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A (IR)RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 527, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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MESTRADO EM DIREITO

VIVIAN ZARONI

A (IR)RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 527, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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A (IR)RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 527, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais, Subárea de concentração - Direito Processual Civil, sob orientação do Professor Doutor Cassio Scarpinella Bueno.

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A (IR)RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 527, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

VIVIAN ZARONI

Banca Examinadora:

____________________________________ Professor Orientador Dr. Cassio Scarpinella Bueno

____________________________________ Professor(a)

____________________________________ Professor(a)

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo abordar a (ir)recorribilidade das decisões monocráticas dos relatores quando exaradas em caráter interlocutório, que convertem o agravo de instrumento em agravo retido, concedem ou denegam efeito suspensivo ao recurso de agravo de instrumento ou, ainda, antecipam os efeitos da tutela recursal, na forma tratada no parágrafo único, do artigo 527, do Código de Processo Civil. Para tanto, o estudo inicia-se com uma perspectiva dos princípios do duplo grau de jurisdição, bem como do “juiz natural dos recursos”. Apresenta um panorama geral do sistema recursal, especificamente no que se refere ao recurso de agravo e, por fim, aponta vícios de inconstitucionalidades presentes nesta disposição legal.

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ABSTRACT

This search aims to treat the efects of certain kind of decisions that are pronounced by a monocratic judgment, that is not submited to any appeal, as when convert agravo de instrumento in agravo retido, or concede or deny suspensive effects or even antecipate the effects of appeal, as treated in the sole paragraph, of clause number 527 of Civil Procedure Code. Therefore, the study begins with an overview of the principle of “second tier of judicial authority” as well as the “natural judge of the appeal”. It presents an overview of the appeal system, specifically in relation of agravo and, finally, point defects of unconstitutional presents in the legal prevision .

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“Hoje, eu sei, é claro, que minha alma

foi geneticamente construída para ser a

alma de um professor.”

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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, José Maurício Zaroni, rendo os meus mais gratos e humildes agradecimentos por fazer de nós, suas filhas, seu primeiro objetivo de vida. Sem ele este trabalho jamais teria acontecido.

Ao Juiz Everton Luiz Penter Correa por compreender meus anseios, dividir comigo sua paixão pelo processo civil e ser tão generoso no desenvolver deste trabalho.

As minhas amigas de infância, Marcela Gonçalves Foz e Marcela Carvalho, sem quem eu não teria tido tamanho aconchego na megalópole paulistana.

As minhas mais novas amigas do coração, Rosângela B. Gazdovich, Miriam Costa Faccin e Taciana Smania, por terem compartilhado comigo todas as dificuldades, terem me amparado no momento de desespero e, ainda, por serem meus olhos, meus ouvidos e minhas mãos em São Paulo enquanto permanecia longe.

Ao meu orientador, Cassio Scarpinella Bueno, que me encantou com suas aulas e transformou-me, ainda mais, em uma pessoa apaixonada pelo processo civil, mostrando-me o que realmente consiste em ter a “alma geneticamente construída para ser a alma de um professor”.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AI Agravo de instrumento

AgRg Agravo regimental

AgRg no EResp Agravo regimental nos embargos em recurso especial AgRg no MS Agravo regimental em mandado de segurança

CF Constituição Federal CPC Código de Processo Civil EResp Embargos em recurso especial

MS Mandado de segurança

Resp Recurso especial

RISTJ Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça RMS Recurso em mandado de segurança

STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça

TJ/MS Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul TJ/PR Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

TRF 3 Tribunal Regional da 3ª Região

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ... 14

1.1 BREVE PERSPECTIVA HISTÓRICA ... 14

1.1.1 O duplo grau de jurisdição na história do Direito Brasileiro ... 20

1.2 TERMINOLOGIA ... 24

1.3 CONCEITO ... 25

1.3.1 Um princípio ou uma garantia constitucional? ... 29

2O JUIZ NATURAL DOS RECURSOS ... 43

2.1 PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE COMO INSTRUMENTO CONCRETIZADOR DO JUIZ NATURAL NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS ... 44

3RECURSOS ... 55

3.1 CONCEITO ... 55

3.2 JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE E JUÍZO DE MÉRITO DOS RECURSOS... ... 58

3.2.1 Juízo de admissibilidade... 60

3.2.1.1 Pressupostos Intrínsecos ... 62

3.2.1.1.1 Cabimento ... 63

3.2.1.1.2 Interesse Recursal ... 67

3.2.1.1.3 Legitimidade Recursal ... 69

3.2.1.1.4 Inexistência de fato extintivo ou impeditivo do direito de recorrer ... 70

(10)

3.2.1.2.3 Preparo ... 76

3.2.2 Juízo de mérito ... 78

3.3 EFEITO DOS RECURSOS ... 81

3.3.1 Efeito Obstativo ... 82

3.3.2 Efeito Suspensivo ... 85

3.3.3 Efeito Regressivo ... 88

3.3.4 Efeito Devolutivo ... 88

4RECURSO DE AGRAVO ... 97

4.1 CABIMENTO ... 97

4.2 AGRAVO PARA FINS DE REFORMA DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS DE PRIMEIRO GRAU ... 100

4.2.1 Agravo Retido ... 101

4.2.2 Agravo de Instrumento... 106

5DAS DECISÕES DO RELATOR NO RECURSO DE AGRAVO ... 111

5.1 FUNÇÕES E PODERES DO RELATOR NOS RECURSOS ... 111

5.2 DAS DECISÕES DO ARTIGO 557, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.. ... 113

5.3 DA CONVERSÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AGRAVO RETIDO ... 117

5.4 DA CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO OU DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL ... 121

6 DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 527, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ... 129

(11)

DA TUTELA RECURSAL ... 134

6.3 DA UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA REFORMA DAS DECISÕES PREVISTAS NOS INCISOS II E III DO ARTIGO 527, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ... 140

6.3.1 Considerações Gerais ... 140

6.3.2 Da decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido ... 146

6.3.3 Da decisão que concede ou nega efeito suspensivo ao recurso ou, ainda, antecipa os efeitos da tutela recursal ... 149

6.4 DA POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO ... 151

6.5 DO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO ... 153

7DAS DISPOSIÇÕES DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ... 160

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 167

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INTRODUÇÃO

Os almejos de revisibilidade decorrentes da segurança jurídica e do sentimento de “justiça” buscados pelos jurisdicionados no decorrer da história e, ainda, a exaltação a uma efetiva proteção aos direitos e garantias fundamentais, fizeram com que os textos constitucionais contemporâneos não excluíssem de seus cuidados a viabilidade de revisão das decisões judiciais representada, aqui, pela recorribilidade.

A utilização desenfreada de recursos, em abuso aos mandamentos do duplo grau de jurisdição, resultou em sucessivas reformas processuais que finalizaram em disposições legislativas que expressamente tolheram o direito de revisão imediata de determinadas decisões, prolatadas por órgãos monocráticos em sede recursal.

O que restou aos estudiosos do direito foi saber se os resultados alcançados com estas reformas consistiram, ou não, em efetivas medidas inconstitucionais, eis que pressuposta uma relativização da colegialidade dos tribunais, apontada por muitos doutrinadores como o “juiz natural dos recursos” e uma própria castração do acesso à jurisdição.

Para alcance das conclusões desejadas, o presente estudo irá traçar um panorama geral do sistema recursal brasileiro, dando ênfase ao recurso de agravo, especificamente ao agravo de instrumento para atacar decisões interlocutórias de primeiro grau. Delimitar-se-á a tratar das competências e atribuições dos relatores neste recurso, discorrendo sobre sua participação nos juízos de admissibilidade e mérito recursal.

Por fim, analisar-se-á concretamente a reforma legislativa, resultante no parágrafo único, do artigo 527, do Código de Processo Civil.

(13)

As modificações procedimentais mostraram-se necessárias.

“O Estado liberal clássico ainda influenciado por certos dogmas medievais, concedia excessiva ênfase à segurança, preocupado com a garantia de liberdade (formal) do cidadão. Com isso, o processo foi construído com a finalidade de cognição com rígidas regras procedimentais para consolidar a defesa (formalizada), mínima intervenção na esfera jurídica das pessoas e completamente despreocupado com a duração do processo e com o desgaste em relação ao direito subjetivo e

interesses sociais.”1

Dando ênfase aos requisitos de celeridade e interesses social, envolvidos em toda e qualquer prestação jurisdicional, e mais, na própria prestabilidade da tutela jurisdicional oferecida pelo Estado-Juiz, é que este dispositivo legal mostrar-se-á, por vezes, apto a externar os valores democráticos constitucionais e, por vezes, inabilitado para tanto.

Em conclusão, o presente estudo apontará os rumos que estas disposições legislativas tomarão, diante das propostas legislativas que tramitam no Congresso Nacional e, provavelmente, resultarão no Novo Código de Processo Civil.

1

(14)

1 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

1.1 BREVE PERSPECTIVA HISTÓRICA

A conceituação de duplo grau de jurisdição decorre, necessariamente, da noção de recurso. A sua origem, propriamente dita, no ordenamento civil provém do surgimento da apelação, adquirindo maior relevância com a

appellatio do Direito Romano.

O Direito Romano dividiu-se em três grandes fases: a legis actiones, a per fomulas e a extraordinario condictio. As duas primeiras fases denominam-se de ordo iudiciorum privatorum que se marcaram pela característica de um julgamento particular, no qual não se falava em recursos, afastando o interesse científico deste trabalho.2

Já a terceira fase denominada cognitio extra ordinem marca-se pela intervenção do Estado no exercício da jurisdição. É aqui que surgem as primeiras espécies recursais que farão nascer a noção de duplo grau de jurisdição.

Na passagem do ordo iudiciorum privatorum para a cognitio

extra ordinem, o processo romano sofreu grandes

transformações, resultadas de um longo amadurecimento do sistema, evoluindo de maneira significativa em relação ao período anterior. Pode-se apontar, desde logo, a intervenção do Estado na atividade julgadora, sendo que o processo deixou de desenvolver-se em duas etapas para ter apenas uma

2 FARIAS, Doris Ghilardi. Duplo grau de jurisdição no Direito Processual Civil Brasileiro: Em

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instância, uma única unidade, em que a aplicação e o julgamento passaram a ser realizados por somente um magistrado público.

Nessa nova etapa, foi possível, pela primeira vez que as partes recorressem da decisão do magistrado, visando a uma revisão da sentença que, num primeiro momento, foi realizada pelo Imperador, que era a autoridade superior da Sociedade Romana da época, com poder, inclusive, de reforma.3

No entanto, a presença desta espécie recursal, que nos traz a referência ao duplo grau de jurisdição, decorria, naquele momento histórico, de intenções diversas. O recurso servia como uma espécie de controle dos atos dos magistrados pelo Imperador. O processo romano não estava interessado na proteção a direitos e garantias fundamentais, como foi a conotação adotada pelo duplo grau de jurisdição na história moderna e contemporânea.

Ao longo da história do Direito Romano não se vislumbra a proteção dos Direitos Individuais diante do arbítrio do Estado. O império Romano, de acordo com as conjecturas políticas da época, tinha como prioridade o seu poder e a sua prosperidade. Os Direitos e as Garantias do Homem não estavam dentre as preocupações e conquistas dos romanos. O que se garantia eram os direitos das classes privilegiadas, como os imperadores os patrícios. No entanto, como já mencionado, havia a possibilidade de reexame das decisões judiciais, mediante apelação, no período da extraordinaria cognitio. O surgimento da apelação demonstra a existência de um sistema recursal e da garantia do Duplo Grau de Jurisdição, guardadas as suas devidas proporções com a realidade da época. Todavia convém ressaltar que a possibilidade de recurso no Direito Romano visava possibilitar à autoridade superior o controle em relação a seus subalternos, e, assim, deter o controle das decisões. Dessa forma, o objetivo do Estado romano era preservar o seu próprio poder Não se vislumbrava naquele período da História a proteção dos direitos fundamentais com a concepção de direitos ligados à dignidade do ser humano. Também não se concebiam os Direitos Fundamentais como uma proteção do homem diante do Estado.4

3 FARIAS, Doris Ghilardi. Op. Cit. p. 63.

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Com o surgimento desta ideia revisional, decorrente da appellatio

romana, já é possível iniciar a construção de um raciocínio sobre o duplo grau de jurisdição. Seus principais contornos são solidificados com a publicização e importância atribuída aos direitos e garantias fundamentais, decorrentes das conquistas alçadas com a Revolução Francesa.

O duplo grau de jurisdição nasceu com indiscutível finalidade mantenedora de ideologia. Seu surgimento deu-se nos sistemas hierarquizados e rígidos de governo. Convinha à ordem política o conhecimento e eventual revisão das decisões dos níveis judicantes inferiores. Esse interesse foi uma constante outrora e é facilmente perceptível na Roma Antiga, onde povo e poder dividiam as funções jurisdicionais. Evoluiu no período de cristianização do direito, fundado na possibilidade do erro como forma de controle disciplinar, portanto político e doutrinário. Mas foi na Revolução Francesa, em que a estrutura jurídica era exaltada, que o princípio foi

imortalizado. “Por ele pretendia abrir porta às reformas de

sentenças de juízes viciados, permitir aperfeiçoamento do Judiciário e suas decisões partindo da ideia de que menor possibilidade de erro em segunda instância que em uma única, e atender a anseios psicológicos do vencido na demanda. O conceito francês, carregado de ideologia, prosperou pelo mundo misturando-se muitas vezes com caracteres de sua

antiga roupagem política.”5

Jaques de Camargo Penteado6, no intuito de melhor esclarecer a

ideologia que o duplo grau de jurisdição apega-se, atualmente, afirmou que a pretensão de revisão vem da ideia, ilusória, de que o controle estimula ao julgador decidir bem, bem como em observância a falibilidade humana, a revisão traria ao jurisdicionado um sentimento de justiça7 e segurança jurídica.

5 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 264.

6 PENTEADO, Jaques de Camargo. O duplo grau de jurisdição e os recursos no projeto do

Código de Processo Penal e na proposta de Emenda Constitucional dos recursos. São Paulo, Revista dos Tribunais/ vol. 915/ p. 297/ jan 2012/ RRT/2012/2.

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Cintra, Grinover e Dinamarco8, trouxeram em sua obra três

circunstâncias que afastam esta ideologia do princípio do duplo grau de jurisdição:

O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade de a decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir sua reforma em grau de recurso. Apesar disso, ainda, existe uma corrente doutrinária – hoje reduzidíssima – que se manifesta contrariamente ao princípio. Para tanto, invoca três principais circunstâncias: a) não só os juízes de primeiro grau, mas também os de jurisdição superior poderiam cometer erros e injustiças no julgamento, por vezes reformando até uma sentença consentânea com o direito e a justiça; b) a decisão em grau de recurso é inútil quando confirma a sentença de primeiro grau, infringindo até o princípio da economia processual; c) a decisão que reforma a sentença da jurisdição inferior é sempre nociva, pois aponta uma divergência de interpretação que dá margem a dúvidas quanto à correta aplicação do direito, produzindo a incerteza nas relações jurídicas e desprestígio do Poder Judiciário.

Na continuação, ressaltam que o que mantém este princípio vivo nos ordenamentos contemporâneos, talvez, não seja propriamente esta ideologia, mas sim o seu caráter político, que nunca foi abandonado desde seu surgimento na história:

Mas o principal fundamento para a manutenção do princípio do duplo grau é de natureza política: nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles. O Poder Judiciário, principalmente onde seus membros não são sufragados pelo povo é, dentre todos, o de menor representatividade. Não o legitimaram as urnas, sendo o controle popular sobre o que não pode ser palpável, concreto, objetivo e, portanto, de difícil identificação na sociedade. A justiça é muito mais uma pretensão do que algo objetivo. No entanto, Aristóteles trouxe também um conceito de justo, no qual se verifica uma atitude concreta dentro da sociedade. Esta atitude dá-se pelo justo meio, que consiste na opção que o indivíduo realiza para impedir que sua ação cause deliberadamente prejuízo a outrem. Justo, portanto, é o uso racional que todo indivíduo deve ter para pautar suas relações com outros, evitando comportamentos que causem deliberadamente prejuízos. Em conclusão ao raciocínio, haverá justiça, todas as vezes que uma decisão for proferida por magistrado que se pautou no justo meio, agindo dentro dos comportamentos esperados pelos balizadores da sociedade.

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exercício da função jurisdicional ainda incipiente em muitos ordenamentos, como o nosso. É preciso, portanto, que se exerça ao menor o controle interno sobre a legalidade e a justiça das decisões judiciárias. Eis a conotação política do princípio do duplo grau de jurisdição.9

Nas palavras de Marina França Santos: “O controle da atividade jurisdicional ensejado pelo recurso é, pois, garantia de legitimidade e de integridade do ordenamento”10.

Em oposição a esta colocação, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart11 aduzem que a necessidade de controle de um determinado poder

não deve ser feita pelo próprio poder, ainda mais, considerando que não há hierarquia entre os juízes de primeiro e segundo grau.

Não é correto dizer, em outras palavras, que o controle da justiça da decisão possa ser confundido com o controle da própria atividade do juiz. Não há que se falar em controle da atividade do juiz quando se está discutindo sobre a oportunidade de dar ao vencido o direito à revisão da decisão que lhe foi contrária. Lembre-se que os tribunais, através das corregedorias, têm suas próprias formas de inibir condutas ilícitas, que obviamente não se confundem com decisões

“injustas”.

Por fim, Fernando Gonzaga Jayme aduz que outro problema, encontrado nas explicações ao duplo grau de jurisdição, reside no fato de que “mesmo que se pudesse corrigir erros e se admitisse a realização de controle, o recurso seria responsável por uma indesejável criação de um sentimento de insegurança nas partes, advindo da própria sucessão de decisões absolutamente distintas na apreciação da mesma causa”12.

9 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit. p. 81.

10 SANTOS, Marina França. A garantia do duplo grau de jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 110.

11 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo de

conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 488.

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Marina França Santos13, contemporizando o duplo grau, atribui

fundamento distinto a ele. Para ela:

A plenitude da estruturação democrática estatal depende, pois, dessa abertura à coprodução do direito concreto pela via jurisdicional, participação essa que encontra seu auge na conformação do processo como procedimento em contraditório. [...]

Vale a simplificação: partindo do pressuposto de que todo o direito deve ser produto da participação direta ou representativa do seu titular – o povo -, e de que, no processo, tal abertura se instrumentaliza pela atuação do contraditório das partes, a verificação da democracia substancial no exercício da jurisdição só se dá pela efetiva permeabilidade da decisão judicial à colaboração das partes. Sem esta colaboração, a decisão será mera formalidade, deslegitimada e sem efeito real. [...]

Desse modo, o dever de motivação da decisão judicial, imperativo constitucional, só se torna efetivo com a garantia do duplo grau de jurisdição, que, por submeter o fundamento explicitado ao controle, substancializa-o, tornando, aí sim, possível questionar a justiça da decisão e garantir, na linha

exposta por Bentham, que seja “boa”.

Ou seja, sob o duplo aspecto do controle e da participação garantidas, não é suficiente uma sentença obtida prontamente, a qual, não obstante o contraditório exercido durante o desenrolar do processo, não possa ser verificada, nem quanto ao real acolhimento da participação das partes, nem quanto a eventuais falhas na análise desenvolvida.

Independentemente das premissas que, efetivamente, balizam ao duplo grau importa neste momento destacar que a consagração do duplo grau deu-se com a Revolução Francesa e em um determinado padrão, como descrito por Chiovenda14 (1965): “entre os princípios judiciários fixados pela Revolução Francesa, um consistiu em que as causas possam normalmente transitar pela cognição de dois tribunais sucessivamente (princípio do duplo grau de jurisdição)”

13 SANTOS, Marina França. A garantia do duplo grau de jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 116-122.

14

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No entanto, ao mesmo tempo em que estas palavras enraizaram o duplo grau no direito, propriamente, elas trazem pontos de divergência na conceituação do duplo grau de jurisdição que nos leva a dificuldades de caracterizá-lo, de maneira unânime, pelos juristas brasileiros. Por exemplo, somente será respeitado tal princípio se a revisão ocorrer por diferentes tribunais?

1.1.1 O duplo grau de jurisdição na história do Direito Brasileiro15

A primeira Constituição Federal, outorgada no ano de 1824, consagrou expressamente o princípio do duplo grau de jurisdição. No entanto, o país vivia sua fase escravocrata de maneira que, embora expressamente previsto, as leis editadas sob sua vigência não respeitavam os ditames decorrentes de sua previsão constitucional. Aqui tal princípio é introduzido na Carta, expressamente, como uma garantia constitucional.

É na Carta de 1824, portanto, que aparece pela primeira vez, no País, a previsão do duplo grau de jurisdição, elevado à categoria de garantia constitucional, dando-lhe caráter ilimitado, não podendo nenhuma lei infraconstitucional restringir a sua aplicação. Aparece no artigo 158 daquela Constituição156:

“Para julgar as causas em segunda, e última instância haverá

nas Províncias do Império as Relações, que forem necessárias para comodidade dos Povos”.16

15 As noções históricas referentes ao duplo grau de jurisdição no Brasil foram retiradas,

basicamente, da obra “O princípio Constitucional do duplo grau de jurisdição” de Carolina Alves

de Souza Lima. (LIMA, Carolina Alves de Souza. O princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Barueri,SP: Manole, 2004.)

16 FARIAS, Doris Ghilardi. Duplo grau de jurisdição no Direito Processual Civil Brasileiro: Em

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Em 1850 é aprovada a Lei no 556, que ficou conhecida no Brasil como

Código Comercial Brasileiro. As matérias comerciais passaram a ter regulamentação específica. Por meio da Regulamentação no 737, referido

Código tratou expressamente da legislação processual, introduzindo as primeiras regras recursais.

Mais tardar em 1871, a Lei no 2.033 determinou a reunião das normas processuais vigentes, atribuindo esta tarefa ao Conselheiro Antonio Joaquim Ribas. A Resolução Imperial, de 28 de dezembro de 1876, aprovou o documento apresentado prevendo, agora, um sistema recursal.

Com o advento da Constituição Federal de 1891, o princípio do duplo grau de jurisdição foi suprimido do texto legal. Sua existência passou a ser defendida com base nos artigos 59, 60, 72, §1617, que explicitavam as normas

17 Art. 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: I - processar e julgar originária e privativamente:

a) o Presidente da República nos crimes comuns, e os Ministros de Estado nos casos do art. 52;

b) os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade;

c) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros; d) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados;

e) os conflitos dos Juízes ou Tribunais Federais entre si, ou entre estes e os dos Estados, assim como os dos Juízes e Tribunais de um Estado com Juízes e Tribunais de outro Estado. II - julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos Juízes e Tribunais Federais, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o art. 60;

III - rever os processos, findos, nos termos do art. 81.

§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:

a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela;

b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.

§ 2º - Nos casos em que houver de aplicar leis dos Estados, a Justiça Federal consultará a jurisprudência dos Tribunais locais, e vice-versa, as Justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos Tribunais Federais, quando houverem de interpretar leis da União.

Art. 60 - Compete aos Juízes ou Tribunais Federais, processar e julgar:

a) as causas em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa, em disposição da Constituição federal;

b) todas as causas propostas contra o Governo da União ou Fazenda Nacional, fundadas em disposições da Constituição, leis e regulamentos do Poder Executivo, ou em contratos celebrados com o mesmo Governo;

c) as causas provenientes de compensações, reivindicações, indenização de prejuízos ou quaisquer outras propostas, pelo Governo da União contra particulares ou vice-versa;

d) os litígios entre um Estado e cidadãos de outro, ou entre cidadãos de Estados diversos, diversificando as leis destes;

e) os pleitos entre Estados estrangeiros e cidadãos brasileiros;

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de organização dos Tribunais, bem como dos recursos cabíveis, tratando pela primeira vez das denominadas competências originárias.

A Constituição de 1934 também deixou de trazer expressamente do princípio do duplo grau de jurisdição. A sua garantia restou evidenciada pelas normas sobre a organização do Poder Judiciário, bem como outros princípios assegurados aos cidadãos pela Carta Magna.

A Constituição de 1937, embora trouxesse previsões sobre a possibilidade de reexame das decisões, em decorrência do período ditatorial em que vivia o Estado Brasileiro, não conseguiu assegurar a sua observância frente a um governo que não respeitava aos Direitos Fundamentais dos indivíduos e, nem mesmo, a separação dos poderes.

Um marco importante, no entanto, durante a vigência deste texto constitucional, para o princípio do duplo grau de jurisdição, foi a publicação, em 1939, do primeiro Código de Processo Civil Brasileiro. Nele havia expressas previsões de recursos, podendo citar como exemplos, a apelação, embargos de nulidade, embargos infringentes, agravo, revista, embargos de declaração e recurso extraordinário.

A Constituição de 1946, em seu artigo 14118, previa um rol de Direitos e

Garantias Individuais, que juntamente com a organização dos Tribunais e o Código de Processo Penal permitiu, mais uma vez, o reconhecimento do

g) as questões de direito marítimo e navegação assim no oceano como nos rios e lagos do País;

h) as questões de direito criminal ou civil internacional; i) os crimes políticos.

§ 1º - É vedado ao Congresso cometer qualquer jurisdição federal às Justiças dos Estados. § 2º - As sentenças e ordens da magistratura federal são executadas por oficiais judiciários da União, aos quais a polícia local é obrigada a prestar auxílio, quando invocado por eles.

Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 16 - Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas.

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princípio do duplo grau de jurisdição como disposição implícita do texto constitucional.

Já a Constituição de 1967 foi extremamente autoritária. Apesar de permitir a suspensão de direitos e garantias constitucionais, previu a composição do Poder Judiciário em seu artigo 11219, novamente garantindo a

extração do princípio do duplo grau de jurisdição como disposição implícita. Com uma gama de inúmeras legislações que tratavam das questões processuais, em resposta ao clamor dos processualistas, em 1973 advém novo Código de Processo Civil, que continua em vigor até os dias atuais, apesar de inúmeras leis que alteraram sua redação originária.

Enfim, promulga-se a Constituição Federal de 1988, a mais democrática de todas, dando importante ênfase à proteção dos direitos e garantias fundamentais. Mais uma vez, o duplo grau fica sujeito ao exercício de interpretação do texto legal, autorizando sua extração como princípio implícito20.

Dóris Ghilardi Farias nos lembra, no entanto, que ressalvada a Constituição de 1824, o duplo grau de jurisdição jamais alcançou o status de garantia constitucional, como defendido por alguns autores.

Com efeito, a Carta Magna, de 1824, foi a primeira e a única Constituição a prever de forma expressa o princípio do duplo grau de jurisdição, passando todas as demais apenas a mencionar os recursos cabíveis e suas hipóteses. As Constituições republicanas, desde a sua primeira edição, em 1891, até a atual, de 1988, não mais previram o referido

19 Art. 112. O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I - Supremo Tribunal Federal; II - Conselho Nacional da Magistratura;

II - Tribunal Federal de Recursos e juízes federais; IV - Tribunais e juízes militares;

V - Tribunais e juízes eleitorais; VI - Tribunais e juízes do trabalho; VII - Tribunais e juízes estaduais.

Parágrafo único. Lei complementar denominada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, estabelecerá normas relativas à organização, ao funcionamento, à disciplina, às vantagens, aos direitos e aos deveres da magistratura, respeitadas as garantias e proibições previstas nesta Constituição ou dela decorrentes. (Texto atualizado pela EC nº 7/77)

(24)

princípio, passando o duplo grau de jurisdição a ser um princípio implícito, sem o status de garantia constitucional.21

Tendo em vista as diversas alterações ocorridas com o texto do Código de Processo Civil de 1973, iniciou-se um processo de redação e consolidação das disposições processuais que está prestes a se tornar o Novo Código de Processo Civil. O projeto, substitutivo aos Projetos de Lei nº 6025/2005 e nº 8046/2010, aprovado, aos 16 de julho de 2013, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, trará novas disposições para tratar do sistema recursal brasileiro22, como uma forma de otimização do mandamento decorrente do principio do duplo grau de jurisdição.

1.2 TERMINOLOGIA

Antes mesmo de trazer conceitos sobre o duplo grau de jurisdição, faz-se importante um apontamento crítico a própria denominação “duplo grau de jurisdição”.

“A jurisdição pode ser entendida como a função do Estado

destinada à solução imperativa, substitutiva e com ânimo de definitividade de conflitos intersubjetivos e exercida mediante a

atuação do direito em casos concretos.”23

21 FARIAS, Doris Ghilardi. Duplo grau de jurisdição no Direito Processual Civil Brasileiro: Em

busca da harmonia com os princípios da efetividade e da celeridade processual. Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre. Universidade do Vale do Itajaí.Itajaí, 2006. p. 70.

22 O sistema recursal deve ser encarado, na forma apregoada por Claus-Wilhelm Canaris, como uma ordenação axiológica de proposições normativas (significações normativas) harmônicas e coerentes. (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Introdução e Tradução: CORDEIRO, A. Menezes. 2ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1989.)

23 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria geral do

(25)

Como característica marcante deste instituto está a sua unicidade e idelegabilidade. Ainda que a revisibilidade das decisões seja realizada por órgão judiciário distinto, a jurisdição será sempre a mesma, sento impossível fracioná-la em graus.

Nas palavras de Jaques de Camargo Penteado24:

A jurisdição é una e indivisível, nada obstante a pluralidade de seus órgãos e áreas de incidência e, proibida a autotutela como regra, trata-se de atividade oficial de seus agentes públicos que substitui aquela dos titulares dos interesses justapostos.

De tal maneira, a terminologia “duplo grau de jurisdição” não é a mais indicada. O que se tem verdadeiramente é um duplo julgamento, exercido sempre pelo Estado detentor do poder jurisdicional.

Este trabalho, no entanto, adotará o termo duplo grau de jurisdição, ante a sua aceitação pacífica pela doutrina nacional.

1.3 CONCEITO

A simples transcrição de alguns conceitos, trazidos por juristas brasileiros, permite-nos verificar que as características que marcam o princípio do duplo grau de jurisdição são totalmente controversas.

“O princípio do duplo grau de jurisdição é entendido como

aquele em virtude do qual toda decisão deve ser submetida a

24 PENTEADO, Jaques de Camargo. Duplo grau de jurisdição no Processo Penal. Garantismo

(26)

novo exame, de modo que a segunda decisão prevaleça sobre

a primeira.”25

“(...) o duplo grau de jurisdição que consiste na possibilidade de

submeter-se a lide a exames sucessivos, por juízes diferentes, como garantia de boa solução.”26

“Não obstante, por “duplo grau de jurisdição” deve ser

entendido o modelo no qual se garante a revisibilidade ampla das decisões judiciais, quaisquer decisões, por magistrados preferencialmente diversos e localizados em nível hierárquico

diverso.”27

“A decisão judicial é suscetível de ser revista por um grau superior de jurisdição”28

Depreende-se, assim, que um dos principais questionamentos gira em saber se seu conteúdo exige a submissão da decisão a órgão judiciário distinto daquele que proferiu originariamente a decisão a ser revista, ou não.

Rui Portanova29, seguindo aos ensinamentos de Humberto Theodoro

Junior, na intenção de solucionar este ponto, afirma existirem dois princípios diversos que devem ser tratados separadamente.

Há quem veja o princípio do duplo grau de jurisdição como um dos princípios da jurisdição. Neste livro, contudo, atendo ao ensinamento de Humberto Theodoro Junior (1981, p. 184), estamos promovendo uma abordagem separada entre o princípio da recursividade e o princípio do duplo grau de jurisdição. É que o princípio da recursividade tem uma abrangência maior porque consagra toda sorte o inconformismo de decisões contrárias. Por isso, desimporta se a inconformidade dá-se em forma de recurso para o próprio juiz

25 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações

autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p. 49.

26 THEODORO, Humberto Jr.. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. Volume 1. Rio de Janeiro: Forense. 2012. p. 598. 27 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria geral do

direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 157.

28 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1997. p. 264.

(27)

ou se vai ser decidida por outro órgão superior da organização judiciária. Essa preocupação é mais específica e pertine ao princípio do duplo grau de jurisdição que se subsume no princípio da recursividade.

Portanto, para tais juristas somente há que se falar em duplo grau de jurisdição quando efetivamente houver a submissão a juízo distinto e com diferente grau hierárquico, caso contrário, a revisão do que decidido é decorrente do princípio da recursividade.

Nesse sentido, também se posiciona a professora Teresa Arruda Alvim Wambier acompanhada de José Miguel Garcia Medina30 ao externar, expressamente, a necessidade de submissão da decisão a revisão por órgão hierarquicamente superior. Em outras palavras, o princípio do duplo grau de jurisdição somente se mostraria presente quando o recurso a ser julgado fosse levado à Tribunal competente.

Por consequência lógica, a viabilidade de reconsideração do julgado pelo próprio juízo não decorreria, assim, do duplo grau de jurisdição, mas sim da viabilização do inconformismo do jurisdicionado com uma única apreciação de suas razões.

Nesse sentido também se posicionou, expressamente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Recurso em Habeas Corpus31, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, ao afirmar:

Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária.

30 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações

autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p. 51.

(28)

Já para Marinoni e Arenhart32, o duplo grau consiste, tão somente, na

viabilidade de revisão da decisão, independentemente de alteração da competência. Não há que se falar na necessidade de alteração de hierarquia do órgão julgador para que se faça cumprida a exigência do duplo grau.

Seguindo essa linha, acompanhando ao entendimento de Ítalo Augusto Andolina e, ainda, atenta as raízes do duplo grau, Marina França Santos33 manifesta-se:

Recorda-se, aliás, que não se verificou, na análise do conteúdo e do suporte teleológico do instituto, a exigência de o duplo grau estar vinculado a qualquer escalonamento hierárquico entre juízes de primeira e segunda instância, concluído que tal formação, embora de uso generalizado, não se mostra indispensável ou inerente ao instituto. Diante da decisão prolatada, após transcorrer completo do processo, o que se exige é a possibilidade de impugnação, de debate, em síntese de questionamento da motivação acusada pelo órgão detentor do poder para daquela forma dizer e realizar o direito.

Por fim, o professor Cassio Scarpinella Bueno34 afirma que, preferencialmente, a decisão deve ser revista por outro órgão julgador e de hierarquia distinta, mas não descarta sua presença quando a revisão dá-se por órgão de mesma hierarquia.

A coerência mostra-se presente nesta última linha, no sentido de que a distinção em princípio da recursividade e duplo grau de jurisdição não se justifica quando considerados os intentos que trouxeram o duplo grau aos ordenamentos jurídicos.

A busca de um duplo julgamento, como intento de segurança e justiça, e ainda mais, como forma de garantia da democracia no exercício da jurisdição, mostra-se satisfatório quando realizado pelo mesmo órgão julgador.

32 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de

conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 487.

33 SANTOS, Marina França. A garantia do duplo grau de jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 114-115.

34 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria geral do

(29)

Avançando nas conclusões, ele se mostra presente independentemente de se tratar de um órgão singular ou colegiado, como se exporá mais adiante.

1.3.1 Um princípio ou uma garantia constitucional?

O princípio35 do duplo grau de jurisdição está relacionado diretamente à noção de Estado de Direito, no sentido de que deve haver um controle das atividades do Estado que seja interno do próprio poder da Federação ou, ainda, externo realizado pela sociedade.

No que se refere à adjetivação deste como princípio constitucional, o ponto crucial está no fato da Constituição Federal não o abordar expressamente em seu texto.

Com acerto, pontifica a melhor doutrina deter o aludido princípio perfil constitucional, ainda que integre a Constituição apenas de forma implícita, o que, muito embora, não o coloca,

prima facie, em posição hierarquicamente inferior a dos demais princípios processuais presentes na Constituição. A previsão Constitucional do duplo exame está intimamente ligada à hodierna noção de Estado de Direito Democrático, que exige o controle das atividades estatais.36

35 Para fins de compreensão do duplo grau de jurisdição, como foco do estudo do presente capítulo tem-se, aqui, o cuidado de adotar uma conceituação para princípio, como uma matriz macro, do qual as demais considerações derivaram. Nas palavras do professor Humberto Ávila:

“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com

pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. (...) Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das regras é a previsão do comportamento. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios - da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 193 e 194).

36 BALEOTTI, Francisco Emilio. O duplo grau de jurisdição revisitado considerações críticas

(30)

Para o professor Cassio Scarpinella Bueno, independente de estar ou não expresso no texto constitucional, a análise do princípio deve considerar que este faz parte do que se denomina “Modelo Constitucional de Direito Processual Civil” e seu conteúdo encontra-se implicitamente integrado. Em suas palavras:

Justamente em face do que se extrai do Código de Processo Civil, não obstante todas as modificações pelas quais ele passou nos últimos anos, não há como recusar que o princípio do duplo grau de jurisdição derive de sentimento generalizado

no processo civil de que “toda” decisão é recorrível – e recorrível aqui significa recorrível plenamente, inclusive do ponto de vista dos fatos subjacentes à decisão, gerando, quando menos, uma sensação de que a questão relativa à pesquisa relativa ao duplo grau de jurisdição tem que ser examinada também fora do ambiente normativo (isto é, fora do

texto “escrito” e, mesmo, do “não escrito” da Constituição) e

capturada a partir deste sentimento, tal qual ele é e enquanto ele é37.

O “princípio do duplo grau de jurisdição” é um princípio implícito

na Constituição Federal de 1988, apesar de o inciso II do art. 102 e o inciso II do art. 105, ambos da Constituição, assegurarem, nos casos específicos que preveem, um duplo grau (v.n. 2 do Capítulo 10). Como demonstra o n. 8 do Capítulo 1 da Parte II do vol. 1, esta conclusão é inarredável pela constatação da existência de competência dos Tribunais brasileiros e, mais amplamente, pela abrangência que o

“princípio do devido processo legal” assume, como dado

eminentemente cultural e sociológico, em todos aqueles que militam no foro.

O “princípio do duplo grau de jurisdição” quer significar que toda decisão proferida por um magistrado (o órgão a quo) é passível de revisão para outro (o órgão ad quem) que tenha condições de revisar, no sentido amplo, aquela decisão.38

37 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria geral do

Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 159.

38 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos e

(31)

Nessa mesma linha de raciocínio segue os ensinamentos de Nelson Nery Jr.39, que juntamente a Rui Portanova40, colocam o princípio do duplo

grau de jurisdição como princípio implícito da constituição e, mais que isso, derivado do princípio explícito do devido processo legal. Nas palavras de Nelson Nery41:

O princípio fundamental do processo civil, que entendemos como a base sobre a qual todos os outros princípios e regras se sustentam, é o do devido processo legal, expressão oriunda da inglesa due process of law. A Constituição Federal de 1988 fala expressamente que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”(CF, 5º, LV).

Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras constitucionais são espécie.

Para Marina França Santos: “O recurso, como parte integrante do devido processo legal, é alçado a instrumento capaz de, pelo controle interno da atividade decisória, garantir que o processo realize com o respeito a todas as suas balizas.”42

Fernando Gonzaga Jayme43 explica que a conotação do duplo grau, decorrente do devido processo legal, é uma simples questão de hermenêutica.

A referida norma constitucional, ao fazer acompanhar

“recursos” do termo “meios” com o uso da conjunção copulativa

(e não a alternativa) deixa claro que se refere, na qualificação

39 NERY, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6ª ed. Atualizada, ampliada e reformulada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

40 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1997.

41 NERY, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6ª ed. Atualizada, ampliada e reformulada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 79.

42 SANTOS, Marina França. A garantia do duplo grau de jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 112-113.

(32)

do contraditório e da ampla defesa, a dois instrumentos distintos, aptos a, conjugadamente ou não, realizar a garantia assegurada.

Esta é a exegese compatível com os postulados gerais hermenêuticos, que exigem, desde as suas primeiras lições, que a interpretação das normas deve ser tal que não a reduzida à inutilidade – commodissimun est, id accipi quo res de qua agitur, magis valeat quam pereal (prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao Inês de que os reduza à inutilidade) ou verba cum effectu, sunt accipienda (presume-se que na lei não há palavras inúteis). (...) Ao prover, portanto, meios e recursos inerentes ao contraditório e a ampla defesa, a Constituição refere-se, explicitamente, ao direito alegado (traduzindo: os meios, ou os recursos, em sentido ordinário) e aos instrumentos necessários para impugnar eventuais erros in judicando ou in procedendo nas decisões prolatadas (ou seja, os recursos, em sentido processual), concedendo, portanto, mais um sinal de que o devido processo legal por ela instituído acolhe o duplo grau de jurisdição.

Em oposição a esta conotação dissertam Marinoni e Arenhart44:

Quando a constituição Federal afirma que estão assegurados o contraditório a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, ela não está dizendo que toda e qualquer demanda em que é assegurada a ampla defesa deve sujeitar-se a uma revisão ou a um duplo juízo. Os recursos nem sempre são inerentes à ampla defesa. Nos casos em que não é razoável a previsão de um duplo juízo sobre o mérito, como nas hipóteses das causas

denominadas de “menor complexidade” – que sofrem os efeitos benéficos da oralidade – ou em outras, assim não definidas, mas que também possam justificar, racionalmente, uma única decisão, não há inconstitucionalidade na dispensa.

A ampla defesa – que se insere em uma perspectiva mais dilatada, que é a do devido processo legal – deve sempre ser pensada em confronto com o direito à tempestividade e à efetividade da tutela jurisdicional, que são corolários do direito de ação, também expressamente garantido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Ao legislador infraconstitucional, em outras palavras, é deferida a oportunidade de verificar quando é racionalmente justificável, em nome do direito constitucional à tempestividade da tutela jurisdicional, a dispensa do duplo juízo, por não ser um recurso inerente à ampla defesa.

44 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de

(33)

O art. 5º, LV, da CF, quer dizer que o recurso não pode ser suprimido quando inerente à ampla defesa; e não que a previsão do recurso é indispensável para que seja assegurada a ampla defesa em todo e qualquer caso.

A inclusão do princípio do duplo grau de jurisdição, como princípio implícito da Constituição Federal, também é extraído da previsão constitucional de duplicidade de pronunciamento, decorrente da estrutura do Poder Judiciário.

Poderia entrever-se o duplo grau de jurisdição na constituição, no capítulo referente aos órgãos judiciários (tribunais e juízes) em forma hierárquica. No entanto, é ilação e não afirmação, pois, em muitos casos, não há obediência a esse princípio, como nos feitos originários (verbi gratia, mandado de segurança contra ato do Presidente da República).45

Reforçando essa ideia, Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier46 afirmam:

A Constituição Federal (LGL/1988/3) descreve a estrutura do Poder Judiciário e cria Tribunais, cuja função, preponderantemente, é a de julgar recursos. Não está, de fato, expresso na Constituição o princípio do duplo grau de jurisdição (o que não é óbice a que seja considerado princípio constitucional) e se sabe que a lei ordinária cria, como acabou

de criar “exceções” a esse princípio (o que também não conflita

com a natureza de princípio constitucional que tem esta regra).

Ainda mais, Fernando Gonzaga Jayme47:

A Constituição deixa claro que os tribunais julgarão, sempre, as causas decididas pelos juízes, isto é, independentemente da

45 ROSAS, Roberta. Direito Processual Constitucional. Princípios constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 21.

46 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Apud. JAYME, Fernando Gonzaga. A superação do duplo grau de jurisdição como princípio. Revista dos Tribunais. Volume. 214. p. 147. Dez/ 2012. DTR\2012\450935.

(34)

previsão de recursos em face das questões incidentes no andamento do processo (recurso de agravo), deve se assegurado recurso contra a decisão que julgar a lide, vale dizer, que apreciar, de forma completa, a pretensão dirigida ao Judiciário. Este é, exatamente, o objeto do duplo grau de jurisdição.

A conotação de estrutura do Poder Judiciário, como corolário do princípio do duplo grau de jurisdição, foi elencada em algumas disposições constitucionais, que merecem ser aqui colacionadas.

A primeira delas refere-se à previsão, no artigo 105, III, da Constituição Federal48, que traz a possibilidade de interposição de recurso especial das decisões. Para os que defendem esse entendimento, tal previsão é precursora da direito das partes de apresentar recurso de apelação.

Marinoni e Arenhart49 afastam, no entanto, essa possibilidade aduzindo:

A previsão do recurso especial, contudo, se garante o direito a esse recurso nas causas decididas, em única ou última instância, pelo Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais Estaduais, do Distrito Federal e Territórios, evidentemente não garante ao litigante o direito ao recurso contra toda e qualquer decisão que venha a ser proferida pelo juiz de primeiro grau. Prever a possibilidade de interposição de recursos aos tribunais superiores não é o mesmo que garantir o duplo grau.

Em desenvolvimento deste raciocínio, alegam que se o recurso especial, ou melhor, os recursos dirigidos aos Tribunais Superiores fossem

48 Art. 105 da CF: Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

49 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de

(35)

efetivamente precursores do recurso de apelação, a Constituição Federal50 não

teria viabilizado a proposição de recurso extraordinário de decisão de primeiro grau, não submetida à revisão dos Tribunais. Mais ainda, sendo o duplo grau uma forma de reanálise do julgado e diante da limitação da devolutividade destes recursos, não haveria como se admitir tratar-se de expressão concreta do duplo grau de jurisdição.

Na sequencia, outro indício constitucional do duplo grau, é a previsão de atribuição de competência à Justiça Federal para processar e julgar, em grau de recursos, as causas decididas em primeira instância, bem como a contemplação de outros órgãos jurisdicionais que trariam essa mesma conotação.

Rebatendo este argumento, André Ramos Tavares51, assevera:

O que resta impedida, nesta hipótese, é a supressão, pura e simples, de todo e qualquer recurso para os Tribunais Regionais Federais, já que a Constituição fala que estes órgãos, além da competência originária, também possuem competência recursal das decisões dos juízes federais (e estaduais, quando do exercício de competência federal). O ponto crucial é que a Constituição, aqui, não discrimina quais são estas causas, decididas pelos juízes de primeiro grau, que os Tribunais devem estar aptos e autorizados a rever, em grau de recurso, quando a parte insatisfeita o desejar.

Com prelação ao restante da estrutura do Judiciário, contemplada constitucionalmente (juntas de conciliação e julgamento, juízes eleitorais, juízes militares, juízes estaduais e respectivos tribunais), não há, como no caso da Justiça Federal, a previsão de competência recursal para os tribunais, de forma que poderiam as leis processuais e de organização judiciária preverem apenas competências originárias, dividindo-as entre os órgãos inferiores e os Tribunais, de forma a não contemplar nenhuma via de recurso daquele para estes.

50 Artigo 102: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...)

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal

(36)

De concluir-se, pois, que todos os casos de competência da Justiça Federal são delineados pela legislação ordinária, que só não poderá suprimir por completo a competência recursal dos referidos tribunais. Assim, desde que haja ao menos uma possibilidade de recurso, cumprido estará o comando constitucional que prevê a competência recursal do Tribunal, sem que, com isso, esteja igualmente garantido o duplo grau. Quanto às demais justiças, admissível será que se destinem aos Tribunais determinadas causas, diretamente (originariamente), suprimindo-se qualquer forma de apreciação por via recursal.

Por fim, as disposições dos artigos 102, II e 105, II52, da Constituição Federal, trazem expressamente previstas uma competência aos tribunais superiores para julgamento de recurso ordinário de decisões cuja competência originária pertence aos demais tribunais, ratificando a implicitude constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição.

Em contrapartida, aqueles que rebatem a conotação constitucional deste princípio, aduzem que a previsão destes artigos limitam as possibilidades obrigatórias de revisão a estes casos traçados expressamente pelo texto constitucional. E, mais, relatam sobre as hipóteses de competências originárias dos tribunais superiores, resultando em decisões irrecorríveis.

52 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...)

II - julgar, em recurso ordinário:

a) o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o "habeas-data" e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

b) o crime político;

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: II - julgar, em recurso ordinário:

a) os "habeas-corpus" decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;

b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;

(37)

Nesse diapasão, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina.53 fazem a observação de que o próprio texto constitucional traz uma relativização do princípio do duplo grau de jurisdição.

Pode-se dizer, assim, que o próprio sistema constitucional prevê, de um lado, e de modo mais acentuado, o princípio do duplo grau de jurisdição, e, de outro, um princípio oposto, que embora menos proeminente, não pode ter sua existência ignorada, qual seja o princípio da unicidade de juízo ou de instância, ou de julgamento único

Alguns autores, ainda, afirmam que o princípio do duplo grau estaria expressamente previsto na norma constitucional, em decorrência da recepção54, pelo ordenamento brasileiro, do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direito Humanos). Tal afirmativa merece cautelas.

A previsão expressa no artigo 8º, n.2, letra “h”, deste Tratado afirma:

Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

Em interpretação da norma, por si só, já é possível verificar que a disposição trata da garantia do duplo grau às questões de natureza penal, já excluindo uma previsão expressa ao processo civil. Nesse sentido, Nelson Nery55 discorre:

53 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações

autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p. 52.

54 Recepcionado pelo Decreto Legislativo nº 27/1992 e promulgado pelo Decreto nº 678/1992.

55

(38)

“No entanto, a garantia expressa no tratado parece não

alcançar o direito processual como um todo, donde é lícito concluir que o duplo grau de jurisdição como garantia constitucional absoluta, existe no âmbito do direito processual penal, mas não no do direito processual civil ou do trabalho.”

Mais do que isso, é de se ressaltar que o tratado, ao contrário do afirmado por muitos doutrinadores, não possui a natureza jurídica de norma constitucional.

A sua aprovação não seguiu aos ditames do artigo 5º, §3º, da Constituição Federal, com quóruns qualificados, tendo sua natureza jurídica sido estabelecida por julgamento do Supremo Tribunal Federal56 que o

caracterizou como norma de caráter supralegal.

Sendo assim, nem mesmo quando relativo à natureza penal é possível falar em garantia absoluta de duplo grau de jurisdição, como o fez Nelson Nery Junior.

O que se pode perceber com todas as considerações traçadas até agora, é a de que, mesmo quando se rebate a este enquadramento de

56 HABEAS CORPUS. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO WRIT AJUIZADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MITIGAÇÃO DA SÚMULA 691/STF. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. INADMISSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO PLENÁRIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou a orientação de que só é possível a prisão civil do "responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia" (inciso LXVII do art. 5º da CF/88). Precedentes: HCs 87.585 e 92.566, da relatoria do ministro Marco Aurélio. 2. A norma que se extrai do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal é de eficácia restringível. Pelo que as duas exceções nela contidas podem ser aportadas por lei, quebrantando, assim, a força protetora da proibição, como regra geral, da prisão civil por dívida. 3. O Pacto de San José da Costa Rica (ratificado pelo Brasil - Decreto 678, de 6 de novembro de 1992), para valer como norma jurídica interna do Brasil, há de ter como fundamento de validade o § 2º do artigo 5º da Magna Carta. A se contrapor, então, a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional -- à falta do rito exigido pelo § 3º do art. 5º --, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida. 4. Na concreta situação dos autos, a prisão civil do paciente foi decretada com base nos artigos 652 do Código Civil e 904, parágrafo único, do Diploma Civil Adjetivo. A autorizar, portanto, a mitigação da Súmula 691. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. (grifei e negritei)

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