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Estudo das relações entre práticas de violência e acesso em território da estratégia saúde da família

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Academic year: 2018

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FACULDADE DE MEDICINA

DEPARTAMENTO DE SAÚDE COMUNITÁRIA

CURSO DE DOUTORADO ACADÊMICO EM SAÚDE COLETIVA ASSOCIAÇÃO AMPLA ENTRE UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ E UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

TATIANA MONTEIRO FIUZA

ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE PRÁTICAS DE VIOLÊNCIA E ACESSO EM TERRITÓRIO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

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ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE PRÁTICAS DE VIOLÊNCIA E ACESSO EM TERRITÓRIO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

Tese a ser apresentada ao Curso de Doutorado em Saúde Coletiva do Programa de Pós-Graduação Saúde Coletiva com associação de IES com ampla AA da Universidade Estadual do Ceará, Universidade Federal do Ceará e Universidade de Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva.

Área de Concentração: Saúde Coletiva. Orientador: Prof. Dr. Renan Magalhães Montenegro Junior.

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ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE PRÁTICAS DE VIOLÊNCIA E ACESSO EM TERRITÓRIO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

Tese a ser apresentada ao Curso de Doutorado em Saúde Coletiva do Programa de Pós-Graduação Saúde Coletiva com associação de IES com ampla AA da Universidade Estadual do Ceará, Universidade Federal do Ceará e Universidade de Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva.

Área de Concentração: Saúde Coletiva. Aprovada em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Dr. Renan Magalhães Montenegro Junior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________ Prof. Dr. Alcides Miranda da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) __________________________________________________

Prof. Dra. Ada Beatriz Gallicchio Kroef Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Jeovah de Andrade Meireles

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________ Dra. Maria Rocineide Ferreira da Silva

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Escrever agradecimentos em uma tese é curioso. É uma oportunidade de escrever com o coração, sem seguir uma regra estabelecida. Os agradecimentos não vão para o comitê de ética e não são avaliados por uma banca. Também não tem método, técnica, mas tem ética e confesso que escrevo com muito amor.

Faço um agradecimento rizomático. Um rizoma não tem começo, nem fim, tem linhas e aqui agradeci aqueles que traçaram linhas de fuga em minha vida.

Agradeço à meus pais, Firmino e Patrícia e minhas irmãs Paula e Luiza. Laços criados no início da vida são eternos. Atribuo o mérito da inspiração peripatética a eles. Passear, ir e vir conversando sempre fez parte de nossa vida. Nas caminhadas em Maringá, na fazenda e por muitos lugares lindos, muitas idéias surgiram ao caminhar.

A meu avô Cacá, minha avó Branca, tia Tuchinha, tio Mário. Muitas vezes quis desistir por pequenas coisas e no início, lá em ‘Macondo’, eles me ajudaram a

contar pedrinhas. Novamente a vida por ter me proporcionado o privilégio de conviver com esses avôs e tios maravilhosos.

Ao Lelê. Meu grande amor, parceiro, companheiro, amigo, namorado, marido. Agradeço ao Lelê por ser o Lelê. Por existir sendo o Lelê.

Dudu, Rejane pela amizade e apoio nesse caminhar do Ceará, longe do restante da família. Ao Vitor por ser mais uma renovação do amor.

Neta, Raimundo, Adriana, Luciene, Adriano pela amizade, lealdade e apoio sem o qual não escreveria uma linha.

Meus queridos residentes e todos que passaram e aprenderam com a Barra do Ceará.

Equipe do Lineu Jucá, companheiros de luta. São sete anos de convivência, trabalho e amizade. A minha equipe Rosa e Amarela com Silverlane, Francélio, Geyson, Atatian, Irene, Regina e Ana Meury.

Ao Renan por ter acreditado em mim, ter permitido que eu pensasse, criasse, buscasse algo novo.

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vida.

Felipe, Helena e Sofia. Não existe linha de fuga mais potente que ser mãe e fui abençoada com três figuras maravilhosas que fazem meus dias iluminados e desafiadores.

Ao Sol, José, Fidel, Josefina e Ernesto pelo devir-cachorro e sua lealdade infinita.

Aos membros da banca examinadora e das etapas de qualificação pela disponibilidade e cuidadosa análise.

A Zenaide pela atenção e permanente zelo conosco, discentes do doutorado.

A comunidade da Barra do Ceará, aos moradores do Morro São Thiago. A dona Eunice, sua enorme família. Ao Cabeção e sua vida conturbada. Ao Teteu e sua infância no Morro.

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O objetivo desta tese foi cartografar relações entre práticas de violência e acesso à saúde em território da Estratégia Saúde da Família. A pesquisa teve abordagem de natureza qualitativa e como método a cartografia. Na análise traçamos um rizoma com diário de campo, fotografias, material produzido pelas oficinas e a filosofia da diferença de Deleuze e Guattari. O território cartografado foi a Barra do Ceará, na periferia do município de Fortaleza (CE), particularmente o Morro São Thiago. Desterritorializou-se uma duna onde os jovens praticavam ‘surf na areia’ e

reterritorializou-se uma duna ocupada. Conceitos desse referencial nos guiaram: produção desejante, territórios existenciais, desterritorialização, reterritorialização, multiplicidades, acontecimentos, agenciamentos, devir, linhas de fuga, linhas de cristalização, rizoma, ritornelo, acesso, práticas de violência e distância crítica. Trabalhamos com oficinas. Optamos por uma trajetória epistemológica peripatética,

nômade: indo e vindo, conversando. ‘Subir’ o Morro é um devir, sempre um ir e vir.

As equipes de saúde da família traçaram desde sua chegada estratégias de reconhecer e marcar parcerias com recursos existentes na comunidade. Marcamos a apropriação por parte da comunidade de espaços institucionais, através da percepção e rompimento de campos de poder. Mesmo territórios sem livre acesso possuem linhas de fuga e se transformam continuamente. Barreiras ao acesso da equipe de saúde foram marcadas e rompidas através da criação de vínculos com a comunidade: linhas de fuga. Na desterritorialização e reterritorialização surgiram novas relações de conviver, compartilhar e também de poder. Na ausência do poder

do Estado outras relações surgiram na duna branca como em uma ‘tela em branco’.

A inserção em território marcado por práticas de violência necessita uma produção desejante. A não compreensão que somos variação vem perpetuando práticas de violência. A produção para romper tais barreiras, comportamentos previsíveis e identificáveis em um sistema molar é marcar a impermanência. A rigidez, os dualismos tornam as pessoas previsíveis em um mundo aparentemente óbvio e assim fica fácil manipula-las. O acesso à saúde nas Goiabeiras é constantemente construído, conturbado, demolido e reconstruído.

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The objective of this thesis is to map relationships between violence and access to health care practices in the territory of the Family Health Strategy. The research was qualitative approach and as a method mapping. In the analysis we draw a rhizome with a field diary, photographs, material produced by the workshops and the philosophy of difference of Deleuze and Guattari. The territory was charted Ceará bar on the outskirts of the city of Fortaleza (CE), particularly the hill São Thiago. A dune deterritorialized-where young people practiced 'surf in the sand' and a busy reterritorializou-dune. Concepts of this framework guided us: desiring production, existential territories, dispossession, repossession, multiplicities, events, assemblages, becoming, lines of flight, crystallization lines, rhizome, refrain, access, from violence and critical distance. We work with workshops. We chose a peripatetic epistemological trajectory, nomadic: coming and going, talking. 'Up' the hill is a becoming, always coming and going. The health teams drew family since his arrival strategies to recognize and mark partnerships with existing resources in the community. We set the appropriation by the community of institutional spaces, through perception and disruption of power fields. Even territories without free access have lines of flight and become continuously. Barriers to access health team were marked and broken by creating links with the community: lines of flight. In deterritorialization and reterritorialization emerged new relations to live, share and also power. In the absence of state power other relationships emerged in white dune like a 'blank canvas'. Insertion into territory marked by violence practices needs a desiring production. Failure to understand that we are variation has perpetuated violence practices. Production to break these barriers, predictable and identifiable behaviors in a molar system is to score impermanence. The stiffness of the dualisms become foreseeable people in a world seemingly obvious and so it is easy to manipulate them. Access to health care in Goiabeiras is constantly built, troubled, demolished and rebuilt.

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Figura 1 - Arborificação ... 44

Figura 2 - Rizoma ... 48

Figura 3 - Educação permanente: formação de médico de família e comunidade no território vivo ... 56

Figura 4 - Mapa do município de Fortaleza dividido em regionais administrativas ... 57

Figura 5 - Mapa da Barra do Ceará com área sob responsabilidade das equipes de saúde da Unidade Lineu Jucá e equipe amarela dividida em microáreas, em destaque ... 58

Figura 6 - Fotografia rio Ceará e Morro São Tiago ... 58

Figura 7 - Criança da Barra do Ceará brincando na praia ... 59

Figura 8 - Crianças da comunidade brincando no quintal ... 60

Figura 9 - Criança residente no Morro São Thiago ... 61

Figura 10 - O traçar da vida no território ... 61

Figura 11 - Barra do Ceará... 62

Figura 12 - Margem do rio Ceará: consultório de rua ... 63

Figura 13 - Crianças e adolescentes recepcionando equipe de saúde ... 64

Figura 14 - Chegando ao Morro: trabalhando com alegria ... 65

Figura 15 - Equipe de Saúde da Família subindo a rua São Thiago ... 65

Figura 16 - Trabalhando na comunidade: pausa para descansar ... 66

Figura 17 - Vista do oceano Atlantico do topo do Morro São Thiago ... 66

Figura 18 - Vista da ponte sobre o rio Ceará do alto do Morro São Thiago ... 67

Figura 19 - Visita ao Morro São Tiago com alunos do internato em saúde coletiva da Universidade Federal do Ceará e Universidade Estadual do Ceará ... 67

Figura 20 - Atendimento de emergência: Intersetorialidade com o SAMU ... 68

Figura 21 - Visita domiciliar a recém nascido e sua família ... 69

Figura 22 - Ir e vir pelas travessas do Morro ... 70

Figura 23 - Tarde no Morro São Thiago ... 70

Figura 24 - Mulheres de areia ... 71

Figura 25 - Lixo acumulado na comunidade: convivendo com o lixo ... 72

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Figura 29 - Desenhando caminhos com a escolinha de surf ... 75 Figura 30 - Ambulatório do adolescente no CUCA: promoção da saúde, acesso e integralidade e traçando vínculos ... 76 Figura 31 - Equipes saúde da família e CEPID integradas ... 77 Figura 32 - Integralidade e tecendo redes de cuidado: equipes de saúde da família e CEPID ... 78 Figura 33 - Fotografia da oficina de cartografia com profissionais de saúde ... 86 Figura 34 - Mapa do território sob-responsabilidade sanitária da UBS dividido em seis equipes de saúde da família ... 87 Figura 35 - Mapa da Barra do Ceará e pontos indicados pelos profissionais de saúde no mapa decalque ... 89 Figura 36 - Território identificado com maior número de mortes por homicídio91 Figura 37 –‘Fronteira’ entre territórios ... 92 Figura 38 - Mapa da Barra do Ceará cartografado pela equipe de saúde da UAPS com a divisão do território em sete equipes de saúde da família ... 94 Figura 39 - Fotografia da oficina de cartografia com profissionais de saúde ... 96 Figura 40 - Mapa da Barra do Ceará com locais de referência destacados através de recurso do programa Google Terra ... 99 Figura 41 Rua São Tiago da Barra (Morro São Thiago): onde vivem os Ratos

do Morro ... 101 Figura 42 - Mapa da Barra do Ceará com foco no Morro São Tiago e acesso ao

campo Beira Rio ... 101 Figura 43 - Caminhada realizada com os Ratos do Morro: máquinas desejantes .... 105 Figura 44 - Caminhada realizada com os Ratos do Morro na quarta oficina

realizada com o grupo ... 105 Figura 45 - Território nômade ... 110 Figura 46 - Passagem para acesso ao Morro, vigiada pelos dos ‘Ratos’ em

outubro de 2009 ... 113 Figura 47 - Passagem para acesso ao Morro, vigiada pelos dos ‘Ratos’ em

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gangues ... 116

Figura 50 - Atendimento na igreja evangélica no Morro São Thiago ... 117

Figura 51 - Visita das SACS a UECE ... 118

Figura 52 - Trabalhando com amor ... 119

Figura 53 - Pré Sacs: traçando o futuro ... 119

Figura 54 - Visita domiciliar no Morro São Thiago ... 121

Figura 55 - Atendimento na UAPS ... 122

Figura 56 - Trabalho na comunidade ... 122

Figura 57 - Fotografia da Barra do Ceará em 1993 ... 124

Figura 58 - Fotografia de satélite do Morro São Tiago em 2013 ... 124

Figura 59 - Desconstruções: comunidade ativa e produtora de vida ... 129

Figura 60 - Fotografia da pesquisadora subindo a duna que ‘divide’ o território dos Ratos do Morro e Diabos do Polo ... 131

Figura 61 - Estando na comunidade ... 132

Figura 62 - Um trabalho rizomático: momento em que desejo e percepção se confundiram ... 132

Figura 63 - Potência criativa no Morro São Thiago: Ritornelos ... 134

Figura 64 - Fotografia por satélite da Barra do Ceará ... 136

Figura 65 - Fotografia por satélite da Barra do Ceará com foco no Morro São Tiago ... 136

Figura 66 - Fotografia tirada pela pesquisadora em Florença (Itália): lembrança do Morro ... 139

Figura 67 - Desenho feito por criança de oito anos residente no Morro de São Tiago ... 142

Figura 68 - Máquinas desejantes onde tudo funciona ao mesmo tempo ... 144

Figura 69 - Quem quer sorvete? Os sentidos e sabores do devir-criança ... 145

Figura 70 - Visita de alunos da Universidade Estadual do Ceará ao Morro São Thiago ... 146

Figura 71 - Trabalho da equipe de saúde na comunidade das Goiabeiras ... 146

Figura 72 - Visita domiciliar da pesquisadora ao morro São Thiago: devir criança, sendo todo mundo ... 147

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Figura 75 - Devir todo-mundo, fazendo mundo através das sombras ... 149

Figura 76 - Criança do Morro São Thiago: a luz e as sombras do lixo ... 155

Figura 77 - Criança do Morro São Tiago: desafiando as sombras ... 155

Figura 78 – Demolindo e rebocando o acesso à saúde ... 156

Figura 79 - Atendimento a crianças na igreja evangélica no Morro São Thiago ... 157

Figura 80 - Equipe de saúde da família e crianças na Unidade de Atenção Primária à Saúde (UAPS) ... 158

Figura 81 - Acesso a moradia de Dali e sua família ... 158

Figura 82 - Trabalho da equipe para controle de ectoparasitoses na igreja evangélica no Morro São Thiago ... 159

Figura 83 - Evento pela cidadania no Morro São Thiago: devir-todo-mundo ... 160

Figura 84 - Dona Nicinha e Dali em atendimento na igreja evangélica no Morro São Tiago ... 161

Figura 85 - Equipe de saúde na comunidade: traçando vínculos ... 161

Figura 86 - Crianças do Morro São Thiago: ação comunitária ... 162

Figura 87 - Família de Romeu e Julieta chegando de um dia de trabalho ... 163

Figura 88 - Crianças no Morro São Thiago: máquinas desejantes ... 165

Figura 89 - Visita domiciliar a família de Dali: devir-criança, devir todo-mundo ... 166

Figura 90 - Romeu e um momento de desesperança ... 167

Figura 91 - Dali e crianças no Morro São Thiago ... 169

Figura 92 - Quintal da casa da família de Dali... 169

Figura 93 - Dali e Tatiana em março 2014, travessa Santiago da Barra ... 170

Figura 94 - Visita ao Morro São Tiago: desconstruções e construções ... 170

Figura 95 - Horizontes ... 171

Figura 96 - Devir criança ... 172

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ABS Atenção Básica à Saúde ACS Agente Comunitário de Saúde APS Atenção Primária à Saúde CAB Célula de Atenção Básica CEP Comitê de Ética em Pesquisa ESF Estratégia Saúde da Família

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística OMS Organização Mundial da Saúde

OPAS Organização Panamericana de Saúde PSF Programa Saúde da Família

SACS Sociedade das Adolescentes Cabeças SES Secretaria Estadual de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UBS Unidade Básica de Saúde

UAPS Unidade de Atenção Primária a Saúde CSF Centro e Saúde da Família

NASF Núcleo de Apoio a Saúde da Família UFC Universidade Federal do Ceará

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1 INTRODUÇÃO ... 14

1.1 Contextualização do tema, problemática e justificativa ... 14

2 OBJETIVOS ... 20

2.1 Objetivo geral... 20

2.2 Objetivos específicos ... 20

3 PERCURSO NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ... 21

3.1 O estado da arte ... 21

3.2 Determinação Social da Saúde ... 21

3.3 A Atenção Primária a Saúde e Sistema Único de Saúde ... 24

3.4 A Estratégia Saúde da Família ... 28

3.5 O território: traçando caminhos ... 31

3.6 Práticas de violência: De que estamos falando? ... 35

3.7 O método como questão ... 43

3.8 A filosofia da diferença ... 45

3.9 A Cartografia: traçando conceitos e territórios ... 49

3.10 Dispositivos para produção dos dados: traçando afetos e territórios ... 53

3.11 O cenário da pesquisa ... 55

3.12 Conceitos-guia ... 79

3.13 Oficinas de cartografia ... 81

3.14 As oficinas de cartografia com os profissionais de saúde: articulação de um pensamento rizomático ... 83

3.14.1 1ª Oficina com os profissionais de saúde: território e acesso à saúde ... 84

3.14.2 2ª Oficina com profissionais de saúde: diretrizes da estratégia saúde da família e acessibilidade no território ... 86

3.14.3 3ª Oficina com profissionais de saúde: riscos e vulnerabilidades no território das Goiabeiras ... 89

(14)

3.15 Oficinas de cartografia com os Ratos do Morro ... 96

3.15.1 1ª Oficina com os Ratos do Morro: singularidades e afetos ... 97

3.15.2 2ª Oficina com os Ratos do Morro: traçando caminhos e relações ... 99

3.15.3 3ª Oficina com os Ratos do Morro: saúde e acesso ... 102

3.15.4 4ª Oficina com os Ratos do Morro Passeio peripatético ... 103

3.16 Oficinas com os Diabos do Polo ... 106

3.16.1 1ª Oficina com os Diabos do Polo: compreendendo os Diabos do Polo e seu território ... 106

3.16.2 2ª Oficina com os Diabos do Polo: acesso à saúde ... 107

3.17 A análise da produção de dados ... 107

3.18 Inserção no território das Goiabeiras: “Nomadologia do Como” ... 109

3.19 Compreendendo o acesso na comunidade das Goiabeiras: o desafio da distância crítica ... 111

3.20 Inserção no território das Goiabeiras: da duna ao Morro ... 123

3.21 Inserção no território das Goiabeiras: Desconstruções ... 127

3.22 Compreendendo práticas de violência nas Goiabeiras ... 135

3.23 Acesso à comunidade: devires ... 143

3.24 Práticas de violência - Linhas de cristalização e o devir-poder ... 150

3.26 Determinação Social de Saúde e práticas de violência: rizomas no devir-saúde da família ... 153

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 173

5 ÉTICA EM PESQUISA ... 183

REFERÊNCIAS ... 184

APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ... 192

ANEXO A - PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA ... 195

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização do tema, problemática e justificativa

Estou também convencido de que não se pode render melhor homenagem à filosofia de Gilles Deleuze que utilizá-la para seus próprios fins, pô-la à prova com algum objeto novo e desconhecido, mesmo correndo o risco de que a prova e a ilustração manquem. (SHÉRER, 2005).

A produção dessa tese possibilitou diversos cortes e acontecimentos1. Cortes em minha vida pessoal, profissional, espiritual. De cada corte surgiram linhas de fuga diversas2. Não fui ouvinte de Deleuze. Apesar de ter vivido em tempos cronológicos simultâneos, em 1995, ocasião de sua morte, não tive a oportunidade de ouvi-lo. Nesse período estava ingressando na faculdade de medicina e não estava pronta a escutar a convocação incansável e quase imperceptível de um gesto subjacente a toda a filosofia da "disjunção inclusa", da "univocidade" e da "distribuição nômade": conceitos.

No percurso dessa tese marcamos muitos conceitos. Um conceito não é nem um tema, nem uma opinião particular pronunciada sobre um tema. Cada conceito participa de um ato de pensar que desloca o campo da inteligibilidade, modifica as condições do problema por nós colocado; não deixa, portanto, designar seu lugar num espaço de compreensão comum dado previamente.

Dois cortes merecem destaque nessa produção: acontecer Ursino em minha caminhada e ser apresentada a filosofia da diferença de Deleuze e Guattari. Ambos buscam sempre um diálogo entre conceitos, entre filósofos, amigos, estudantes e militantes. Muitos outros ocorreram em passado que foi presente e nessa introdução narro parte dessa caminhada.

Sou médica, graduada na Universidade Federal de Minas Gerais. Optei por enveredar-me pela Saúde da Família sem ter a percepção nítida que fazia

1 Iniciamos um dialogo com a filosofia de Gilles Deleuze e Felix Guattari que será marcada na produção dessa tese.

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também uma escolha ideológica. Dentre sonhos e devaneios da juventude, aos 24 anos desejava mudar o mundo. Questionava a formação predominantemente biomédica, o status médico, principalmente o distanciamento entre o médico e seus pacientes e o dualismo entre corpo e alma. Não conhecia o conceito de

agenciamento’. O agenciamento aparece para combater a idéia de uma forma preexistente que possa dominar o caos. Funciona descartando os dualismos, os binarismos, que se apresentam ao pensamento (SAIDÓN, 2008).

Deleuze e Guattari enfrentaram vários dualismos ao longo de sua obra. Os dualismos homem-mulher, histórico-eterno, adulto-criança, caos-ordem, racional-irracional, corpo-alma, são alguns que aparecem frequentemente. Nos textos de Deleuze e Guattari, surgiram outros: sedentário-nômade, corpo orgânico-corpo sem órgãos, linhas duras-linhas flexíveis, molar-molecular (SAIDÓN, 2008).

Ao pensarmos no controle da sociedade sobre os indivíduos, remetemos o poder dela sobre eles. A sociedade capitalista exerce seu poder também pelo corpo e inicia-se a partir deste. Ser médico nessa perspectiva tornava-me detentora de um poder opressor o qual eu não desejava.

O fato, porém, é que, pela capacidade que temos de nos afetar e afetar os outros, essa caminhada foi prazerosa, mas, não muito tranquila.

Compreendemos que sempre existirá uma multiplicidade de caminhos a serem traçados, desterritorializados3 e reterritorializados4 e cada pessoa vai traçando agenciamentos com o que acredita ser possível de desenhar e assumir na vida.

Minha visão geral sobre a temática que nos propomos a pesquisar, isto é, a saúde, o acesso a ela, as práticas de violência, as iniquidades era ingênua, embora curiosa. Não havia sido apresentada a Foucault, mas de maneira intuitiva já compartilhava a reflexão:

3 A função de desterritorialização é o movimento pelo qual se deixa o território. O termo "desterritorialização", neologismo surgido no Anti-Édipo, desde então se difundiu amplamente nas ciências humanas. Mas ele não forma por si só um conceito, e sua significação permanece vaga enquanto não e referido a três outros elementos: território, terra e reterritorialização.

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O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-politica. (FOUCAULT, 2012)

Fui residente em Medicina Geral e Comunitária em 2000. Após concluir a residência, iniciei minha prática médica no interior de Minas Gerais, minha terra natal, no município de Araxá e, posteriormente, em Patos de Minas, com populações estimadas pelo IBGE em 2012 de respectivamente 95.988 e 140.950. Ambos os municípios localizados na região do Alto do Paranaíba.

Por caprichos do destino (ou na linguagem da ciência, por fatores empíricos não esclarecidos ou elucidados) eu e parte da minha família5 viemos para

o Ceará com o ‘aparentemente claro objetivo’ de colaborar na implantação do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade do Sistema Municipal de Saúde Escola de Fortaleza (SMSE). Desterritorializamos o interior de Minas Gerais para reterritorializar o Ceará através de linha de fuga que nos permitiu ultrapassar limiares, rumo ao desconhecido, ao inesperado (DELEUZE; GUATTARI, 1996).

Alguns desencontros marcaram esse percurso, mas eles não deram conta de destituir o rizoma6 que se formava. O rizoma diz ao mesmo tempo: nada de ponto de origem ou de princípio primordial comandando todo o pensamento; portanto, nada de avanço significativo que não se faça por bifurcação, encontro imprevisível, reavaliação do conjunto a partir de um ângulo inédito (DELEUZE; GUATTARI, 1996).

Como desconsiderar os pontos de origem se “tínhamos uma árvore plantada na cabeça?”7 Que palavras, enunciados dariam conta de expressar o

significado de tudo que se construía e se transformava naqueles momentos? Foi dali

5 Viemos para o Ceará: eu, meu marido e também médico de família e comunidade, meus filhos Felipe e Helena com 8 meses e 2 anos, Sofia ainda ‘um anjo’ e nossos cachorros Sol, Silvia e José

6 Esse conceito, provavelmente o mais famoso de Deleuze e Guattari: uma nova imagem do

pensamento destinada a combater o privilégio secular da árvore que desfigura o ato de pensar e dele nos desvia.

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que começamos a entender que outros verbos e conceitos precisavam ser colocados em movimento.

Estar na Estratégia Saúde da Família (ESF) nos convidada a traçar atitudes diferentes de muito do que tinhamos aprendido nos anos de graduação em medicina. Sem dúvida, uma outra língua, ainda pouco escutada, mas que se expressava no entremeio do vivido, vivenciado e marca a potencialidades a serem desenhadas.

Nunca desejamos8 só uma coisa, desejamos9 sempre uma multiplicidade de coisas. Nessa concepção o desejo, tal como o poder na visão foulcautiana, traça territórios e compreende uma série de agenciamentos10 (HAESBAERT, 2006). Em terras cearenses passamos por período de adaptação, de absorção da cultura, da

‘língua’, do ‘ser cearense’. O gosto do pão de queijo e o friozinho das montanhas demoraram a dividir seu espaço.

A questão é que saímos de Minas a procura de um sonho e desde então vivemos cada dia. Viver é traçar agenciamentos?

Em 2007, quando assumi a tarefa de atuar como médica de família e comunidade e preceptora do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade (PRMFC) na Barra do Ceará, não tinha noção que isso acarretaria enorme mudança em minha maneira de ver o mundo.

Fiz o mestrado em 2008 tendo como tema de dissertação “As necessidades educacionais percebidas pelos profissionais da Estratégia Saúde da

família” e tendo como orientador o Professor Alcides Miranda da Silva, hoje um

8 Segundo Campos (2000), o desejo refere-se ao inconsciente, e a sua manifestação ocorre independente da existência de projetos e meios racionais considerados necessários à sua realização. O desejo não se recorta segundo noções de conveniência ou de cultura e transcende limites sociais e referencias históricas. Dialogando com Deleuze e Guattari (1976) , Campos (2000) reflete que ainda quando se admita que o desejo seja produzido por processos internos (de origem instintiva) e intersubjetivos (pulsões conformadas pelas relações familiares, introjeções de valores, etc.), uma vez constituído como desejo, tende a operar como força pulsional, com grande autonomia sobre o mundo externo

9 O desejo cria a possibilidade de produção, criação, invenção de modos e formas vitais. Tudo o que existe é assim produzido. Essa concepção de desejo vai contra o proposto pela Psicanálise, que preconiza-o como algo reprimido e recalcado, proveniente do inconsciente, que, por sua vez, é dominado pela tríade Pai-Mãe-Filho, o Complexo de Édipo e a Castração.

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grande amigo. Naquele momento, cristalizando entre dois pontos: pesquisa quantitativa ou pesquisa qualitativa, meu orientador foi uma linha de fuga: “Não

pensem nisso, o método é só um caminho...”

Estive como professora substituta da Universidade Estadual do Ceará (UECE) no curso de medicina, no período de 2012 a 2014, lecionando “práticas em saúde da família” e coordenando o estágio internato em saúde coletiva, ambos com inserção no território da ESF.

A verdade é que não lembro o dia, a semana ou o mês em que foi escrita a primeira frase dessa tese. Entretanto, refletindo sobre minha trajetória e o momento atual, relembro o impacto que me causaram as primeiras experiências vividas no Morro São Thiago. Elas foram tal e qual a poderosa ficção de Gabriel Garcia Marquez:

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliando Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou a conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfamas que precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. (MARQUEZ, 2011).

Vivenciei um processo chamado por Deleuze e Guattari de desterritorialização. Esta se refere ao pensamento, à criação. Para Deleuze e Guattari, o pensamento se faz no processo de desterritorialização. Pensar é desterritorializar e esses só são possíveis na criação. Para criar algo novo é necessário romper com o território existente, sair da “zona de conforto” e traçar novos territórios (DELEUZE; GUATTARI, 1997). Foram traçados novos agenciamentos, novos encontros, novas funções e novos arranjos em minha vida pessoal, espiritual e no trabalho.

O meu interesse em pesquisar ‘práticas de violência’ e ‘acesso à saúde’

deve-se à inserção destes conceitos em minha vida, em minha práxis como médica de família e comunidade.

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histórico-social influenciam o processo de trabalho e as necessidades de educação em saúde percebidas pelos profissionais de saúde (FIUZA et al., 2001; MATOS et al., 2013).

As práticas de violência não devem ser estudadas fora da sociedade que as gera, porque ela se nutre de fatos políticos, econômicos e culturais, traduzidos nas relações micro e macrossociais. Assim, buscaremos a inteligibilidade desse fenômeno considerando-o de forma complexa.

Situei-me como pesquisadora mergulhada “até a alma” com uma

problemática ampla que abrangia meu compromisso ético como médica de indagar-me como agir naquelas situações em que as pessoas se apresentam com uma vida tão vulnerável. Entretanto, definimos a seguinte questão de partida: Como as pessoas da comunidade da Barra do Ceará vivenciam as práticas de violência? Quais suas relações com o acesso à saúde nesse território?

E então acrescentamos os questionamentos: que viesses carregamos nessa produção? A de quem quer re- pensar mapas de uma cidade menos inequanime? A de mãe que sonha com um mundo melhor para seus filhos? A de profissional, especialista em medicina de família e comunidade, que adquiriu a expertise pelas vivências na comunidade, na unidade de saúde em meio a tantos territórios que se produzem, reproduzem e reterritorializam? A pesquisadora que tem se dedicado a esse tema, partindo do entendimento que há um novo jeito de pesquisar?

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2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

- Cartografar relações de práticas de violência e acesso à saúde em território da Estratégia Saúde da Família.

2.2 Objetivos específicos

- Traçar práticas de violência em território da ESF marcando sua relação com a vida de pessoas da comunidade.

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3 PERCURSO NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

3.1 O estado da arte

Este trabalho emerge de inquietações suscitadas por nossa vivência em locais distintos como médica de família e comunidade, trabalhadora da Estratégia Saúde da Família, preceptora e professora, no contexto das políticas e processos de construção histórica do SUS. Tais inquietações estão relacionadas aos dilemas e desafios de uma estratégia para atenção no nível primário enfrentados dos pequenos aos grandes centros na sua implantação e desenvolvimento. Torna-se necessário então realizar pesquisas contextualizadas que aprofundem essas questões por meio de uma abordagem metodológica que traga contribuições no nível da macro e micropolítica.

3.2 Determinação Social da Saúde

O tema dos Determinantes Sociais de Saúde não é novo e nem restrito a uma determinada região. Vem sendo tratado por diferentes culturas no decorrer da história da humanidade (VILLAR, 2007).

As diversas definições de determinantes sociais de saúde (DSS) expressam, com maior ou menor nível de detalhe, o conceito atualmente bastante generalizado de que as condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população estão relacionadas com sua situação de saúde.

A Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) define os DSS como fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população.

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Embora, tenha-se hoje alcançado certo consenso sobre a importância dos DSS na situação de saúde, esse consenso foi construído ao longo da história.

O conflito entre saúde pública e medicina e entre os enfoques biológico e social do processo saúde-doença estiveram no centro desse debate sobre a configuração da saúde pública, campo de conhecimento e de prática.

Entre os paradigmas explicativos para os problemas de saúde, até meados do século XIX predominava a teoria miasmática, que conseguia responder às importantes mudanças sociais e práticas de saúde observadas no âmbito dos novos processos de urbanização e industrialização ocorridos naquele momento histórico. Estudos sobre a contaminação da água e dos alimentos, assim como sobre riscos ocupacionais, trouxeram importante reforço para o conceito de miasma e para as ações de saúde pública (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007).

Apesar da preponderância do enfoque médico biológico na conformação inicial da saúde pública como campo científico, em detrimento dos enfoques sociopolíticos e ambientais, observa-se, ao longo do século XIX, uma permanente tensão entre essas abordagens.

No final do século XIX, os trabalhos de Koch e Pasteur, afirma-se um novo paradigma para a explicação do processo saúde-doença: o bacteriológico (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). Muitos autores consideram que o formidável avanço na fisiologia, patologia, bacteriologia, devidos principalmente a Claude Bernard, Rudolf Virchow, Louis Pasteur e Robert Koch teria dispensado o conhecimento sobre a vertente social e política da saúde (ALMEIDA FILHO, 2003).

Nesse mesmo período, Rudolf Virchow (1821-1902) estudou e escreveu sobre os determinantes sociais da doença e sua relação com questões políticas (VILLAR, 2007).

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subordinada às ciências básicas da área médica, como a parasitologia e a microbiologia (ALMEIDA FILHO, 2003).

A história da criação da primeira escola de saúde pública nos Estados Unidos, proposta pela Fundação Rockefeller, na Universidade John Hopkins, em

1913 é um exemplo do processo de afirmação da hegemonia do “paradigma

biomédico”. Hopkins foi escolhida pela excelência de sua escola de medicina, de seu

hospital e de seu corpo de pesquisadores médicos. Esta decisão representou o predomínio do conceito da saúde pública orientada ao controle de doenças específicas, fundamentada no conhecimento científico baseado na bacteriologia e

contribuiu para “estreitar” o foco da saúde pública, que passa a distanciar-se das questões políticas e dos esforços por reformas sociais e sanitárias de caráter mais amplo. A influência desse processo e do modelo por ele gerado não se limita à escola de saúde pública de Hopkins, estendendo-se por todo o país e internacionalmente (ALMEIDA FILHO, 2003).

A “medicina científica” consolida no final do século XIX uma duradoura

hegemonia como substrato conceitual da saúde. Este processo teve seu clímax no relatório escrito por Abraham Flexner, que preconizava um enfoque na formação médica exclusiva com bases científicas e laboratoriais.

A crise econômica mundial de 1929 precipitou uma crise da medicina científica na década seguinte. O avanço tecnológico e a tendência a especialização da prática médica provocaram uma redução de seu alcance social, além de elevação dos custos e finalmente a elitização da assistência à saúde. Isso ocorreu justamente quando o sistema econômico e político capitalista em crise mais necessitavam da saúde enquanto mecanismo de controle social (ALMEIDA FILHO, 2003).

Neste cenário redescobre-se o caráter social e cultural do processo saúde-doença e da medicina.

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fundamental dos indivíduos, antecedendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Determinou a função da OMS em colaboração com os países membros em promover a melhoria da nutrição, saneamento, lazer, habitação, condições econômicas e outros aspectos da saúde ambiental11 (VILLAR, 2007).

A Conferência de Alma-Ata, no final dos anos 70, e as atividades

inspiradas no lema “Saúde para todos no ano 2000” recolocam em destaque o tema dos determinantes sociais (VILLAR, 2007).

Na década de 80, o predomínio do enfoque da saúde como um bem privado desloca novamente o pêndulo para uma concepção centrada na assistência médica individual. Para Buss, nos anos 1980, os aspectos sociais da saúde teriam sido eclipsados por dimensões técnicas tanto em nível da incorporação de inovações e tecnologia como de planejamento e organização da atenção em saúde ou da assistência médica (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007).

Nas últimas décadas observa-se um extraordinário avanço no estudo das relações entre a maneira como se organiza e se desenvolve uma determinada sociedade e a situação de saúde de sua população (ALMEIDA FILHO, 2003). Com o debate avança-se com as Metas do Milênio, novamente dá lugar a uma ênfase nos determinantes sociais que se afirma com a criação da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde da OMS, em 2005.

O recente reaparecimento do tema vincula-se à constatação dos efeitos perversos do modelo neoliberal de desenvolvimento que, implantado de maneira hegemônica, desde os anos 1980, teria aumentado iniquidades em saúde, fazendo reaparecer a preocupação com justiça social.

3.3 A Atenção Primária a Saúde e Sistema Único de Saúde

Ainda hoje existem discordâncias sobre as diversas utilizações da terminologia atenção primária e atenção básica. Essa discordância ocorrenão só em textos oficiais, mas também em textos acadêmicos, nos quais atenção básica e

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atenção primária são tratadas como sinônimos ou como conteúdos específicos. Antes da questão semântica, essa discussão parece incorporar um grande viés ideológico. Opto pelo não polemização desse ponto. Nesse trabalho, ambas serão tratadas como sinônimos.

Na década de 1970, mais precisamente em 1978, realizou-se a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde na cidade de Alma-Ata, na antiga URSS12. A realização dessa conferência consolidou o processo de repensar as práticas de saúde como política pública na nossa cultura ocidental.

Segundo a declaração oficial da Conferência de Alma-Atá, a Atenção Primária de Saúde (APS) é fundamentalmente a assistência sanitária posta ao alcance de todos os indivíduos e famílias da comunidade, com plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam suportar.

Os princípios da Atenção Primária à Saúde foram definidos formalmente na Conferência realizada em Alma Ata, em 1978, e confirmados pela Assembléia Mundial de Saúde, em 1979, como:

[...] a atenção essencial à Saúde, baseada em métodos práticos, cientificamente evidentes e socialmente aceitos e em tecnologias tornadas acessíveis à indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis e a um custo que as comunidades e os países possam suportar, independente de seu estágio de desenvolvimento, num espírito de autoconfiança e determinação. A atenção primária é parte integral do sistema de serviços de Saúde do qual representa sua função central e o primeiro foco de desenvolvimento econômico e social da comunidade. É um tipo de atenção que constitui o primeiro contato de indivíduos, famílias e comunidade com o sistema nacional de Saúde, trazendo os serviços de Saúde, o mais próximo possível, aos lugares de vida e trabalho das pessoas e constitui o primeiro elemento de um processo contínuo de atenção.(STARFIELD, 1998).

Com base em trabalhos como os de Starfield (2002) e de Andrade et. al (2006), interpreta-se hoje a APS como o nível de um sistema de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas. A APS fornece atenção integral à pessoa (não somente à enfermidade) no decorrer do tempo, coordena e integra a atenção à saúde. Pode ser compreendida como uma tendência de se inverter a priorização das ações de saúde, de uma abordagem

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curativa, desintegrada e centrada no papel hegemônico do médico para uma abordagem preventiva e promocional, integrada com outros níveis de atenção e construída de forma coletiva com outros profissionais de saúde (STARFIELD, 2002; ANDRADE et al, 2006)

Atualmente, quatro características têm sido apresentadas como “próprias”

da atenção primária: primeiro contato, longitudinalidade, abrangência do cuidado e coordenação. Dessas características derivam três aspectos adicionais que são a centralização na família, a competência cultural e a orientação comunitária (STARFIELD, 1998).

Em 2005, a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) publicou o documento Renovação da Atenção Primária nas Américas. Este texto define um espectro de ‘valores, princípios e elementos essenciais’ de um sistema baseado na

APS. No texto, a OPAS define um sistema de saúde baseado em APS como um enfoque amplo para organização e operacionalização de sistemas de saúde que fazem do direito ao nível de saúde seu principal objetivo, maximizando a equidade e a solidariedade (ANDRADE et al, 2006).

No Brasil, no final da década de 1980 e início da década de 1990, a redemocratização apresentou um cenário de reforma caracterizando-se pelo ajuste fiscal para combater o crescimento do déficit público, em um período marcado pelo declínio do crescimento econômico, aumento do desemprego, mudanças demográficas e epidemiológicas relevantes e pela inserção do país no processo de globalização (MACHADO, 2009). O novo contexto impulsionou diferentes modos de alterar a estrutura e operacionalização do Estado nacional e de suas políticas sociais, em especial na área da saúde.

Em 1988 foi promulgada a nova Constituição do Brasil e em seu texto, no Capítulo VIII da Ordem Social e na Secção II referente à saúde define que:

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Em 1990 0 governo editou as Leis Orgânicas da Saúde, 8.080 e 8.142 regulamentando o SUS criado pela constituição de 1988 (ROSEMBERG, 2013).

A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da década de 1990 no Brasil, representou uma importante etapa na organização do sistema e serviços de saúde no país. A idealização, construção e implementação do SUS (ainda hoje em processo) nos leva a destacar a importância da mediação social na defesa de um modelo teórico sempre atualizado pelo compromisso crítico da análise social13.

O SUS e sua implementação vem enfrentando grandes desafios. É necessário ampliar a cobertura e melhorar a qualidade da atenção básica, especialmente através da Estratégia Saúde da Família; ampliar o acesso a média e alta complexidade, a coordenação da referência entre os serviços, construção de uma rede de saúde e a assistência farmacêutica. O enfrentamento desses problemas exige ações estruturais de médio e longo prazo que deêm conta de enfrentar uma herança histórica brasileira que impediu o reconhecimento dos direitos de grande parte da população, sendo um exemplo o direito à Saúde.

Mesmo que os desafios do SUS exijam longo prazo para serem vencidos, são fundamentais ações atuais para construir novas práticas e contextos e esse é o objetivo do Pacto pela Saúde14, contribuindo em questões que ainda são entraves na implementação e funcionamento do SUS.

O processo de implantação do SUS caminhou pari passu à adoção de medidas governamentais voltadas para o fortalecimento da atenção básica, entendida pelo Ministério da Saúde como um conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e reabilitação. (BRASIL, 2006).

A Atenção Básica deve ser desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, do trabalho em equipe,

13 O tema da mediação nas ciências sociais ganha relevância à medida que os pesquisadores são desafiados a descrever e explicar as modalidades de ação e reprodução de políticas em contextos sociais crescentemente complexos.

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dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade inerente a cada território em que vivem essas populações. (BRASIL, 2012).

3.4 A Estratégia Saúde da Família

O Programa de Saúde da Família (PSF) nasceu em 1994 mediante a decisão política de reorganizar a rede de assistência à saúde, direcionando-a para a universalização, integralidade, expansão do acesso da população à APS e equidade. Diretrizes como a acessibilidade, a resolutividade, a regionalização, a descentralização, a coordenação e a longitudinalidade do cuidado em saúde foram incorporadas ao PSF. (RIBEIRO, 2008).

Andrade, Barreto e Bezerra (2006), definem a Estratégia de Saúde da Família como um modelo de APS, operacionalizado mediante estratégias/ações preventivas, promocionais, de recuperação, reabilitação e cuidados paliativos das equipes de saúde da família, comprometidas com a integralidade da assistência à saúde, focado na unidade familiar e consistente com o contexto socioeconômico, cultural e epidemiológico da comunidade pela qual possui responsabilidade sanitária. (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006)

A Portaria 648/GM de 28 de março de 2006 aprovou a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica e para a Estratégia Saúde da Família (ESF). Também considerou a expansão do Programa Saúde da Família (PSF), consolidando-o como estratégia prioritária para reorganização da atenção básica no Brasil. Refletiu também a transformação do PSF em uma estratégia15 de abrangência nacional que demonstrava (e ainda demonstra) necessidades de adequação de suas normas, em virtude de experiências acumuladas nos diversos estados e municípios brasileiros. (BRASIL, 2006).

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A Portaria 2.488 de 21 de Outubro de 2012 definiu e dispôs sobre princípios, diretrizes gerais e funções nas Redes no SUS; responsabilidades de todas as esferas de governo; infraestrutura e sistema logístico para o funcionamento; processo de trabalho e atribuições dos profissionais das equipes. Essa portaria também abordou a educação Permanente e Apoio Institucional, bem como as especificidades de cada estratégica (Estrategia Saúde da Família, Programa de Agentes Comunitários de Saúde, Equipes de Saúde Bucal, Núcleo de Apoio a Saúde da Família, Programa Saúde na Escola e populações específicas. (BRASIL, 2012).

O Decreto 7508, de 26 de junho de 2011 e a Portaria 4279, de 30 de dezembro de 2010 definem que a ESF tem como funções nas redes de saúde:

Ser base: ser a modalidade de atenção e de serviço de saúde com o mais elevado grau de descentralização e capilaridade, cuja participação no cuidado se faz sempre necessária; ser resolutiva: identificar riscos, necessidades e demandas de saúde, utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de construir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente efetivas, na perspectiva de ampliação dos graus de autonomia dos indivíduos e grupos sociais; coordenar o cuidado: elaborar, acompanhar e gerir projetos terapêuticos singulares bem como acompanhar e organizar o fluxo dos usuários entre os pontos de atenção das RAS; ordenar as redes: reconhecer as necessidades de saúde da população sob sua responsabilidade, organizando as necessidades desta população em relação aos outros pontos de atenção à saúde, contribuindo para que a programação dos serviços de saúde parta das necessidades de saúde dos usuários. (BRASIL, 2012).

O trabalho em equipe que se busca efetivar na ESF é expressão da troca de experiências e conhecimentos entre os diferentes profissionais da área da saúde e destes com o saber popular do Agente Comunitário de Saúde em um território vivo e dinâmico. As equipes são compostas, no mínimo, por um médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde. O número de ACS deve ser suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família, não ultrapassando o limite máximo recomendado de pessoas por equipe. (BRASIL, 2012).

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Em média, cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de 3 a 4 mil pessoas ou de mil famílias de uma determinada área. As pessoas passam também a ter co-responsabilidade no cuidado à sua saúde.

A atuação das equipes ocorre principalmente nas unidades básicas de saúde, nas residências, no território e na mobilização da comunidade, caracterizando-se: como porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde; por ter território definido, com uma população delimitada, sob a sua responsabilidade; por intervir sobre os fatores de risco aos qual a comunidade está exposta; por prestar assistência integral, permanente e de qualidade; por realizar atividades de educação e promoção da saúde.

A ESF, desde a sua implementação, apresentou momentos distintos, em si considerando diversas características: cobertura populacional, regiões, porte dos municípios, organização dos serviços, etc. (RIBEIRO, 2008).

Implantada inicialmente como um programa16, a saúde da família assumiu posição de estratégia que visa à reorganização da Atenção Básica no País, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde, e é tida pelo Ministério da Saúde e gestores estaduais e municipais, representados respectivamente pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), como estratégia de expansão, qualificação e consolidação da Atenção Básica por favorecer uma reorientação do processo de trabalho com maior potencial de aprofundar os princípios, diretrizes e fundamentos da atenção básica, de ampliar a resolutividade e impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades, além de propiciar uma importante relação custo-efetividade. (RIBEIRO, 2008).

Devido principalmente a um incentivo financeiro diferenciado (Piso Assistencial Básico Variado) houve um incremento na adesão dos municípios ao Programa Saúde da Família (ou ESF). Este incentivo proporcionou e incentivou uma expansão significativa da cobertura populacional da ESF. A cobertura populacional

16Um programa, segundo Mario Testa, consiste em um ordenamento de recursos que têm um destino

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passou de 1% em 1994 para 46,2% em 2007 e mais de 94% em 2014. (RIBEIRO, 2009; BRASIL 2012).

Considerando o porte populacional dos municípios, inicialmente a ESF foi implantada preferencialmente naqueles menores, com posterior tendência de expansão para municípios de médio e grande porte, sendo atualmente incorporada pelas grandes metrópoles (RIBEIRO, 2008). A incorporação e expansão da ESF em grandes metrópoles geraram novos desafios, destacando o trabalho das equipes em periferias com elevada densidade populacional, favelização e práticas de violência. (FIUZA et al, 2011).

A ESF, quando concebida em integração com o conjunto da rede de cuidados dos municípios, busca combinar a extensão da cobertura dos serviços de saúde com qualidade dos serviços prestados ao conjunto da população brasileira.

Para avaliar a qualidade faz-se necessário monitorar as ações desenvolvidas pelas Equipes de Saúde da Família e a implementação de metodologias de planejamento, programação e avaliação sistemática e permanente, visando verificar as mudanças ocorridas no modelo de Atenção Primária à Saúde. (RIBEIRO, 2009).

Os desafios são enormes e não devem ser colocados de lado nas reflexões sobre a consolidação da ESF.

A dimensão geográfica continental do Brasil, a grande diversidade cultural e a profunda desigualdade socioeconômica, especialmente demonstrada em indicadores de Saúde, representam desafios enormes para uma política que busca a universalidade de acesso aos serviços de Saúde, integralidade e superação das profundas iniquidades de acesso e qualidade da atenção.

3.5 O território: traçando caminhos

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substrato territorial já vem sendo utilizada por distintas iniciativas no âmbito do SUS, como a Estratégia Saúde da Família, a Vigilância em Saúde, a proposta dos municípios/cidades saudáveis e a própria descentralização prevista na Constituição Federal. (SANTOS; RIGOTTO, 2011).

O termo território foi incorporado às definições teóricas e normativas da Atenção Básica e da ESF. Entretanto, cada território é um universo em si. Nenhum local é completamente idêntico a outro e um mesmo local sofre permanentes modificações com o passar do tempo.

O conceito de território apresenta significados distintos ao longo da história. Não há como compreender o território sem o seu uso, isto é: como território vivo. Assim, ele é sinônimo de espaço constituído por vários domínios: geografia, economia, política e cultura; reflete cada momento histórico e resulta de alterações do meio natural realizadas pelo homem por intermédio da técnica. O espaço geográfico é um sistema indissociável de ações humanas e fatos materiais. (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

Esse território onde se estabeleceu uma relação sociedade-natureza, respeitando e desrespeitando os limites e as potencialidades locais, alicerça os problemas sócio-históricos; como também a história de luta, a mobilização e o envolvimento dos agentes locais no enfrentamento e na conquista dos direitos de cidadania. No território capitalístico

Existe um imperativo territorial na produção de educação, saúde e cultura. Tal imperativo se consolida na vivência das equipes de saúde da família. Se a saúde é geograficamente condicionada, as características do território se refletem nos modos como aquela é produzida. (SILVEIRA, 2009).

Entendemos os conceitos de “território” e “comunidade” como noções

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O território das Goiabeiras não deve ser visto apenas na dimensão do espaço físico, que abriga camadas populares, mas deve resgatar fatos, histórias e práticas do cotidiano das comunidades. Nesta pesquisa tendo como intercessores Deleuze e Guattari, acrescentamos algo novo ao significado de território:

[...] a terra deixa de ser terra, e tende a tornar-se simples solo ou suporte da territorialização e dos conteúdos sociais, um processo composto de significações elaboradas pelas práticas humanas. O território é de fato um ato, que afeta os meios e os ritmos que o “territorializa”, um produto de uma territorialização dos meios e dos ritmos. A territorialização é o ato do ritmo tornado expressivo, ou dos componentes de meios tornados qualitativos. [...] O território não só assegura e regula a coexistência dos membros de uma mesma espécie, separando-os, mas torna possível a coexistência de um máximo de espécies diferentes num mesmo meio, especializando-os. Ao mesmo tempo em que membros de uma espécie compõem personagens rítmicos e que as espécies diversas compõem paisagens melódicas, as paisagens vão sendo povoados por personagens e estes vão pertencendo a paisagem. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 128).

O conceito de comunidade reflete um modo de “interagir segundo

padrões do lugar, de sua história, tradição, costume, valores, moral, etc. É um arranjo particular do cotidiano da sociedade.” (GÓIS, 2008).

Propomos neste trabalho extrapolar o território normativo e incorrer em pensamentos sobre um território dinâmico, cheio de relações e de vida e os movimentos de desterritorialização e reterritorialização.

Falar em territorialização nos leva obrigatoriamente à obra dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari. A territorialização para esses autores remete ao traçar do território existencial. Essa ocorre através de agenciamentos, ou seja, encontros, desencontros, reencontros, fusões, conexões. Os agenciamentos são assim, moldados nos movimentos simultaneos de desterritorialização e reterritorialização. A desterritorialização e a reterritorialização complementam-se e coexistem no tempo/espaço, sendo processos indissociáveis. Sempre o par, em relação. (HAESBAERT, 2006). Esse território existencial não está relacionada a igualdade e desigualdade.

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indicativo de prestígio,simulando uma mobilidade social e reproduzindo uma variada gama de formas de controle. (KROEF, 2010).

Os agenciamentos extrapolam o espaço geográfico e para sua compreensão pressupõem-se a não dicotomização entre natureza e sociedade. Por esse motivo, o conceito de território de Deleuze e Guattari é amplo, pois, como tudo pode ser agenciado, tudo pode também ser desterritorializado e reterritorializado.

Entender que no território existirão sempre vetores de saída e que não há saída deste território sem a possibilidade de um novo processo de se entrar, seguindo o movimento de territorializar, desterritorializar, reterritorializar é algo entendido como primordial para alguns autores. (HAESBERT, 2006).

É nesse território que se constitui uma diversidade de forças produtoras de emaranhado de relações; também a questão dos poderes processados em meio ao que acontece nas vivências territoriais.

A partir de novos questionamentos sobre o conceito de desenvolvimento, território usado e o papel do Estado vêm emergindo um debate sobre saúde e desenvolvimento, baseado na indagação a respeito dos conflitos políticos e ideológicos gerados ao separar a política econômica, voltada para o complexo econômico industrial da saúde, e a política social, voltada para proteção social em saúde.

Na filosofia da diferença o conceito de território não se limita apenas à produção de bens e serviços (dentre eles a atenção à saúde), a produção material, envolvendo processos que não se reduzem apenas ao território capitalistico, no sentido que envolve a produção, distribuição e consumo das riquezas em territórios captalisticos. (SILVA, 2012).

Neste sentido, a distinção é consumida enquanto comportamentos e posturas associados a um produto/mercadoria. Atualmente, o capitalismo, não é mais orientado para a produção, mas dirigido para o produto, isto é, para a venda ou para o mercado. Assim, controle e lucro são sustentados pela noção de igualdade/ identidade/semelhança e expandidos pelo fomento às distinções. Já, a diferença,relacionada aos processos criativos, indica possibilidades de ruptura. (KROEF, 2010)

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processos históricos, com a dinâmica da comunidade e com a constante transformação do território processo. Concordamos com Santos (1994):

O Território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência. (SANTOS, 1994).

3.6 Práticas de violência: De que estamos falando?

No Brasil, o debate sobre práticas de violência ganhou força há cerca de quatro décadas e foi suscitado pela esquerda e pelos primeiros defensores de direitos humanos.

Compreendemos que essas práticas foram historicamente construídas em um Brasil ex-colônia portuguesa, cujas bases socioeconômicas e políticas repousaram na grande propriedade rural, monocultura e exploração extensiva da força de trabalho escrava, alimentada pelo tráfico internacional de negros forçosamente desenraizados.

No final da ditadura militar, embora as práticas de violência fossem um fenômeno endêmico na sociedade brasileira, sua visibilidade ganhou foro público durante a transição da ditadura para a democracia. O fim do regime autoritário havia deixado mostras de que a violência institucional sob a forma de arbítrio do Estado contra a dissidência política não se restringia à vigência do regime de exceção. Há muito, desde os primórdios da República, trabalhadores urbanos pobres eram vistos

e tratados como ‘classes perigosas e passíveis de rígido controle social. (ADORNO, 2002).

Ao optarmos por problematizar práticas de violência e suas relações com o acesso á saúde no território Barra do Ceará (Goiabeiras) compreendemos que nesse território se constitui uma diversidade de forças formadoras de um emaranhado de relações e de poderes perpassados em meio ao que acontece nas vivências territoriais.

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orientações, direções, entradas e saídas.” É daí também que se extrai o pensamento

de que indivíduos ou coletivos são feitos de linhas, de naturezas bem distintas. (DELEUZE; PARNET, 1998).

A palavra violência vem do latim e significa: 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, à vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito. (MINAYO, 2011).

Uma análise consistente não pode pretender dar conta do conceito de práticas de violência reduzindo-a simplesmente a um determinado fator causal. A elaboração conceitual de violência é um exercício intelectual difícil, as dificuldades provêm do fato de se tratar de um fenômeno da ordem do vivido.

Estudar esse emaranhado de linhas, a complexidade de relações que se estabelecem tem ligação com o entendimento da micropolítica que opera nos territórios, nos espaços de práticas de violência e produções na ESF.

Se a dificuldade de definição é bastante grande, muito dificilmente se consegue uma conceitualização suficientemente abrangente, muito mais complicado é interpretar a causalidade da violência. A interpretação de sua pluricausalidade é um dos problemas principais que a abordagem do tema apresenta.

Propomos nessa revisão da literatura a análise do conceito de práticas de violência sob a perspectiva de diferentes autores.

Compreender práticas de violência implica também a necessidade de compreender a natureza do ‘Ser humano’. Esta compreensão vem sendo objetivo de filósofos há milênios, e faremos apenas um breve registro.

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Igualmente importante é conhecer os mecanismos que resultam não apenas na transformação do biológico pelo social como na afirmação do biológico como dimensão constituinte do social, sobretudo agora que correntes modernas das ciências naturais têm mostrado que a consciência humana possui potenciais praticamente ilimitados para se desenvolver e conhecer o mundo. Da mesma forma, não se pode negar que as peculiaridades individuais manifestam as reações dos seres humanos aos estímulos externos. Nada disso, porém, é justificativa plausível para o viés tendencioso de se tomar cor, raça e outros atributos biológicos como determinantes das práticas de violência. (MINAYO; SOUZA, 1998).

Consonante com Chauí, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e terror. (CHAUÍ, 2007). Esta estudiosa analisa as práticas de violência na perspectiva da ética e da virtude.

Numa perspectiva geral, a ética procura definir, antes de tudo, a figura do agente ético e de suas ações e o conjunto de noções ou valores. O agente ético é pensado como sujeito ético, isto é, como um ser racional e consciente que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que faz, e como um ser responsável que responde pelo que faz. A ética se opõe a práticas de violência. (CHAUÍ, 2007).

Um conjunto heterogêneo de teorias se refere às raízes sociais das práticas de violência. Explica-se o fenômeno como resultante dos efeitos destrutivos dos acelerados processos de mudança social, provocados, sobretudo, pela industrialização e urbanização. As transições sociais, os movimentos de industrialização provocam fortes correntes migratórias com destino às periferias dos grandes centros urbanos, onde as populações passam a viver sob condições de extrema pobreza, desorganização social, expostas a novos comportamentos e sem condições econômicas de realizarem suas aspirações. (MINAYO; SOUZA, 1998).

Referências

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