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1 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

6.1 DA IRRECORRIBILIDADE DO INCISO II DA CONVERSÃO DO AGRAVO

A conversão do agravo de instrumento em retido, com a remessa dos autos ao juízo a quo, para fins de apensamento, resulta na só possibilidade do julgamento final deste recurso, quando requerido pela parte, em razões de apelação ou contrarrazões de apelação. Isto implica em afirmar que há, na maioria das vezes, uma distância temporal razoável entre a propositura do recurso e sua apreciação pelo órgão colegiado.

Esta constatação, por si só, autoriza concluir que a redação do parágrafo único, do artigo 527, no que se refere ao inciso II, deste dispositivo legal, ainda que não esteja frente a violações de duplo grau de jurisdição e colegialidade, implica, sim, em uma violação à eficácia da tutela jurisdicional.

O princípio da eficácia impõe ao processo civil o dever de “gerar resultados práticos e concretos para aqueles que procuram o Estado-Juiz para resolução de seus conflitos de interesse.”262

262 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 187.

Como já demonstrado, o requisito de admissibilidade do agravo na sua forma de instrumento exige a presença do “perigo de dano grave de difícil reparação”. A realização deste juízo de admissibilidade é feita, tão somente, no órgão ad quem, que neste momento da conversão é efetivado pelo juízo monocrático de forma fracionada, cabendo sua revisão pelo órgão colegiado no momento do julgamento do agravo. Ora, se a decisão realizada pelo juízo monocrático se der de maneira equivocada a sua revisão no momento do julgamento final se mostrará inócua, vez que se realmente se tratar de uma tutela de urgência o dano já se terá consumado, impedindo, por muitas vezes, o restabelecimento ao status quo anterior.

Há uma evidente inobservação, mínima, que seja, da necessidade de eficácia. Negar a imediata recorribilidade desta decisão seria o mesmo que negar a tutela devida ao jurisdicionado, gerando, por consequência lógica, uma inconstitucionalidade evidente da disposição do parágrafo único.

Como disserta Cassio Scarpinella Bueno263 deve-se considerar esta norma não escrita, porque inconstitucional, e se admitir a propositura do agravo interno, na forma como prevista no artigo 557, §1º, do Código de Processo Civil.264

Outra questão, ainda, deve ser enfrentada por este trabalho.

Como já disposto no item 5.3, quando em 2001, por meio da Lei nº 10.352, foi introduzido no ordenamento jurídico a possibilidade de conversão pelo relator e sua recorribilidade por meio do recurso de agravo interno, a experiência demonstrou que a regra era inócua, porquanto o relator ao saber da viabilidade da revisão de sua decisão, por recurso interposto pela parte, deixava de realiza-la e optava pelo julgamento final do próprio agravo de instrumento a fim de evitar dois julgamentos.

263 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos. Processos e incidentes nos tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões judiciais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 213.

264 Art. 557. §1º: Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para

o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

Outra não pode ser a conclusão, se não, a de que todas as formas até hoje dispostas na norma, para fins de conversão constituem em equivocadas redações a serem corrigidas pelo legislador.

Ora, o ideal seria que este juízo de admissibilidade acontecesse, de maneira liminar, pelo órgão colegiado, atribuindo eficiência265 à prestação jurisdicional. Ao relator, então, é dado o dever de levar em mesa, para apreciação do colegiado, a admissibilidade dos recursos que ele preliminarmente entenda ser caso de conversão, autorizando uma definitiva análise da admissibilidade recursal, superando assim quaisquer violações aos princípios constitucionais até aqui relacionados.

6.2 DA IRRECORRIBILIDADE DO INCISO III – DA ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO OU DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL

A tutela de urgência possui natureza constitucional de forma que, somente será dado acesso à justiça, quando ao jurisdicionado é atribuída tempestividade a tutela requerida.

Com fulcro nesta essência, é que, por meio do artigo 558, do Código de Processo Civil, ao relator foi delegada a competência de apreciação liminar das razões do mérito recursal, podendo suspender os efeitos da decisão recorrida ou, ainda, antecipar os próprios efeitos da tutela recursal, estando esta decisão submetida à revisão do órgão colegiado, somente no momento do final julgamento do agravo.

265 Eficiência tem como um de seus mandados o de que a atividade jurisdicional seja otimizada,

A previsão legal de irrecorribilidade desta decisão, no entanto, não condiz com a violação a qualquer mandamento constitucional. Esta disposição normativa veio junto com a onda de reformas do sistema recursal, no intuito de empregar uma maior celeridade a este sistema.

Como já demonstrado neste trabalho e reiterado por diversas vezes, os valores constitucionais podem e devem ser sopesados (ponderados) de maneira a atribuir uma uniformidade e logicidade ao sistema jurídico, mantendo assim a sua coerência. Partindo da premissa que esta autora afasta a violação ao duplo grau de jurisdição e a colegialidade, por ser o relator órgão do próprio Tribunal e, assim, também, juiz natural do recurso, cabe aqui o enfrentamento quanto à ponderação, nesta hipótese, entre a celeridade trazida pela redação do parágrafo único, do artigo 527, e a imposição de uma efetiva tutela jurisdicional.

Athos Gusmão Carneiro266, trazendo o pensamento de Araken de Assis, que por algum tempo foi também por ele defendido, expõe:

Araken de Assis, todavia, sustentava que a lei, em “silêncio eloquente, omitiu-se de repetir no art. 558 a previsão do art. 557, dispondo ao invés, que a decisão ficará suspensa até o pronunciamento definitivo do órgão colegiado, e este pronunciamento somente poderá ser o do julgamento do próprio agravo, mesmo porque “o rito célere, agora imprimido ao agravo de instrumento, repele a possibilidade de outro agravo, agora regimental, contra ato do relator”; além disso, o eventual provimento do agravo interno, seguido por decisão “definitiva” do colegiado em sentido eventualmente adverso, iria gerar uma “inafastabilidade imprópria e contradições inconvenientes”.

Em conformidade com Araken, portanto, a celeridade justificaria a irrecorribilidade da decisão e a tutela somente seria eficaz se assim procedesse o legislador, evitando ilogicidades nos julgamentos e, até mesmo, dando cumprimento ao coerente procedimento recursal aplicado ao agravo.

266 CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno. Rio de Janeiro:

Na mesma obra Athos Gusmão Carneiro267, no entanto, traz os motivos que fizeram com ele abandonasse as razões de Araken de Assis e optasse por uma inconstitucionalidade da norma.

Em primeiro lugar, a inexistência de recurso contra a decisão singular do relator poderá motivar o litigante a novamente utilizar, de forma anôma-la e vitanda, o mandado de segurança como sucedâneo recursal, e conduzir a jurisprudência a novamente tolerar tal despautério processual.

Além disso, se é certo que as decisões monocráticas, em sua grande maioria, são justas e razoáveis, algumas podem apresentar injuricidade gritante, que necessite de correção a mais pronta e eficaz; e a objeção decorrente da celeridade do rito de agravo de instrumento nem sempre encontra respaldo na realidade (...).

Por fim, casos existem, principalmente em demandas coletivas – como as ações civis públicas, em que a decisão liminar, incontinenti proferida, revela-se de imensa importância, pois a continuidade ou a interrupção de determinadas obras ou condutas podem conduzir de imediato a uma situação de fato irreversível ou dificilmente reversível, acarretando grave prejuízo, ou evitando grave prejuízo para a sociedade ou para uma ou outra parte.

Acompanhado está da maioria maciça da doutrina nacional, que não só argumenta estar frente a uma ineficácia da tutela jurisdicional, se vedada a forma recursal, como também se apoia na inconstitucionalidade decorrente da violação ao duplo grau de jurisdição e colegialidade dos tribunais.268

Crê-se, no entanto, que às razões de Araken de Assis mostram-se coerentes com o mandamento da efetividade, de maneira que somente se mostrará presente se vedada à possibilidade recursal.

Ainda que se considere que a viabilidade de apresentação de recurso desta decisão implique em “cânones da ampla defesa e do devido processo

267 CARNEIRO, Athos Gusmão. Op. Cit. p. 268.

268 Exemplificativamente podemos citar: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos. Processos e Incidentes nos Tribunais. Sucedâneos Recursais: técnicas de controle das decisões judiciais. São Paulo: Saraiva, 2012; e

DIDIER, Fredie Jr., CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Volume III. Salvador: JusPodium, 2011.

legal”269, estes princípios serão ponderados frente a uma necessidade de urgência eminente que exala destas decisões.

Ora, embora seja real a colocação de Athos Gusmão Carneiro de que a celeridade procedimental (julgamento em 30 dias) imposta pelo agravo de instrumento nem sempre seja observada. A prática, hoje, nos permite afirmar que a imposição das metas do Conselho Nacional de Justiça aos tribunais do país resultou, sim, em uma excelente agilização do julgamento destes recursos.

Mais que isso, se levada em consideração a morosidade existente na autuação dos recursos nos tribunais brasileiros, que alcançam por vezes mais de seis meses, o tempo de apresentação do recurso de agravo interno ao relator para alteração da decisão antes proferida já é suficiente para justificar a melhor alternativa a atribuição de eficiência a tutela jurisdicional prestada.

Ainda mais, a própria experiência forense do passado, quando referidas decisões eram atacadas por agravo regimental, o que se verificou foi que, no intuito de evitar o julgamento de dois recursos pelo colegiado a regra era que se levasse o próprio agravo de instrumento para julgamento final, julgando-se prejudicado o agravo regimental.

A inexistência de levantamentos estatísticos não nos permite afirmar com a certeza científica necessária, mas, no entanto, com base na experiência de quem labora no Poder Judiciário, torna possível afirmar que as decisões mantem em maioria maciça uma coerência que autoriza ao legislador a restrição à espécie recursal. Raras são as vezes em que a antecipação da

269

“O agravo é o recurso cabível contra a decisão que defere ou indefere liminar em Mandado de Segurança, a teor dos arts. 527, II, e 588, do CPC, com a novel redação dada pela Lei 9.139/95. Precedentes do STJ:[...] 2. A supressão de recurso tendente a modificar o provimento liminar, em sede de writ, viola os princípios constitucionais processuais da ampla defesa e do due process of law. 3. É que subtrair a possibilidade de interpor Agravo de Instrumento contra a decisão, que concede ou denega a liminar em mandado de segurança, ressoa incompatível com os cânones da ampla defesa e do devido processo legal de previsão jusconstitucional. 4. Dessarte, considerando que o agravo é instrumento recursal que desafia qualquer decisão interlocutória, independentemente do rito inerente à ação, correta se mostra a sua utilização contra a decisão concessiva ou denegatória de liminar em mandado de segurança.” (STJ, Resp 1.101.740/SP. Corte Especial. Relator Luiz Fux. Julgado em 04/11/2009. Publicado em 07/12/2009). (grifei)

tutela recursal é deferida e, ao final, em sede colegiada, a decisão é caçada e negado provimento ao recurso, ou vice versa.

Não se pode ignorar ainda a forma romântica como a colegialidade é vista aos olhos de muitos estudiosos do processo. O que ocorre na prática, nos dias atuais, são decisões cada vez mais solitárias que, principalmente no que se refere ao recurso de agravo, ausente de órgão revisor, por exemplo, não se submetem a qualquer discussão dos membros do colegiado, sendo em maioria esmagadora, proferidas de forma unânime.

Guilherme Jales Sokal270, em introdução ao estudo elaborado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, bem discorreu sobre este fenômeno que assola o Poder Judiciário atual:

Se um observador distante da realidade judiciária brasileira examinasse, de boa-fé, as disposições previstas nos arts. 547 a 565 do Código de Processo Civil, que compõem o capítulo “Da ordem dos processos no Tribunal”, formaria uma imagem um tanto quanto romântica acerca do modo como são julgados os recursos nos Tribunais nacionais.

A ilusão talvez mais marcante em que ele incorreria seria crer que os recursos, em sua esmagadora maioria, são apreciados por órgãos exclusivamente colegiados. E acreditar nisso, rechaça-se, não seria um erro grosseiro: dos trinta e oito dispositivos que compõem o Capítulo do Código, incluindo-se na contagem também os parágrafos, trinta e quatro são dedicados à disciplina do julgamento colegiado dos recursos, ao passo que apenas quatro tratam do julgamento monocrático, isto é, quando proferido por um julgador singular (CPC, caput e parágrafos do art. 557). Nada mais natural seria que essa proporção se pautasse por um reflexo do que ocorre na prática; hoje, no entanto, e em especial após a década de noventa do século passado, sabe-se que ocorre justamente o inverso.

Não termina aí, porém, o engano. O observador também seria levado a acreditar que, no cotidiano dos Tribunais, a decisão colegiada representaria o produto de uma robusta deliberação pública, pelo confronto virtuoso das distintas visões manifestadas por no mínimo três julgadores sobre a matéria discutida no recurso (CPC, art. 555, caput). O cenário ficaria

270 SOKAL, Guilherme Jales. Introdução. In. O procedimento recursal e as garantias fundamentais do processo: A colegialidade no julgamento da apelação. Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2011.

completo com a influência ampla e efetiva das partes no resultado do julgamento através da sustentação oral, nas hipóteses em que cabível (CPC, art. 554, caput), cuja realização se faria possível pela preparação decorrente da intimação prévia dos interessados da pauta para julgamento (CPC, art. 552).

Dificilmente, em meio a todas essas regras, o observador conceberia que a sessão colegiada pudesse ser realizada com intuito pro forma, quando, previamente à sua realização, todos os membros do colegiado já tivessem obtido aceso, por via eletrônica, ao voto elaborado pelo relator do recurso. Também não seria crível a apreciação, em bloco, de dezenas de recursos de modo simultâneo, presumivelmente iguais e individualizados na sessão apenas por seus números identificadores, se que ocorresse, no julgamento, o exame ao menos das razões suscitadas por cada recorrente. Ficaria ele ainda mais surpreso se a sustentação oral fosse francamente desestimulada, in loco, por olhares repressores ou mesmo por advertências verbais feitas pelos julgadores, quase sempre acompanhados da mais franca desatenção, com o intuito claro de acelerar a todo custo o andamento da sessão.

Sendo assim, em evidente conclusão, a efetividade necessária a tutela jurisdicional (representada aqui nas tutelas de urgência) somente se mostrará presente, quando devidamente observado os preceitos do parágrafo único, do artigo 527, do Código de Processo Civil.

Bem explana está ideia o trecho da obra de Dolesmar Domingos de Mendonça Jr271.:

Nesse contexto, o princípio da ampla defesa deve ser ponderado com a da duração razoável do processo, buscando harmonização que conduz à prerrogativa de participação e influência na formação do juízo de valor do julgador sem fetichismo ou meras formalidades. A visão moderna do contraditório, em cotejo com a efetividade, leva à supressão de uma visão clássica caracterizada por uma compreensão formalista do contraditório, sem preocupação com a duração do processo.

271 MENDONÇA Jr, Delosmar Domingos. A decisão monocrática do relator e o agravo interno na teoria geral dos recursos. Tese apresentada para obtenção de grau de Doutor. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005. p. 32.

Não se pode deixar de ressaltar, por fim, que há a viabilidade de que esta decisão possa, quando teratológica, e aí sim certamente capaz de trazer prejuízos irreparáveis, ser atacada por meio de mandado de segurança, conforme já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça272.

No entanto, cabe ressaltar, que a utilização do writ como forma de afronta a estas decisões não pode e não deve se tornar uma regra, pelas razões que serão expostas no tópico a seguir.

6.3 DA UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA REFORMA