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3 PERCURSO NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

3.8 A filosofia da diferença

Dentre os principais autores da filosofia da diferença (também conhecida como desconstrução), há os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari.

No Brasil, diversos autores se apropriaram dessas ideias, trazendo-as, como Lancetti (2006), Merhy (2005), Haesbaert (2006), Gadelha et al (2009), Saidón (2008) entre outros.

O pensamento traçado pela filodofia da diferença remete à experimentação. Essa decisão marca que o pensar não é representar. Não se busca uma adequação a uma suposta realidade objetiva, mas um efeito real que relance a vida e o pensamento. A palavra gênese readquire seu valor etimológico de devir, não remetendo relação com uma origem. Todos os encontros traçados são possíveis, mas nem todos selecionados pela experiência. (ZOURABICHVILI, 2004).

Tanto Deleuze e Guattari quanto Foucault afirmam a diferença como uma positividade, uma vez que não compõe nenhum par e consiste em intensidades que produzem singularidades possíveis de serem traçadas por uma cartografia e por uma genealogia. Desta forma, a diferença torna-se uma fenda, uma abertura, uma zona de ruptura teórica que adquire direções e orientações variadas, as quais se desdobram em inúmeros conceitos para apreender questões contemporâneas. (KROEF, 2010, p. 13).

A vigilância do pensamento traça o próprio cerne da experimentação. Ela consiste no discernimento do estéril (buracos negros, impasses) e do fecundo (linhas de fuga).

É aí que pensar conquista ao mesmo tempo sua necessidade e sua efetividade, reconhecendo os signos que nos obrigam a pensar porque englobam o que ainda não pensamos. E eis por que Deleuze e Guattari podem dizer que o rizoma é questão de cartografia, isto é, de clínica ou de avaliação imanente. (ZOURABICHVILI, 2004).

A fecundidade dos estudos encontra-se em considerar sua produção como espaço importante para o traçar do cuidado, como ativismo político, pois, além da formulação de novos marcos de conhecimento teórico-práticos, também considera ações que culminem no traçar da qualidade de vida em sociedade. (SILVA, 2012). Esta linha é representada por estudos pós- estruturais, entre os quais a cartografia.

As criações associadas às diferenças são complexas e operam rupturas, na medida em que escapam da lógica da representação. Representar pressupõe uma duplicidade em torno do original e da cópia. Portanto, a representação está ligada à semelhança, à reprodução mais ou menos fiel, mais ou menos igual do modelo, do padrão ideal. As criações não partem deste fundamento baseado na equivalência que sustenta a lógica capitalística. (KROEF, 2010).

Deleuze e Guattari pensam na perspectiva rizomática que possui princípios de conexão e de heterogeneidade. Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem. Além disso, o modelo arborescente submete, pelo menos idealmente, o pensamento a uma progressão de princípio a consequência, ora o conduzindo do geral ao particular, ora buscando fundá-lo, ancorá-lo para sempre num solo de verdade. (ZOURABICHVILI, 2004).

Num rizoma cada traço não remete necessariamente a um traço linguístico: cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente regimes de signos diferentes.

Trata-se de pensar uma heterogênese, segundo a formulação de Félix Guattari, em que "gênese" não é mais entendida apenas em seu sentido tradicional de engendramento, de nascimento ou de constituição. "Gênese" é entendida em relação ao conceito de "devir". O devir que falamos não se trata de um “devir- mesmo” (a forma em vias de nascer, o aparecer da coisa) e não o que devia ser um pleonasmo - um devir-outro. (ZOURABICHVILI, 2004).

A filosofia da diferença não aborda o começo do tempo, a gênese da historicidade. Compreendemos em Deleuze, a cesura ou ruptura cortando irrevogavelmente o tempo em dois e forçando-o a re-começar, numa apreensão sintética do irreversível e do iminente, o acontecimento dando-se no estranho local

de um ainda-aqui-e-já-passado, ainda-por- vir-e-já-presente. (ZOURABICHVILI, 2004).

“A pesquisa na linha da diferença não implica diminuir as diferenças, mas sim acentua-las nas relações com o outro. Constitui uma desconstrução da autoridade, na medida em que encoraja uma multiplicidade de vozes e leituras (...).” (SILVA, 2012, p. 54).

Nessa filosofia busca-se traçar agenciamentos. Em uma primeira aproximação, identifica-se que se está em presença de um agenciamento todas as vezes que marcamos o acoplamento de um conjunto de relações materiais e de um regime de signos correspondente. Na realidade, a disparidade dos casos de agenciamento precisa ser traçada do ponto de vista da imanência, a partir do qual a existência se mostra indissociável de agenciamentos variáveis e remanejáveis que não cessam de produzi- lá.

(...) os processos criativos produzem novas relações, compondo, através da pluralidade, novos referenciais, novos significados. Eles são desterritorializantes e transformadores porque não reproduzem a lógica dominante, porque fogem da homogeneização (padronização), porque se constituem no exercício da diferença. (KROEF, 2010).

São continuamente traçados grandes agenciamentos sociais definidos por códigos específicos (agenciamentos molares), que se caracterizam por uma forma relativamente estável e por um funcionamento reprodutor: tendem a reduzir o campo de experimentação de seu desejo a uma divisão preestabelecida. (ZOURABICHVILI, 2004).

O agenciamento, uma vez que remete em última instância ao campo de desejo sobre o qual se constitui, é afetado por um desequilíbrio, podendo limitar-se a efetuar as formas socialmente disponíveis e modelar sua existência segundo os códigos em vigor. Outros agenciamentos "decodificam" ou "fazem fugir". (ZOURABICHVILI, 2004). O resultado é que cada um de nós combina concretamente os dois tipos de agenciamentos em graus variáveis, o limite sendo a esquizofrenia como processo (decodificação ou desterritorialização absoluta), e a questão das relações de forças concretas e instituições (agenciamentos molares).

Figura 2 - Rizoma

Fonte: Imagens do Google

Nosso trajeto buscará escrever, traçar rizomas, aumentar seu território por desterritorialização, estender a linha de fuga até o ponto em que ela cubra todo o plano de consistência em uma máquina abstrata21. (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

“Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer, e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza, ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos. O rizoma não se deixa reduzir nem ao Uno nem ao múltiplo... Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Não tem começo nem fim, mas sempre um meio, pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui multiplicidades.” (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

21 Procede à elaboração involuntária e tateante de agenciamentos próprios que "decodificam" ou "fazem fugir", que geram mudanças.

Percebemos que a filosofia da diferença situa-se de uma forma muito específica em relação ao caos, onde o que importa não é apenas compreendê-lo, mas, sim, favorecer a sua potência criativa de transformação.

“Esses conceitos abordam uma concepção de mundo, entendido como um acontecimento, uma multiplicidade que, enquanto tal, não se distribui em pares binários, em oposições ou dicotomias. Trata-se de um mundo imanente ao universo.” (KROEF, 2010, p. 15).