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“Com tudo isso, quero deixar claro que nós somos muitos nós. Em nós indivíduos, pessoas e grupos. Fatos que somos todos ao mesmo tempo e cada um de modo singular. Há e haverá sempre outros. Memórias, situações registradas antes, agora e processos.” (MERHY, 2005).

Práticas de violência são acontecimentos na comunidade das Goiabeiras. Reconhecer suas existência é o primeiro passo para compreendê-los. Negar a existência das práticas de violência, apesar de mais confortável, gera uma cristalização para sua compreensão e enfrentamento.

O acesso à saúde nas Goiabeiras é constantemente construído, conturbado, demolido e reconstruído. Essas operações modificam a relação das práticas de violência com a comunidade, com seus micropoderes. É uma abordagem multidimensional das relações de poder que se traduz numa compreensão múltipla do território e da territorialidade.

Aqui faremos algumas retrospectivas, revisitaremos algumas questões percebidas no traçado desse processo. Não temos a pretensão de dar conta de concluir, ou marcar todas as relações entre práticas de violência e acesso á saúde, mas, com esta tese traçamos algumas. Como as pessoas da comunidade da Barra do Ceará vivenciam as práticas de violência e sua relação com o acesso à saúde que se manifestam no território?

Por que pesquisar? Por que pesquisar relações entre acesso à saúde e práticas de violência? Esse deambular defrontou-se com fracassos e acidentes de percurso, lado a lado com pessoas tomadas pelo império das práticas de violência e egoísmo capitalístico, com seu desarranjo de cristalizações e neobarbárie.

É tempo de continuar, de fazer outros traçados e novas linhas capazes de se constituírem em potência e produzir o novo. Cartografar o território da Barra do Ceará, a micropolítica que o transversaliza, as práticas de violência que nele acontecem foi e será sempre um devir, algo inacabado porque guarda muita vida e morte, cristalizações e ritornelos. Em um devir não é o término que é buscado, mas sim o próprio devir, ou seja, as condições de um relançamento da produção desejante ou da experimentação.

Conversações e pensamentos que ocorrem durante uma pesquisa que ousou cartografar um território – peripatetismo- foram linhas de fuga para compreender uma série de experiências que surgiram fora do consultório, do gabinete, da universidade: em movimento. Fomos ao encontro de desencontros. Não tratamos de ir e vir, mas de devires.

Inicialmente, em termos conceituais, interessou-nos considerar, onde e como a vida nos espaços da comunidade e da Saúde da Família é promovida e liberada, ou, por outro lado, onde é sedentarizada e limitada: o território é vivo. E nesse território vivo convivemos com a vida e a morte.

Não há sociedade sem um espaço que lhe seja próprio e nesta vertente do pensamento, não há uma comunidade sem o sentimento de pertencer a determinado território. Foi à preocupação com o destino, norteada pelo passado e desenhada pelo presente que perpassou o uso do território das Goiabeiras e, por conseguinte a respectiva noção de práticas de violência e acesso à saúde.

Esse território onde se estabeleceu uma relação sociedade-natureza, ora respeitando, ora desrespeitando os limites e as potencialidades locais, alicerça os problemas sócio- históricos, como também a história de luta, mobilização e envolvimento dos agentes locais no enfrentamento e na conquista des direitos e de promoção da saúde.

O uso do território foi um ato humano e não-humano, não individual e sim coletivo. Esse uso nem sempre foi para todos, mas teve força e poder para impor-se, pois é fruto de uma briga de forças na sociedade. O poder da espada (das armas de fogo), as microfísicas do poder surgiram no território onde ninguém é totalmente sedentário ou nômade. Porém, o fazer morrer e o deixar viver muitas vezes superaram o fazer viver e promover a vida. Esse fazer morrer e deixar viver extrapola os micropoderes.

A produção desejante entendida com a própria fabricação do social, como gerada no cotidiano e no ato de cuidar revelou-se a partir dos encontros realizados. Aprendemos muito, sobretudo acerca dessa vida que ora pulsa e às vezes parece revelar-se fragilizada.

Aqui, o desejo foi agenciado como "produção desejante". Sabemos que o agenciamento é uma relação ‘aparalela’, o modelo é a orquídea e a abelha, uma série animal e outra vegetal se fecundando. Os agenciamentos são multiplicidades.

No trabalho em saúde, realizam-se encontros cotidianamente. Nesses encontros entre corpos e ideias, está a emergência da produção de sentidos, que não pode ser negada. A mesma hora do relógio marca acontecimentos simultâneos, ocorridos em lugares os mais diversos, cada qual não sendo autônomo e independente dos demais. Cada momento compreende, em todos os lugares, eventos que são interdependentes, incluídos em um mesmo sistema de relações. Buscamos compreender sentido nessas relações. Além disso, buscamos atuar como conectores entre planos de consistência.

Compreender sentidos em práticas de violência no território foi um exercício árduo. Foi importante pensar sobre como nossos corpos se afetaram ao encontrar outros, e, ao mesmo tempo, se nesses encontros se capturam composições ou decomposições. Foi preciso perceber que tipo de produção acontecia a cada encontro. Em muitos houve composição e foram produzidas paixões alegres, em outros ocorreu a produção de paixões tristes. Alguns encontros produziram paixões alegres e tristes simultaneamente, nas bifurcações dos agenciamentos. Marcamos encontros e desencontros.

Práticas de violência são um problema a ser enfrentado nas Goiabeiras. Não se trata, absolutamente, de qualificar como verdadeiro o problema que oferece uma solução, e como falso o que não a oferece. Todo problema merece a solução que a sua posição no território em determinado momento o proporciona. Assim, os problemas verdadeiros são aqueles que reconciliam a verdade e a criação em nível de sua formulação. Durante o percurso de nossa tese buscamos, após reconhecê-lo, assumi-lo, “vencer o medo”, marcar o problema: práticas de violência e suas relações com o acesso à saúde.

Em todo acontecimento, há o momento presente da efetuação, aquele em que o acontecimento se encarna em um estado de coisas. Um indivíduo, uma pessoa, aquele que é designado quando se diz: pronto, chegou a hora. O futuro e o passado do acontecimento só são julgados em função desse presente definitivo, do ponto de vista daquele que o encarna. Logo, para compreender o acontecimento e o

sentido inerente a ele estivemos encarnados na comunidade. Para isso foi necessário longo processo de inserção nessa, de reconhecimento mútuo.

O acontecimento expressa a linguagem, mantém uma relação essencial com a linguagem; mas a linguagem é o que se diz das coisas e a linguagem na comunidade das Goiabeiras precisou ser decodificada em várias circunstâncias.

As nuances da linguagem corporal e falada nessa comunidade revelaram muitas pistas. Compreender essa expressão foi possível mediante uma internação invertida78.

Porém, antes de um acontecimento ocorrem muitos outros carregados de sentidos, sendo eles o próprio sentido. Violência gera violência, práticas de violência e seus vários sentidos reproduzem práticas de violência com sentidos. Negar a existência dessas práticas marca a destituição de vínculos entre equipe de saúde, profissionais, comunidade e vice versa. Dessa maneira não há trocas efetivas e segue-se um padrão linear para condutas.

Algumas associações foram debatidas e resinificadas: eu-profissional- ele comunidade; meu mundo belo e puro- o mundo dele violento e impuro e as múltiplas bifurcações desse rizoma. Isso levou a necessidade de assumirmos a discussão processual saúde-doença e quais as potencialidades de cada um para promover a saúde e o acesso a essa.

Romper com o sentimento de impotência traça desterritorialização. Tais cortes marcam novos fluxos para profissionais de saúde conseguirem realizar o que compreendem como lógica de fazer na Estratégia Saúde da Família.

Acontecimentos ocorrem através de agenciamentos. Estes são ordenados na imanência, a partir do qual a existência se mostra indissociável de agenciamentos variáveis e remanejáveis que não cessam de produzi- lá.

Esse conceito pode parecer à primeira vista de uso amplo e indeterminado: remete, segundo o caso, a instituições muito fortemente territorializadas (agenciamento judiciário, conjugal, familiar, universidade, iniquidades, etc.), a formações íntimas desterritorializantes (devir- criança, devir-

poder, devir-rato, devir-diabo, devir todo mundo, etc.), enfim ao campo que se elaboram essas formações: o plano de imanência.

Através de nosso percurso peripatético pela comunidade das Goiabeiras deparamos com diversos agenciamentos.

Compreendemos que como profissionais que atuam na ESF não possuímos controle sobre sses agenciamentos. Enquanto se invoca causalidades mais gerais, psicológicas, sociológicas, para dar conta de um agenciamento, essas não esgotam as possibilidades. Quando mergulhamos no território cujo acesso sofre influencias de práticas de violência sentimos desejo de compreender uma causalidade específica, sendo uma linha de fuga. Porém muitas vezes caímos na armadilha dos “por quês”. Surge ai uma cristalização.

Cada indivíduo, sendo estes agenciamentos maquínicos, na comunidade das Goiabeiras deve lidar com grandes agenciamentos sociais definidos por códigos específicos, que se caracterizam por uma forma relativamente estável e por um funcionamento que se limita a efetuar as formas socialmente disponíveis, a modelar sua existência segundo os códigos em vigor. Desconstruir tais códigos, reterritorializar o status quo da sociedade poderia ser um caminho para romper com a associação inversa entre práticas de violência e acesso à saúde. Como romper com micropoderes que imobilizam?

Mas, por outro lado, a maneira como cada indivíduo investe e participa da reprodução desses agenciamentos sociais depende de agenciamentos locais, "moleculares". Através desses cada indivíduo é apanhado e pode introduzir sua pequena irregularidade através de agenciamentos próprios que "decodificam" ou "fazem fugir" através de linhas de fuga, do ‘ciclo vicioso’ das práticas de violência que dificultam o acesso à saúde.

Para Deleuze, pensar é ter uma nova ideia, se isso acontece no coletivo, consequentemente fortalece um agir comprometido com todas as pessoas que se implicam na produção da vida nos múltiplos territórios existentes.

A criação de grupos comunitários, prática de esportes e dança no CUCA, o passeio peripatético do grupo dos Ratos pela comunidade, o ‘dia da paz’79, o

trabalho dos agentes comunitários e equipes dentro da comunidade são exemplos desses agenciamentos moleculares.

A falta de acesso é uma grande produtora de desafetos. Na opinião dos profissionais, é o que contribui para um dos grandes desencontros no Saúde da Família. Não podemos pensar em produzir algo se , como foi expresso, “as portas estão fechadas” ou “pontes não foram construídas”.

Assim, é preciso um novo jeito de produzir vida e saúde, nos territórios. Promover rupturas e ouvir o que é vocalizado pelas pessoas que vivem e trabalham na comunidade.

Traçamos nesse trabalho o modo como o serviço ainda precisa se organizar para marcar as necessidades dessa população, excluída há tempos do acesso a politicas públicas, e que pela proposta original da Estratégia Saúde da Família precisaria ser modificada.

Compreendemos que a proposta tida como de inversão e ruptura das barreiras ainda não se configurou materialmente como tal. Os saberes ainda estão aprisionados nos vários corpos, os institucionais, os existenciais, material e imaterialmente.

Daí a importância do ponto de vista molecular na micropolítica da ESF e nas relações entre práticas de violência e acesso à saúde: a soma dos gestos, atitudes, procedimentos, regras, disposições espaciais e temporais que fazem a consistência do território.

O indivíduo por sua vez não é uma forma estática evoluindo no mundo, como em um cenário exterior ou um conjunto de dados aos quais ele se contentaria em reagir: ele é o próprio agenciamento. Quando os Ratos do Morro e Diabos do Polo vivenciam práticas de violência, estas são agenciadas por desterritorializações e reterritorializações traçadas na comunidade das Goiabeiras com suas multiplicidades. As regras estabelecidas no Morro, como “cabueta morre”, “roubar

79 Encontro realizado entre integrantes dos Ratos do Morro e Diabos do Polo no topo da duna. Nesse encontro trocaram velas acesas que simbolizaram a paz e bandeiras brancas.

dentro da comunidade vai para o tronco” surgiram mediante sentidos experiências

de vida nessa comunidade.

O campo de experiência oscila entre a projeção de cada indivíduo em formas de comportamento e de pensamento preconcebidas, por conseguinte, sociais.

Para compreender os múltiplos territórios, os profissionais devem experimenta-los em todos os seus sentidos, toda sua multiplicidade. Porém surgiu aqui uma das principais linhas de cristalização: o medo. O medo cristaliza um agenciamento, uma tese, não cabe em uma corrente filosófica. O medo de lesões físicas, o medo da violência urbana, de reconhecer as diferenças e semelhanças, de reconhecer nossa fragilidade, o medo do próprio medo.

As formas de projeção entre profissionais de saúde e moradores da comunidade são de modo geral distintas. Não por diferirem sua potência de sentir e pensar, mas pelos acontecimentos anteriores na vida de cada um. Compreendemos agenciamentos marcados pelo desejo: todo desejo procede de um encontro. Nossas trajetórias pela vida são marcadas por encontros diversos. Como ter desejo de reduzir as iniquidades se nunca a reconhecemos? Como reduzir a falta de acesso à saúde se não a compreendemos? Como compreende-la sem experimenta-la?

Há um discurso habitando um imaginário social que distingue os que sabem e os que não sabem. Consequentemente uma hierarquização de saberes, e a negação da diferença, das potencialidades, cujo reconhecimento pode revelar e mudar algo dado, naturalizado, como enraizamento num território de produção de devires. Surgiu a partir daí outra cristalização ao acesso da comunidade à equipe de saúde e visse versa: a dificuldade de reconhecermos que existem diferenças e não hierarquização de saberes. Esse posterior reconhecimento gerou linha de fuga para inserção na comunidade e criação de vínculos com as pessoas.

Um dos caminhos propostos por nossa pesquisa para ampliar o acesso da comunidade à saúde é a complicação. O conceito de complicação comporta dois estágios, que correspondem aos dois usos do termo. Exprime um estado: o das diferenças (series divergentes, pontos de vista, intensidades ou singularidades) envolvidas ou implicadas umas nas outras que devem a partir de linhas de fuga levar a co-implicação, a implicação recíproca.

Os profissionais da saúde ainda precisam se co-implicar nos processos de produção da saúde e não mais se limitarem aos processos de abordagem à doença, assumindo ambos como processos, como estados transitórios. Esse processo corresponde ao regime do virtual, em que as disjunções são inclusivas80,

opondo-se ao regime do atual, caracterizado pela separação das coisas e por sua relação de exclusão. O ponto de vista da saúde sobre a doença difere do ponto de vista da doença sobre a saúde. 81

Co-implicar significa desvincular dos dualismos: ou isso, ou aquilo; ou sou profissional ou sou paciente; estou em posição de poder tomar decisões ou sou passivo; ele é bandido eu sou vítima, sou vítima, ele é opressor. Não é, portanto regido por dualismos. Nesse ponto compreendemos outra : como desconsiderar o princípio da contradição vivendo e trabalhando em um sistema e um território marcados por contradições?

A ESF segue linhas e diretrizes do SUS. Dentre essas a acessibilidade e o acesso à saúde. A UBS localizar-se distante da comunidade e em território ‘dominado’ pelo Gueto desvirtua o princípio da organização do sistema e serviços de saúde e a acessibilidade. Não sendo acessível a todas as pessoas sob- responsabilidade sanitária da UBS esta contradiz a diretriz de um sistema universal, visto que não são todos que tem acesso às equipes de saúde da família. Essas contradições estendem-se ao acesso universal à escola, ao lazer.

Linha de fuga seria (será) a co- implicação de Ratos, Diabos, Gueto, profissionais de saúde, da educação, etc. Cada ser implicará de direito todos os seres, cada conceito se abrirá a todos os predicados: enfim, o mundo, instável ou caótico, é "complicação". (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Dessa maneira se desmontarão espaços-tempos de práticas de violência e falta de acessibilidade. Essa síntese disjuntiva será suspensão, neutralização, esgotamento da partilha sempre derivada à qual a natureza e a sociedade nos submetem ao "estratificar" a realidade não-partilhada do ser unívoco ou do corpo sem órgãos. (DELEUZE, 1997).

80 Para Deleuze a disjunção tornou-se inclusa: tudo se divide, mas em si mesmo. A não-relação torna-se uma relação e esta não se fecha sobre seus termos, sendo, ao contrário, ilimitada.

A comunidade perceber a polícia como ‘os homens que invadem e metem medo’ e não como instituição responsável pela segurança pública, sendo o ‘público’

a própria comunidade é outra contradição.

Retomando ao conceito de complicação, os jovens envolvidos com o conflito entre gangues poderiam romper o ciclo das práticas de violência se compreendessem que o mundo em sua riqueza e complexidade não é a caixa de ressonância de uma única e mesma história, mas o cristal proliferante de trajetórias imprevisíveis.

O cristal82 e o estado último da problemática da experiência "real",

apresentando-se como um aprofundamento do conceito de devir. Em um devir qualquer (devir-animal, devir-mulher etc.), não e o término que e buscado (o animal ou a mulher que nos tornamos), mas sim o próprio devir, ou seja, as condições de um relançamento da produção desejante ou da experimentação.

O devir significa habitar o plano de imanência em que a existência não se produz sem se fazer clínica de si própria, sem traçar o mapa de seus impasses e suas questões. Devir é o conteúdo próprio do desejo: desejar é passar por devires. As questões que foram colocadas foram: vocês desejam a paz? Desejam incorporar o estado de fazer-viver? Desejam romper as barreiras ao acesso?

Não se abandona o que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas outra forma de viver e de sentir. Para um devir-paz ou um devir- liberdade a comunidade das Goiabeiras necessita questionar "o que se passa entre?"

Aprendemos e ensinamos constantemente e isso faz parte da experiência humana, histórica e social. Como dela fazem parte a criação, a invenção, a linguagem, o amor, o ódio, a dúvida, as incertezas, o espanto, o medo, o desejo, a atração pelo risco, a curiosidade, a arte, a magia, a tecnologia e a ciência, etc. Essa pesquisa foi um exercício continuo de aprender, ensinar, perpassando todas essas atividades humanas.

82 Esse conceito, um dos últimos de Deleuze, apresenta a dificuldade de condensar praticamente toda a sua filosofia. O cristal e o estado último da problemática da experiência "real", apresentando-se como um aprofundamento do conceito de devir.

Marcamos dificuldades traçadas muitas vezes, pela invisibilidade da comunidade, cercada pelos morros da repressão e práticas de violência. Como em um Bioma, ou uma floresta, também ocorrem “lugares” onde o solo limita determinadas relações que alteram a natureza coletiva (bosque) – e não somente individual.

Todas essas práticas tiveram a marca da ousadia, da invenção, da coragem de enfrentar o novo e de uma potencia de transformação francamente terapêutica.

Realizamos rupturas, traçamos o novo, compreendemos conceitos, para realizar agenciamentos de afetos nesse território. Trouxemos conceitos da geografia e filosofia para o cerne da Saúde da Família. Conseguir perceber que existem movimentos nesse sentido foi muito interessante. Sim, foi preciso acreditar que linhas de fuga vão se insinuando e ao fazerem isto, tecem-se novas trilhas e condições de possibilidades para produção de encontros, para descristalizar práticas de violência e ampliar o acesso à saúde.

Desejamos que esses traçados sejam utilizados para territorializar políticas públicas, principalmente aquelas para a resistência à exclusão social.

“Macondo já era um pavoroso redemoinho de poeira e escombros centrifugados pela cólera do furacão bíblico quando Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo em fatos demasiado conhecidos e começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando conforme vivia esse instante, profetizando a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como estivesse se vendo em um espelho falado. Então deu outro salto para se antecipar às predições e averiguar a data e as circunstâncias de sua morte. Porém, antes de chegar ao verso final já havia compreendido que não sairia jamais daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e