essa característica tem efeitos plurais e imprevisíveis, que tomam direções de tratamento também bastante diferenciadas, que têm relação com facetas singulares do sujeito em sua fala. Fato é que, nas demências, as falas “perfeitamente articuladas, mas frustrantes porque desajustadas em relação à expectativa do outro” (LANDI, 2007, p.14) são sintomáticas – ainda que fluentes e bem estruturadas, elas causam estranhamento. A função comunicativa se dissolve e a fala se “resolve em torno de uma mesma massa sonora” (Landi, 2007, p. 10). Dito de outro modo, a relação do sujeito com a própria fala e a do outro fica abalada.

Do ponto de vista teórico, a demência exige que se enfrente a relação memória-linguagem. Nesta tese, ela será discutida a partir do pressuposto de que o sujeito é efeito feito) de linguagem e também a memória é efeito (é-feita) de linguagem. Isso significa que linguagem não é função cognitiva e memória não é arquivo. Do ponto de vista clínico, abordarei como são as queixas de dificuldades de memória na Clínica de Linguagem.

Não deixo, por isso, de percorrer, neste trabalho, ainda que de modo não exaustivo, a literatura médica e fonoaudiológica sobre o assunto para circunscrever o modo como memória e linguagem são tratadas e, ainda, para tentar esclarecer como e quanto a queixa de dificuldade de memória participa (ou não) do diagnóstico da demência.

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(20)

20

Capítulo 1

Discurso e Clínica das demências: memória e

linguagem

O discurso atual sobre a clínica – seja ela média, psicológica ou fonoaudiológica - voltada aos pacientes com diagnóstico de demência, é marcado pela orientação oferecida pela Neuropsicologia Cognitiva ou por áreas correlatas, como a Neurolinguística. Sob este viés, sustenta-se um mesmo entendimento sobre memória, ainda que concepções de concepções de linguagem possam variar4. De um modo geral, os diagnósticos apoiam-se na relação entre dificuldades de memória, declínio cognitivo e envelhecimento. Incluir nessa sequência o envelhecimento não é adequado, por certo - demência é um quadro patológico e o mesmo não se pode dizer dos esquecimentos que podem ocorrer no envelhecimento. Além disso, existem diferentes tipos de demências que podem acontecer em adultos jovens. Entretanto, a tentativa de distinção entre declínio cognitivo do avanço da idade e instalação de um quadro patológico são a tônica dos trabalhos que problematizam critérios para diagnóstico precoce da demência (ALBERT, 1999; PARENTE et. al., 1999; VERHAEGHEN, 2012). Isso porque a demência do tipo Alzheimer (DTA), quadro mais frequente de demência, afeta idosos, sendo o prejuízo da memória reconhecido como um dos primeiros sinais dessa patologia.

Este capítulo tem o propósito de contemplar o “estado da arte” sobre diagnóstico e tratamento da demência. Sua função expande-se, contudo, na medida em que favorece uma discussão sobre a polêmica distinção entre normal e patológico nas dificuldades de memória, na Neuropsicologia Cognitiva

expande-se, ainda, porque trato de esclarecer impasses diagnósticos da clínica médica frente às demências e a indicação para um tratamento

4A Neuropsicologia sustenta-se numa abordagem de cunho gramatical (fonético-fonológica ou

morfossintática), quando alguma é, de fato, implicada. Não é infrequente que menções a

linguagem fiquem restritas ao uso de termos como “vocabulário” e “sentença”. A

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21 fonoaudiológico ou psicológico voltado ao estancamento das perdas cognitivas. Percorro, na sequência, os pressupostos da clínica fonoaudiológica filiada às reflexões encaminhadas na Neurolinguística Discursiva. Nela, memória ganha alguns outros contornos e a comunicação é enfoque no atendimento. A palavra “discursiva” pressupõe certa distância de aportes exclusivamente gramaticais e envolve, consequentemente, uma direção de tratamento que incluiu a história do sujeito e suas significações. Esta vertente não abandona, sob o peso do termo “Neuro”, que comparece no título da abordagem, postulações cognitivas (TESSER, 2007).

1.1. Neuro - Psico - Linguística

A Neuropsicologia nasce com o estudo de Broca na afasiologia quando correlaciona a terceira circunvolução do lobo frontal à zona cerebral da articulação da linguagem. Essa correlação, iniciada com o advento da anátomo-patologia, marcou um período de discussão sobre a clínica. A novidade na discussão está no termo “psicologia”, que compõem o nome da disciplina e, atribui maior peso explicativo às questões psicológicas, possibilitando, por isso, a aproximação de pesquisadores de outras áreas de conhecimento (GUADAGNOLI, 2007). Disso decorre, a explicação sobre as relações entre cérebro e funções mentais superiores está fundamentada no cognitivismo.

Duas linhas de pensamento são os “carros-chefe” do cognitivismo e determinam seus programas científicos: (a) as noções de representação mental – o objeto do conhecimento só tem existência se for representado na mente e (b) a computação simbólica – os processos cognitivos são regidos por regras (FRANÇOSO e ALBANO, 2004).

(22)

22 símbolos, ou seja, computação, e ativa. No início de década de 1980, “o programa começou a mostrar sinais de degeneração, isto é, começou a exaurir a sua capacidade de produzir novidades” (FRANÇOSO e ALBANO, 2004, p. 306). Diante deste quadro, dois movimentos – braços teóricos - são notados. O primeiro movimento foi caracterizado pelo “enxerto” do programa empirista em teorias cognitivistas. É o que se vê, por exemplo, na Neuropsicologia Experimental, disciplina que valoriza procedimentos quantitativos e padronizados, como é de se esperar, já que assume a perspectiva comportamental cuja meta é garantir objetividade observacional. Já o segundo movimento culmina com a proposta de Jerry Fodor, em A modularidade da mente5 (FODOR, 1979/1983).

A partir da década de 1980, os estudos da Neuropsicologia Cognitiva Humana destacam o conceito de modularidade cognitiva e passam a correlacionar funções preservadas (normais) e alteradas (sintomáticas) a uma hipótese de processamento cognitivo (HÉCAEN e ALBERT, 1978). Sustenta-se que o funcionamento mental organiza-se em módulos – sistemas de input.

A Neurolinguística foi área criada por Jakobson quando realizou estudos sobre a afasia, na década de 1940. Face aos perturbadores sintomas na fala, outros modelos sobre a relação cérebro-mente-linguagem surgiram – entre eles, a modularidade e o conexionismo (que sustenta que módulos interligam-se). A aproximação à Linguística se realiza, nesse campo, sob duas perspectivas: a tradicional, que dá destaque à descrição dos componentes linguísticos (fonético, fonológico, morfológico, semântico, sintático e pragmático) e, outra, de cunho enunciativo-discursiva. No segundo caso, estratégias cognitivas de produção do discurso ganham relevância (COUDRY, 1988, 1997, entre outros). Nesse arranjo multidisciplinar (Neurologia, Psicologia e Linguística), a participação da memória no processo de envelhecimento e na demência é sublinhado, embora não se questione o fato dela ser caracterizada, ao modo da Medicina, como uma espécie de arquivo de lembranças.

5 Fodor (1979/1983) aponta a dificuldade em se conhecer a inteligência humana. Ele afirma que “os sistemas centrais são incognoscíveis, isto é, que não se pode fazer uma ciência da

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23 1.2. Cérebro, Envelhecimento, Memória

Alguns estudos neuropsicológicos (GLINSKY, 2007; VERHAEGHEN, 2012) entendem que a relação entre memória e linguagem é complexa e, por isso, levantam debates para área que nos interessam para, ao menos, vislumbrar a problemática que a demência instaura. Adianto que estas discussões sustentam noções de memória e de linguagem que imprimem uma direção teórica e clínica que não permite tocar questões que, a meu ver, são de grande interesse para o campo. De fato, se “o ponto de vista cria o objeto” (SAUSSURE, 1916/1997, p 15), deve-se supor que ele determina quais questões são relevantes e marginaliza outras que são assumidas como irrelevantes (MILNER, 1989; LIER-DeVITTO e ANDRADE, 2011).

A memória tem sido compreendida como uma função cognitiva complexa (VYGOTSKY, 1987; LURIA,1977, 1986). Por “complexa” entenda-se que, segundo esse ponto de vista, ela, a memória, não é hegemônica e uniforme. Diz-se que sistemas de memórias distintos (tais como linguagem e a atenção) estão envolvidos em diferentes tarefas cotidianas. Quando há indicação de problema de memória, contemplam-se tais hipóteses do funcionamento cognitivo, que é sempre visto, porém, sob a ótica do processamento e do armazenamento da informação.

Tarefas específicas e padronização de respostas da população idosa são elaboradas. Pesquisadores debruçam-se, para isso, em hipóteses sobre as articulações entre memórias (semântica, episódica, implícita, explicita) e variações nas demências (Alzheimer, frontotemporais, vasculares, etc.) e a observação de eventuais declínios cognitivos no processo de envelhecimento. Afirma-se, por exemplo, que a memória semântica é mais preservada do que a memória episódica no envelhecimento normal (PARENTE et. al., 1999). Afirma-se, ainda, que um determinado sistema de memória, quando alterado, poderá auxiliar na condução de um diagnóstico diferencial6. Ou seja, advoga-se que:

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24

[de grande valia é] a noção de que existem diferentes sistemas de memória, e que algumas seriam mais afetadas pelo desenvolvimento normal enquanto que outras poderiam ser indícios de processos degenerativos e de alterações afetiva. (PARENTE et. al., 1999, p. 61).

Neste raciocínio, nota-se que grande parte da discussão está centrada no procedimento diagnóstico, assumido como exigente. Na opinião de Bourgeois e Hickey (2009), o diagnóstico da demência é complexo e demanda clínicos experientes e atentos para recolher informações relatadas pela família e pelo paciente. Muitos pesquisadores médicos e neuropsicólogos (uma composição bastante frequente) empenham-se em traçar estratégias clínicas que permitam apreender e estabelecer um diagnóstico que possa distinguir, em cada caso, se há, na queixa de problema de memória, um quadro efetivo de demência.

(25)

25 Outros trabalhos (CLARE, 2003; WAGNER et. al., 1997) ressaltam a presença de anosognosia na demência, atribuída ao comprometimento cerebral do lobo frontal. Mencionar “anosognosia” é dizer que o paciente com demência não tem consciência dos seus déficits. Segundo Souza et. al. (2011), a “falta de consciência” sobre a doença é controversa na literatura e, alguns estudos, admitem haver uma flutuação. Souza realizou, com outros autores, uma pesquisa longitudinal para apreender o estado de consciência na doença de Alzheimer, envolvendo 25 pacientes brasileiros com doença de Alzheimer leve, no início da pesquisa. Avaliações foram realizadas com base em testes e questionários aplicados aos pacientes e cuidadores. A consciência da doença foi avaliada num questionário com 35 perguntas divididas em cinco áreas: (1) consciência do déficit, (2) relação social, (3) relação familiar, (4) atividades de vida diária e (5) relação afetiva.

Os pesquisadores esclarecem que a discrepância entre os relatos do paciente e do cuidador foi considerada. Eles observaram que, na primeira avaliação diagnóstica, 7 pacientes (38%) tinham plena consciência da doença; 10 pacientes (55%), consciência parcial da doença e 1 paciente (5%), ausência de consciência da doença. Na segunda testagem, 1 paciente (5%) tinha consciência da doença; 13 pacientes (72%) tinham consciência parcial da doença e, em 4 deles (22%), não havia qualquer consciência da doença. Eles concluíram, frente a esses resultados, que há perda de consciência sobre a doença: há declínio cognitivo e funcional à medida que a demência progride.

Note-se que, embora se tenha dito que, na pesquisa, a queixa do paciente é levada em conta, na verdade, o que ele diz é transformado em “dado” já que o que queixa se torna resposta à pergunta do teste – é resposta induzida para avaliar “o grau de conhecimento” que ele tem sobre a própria doença – o que importa é apreender um momento de passagem do momento da queixa de esquecimento para aquele da instalação da patologia – pesquisas desse tipo não incluem o doente na doença.

Também, interessa-me assinalar que a referida queixa do paciente é sempre desvalorizada porque confrontada com a do cuidador7 - a verdade

(26)

26 sempre está em outro lugar. Landi (2007) e Emendabili (2010), pesquisadoras filiadas às reflexões da Clínica de Linguagem, abordam este ponto - do acompanhante como “informante confiável”. Elas discutem efeitos dessa redução de valor da queixa do sujeito e retiram implicações clínicas quanto ao compromisso com o tratamento e na relação com o próprio sintoma. A dicotomia consciência vs. não-consciência sobre o sintoma serve a propósitos bem específicos de testagens, mas ela não só anula a “heterogeneidade das respostas que uma pessoa possa dar” (LANDI, 2007, p. 88) como tem deixado rastro indesejável na clinica:

uma vez desqualificada ou destituída da posição de sujeito-falante, o que a pessoa diz importa pouco – ela perde estatuto psicológico, social e jurídico e sua fala é escutada como vazia. Enfim, o prejuízo da redução da demência a uma questão de maior/menor consciência de si é o apagamento de linguagem e, portanto, da relação do sujeito com seu dizer (EMENDABILI, 2010, p. 16).

Certamente esta discussão é irrelevante à Medicina porque, como disse, o doente está excluído da doença e também o médico é mero “porta-voz” do discurso do campo – ele é agente, mas aparece como sujeito. O médico está submetido à “ordem médica” (CLAVREUL, 1978/1983). Sabemos que a terapêutica é medicamentosa ou cirúrgica - incide sobre a doença (por isso, há encaminhamentos para outras clínicas). Nesse ambiente, portanto, a queixa é relato do paciente, mas relato conduzido e retalhado para coleta de sinais da doença – esta é a direção nas anamneses e em pesquisas sobre o diagnóstico Uma queixa deveria ser tomada como tal: como manifestação de um sujeito sobre seu sintoma. Ora, “sintoma” remete a “relato do paciente”8, mas em

consultórios médicos, esse relato é retalhado na busca de sinais da doença. (ARANTES, 2001, 2006; FONSECA, 1995, 1998; FUDISSAKU, 2009)

Não se trata aqui de desqualificar a Medicina – pessoas endereçam suas queixas para médicos e conferem a eles autoridade -, mas de situar diretrizes que conduzem um diagnóstico nesta clínica e circunscrever a função 2006). Marcolino (2004) movimenta esta discussão na apresentação de um estudo de caso. Ver, também, Emendabili (2010).

8

(27)

27 do falante, do clínico e do pesquisador neste campo. A “condição afetiva” do paciente não é relevante, mas, quem sabe, participe da decisão sobre o encaminhamento a outras clínicas. Na Clínica de Linguagem, assume-se que a queixa diz respeito a como e quanto o sujeito é afetado em sua condição de falante: pelo efeito em si e no outro de uma fala própria que o marginaliza (LIER-DeVITTO, 2001, 2004, 2006). A demência – uma doença neurológica – afeta a fala e posição de falante, que sofre seus efeitos.

Para o médico, a demência é olhada como vinda de “corpo mudo”, em metáfora de Fonseca (2002)9. A discussão diagnóstica restringe-se a definir a

relação entre envelhecimento x declínio cognitivo leve x demência (EMENDABILI, 2010). Desse modo, compreende-se a valorização da neuroimagem e dos estudos genéticos no diagnóstico precoce da demência. O problema, apresentado por autores como Glinsky (2007), é que a demência, inicialmente, pode não ter correspondência orgânica. Essa dificuldade objetiva no estabelecimento de uma correlação segura, conclusiva (por imagem), entre sintomas e alterações orgânicas acabou dando força para o diagnóstico clínico na Medicina que liga a avaliação cognitiva ao estudo do cérebro. Importante dizer que esta tendência diagnóstica justifica a interdisciplinaridade que se imprimiu, desde então, e que é representado pela demanda dirigido a psicólogos, demanda, essa, que deu origem à Neuropsicologia (e outras composições: Neurolinguística; Neuropsicolinguística), no campo dos estudos sobre as demências.

Testes neuropsicológicos buscam proporcionar um elenco de marcadores clínicos para o diagnóstico da demência. Geralmente, são testes computadorizados, que visam controlar, com precisão, o espaço de tempo entre a apresentação dos estímulos e a emissão das respostas. As respostas são quantificadas, tratadas estatisticamente e comparadas à de grupos de controle (sujeitos com ausência de doenças neurológicas, psiquiátricas e com idade superior a 55 anos) (CHARCHAT et. al., 2001). Apesar de incluir funções cognitivas do indivíduo para se preencher os critérios diagnósticos da doença, o sujeito fica excluído, do mesmo modo e pelas mesmas razões apresentadas

9 A partir de Foucault (1980/1994), Fonseca (2002) pode assinalar que o advento da

(28)

28 acima – ele é número numa porcentagem10. Nada muda muito, de fato: a constatação de mudanças no tecido cerebral e na performance cognitiva é associada ao avanço da idade nos trabalhos de médicos, neuropsicólogos e fonoaudiólogos, em sua grande maioria. Talvez algo tenha mudado: aprofundaram-se certezas médicas, já que foram referendadas pelas “ciências humanas”, que passam, nessa composição com a Medicina, a “fazer complemento” a ela11 - as “humanas” aderem a Medicina, seus objetivos e

causa; respondem inteiramente à sua demanda.

Isso, mesmo frente a conclusões de pesquisadores americanos que afirmam não haver relação direta entre o envelhecimento cerebral e o declínio cognitivo. Ou seja, envelhecimento cerebral e déficit cognitivo são esperados, mas são acontecimentos concomitantes (WANG e SNYDER, 1998; GLINSKY, 2007). Em experimentos com testes e estatísticas, eles mostraram que sujeitos a partir de 50 anos são, em geral, mais lentos para diversas tarefas cognitivas quando comparados aos adultos jovens. Glinsky (2007) afirma que a relação envelhecimento cerebral x declínio cognitivo é, de fato, complexa e com grande variabilidade individual. A autora postula que o funcionamento dinâmico das redes neuronais modificam-se ao longo da vida, justificando, desse modo, a heterogeneidade das manifestações individuais e a impossibilidade de construir padrões confiáveis que delimitem, com nitidez, o esquecimento normal e o patológico.

Estas últimas pesquisas enfatizam a ocorrência da atrofia cerebral, principalmente na área do hipocampo e o declínio da memória, da atenção e do processamento da linguagem no envelhecimento. Para elas, a dificuldade perceptual é fator decisivo na queda do desempenho cognitivo. O argumento é que a percepção propicia a atenção seletiva, a capacidade de eleger estímulos específicos no mundo externo. Desse modo, a percepção é o ponto de partida para o armazenamento das informações. A atenção permite ao indivíduo

10 Canguilhem (1966/2007) argumenta que o homem mediano é um ideal, ou seja, um produto estatístico que não existe. Assim, norma e média não são equivalentes. Além disso, nessa ótica, como esclareceu o autor, saúde e doença são transformadas em estados homogêneos e contínuos; não há diferença qualitativa.

(29)

29 selecionar estímulos ambientais e controlar o fluxo das informações linguísticas e não-linguísticas. A informação recebida pela via perceptual é armazenada e organizada no/pelo cérebro. Depois disso, o sistema de memória organiza-se em categorias para, assim, recuperar a informação armazenada com mais rapidez e facilidade (PARENTE et. al., 2009). Convém, neste momento, frente à clara explicitação do “processamento percepto-cognitivo”, no âmbito dos estudos médicos e neuropsicológicos, dizer que esta tese opõe-se a tal entendimento e que dedicará os capítulos posteriores ao esforço de contrapor-se a tal abordagem sobre memória (e linguagem).

Nos estudos neuropsicológicos, são construídos modelos hipotéticos de funcionamento da memória: trabalha-se com a hipótese da existência de memórias distintas. Divide-se a memória em dois sistemas - memória de trabalho de curto-prazo ou de longo prazo.

A memória de curto-prazo seria responsável pela manipulação de informações para execução de uma determinada tarefa (como, por exemplo, anotar um número de telefone). Ela é constituída por um subprocesso, o executivo central (que recupera a informação, armazena, manipula e faz ajustes cognitivos para mudanças nas operações); pelo circuito fonológico (que tem um estoque fonológico que decodifica a linguagem para articulação) e, ainda, um sistema visuoespacial (que armazena informações não-linguísticas).

A memória de longo prazo é ativada quando a situação exige a recuperação da informação, explícita ou implícita. O acesso à informação na memória explícita é consciente e associada à linguagem, quando a recordação é verbalizada. Na memória implícita, a informação é automatizada, não consciente. A memória de longo prazo é, também, semântica ou episódica. Na memória semântica estão os conceitos e conhecimentos gerais; na episódica, fica a história de vida, ou seja, a memória autobiográfica (BRYAN, MAXIM, 2006; RIDDLE, 2007; PARENTE et. al., 2009; VERHAEGHEN, 2012) 12.

(30)

30 A memória de trabalho tem sido indicada como o foco primordial no estudo do declínio cognitivo em idosos devido ao prejuízo no desempenho de atividades cotidianas. Afirma-se que isso ocorre porque elas estão relacionadas ao subprocesso executivo. Verhaeghen (2012), após extenso levantamento bibliográfico (123 estudos que compararam a memória de trabalho entre adultos jovens e idosos), conclui que, apesar de apresentarem resultados indicativos de declínio da memória de trabalho no idoso, processos afetados são outros: alguns têm relação com o sistema visuo-espacial e outros com o sistema fonológico. Com isso, o autor quer mostrar que a explicação para o déficit da memória de trabalho permanece polêmica. Não há consenso sobre se é a capacidade armazenamento da memória de trabalho que decai com o envelhecimento ou se é o declínio da atenção que altera seu desempenho. Bryan e Maxim (2006), por exemplo, insistem na hipótese de que a dificuldade de direcionar a atenção, associada à perda auditiva, dificulta o processamento da informação e, consequentemente, torna a memória de trabalho mais lenta. O problema seria, portanto, perceptivo. Ou seja, na comparação entre as performances de idosos e adultos jovens, os estudos somente indicam o declínio nos sujeitos velhos, mas não conseguem sustentar uma explicação.

(31)

31 DTA leve, em sua pesquisa, foram capazes de reconhecer objetos e incapazes de classificá-los em categorias - problema na memória semântica, concluem eles.

Glinsky (2007), por sua vez, constatou dificuldades maiores com a memória semântica (tarefas de nomeação) e com a memória de trabalho. Quanto à memória autobiográfica, idosos apresentaram melhores resultados do que os jovens – assim, o declínio da memória ocorre em situações específicas, diz ele, em situações de lembrar nomes ou números de telefones. Parente et. al. (1999) investigaram a memória verbal de curto prazo (repetição de números e palavras) e a memória textual (recontagem de histórias) com um grupo de 16 pacientes com demência, sendo que 7 tinham doença de Alzheimer e 9, demência vascular. O objetivo desta pesquisa foi: “(1) verificar se a perda cognitiva representa um envelhecimento mais rápido ou possui características diferentes do envelhecimento normal e (2) qual das duas esferas de memória verbal tem maior possibilidade de caracterizar um processo demencial” (idem, ibidem, p. 69). Os autores anotaram dificuldades acentuadas nos pacientes com DTA para recontar histórias – havia prejuízo maior na memória autobiográfica (episódica) do que na memória de curto prazo, dizem eles.

Esse acontecimento não é observado no envelhecimento normal, como havia apontado Glinsky (2007). Segundo os autores, os idosos sem processos degenerativos podem lançar mão de “estratégias cognitivas” para resgatar a memória de longo prazo, apesar das falhas na memória de curto prazo.

(32)

32

Ao falarmos de atividades como combinação, seleção, reconhecimento e recuperação (de sentidos, de enunciados, de palavras), estamos falando de linguagem. [...] O debate sobre as relações entre linguagem e memória não escapa a uma

reflexão sobre a cognição (CRUZ, 2004, p. 601-604) (ênfase minha).

Esquematicamente poderíamos traduzir tal hipótese na sequência cérebro  memória  linguagem13. Distinguem-se diferentes memórias (semântica, fonológica, episódica, de procedimentos) para cada atividade linguística. Como esclarece Scheuer (2004):

Cada memória encarrega-se de diferentes aspectos da linguagem, que ocorrem ao mesmo tempo, mas podem ser observadas separadamente [...] Seguramente, pode-se dizer que a memória alimenta a linguagem, esta retroalimenta a memória (SCHEUER, 2004: 917-918).

Como se pode ver, componentes linguísticos são instrumentos relevantes para a Neuropsicologia, mas não se olha para o linguístico em sentido estrito: fala-se em “dificuldade de narrar”, de “recontar histórias”, mas o problema será sempre atribuído ao fracasso na memória. Não se questiona a posição do narrador, nem se aborda a articulação sintática dos enunciados, por exemplo - a reflexão sobre a linguagem fica excluída. A avaliação de cada sistema de memória é realizada com base em testes-padrão. Por exemplo, para a memória de trabalho, aplicam-se listas de palavras, seguidas de atividade que distraía o examinado para, depois, iniciar a evocação. A memória episódica é avaliada por meio de evocação de fatos históricos ou de “faces” famosas. A memória semântica é testada através de evocação por meio de listas de categorias ou classificação de figuras.

Coudry (1988/1996) foi contundente na crítica desse modo de avaliação de pessoas afásicas. Segundo ela, testes criam situações de fala

13 Fonseca discute, desde 1995, a causalidade sugerida na sequência acima e, na trilha de

(33)

33 descontextualizada, não consideram a interlocução, diz ela: eles focalizam tarefas gramaticais “que preconizam atividades metalinguísticas”. Cruz (2004), na mesma linha de Coudry (a Neurolinguística discursiva) analisa os procedimentos mais utilizados na avaliação da fala do paciente demenciado. A autora sublinha que não se consideram, em provas de nomeação e repetição, “erros” em palavras – desconsidera-se, portanto, processos de significação quando o paciente “erra” a palavra-alvo; Dito de outro modo, anulam-se os caminhos enunciativos em movimento nessas falas. Em 2004, eu disse que a fala do paciente é, mesmo, reduzida à polos de emissão-recepção e perguntei “se esse tipo de saber (estatístico) seria, de fato, suficiente para fundar uma clínica” (MARCOLINO, 2004, p. 10).

Como disse acima, provas e testes diagnósticos apoiam-se, dependem de noções linguísticas e da fala ou escrita de pacientes. Como, senão através da fala ou da escrita, que funções “essenciais” (memória, atenção, habilidades cognitivas) poderiam ser avaliadas? A linguagem, contudo, não interroga porque só interessa como “evidência” de problemas cerebrais/cognitivos. Por esse motivo, nos testes neuropsicológicos recomendados para o diagnóstico da demência, nota-se a redução de linguagem à “função cognitiva” (instrumental e representativa), sua posição como “ordem dependente” da psicológica e/ou da social (HENRY, 1992; FONSECA, 1995; ARAÚJO, 2002). Landi (2007), diferentemente, pode anotar que o paciente nomeia figuras nos testes diagnósticos e afirma que, nestas tarefas:

a língua é nomenclatura, e esta é uma concepção extremamente reducionista da linguagem. [...] As concepções de linguagem enquanto representação [linguagem representa o mundo externo] baseiam-se em unidades isoladas e desconsideram as operações da linguagem (LANDI, 2007, p. 39).

(34)

34 transparente, porque a linguagem não oferece ali qualquer opacidade. Ela é vista “como uma entidade em que um visível permite inferir um invisível”. Ou seja, a produção linguística desviante (visível) é sempre expressão nítida de alteração cognitiva (invisível).

Em síntese, pode-se observar que os problemas de pesquisa e clínicos concentram-se no referido sistema de memória para esclarecer a distinção entre esquecimento normal e esquecimento patológico. Os resultados, porém, são inconclusivos e, mesmo assim, não se questiona a metodologia quantitativa e nem tampouco a modalidade de avaliação de linguagem implementada para inferir os déficits de memória. Quando se fala do doente/paciente, a discussão caminha no eixo da oposição consciência x não-consciência sobre a doença. É no eixo do indivíduo do sujeito psicológico que a reflexão é encaminhada.

1.3. A semiologia da demência: diagnóstico e tratamento na clínica médica

(35)

35 et. al. (2003), acrescentam que, além do quadro “normal”, o envelhecimento cognitivo pode ser alocado nas seguintes categorias diagnósticas:

(a) Declínio cognitivo associado à idade inclui os idosos com déficit cognitivo em diferentes domínios quando comparados ao grupo controle de adultos jovens.

(b) Declínio Cognitivo leve diz respeito ao grupo de idosos com queixa de dificuldades significativas de memória que, se confirmadas por um informante/acompanhante, são indicativas de que um quadro de demência de Alzheimer deve ser investigado. Testes costumam comprovar o declínio patológico da memória (se resultados são comparados com os de grupo controle de mesma idade e nível educacional). Os esquecimentos, mesmo que frequentes, não limitam as atividades cotidianas (o idoso não preenche todos os critérios do diagnóstico de demência).

(c) Demência é um quadro patológico, não esperado no envelhecimento, apesar de sua prevalência ser maior na população acima de 65 anos14. Os sintomas são crônicos e progressivos, podem estar relacionados aos danos cerebrais e caracterizam tipos de demência e etiologias.

O Declínio Cognitivo Leve (DCL) tende a oscilar entre normal e patológico, sendo frequentemente assumido como um estágio pré-demencial (MORRIS et. al., 2001). Charchat-Fichman et. al. (2005) comentam que, em 1999, neurocientistas reunidos em Chicago para caracterizar o DCL, chegaram a três critérios para a classificação dos idosos:

(1) DCL amnésico - risco maior de desenvolver Doença do tipo Alzheimer (DTA);

(2) DCL com comprometimento leve de múltiplos domínios cognitivos - risco de desenvolver outras síndromes demenciais (sendo a DTA uma trajetória possível);

(36)

36 3) DCL com comprometimento de uma única função cognitiva diferente de memória - risco maior de desenvolver demência frontotemporal e/ou afasia progressiva primária.

Os autores afirmam, porém, que todos os grupos poderiam

permanecer estáveis e não evoluir para síndrome demencial. Na prática clínica, a heterogeneidade dos casos não sustentou tal classificação, dizem eles. Apesar dos esforços realizados, não há critérios clínicos confiáveis para predizer que declínios cognitivos leves correspondam ao início de um quadro demencial. Segundo Charchat-Fichman et. al.,

As principais limitações foram: instabilidade diagnóstica ao longo do tempo, indefinição de testes neuropsicológicos para avaliar funções cognitivas e atividades da vida diária, e ênfase no comprometimento baseado em um grupo controle emparelhado por idade e escolaridade e não em declínio cognitivo (idem, 2005, p. 81).

Outro ponto importante a ser comentado diz respeito ao fato de que, apesar da inclusão da queixa nos critérios diagnósticos, pesquisadores afirmam que “a queixa subjetiva reflete o estado afetivo dos indivíduos e não necessariamente declínio cognitivo” (CHARCHAT-FICHMAM et. al., 2005, p. 81). Assim, nessa dança diagnóstica, “estado afetivo dos velhos”, “presença de queixa de dificuldades de memória” e “falhas em testes neuropsicológicos” promoveram outra necessidade diagnóstica: diferenciar depressão e estados iniciais da demência. A presença de sintomas depressivos e ansiedade tem sido, frequentemente, associada à queixa de memória (BARKER, JONES, JENNISON, 1995). A depressão severa em idosos aproxima-se de sinais encontrados nas demências e, por isso, usualmente fala-se em “pseudodemência” nestes casos (BRYAN, MAXIM, 2006).

(37)

37 ter depressão, mas relatou uma “vivência desagradável” ocorrida um mês antes do início dos sintomas. Ela estava na fila do banco, quando assaltantes invadiram o local. Esta senhora conversou com os assaltantes, pedindo calma, uma atitude que a surpreendeu depois do ocorrido. O teste de Luria apontou leve déficit para memória verbal (lista de palavras) e SPECT15 mostrou

“discreta hipoperfusão bitemporal e frontal direita, compatível com doença de Alzheimer” (idem, ibidem, p. 79). Após um ano, os sintomas de memória regrediram. A regressão ou a estabilidade sintomática excluiu a demência, conclui o autor, e faz aparecer a fragilidade do diagnóstico entre demência e depressão. Nota-se que, nesse caso, os exames de imagens e os testes indicavam o início do quadro de DTA. Entretanto, após um ano de tratamento medicamentoso (antidepressivo), o diagnóstico de DTA não pode ser confirmado com a ausência de queixas da paciente, o que determinou o quadro de pseudodemência.

Pode-se dizer que a demência, apesar da participação inegável da etiologia cerebral, erige obstáculos para o diagnóstico médico. Landi (2007) chama atenção para o fato de que a confirmação só pode ser viabilizada numa biópsia cerebral. Desse modo, o rótulo de “patologia” deve ser lido como “provável demência” ou “pseudodemência”, em muitos casos. A medicação para a alegada depressão e/ou demência do tipo Alzheimer é admitida como necessária para a confirmação do diagnóstico. Também, a demência de Alzheimer tem semelhança sintomatológica com o dito Declínio Cognitivo Leve e com depressão. Essas situações e outras parecem mesmo indicar que a Medicina não encontra um quadro puramente orgânico, quando o sintoma é “mental” e/ou linguístico.

Segundo a quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV), mundialmente utilizado, a demência obedece a três critérios diagnósticos:

(1) prejuízo da memória e mudança em outro domínio cognitivo, como a linguagem, julgamento, pensamento abstrato e função executiva;

(38)

38 (2) declínio cognitivo suficiente para modificar tarefas cotidianas e vida social;

(3) declínio em relação a um nível anteriormente superior de funcionamento (EMERY, OXMAN, 2003; BOURGEOIS, HICKEY, 2009).

O diagnóstico médico, enfatizam os autores, inicia-se com a anamnese visando mudanças no estado geral de saúde e cognitivo (confirmadas por um informante que acompanha o idoso). A atenção volta-se, desde aí, para a progressão e para a severidade dos sintomas. O exame físico prioriza o sistema cardiovascular e sinais de possíveis doenças que possam, também, alteram a cognição (como diabetes, hipotireoidismo, doenças renais)16. Recomendam-se, em seguida, exames laboratoriais, exames neurológicos de imagens e testes neuropsicológicos.

A Academia Brasileira de Neurologia, segundo Nitrini et. al. (2005), indica, para o diagnóstico da doença de Alzheimer (DA) os seguintes testes e exames: (1) avaliação da memória (como recordação de objetos apresentados em figuras); (2) avaliação da atenção (repetição de sequências crescentes de dígitos após o examinador); avaliação da linguagem17; funções executivas (teste de fluência verbal); conceituação e abstração e habilidades construtivas (desenhos de figuras geométricas) e exames de neuroimagem e de exames laboratoriais para diagnóstico diferencial (CHARCHAT et al, 2001).

Em alguns casos, a classificação da demência depende, exclusivamente, dos sintomas linguísticos. Apresento, no quadro 1.1, uma síntese adaptada da literatura nacional e internacional dos sintomas descritos pela literatura médica como base para o diagnóstico diferencial das demências18. Interessam-nos as descrições linguísticas.

16 Hipertensão arterial crônica, por exemplo, pode contribuir para a demência vascular. 17 Geralmente,

utiliza-se o “Teste de Boston para o Diagnóstico da Afasia”. Esse teste foi elaborado por Harold Goodglass e Edith Kaplan (em 1972 e revisado em 1982) e é um instrumento que compreende vinte e sete subtestes, que visam ao estabelecimento de perfis clínicos da afasia, a partir de um tratamento estatístico.

(39)
(40)

40

Alzheimer (DTA) Frontolateral (DFT) Vascular Corpos de Lewy

Cognição e outras características

Fase inicial: declínio da memória para fatos recentes; Memória semântica pior do que a memória episódica; ansiedade e

consciência dos déficits.

Intermediária: perda da memória recente e mantém informações da infância e adolescência; distúrbios de planejamento e visuoespaciais. Avançada:

Alteração grave de todo o sistema de memória,

preservando a memória emocional associada à

autobiografia.

Alterações precoces de personalidade e de comportamento.

A memória e as habilidades visuoespaciais encontram-se relativamente

preservadas.

Pode ser de subtipo: 1. Afasia Progressiva

Primária (APP) : sintoma

exclusivamente linguístico e progressivo.

2. Semântica: pré-senil (antes dos 65 anos); Degeneração de lobos temporais; memória

preservada.

Relação causal entre o evento cerebrovascular e quadro demencial.

Depressão e comprometimento funcional .

Sintomas extrapiramidais,

paralisias de membros, face.

Flutuação dos déficits cognitivos em questão de minutos ou horas,

alucinações visuais bem detalhadas, vívidas e recorrentes.

Sintomas parkinsonianos, geralmente do tipo

rígidoacinéticos de distribuição simétrica.

Nas fases iniciais, a memória está preservada e os comprometimentos são visuoespaciais.

Linguagem Fase inicial:

preservada, exceto pela dificuldade de

Fase inicial: preservada.

Fase avançada: Redução

Déficits de linguagem

(41)

41 encontrar palavras,

como uma afasia anômica.

Fase intermediária: Afasia transcortical sensorial ou

Wernicke (alteração de compreensão); apraxias.

Fase avançada: Afasia global, tendência ao mutismo.

da fluência verbal, redução na participação de

conversas, alteração na compreensão de metáforas, alterações semânticas.

Presença de perseveração e ecolalias na fase

avançada.

No subtipo APP: Inicialmente, a afasia é anômica e, com a evolução do quadro, torna-se não-fluente.

No subtipo demência semântica: Anomia grave, Alteração de compreensão para palavras; Afasia global na progressão da doença.

(42)

42 Nota-se que a vagueza da descrição dos sintomas linguísticos que remetem, basicamente, aos quadros afásicos. Primeiramente, seria necessário indagar se as alterações na linguagem de pacientes com demência são, de fato, afasias. Ao se aproximar de descrições das falas dos pacientes com demência, encontradas na literatura, Emendabili (2010, p. 65) as caracteriza como “pouco linguísticas”:

Na verdade, propostas que se enunciam

“neuropsicolingüísticas” são, na verdade, “neuropsicológicas”.

Os modelos de processamento explicitados são mentais e a linguagem é função cognitiva. Autores que sustentam posições consistentes com um pensamento linguístico sequer são invocados e explorados [...] Enfim, tudo o que se diz sobre linguagem resvala o senso comum (revestido de uma terminologia científica, diria Chomsky, 1954) (idem, ibidem p.

65).

De fato, não é outra coisa que se pode ver - a clínica médica encaminha discussões diagnósticas e tratamento medicamentoso – drogas que modificam o funcionamento dos neurotransmissores e podem favorecer conter a progressão acentuada ou promover alguma melhora dos esquecimentos. Como lembrou Fonseca (2002), o tratamento médico dedica-se ao cérebro ou à “sede da demência” e faz demandas que são acolhidas por outros campos, em especial pela Psicologia e pela Fonoaudiologia, mas sua direção não muda, como procurei mostrar.

1.4. A clínica Fonoaudiológica nas demências: influência da Neuropsicologia Cognitiva

(43)

43 da American Speech-Language-Hearing Association, a literatura não indicava ou não visualizava possibilidades terapêuticas, antes de 1975, para quadros progressivos, como a demência (ASHA, 2005). Na década de 70, testes começaram a ser aplicados em pacientes com DTA. O National Institute on Aging e o National Institutes of Mental Health iniciaram, no mesmo período, estudos longitudinais para caracterizar as desordens cognitivas em diversos tipos de demências. Note-se, já aqui, a referida “complementaridade” a que me referi acima. Espelhados nos estudos da memória humana, fonoaudiólogos buscavam demonstrar que os pacientes com DTA tinham prejuízo maior na memória explícita (conceitos, palavras) e na memória de trabalho, especialmente procedimentos motores. Reitero: nada de novo aparecia no horizonte. Com base nos resultados previstos, os estudos concentraram-se em propostas terapêuticas para compensar déficits em sistemas de memória específicos. Por exemplo, tarefas de nomeação eram enfatizadas na estimulação de pacientes em estágio inicial de DTA, quando a anomia é o principal sintoma.

Somente em 1991, a American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) publicou um guia delimitando o papel do fonoaudiólogo junto a esses pacientes. A versão mais recente desta publicação (ASHA, 2005) defini que o fonoaudiólogo pode :

1. Identificar pessoas com risco de demência, a partir da incidência e prevalência da demência;

2. Avaliar, selecionando abordagens diagnósticas para desordens comunicativas;

3. Intervir de modo direto com os pacientes e de modo indireto com cuidadores;

4. Aconselhar cuidadores sobre a natureza da demência e seu curso; 5. Colaborar com cuidadores e profissionais para estabelecer planos de

estratégias comunicativas;

6. Coordenar a equipe de profissionais e gerenciar um caso de demência; 7. Ensinar ou supervisionar outros fonoaudiólogos;

(44)

44 O fonoaudiólogo é, ainda, chamado a responder nas esferas da prevenção19. Parte-se do pressuposto de que “ofertas estratégias cognitivas

como o treino da memória, associada à vida social ativa sejam fontes privilegiadas na prevenção de demências (BRUM et. al., 2009).

Quanto ao tratamento, afirma a ASHA, fonoaudiólogos americanos discutem se a meta é a redução dos sintomas de memória, através estimulação da linguagem, ou deve-se espera a estabilização dos déficits cognitivos. É certo que a literatura sobre a eficácia dos programas de estimulação é escassa. Pergunta-se: “há melhora do quadro cognitivo quando se espera o avanço da doença”? O foco permanece, assim, dirigido para a elaboração dos programas de estimulação e de uma melhor caracterização da população com demência. Isso porque, acredita-se, a estimulação deve considerar o sistema de memória mais preservado de acordo com o grau de severidade e tipo clínico20.

Duas diretrizes são primordiais nesses programas de estimulação direta. O programa de estimulação deve:

1. incidir nos sistemas de memória mais preservados, visando a independência desses sistemas em relação aos outros deficitários. No caso da DTA, valorizam-se os sistemas de memória implícita (memória de procedimento, capacidade de condicionamento), que permanecem preservados mesmo com o avanço da doença21.

2. A técnica comportamental de pareamento estímulo-resposta para impedir erros – isso favorece, como se diz, engramas neurológicos mais fortes para a resposta-alvo (CLARE et. al. 2000; ASHA, 2005).

Entende-se, então, que o trabalho do fonoaudiólogo seja o de estimular a memória, já que ele é dirigido pela máxima: “estimular o cérebro com atividades que exijam atenção, concentração e pensamento lógico, o que

19 Médicos indicam como fatores preventivos da DTA: bom nível educacional, tarefas que

demandam concentração e ativam o cérebro; atividades físicas, dietas ricas em vitamina E; consumo moderado de vinho e café (BRYAN, MAXIM, 2006).

20 Além disso, deve-se calcular o prognóstico e definir se o paciente terá benefício com uma intervenção direta. Considera-se para a intervenção direta aspectos como a respostas aos sinais, habilidade para ler, conversar e seguir ordens simples. Em outra situação, o terapeuta pode decidir por intervenções indiretas, ou seja, elabora planos direcionados aos cuidadores para facilitar a comunicação e a rotina em casa (ASHA, 2005).

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