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Representações do trabalho docente a partir do uso do livro didático: o que dizem alguns professores de língua portuguesa do ensino fundamental

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Academic year: 2021

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(1)15. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS. Bárbara Muders. REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DO USO DO LIVRO DIDÁTICO: O QUE DIZEM ALGUNS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL. Santa Maria, RS 2018.

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(3) 17. Bárbara Muders. REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DO USO DO LIVRO DIDÁTICO: O QUE DIZEM ALGUNS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras, Área de Concentração em Estudos Linguísticos, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras.. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Vaima Regina Alves Motta. Santa Maria, RS 2018.

(4) 18. Ficha catalográfica elaborada através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Central da UFSM, com os dados fornecidos pelo (a) autor (a)..

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(7) 21. DEDICATÓRIA. Aos meus pais, ao meu irmão e ao meu noivo, por sempre estarem ao meu lado, me apoiando em todos os momentos..

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(9) 23. AGRADECIMENTOS. A Deus, pelo dom da vida, por iluminar os meus caminhos e dar força para seguir em busca dos meus sonhos. Aos meus queridos pais, Davi e Marinita, pelo apoio incondicional, pelas palavras de incentivo, de ajuda e por sempre acreditarem que conseguiria alcançar este objetivo. Obrigada pela amizade, pelo companheirismo, pelos ensinamentos e pelos exemplos de vida. Minha eterna gratidão. Ao meu querido irmão, Matheus, e à minha querida cunhada, Morgani, pela confiança, amizade e apoio em todos os momentos, sempre com uma palavra de incentivo e de ajuda. Obrigada pelo carinho! Ao meu querido noivo Éverton, por sempre estar ao meu lado, me apoiando em todos os momentos. O seu companheirismo, a sua ajuda, o seu amor e a sua paciência foram determinantes para a realização deste sonho. Obrigada por estar ao meu lado e fazer parte desse momento. À família do meu noivo Éverton, pelo apoio e carinho. Aos demais familiares e amigos, pelas palavras de incentivo e de ajuda. À querida amiga Natiele, pelo carinho e pela ajuda prestada ao longo do mestrado. Às escolas e aos professores envolvidos na pesquisa, pela recepção e pela disponibilidade em participar deste estudo. Aos professores que fizeram parte da banca de qualificação e de defesa da dissertação, Cristiano Egger Veçossi, Maísa Augusta Borin, Joceli Cargnelutti, Gil Roberto Costa Negreiros, Ivani Cristina Brito Fernandes, pela leitura e pelas contribuições feitas a este trabalho. Um agradecimento especial às Professoras Doutoras Vaima Regina Alves Motta e Marcia Cristina Corrêa, responsáveis pela realização deste trabalho. Agradeço por toda a confiança, apoio, incentivo e dedicação. Sobretudo, por todos os conhecimentos compartilhados e pela oportunidade de desenvolver este trabalho. Obrigada por acreditarem em mim e por sempre estarem dispostas a me ajudar..

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(11) 25. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. (Paulo Freire).

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(13) 27. RESUMO REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DO USO DO LIVRO DIDÁTICO: O QUE DIZEM ALGUNS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL AUTORA: Bárbara Muders ORIENTADORA: Vaima Regina Alves Motta O presente trabalho tem como objetivo identificar se o professor de Língua Portuguesa revela que se apropria do Livro Didático como um instrumento de ensino. Adotamos, neste trabalho, a perspectiva teórica do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), com referência a Bronckart (2012), Machado (2007, 2009) e Machado e Bronckart (2009). Essa concepção volta-se para um estudo sobre a linguagem em sua relação com as ações humanas. Os procedimentos metodológicos que orientam esta pesquisa estão voltados para a análise de textos, com o intuito de compreender as diversas formas de agir dos seres humanos, em específico o trabalho docente, conforme a perspectiva do ISD explicitada em Machado e Bronckart (2009). Para atingir nosso objetivo, partimos da situação de trabalho de duas professoras de escolas públicas de um município do interior do estado do Rio Grande do Sul. O município possui duas escolas – uma municipal, com Ensino Fundamental completo, e outra estadual, com Ensino Fundamental e Médio. A partir desse contexto de pesquisa, realizamos entrevistas com duas professoras de Língua Portuguesa que ministram aulas no 9º ano do Ensino Fundamental das respectivas escolas. Essas entrevistas foram analisadas a partir dos pressupostos teóricos de Bronckart (2012) e Machado e Bronckart (2009), no que diz respeito aos aspectos de produção do texto e dos três níveis de análise, a saber: o organizacional, o enunciativo e o semântico. Apoiados nesses pressupostos, essa pesquisa possibilitou concluir que as professoras não revelam com clareza como é feita a utilização do Livro Didático, se há de fato a apropriação desse material enquanto um instrumento de ensino. Contudo, esse estudo trouxe contribuições para o trabalho do professor de Língua Portuguesa. A principal contribuição é o fato de termos dado voz ao professor, pois é ele o principal interlocutor do Livro Didático, o responsável pelo desenvolvimento de práticas de ensino com o uso desse material. Ademais, essa pesquisa possibilitou uma compreensão sobre o processo de escolha e distribuição dos Livros Didáticos, apontando para as dificuldades enfrentadas pelos docentes no âmbito dessa ação. Por fim, revelou as complexidades que envolvem o trabalho docente, demonstrando que as ações desempenhadas por eles são resultado da interação com outros fatores - sistema educacional e sistema de ensino - e de outras atividades sociais – políticas, culturais e econômicas – que acabam influenciando as instituições de ensino e provocando transformações tanto no ambiente educacional, como em toda a sociedade.. Palavras-chave: Trabalho Docente. Livro Didático. Interacionismo Sociodiscursivo..

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(15) 29. RESUMEN. REPRESENTACIONES DEL TRABAJO DOCENTE A PARTIR DEL USO DEL LIBRO DIDÁCTICO: LO QUE HABLAN ALGUNOS PROFESORES DE LENGUA PORTUGUESA DE LA ENSEÑANZA FUNDAMENTAL. AUTORA: Bárbara Muders ORIENTADORA: Vaima Regina Alves Motta El presente trabajo tiene como objetivo identificar se el profesor de Lengua Portuguesa revela que se apropia del Libro Didáctico como un instrumento de enseñanza. Adoptamos, en este trabajo, la perspectiva teórica del Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), con referencia a Bronckart (2012), Machado (2007, 2009) y Machado y Bronckart (2009). Esa concepción se vuelve para un estudio sobre el lenguaje en su relación con las acciones humanas. Los procedimientos metodológicos que guían esta investigación están orientados para el análisis de textos, con el objetivo de comprender las diversas formas de actuar de los seres humanos, en específico el trabajo docente, conforme la perspectiva del ISD explicitada en Machado y Bronckart (2009). Para alcanzar nuestro objetivo, partimos de la situación de trabajo de dos profesores de escuelas públicas de un municipio del interior del estado del Rio Grande do Sul. El municipio posee dos escuelas – una municipal, con Enseñanza Fundamental completa, y otra estadual, con Enseñanza Fundamental y Media. A partir de ese contexto de pesquisa, realizamos entrevistas con dos profesoras de Lengua Portuguesa que ministran clases en el 9º año de la Enseñanza Fundamental de las respectivas escuelas. Esas entrevistas fueron analizadas a partir de los presupuestos teóricos de Bronckart (2012) y Machado y Bronckart (2009), en lo que dice respecto a los aspectos de producción del texto y de los tres niveles de análisis, a saber: el organizacional, el enunciativo y el semántico. Apoyados en esos presupuestos, esta investigación nos posibilitó concluir que las profesoras no revelan con clareza como es hecha la utilización del Libro Didáctico, si ocurre de hecho la apropiación de ese material como un instrumento de enseñanza. Sin embargo, el presente estudio ha traído contribuciones para el trabajo del profesor de Lengua Portuguesa. La principal contribución es el hecho de que hemos dado voz al profesor, pues es el principal interlocutor del Libro Didáctico, el responsable por el desarrollo de prácticas de enseñanza con el uso de ese material. Además, esta investigación posibilitó una comprensión sobre el proceso de elección y distribución de los Libros Didácticos, apuntando para las dificultades enfrentadas por los docentes en el ámbito de esa acción. Por fin, reveló las complexidades que envuelven el trabajo docente, demostrando que la acciones desempeñadas por ellos son resultado de la interacción con otros factores – sistema educacional y sistema de enseñanza - y de otras actividades sociales - políticas, culturales y económicas – que acaban influenciando las instituciones de enseñanza y provocando transformaciones tanto en el ambiente educacional, como en toda la sociedad. Palabras clave: Trabajo docente. Libro Didáctico. Interacionismo sociodiscursivo..

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(17) 31. LISTA DE FIGURAS. Figura 1 - Esquema dos diferentes níveis de atividade educacional ......................... 43 Figura 2 - Esquema da atividade do professor em sala de aula................................ 44 Figura 3 - Esquema dos eixos ................................................................................... 57 Figura 4 - Esquema dos eixos uso e reflexão ........................................................... 57.

(18) 32.

(19) 33. LISTA DE QUADROS. Quadro 1 - Características do trabalho docente ........................................................ 42 Quadro 2 - Perguntas da entrevista .......................................................................... 71 Quadro 3 - Coordenadas disjunta e conjunta ............................................................ 76 Quadro 4 - Os tipos de discurso ................................................................................ 77 Quadro 5 - Elementos constitutivos do agir ............................................................... 80 Quadro 6 - Figuras do agir ........................................................................................ 80 Quadro 7 - Elementos de análise .............................................................................. 82 Quadro 8 - Tópicos das entrevistas com as professoras .......................................... 85 Quadro 9 - Conteúdo temático do texto .................................................................... 86 Quadro 10 - Actantes da entrevista com a professora Ana ....................................... 87 Quadro 11 - Actantes da entrevista com a professora Patrícia ................................. 89 Quadro 12 - Número de ocorrências dos pronomes pessoais eu e a gente/nós na entrevista da professora Ana..................................................................................... 95 Quadro 13 - Número de ocorrências dos pronomes eu e a gente/nós na entrevista da professora Patrícia .................................................................................................... 99 Quadro 14 - Elementos constitutivos do agir ........................................................... 112 Quadro 15 - Figuras do agir .................................................................................... 120 Quadro 16 - Número de ocorrências das figuras do agir na entrevista com a professora Ana ........................................................................................................ 123 Quadro 17 - Número de ocorrências das figuras do agir na entrevista com a professora Patrícia .................................................................................................. 127.

(20) 34.

(21) 35. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Número de ocorrências dos pronomes pessoais eu e a gente/nós conforme o conteúdo temático do texto da professora Ana ...................................... 96 Gráfico 2 – Número de ocorrências dos pronomes pessoais eu e a gente/nós conforme o conteúdo temático do texto da professora Patrícia............................... 100 Gráfico 3 - Modalizadores na entrevista da professora Ana .................................... 105 Gráfico 4 - Modalizadores na entrevista da professora Patrícia .............................. 110.

(22) 36.

(23) 37. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS. ISD. Interacionismo Sociodiscurso. PCNs. Parâmetros Curriculares Nacionais. PNLD. Programa Nacional do Livro Didático. LDB. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

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(25) 39. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 15. 2. O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO: AS ORIGENS DE SEU. DESENVOLVIMENTO .............................................................................................. 23 2.1. INTERACIONISMO SOCIAL – CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY ............ 23. 2.2.. O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO ................................................ 30. 3. TRABALHO DOCENTE: O ISD NO BRASIL .............................................. 38. 3.1. A CONSTITUIÇÃO DO TERMO TRABALHO ............................................... 38. 3.2. TRABALHO DOCENTE ................................................................................ 41. 4. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL ................................. 51. 4.1. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: FATORES HISTÓRICOS E. DESENVOLVIMENTO DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL ...................................... 51 4.2. OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) ....................... 56. 4.3. O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD) ......................... 60. 5. METODOLOGIA........................................................................................... 67. 5.1. CONTEXTO DE PESQUISA ........................................................................ 67. 5.2. PROCEDIMENTO DE COLETA DOS DADOS: ENTREVISTAS .................. 70. 5.3. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE: ORGANIZACIONAL, ENUNCIATIVO E. SEMÂNTICO ............................................................................................................. 72 5.3.1. Contexto de produção ................................................................................ 72. 5.3.2. Nível organizacional ................................................................................... 74. 5.3.3. Nível enunciativo ........................................................................................ 78. 5.3.4. Nível semântico .......................................................................................... 79. 6. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................................ 82. 6.1. ANÁLISE DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO ................................................ 83. 6.1.1. Mundo físico ............................................................................................... 83. 6.1.2. Mundo sociossubjetivo .............................................................................. 84. 6.2. ANÁLISE DO NÍVEL ORGANIZACIONAL.....................................................85. 6.2.1. Plano global do texto ................................................................................. 85. 6.2.1.1 Tópicos das entrevistas com as professoras................................................. 85 6.2.1.2 Actantes presentes na entrevista com a professora Ana .............................. 87 6.2.1.3 Actantes presentes na entrevista com a professora Patrícia......................... 88 6.2.2. Os tipos de discurso .................................................................................. 89.

(26) 40. 6.2.2.1 Entrevista da professora Ana ........................................................................ 90 6.2.2.2 Entrevista da professora Patrícia .................................................................. 91 6.3. ANÁLISE DO NÍVEL ENUNCIATIVO ........................................................... 93. 6.3.1. Marcas de pessoa ...................................................................................... 93. 6.3.1.1 Professora Ana ............................................................................................. 93 6.3.1.2 Professora Patrícia ....................................................................................... 97 6.3.2. Elementos de modalização ..................................................................... 100. 6.3.2.1 Entrevista da professora Ana ...................................................................... 101 6.3.2.2 Entrevista da professora Patrícia ................................................................ 106 6.3.3 Considerações sobre a análise do contexto de produção e dos níveis organizacional e enunciativo ............................................................................... 111 6.4. ANÁLISE DO NÍVEL SEMÂNTICO ............................................................ 112. 6.4.1. Elementos constitutivos do agir ............................................................. 112. 6.4.1.1 Entrevista da professora Ana ...................................................................... 113 6.4.1.2 Entrevista da professora Patrícia ................................................................ 116 6.4.2. Figuras do agir ......................................................................................... 120. 6.4.2.1 Entrevista da professora Ana ...................................................................... 121 6.4.2.2 Entrevista da professora Patrícia ................................................................ 124 7. CONCLUSÃO ............................................................................................ 129. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 135 ANEXOS................................................................................................................. 139.

(27) 15. 1 INTRODUÇÃO. Esta pesquisa é fruto de experiências vivenciadas ao longo da graduação em Letras – Português e Espanhol, da Universidade Federal da Fronteira Sul, que possibilitaram um contato maior com o ambiente escolar e, por conseguinte, com as práticas de ensino desenvolvidas e efetivadas nesse cenário educacional. No contexto escolar, vivenciamos as primeiras experiências como docente e as primeiras práticas pedagógicas desenvolvidas com os alunos, percebemos os primeiros vínculos estabelecidos entre professor, alunos e o processo de aprendizagem. Esse primeiro contato com o ambiente escolar ocorreu através de projetos ofertados pela Universidade, como o Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), e através dos Estágios Supervisionados. Durante essas práticas, desenvolvemos atividades de leitura, escrita e análise linguística de textos de diferentes gêneros textuais, que tinham como objetivo propiciar a aprendizagem de conteúdos específicos da Língua Portuguesa, bem como a reflexão e o posicionamento crítico frente a questões de ordem social. Sendo assim, essas primeiras experiências como docente em formação inicial contribuíram para um olhar diferenciado sobre o ambiente escolar enquanto um espaço de convívio social e de desenvolvimento de práticas de ensino dialógicas e interativas. Nesse período, o foco esteve centrado no Livro Didático. Esse fato motivou o desenvolvimento de uma pesquisa que buscou analisar como as atividades de compreensão e interpretação eram apresentadas no respectivo material: se eram desenvolvidas enquanto um processo de decodificação ou se levavam em consideração a produção de sentidos e de novos conhecimentos com base nas informações apresentadas no texto. A partir desses estudos com o Livro Didático e das experiências desenvolvidas em sala de aula como docente em formação inicial surgiram alguns questionamentos: Como o professor de Língua Portuguesa utiliza o Livro Didático? O Livro Didático auxilia no ensino de Língua Portuguesa? Ao ingressar no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras, área de concentração em Estudos Linguísticos, linha de pesquisa Linguagem e Interação, o interesse em compreender o trabalho docente a partir do uso do Livro Didático teve a cada dia uma importância maior. Isto é, a relevância de compreender.

(28) 16. realidade educacional, os diversos fatores que estão presentes no dia a dia de um professor, que exerce o desafiador e, ao mesmo tempo, riquíssimo papel de transformar seres humanos, de contribuir com o crescimento pessoal e intelectual de pessoas que amanhã estarão exercendo as mais diversas funções na sociedade. Ademais, considerar o trabalho docente implica pensar em materiais que auxiliam em suas práticas e, nesse caso, o Livro Didático é o material ofertado às escolas, é o instrumento que se encontra à disposição para que os professores desenvolvam suas práticas de ensino. Sendo assim, é a partir desse campo de investigação que desenvolvemos a presente pesquisa, a fim de refletir sobre a representação do trabalho docente a partir do uso do Livro Didático. Adotamos, neste trabalho, a perspectiva teórica do Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD), fundamentado nos estudos de Bronckart (2012), Machado (2007; 2009) e Machado e Bronckart (2009). Essa concepção teórica volta-se para o estudo da linguagem em sua relação com as ações humanas. Segundo Bronckart (2007), analisar a linguagem é uma das formas de compreender o comportamento humano. Assim, o foco do ISD é “demonstrar esse papel central da linguagem no conjunto dos aspectos do desenvolvimento humano e, portanto, o seu papel central nas orientações explicitamente dadas para esse desenvolvimento pelas mediações educativas e/ou formativas” (BRONCKART, 2007, p. 20). O ISD vincula-se a uma perspectiva em que a linguagem, elemento constituinte do ser humano, passa a ser integrante das atividades humanas. Por conseguinte, o objetivo dessa perspectiva teórica é identificar a forma com a qual essas atividades são incorporadas e desenvolvidas no contexto social. Ao direcionar o olhar para o contexto escolar, o foco do ISD é no trabalho docente, a fim de compreender como esse agir humano é representado a partir de textos. Entendemos que o trabalho docente se faz na interação e é através da linguagem que são estabelecidos vínculos entre os sujeitos envolvidos nas práticas de ensino. Conforme Machado (2007), o trabalho docente engloba diversos aspectos, incluindo planejamento, aula e avaliação, e estes são desenvolvidos com um objetivo maior, que é o de contribuir para a aprendizagem dos conteúdos curriculares. Sobretudo, o trabalho docente.

(29) 17. é visto como uma atividade em que um determinado sujeito age sobre o meio, em interação com diferentes “outros”, servindo-se de artefatos materiais ou simbólicos, construídos sócio-historicamente, dos quais ele se apropria transformando-os em instrumentos para seu agir e sendo por eles transformados (MACHADO, 2007, p. 92; 93).. Dadas essas características que envolvem o trabalho docente, podemos afirmar que o Livro Didático é um desses artefatos materiais que se encontra disponível nas escolas. Sendo assim, é possível que o professor se aproprie do Livro Didático e o transforme em instrumento de ensino, garantindo não só a mudança do objeto, mas também do contexto social e dos sujeitos que se encontram envolvidos nesse processo. Desse modo, podemos compreender o trabalho docente não como algo isolado, competindo exclusivamente ao professor escolher e organizar as práticas que serão efetuadas em sala de aula, mas, ao contrário, como algo conjunto, sendo o trabalho do professor o resultado dessa interrelação e construção de fatores sócio-históricos que influenciam e organizam esse agir no espaço escolar. Diante dessa perspectiva teórica, acreditamos que seja de grande importância realizar pesquisas sobre a representação do trabalho docente, uma vez que são muitos posicionamentos e reflexões que norteiam as práticas de ensino de Língua Portuguesa desenvolvidas pelos professores nas escolas. Uma dessas é o ensino tendo como referência o Livro Didático. De acordo com Batista, Rojo e Zúñiga (2005, p. 48), [...] o manual didático é um dos poucos gêneros de impresso com base nos quais parcelas expressivas da população brasileira realizam uma primeira – e muitas vezes a principal – inserção na cultura escrita. É também um dos poucos materiais didáticos presentes cotidianamente na sala de aula, constituindo o conjunto de possibilidades a partir do qual a escola seleciona seus saberes, organiza-os, aborda-os.. Considerando o Livro Didático e a sua presença cotidiana na sala de aula, Bunzen (2005, p. 12) conceitua que na sala de aula os Livros Didáticos podem ser “objetos de movimentos de recontextualização e de ressignificação, em que as concepções dos professores e dos alunos assumem importantes significados nesse processo” (BUNZEN, 2005, p. 12). Partindo desses pressupostos teóricos, o objetivo deste trabalho é identificar se o professor de Língua Portuguesa revela que se apropria do Livro Didático.

(30) 18. como um instrumento de ensino. Para tanto, orientamo-nos a partir dos seguintes objetivos específicos: a). Verificar de que forma as prescrições integram o agir do professor.. b). Identificar as intenções dos professores com relação ao uso do Livro. Didático. c). Avaliar as dificuldades apresentadas pelos professores quanto à. utilização do Livro Didático. São esses objetivos que buscaremos responder ao longo desta pesquisa para refletirmos sobre o trabalho docente, tendo como referência o sujeito enquanto um ser social, resultante de um processo de interação verbal estabelecido entre interlocutores. Da mesma forma, todo ser humano se constitui a partir da interação, da compreensão e resposta ativa do outro. É nesse processo de interação verbal que o sujeito alarga a sua consciência e incorpora novos conhecimentos e novas visões de mundo. Pelas palavras de Bakhtin (1997, p. 295), “o locutor termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro”. Para atingir nosso objetivo, partimos da situação de trabalho de duas professoras de escolas públicas de um município do interior do estado do Rio Grande do Sul. O município possui duas escolas: uma municipal, com Ensino Fundamental completo e outra estadual, com Ensino Fundamental e Médio. A partir desse contexto de pesquisa, realizamos entrevistas com as professoras de Língua Portuguesa que ministram aulas no 9º ano do Ensino Fundamental das respectivas escolas. Como cada escola é composta por uma turma de 9º ano, participaram da pesquisa duas professoras de Língua Portuguesa. Parte da escolha por esse contexto de pesquisa se deve à experiência pessoal vivenciada pela autora deste trabalho na escola estadual indicada anteriormente. Essa vivência envolveu a trajetória como aluna, na Educação Básica, e como docente em formação inicial, através dos estágios de Língua Portuguesa e de Língua Espanhola. Dadas essas circunstâncias, é importante mencionar que ao escolhermos esse contexto de pesquisa, não estamos levando em consideração apenas a escola estadual, mas também a municipal, pois buscamos compreender um pouco mais sobre a realidade educacional desse cenário específico municipal,.

(31) 19. especialmente as falas de alguns professores desse contexto sobre o seu agir a partir do uso do Livro Didático. Diante disso, retornamos para esse contexto levando em consideração a importância de discutir como o professor caracteriza seu trabalho a partir do uso do Livro Didático, uma vez que é o instrumento de ensino que se encontra disponível nas escolas e que é ofertado aos professores para que desenvolvam suas práticas de ensino. O Livro Didático é o material que faz parte do trabalho do professor e, por isso, é importante descrevermos e compreendermos como os docentes representam o seu trabalho a partir do uso desse instrumento, a fim de lançarmos reflexões sobre esse processo, bem como auxiliarmos na formação dos profissionais de ensino. Para o desenvolvimento desta pesquisa, apresentamos outros estudos direcionados para a perspectiva do ISD, especificamente aqueles que abordam a representação do trabalho docente. Nesse viés, observamos posicionamentos conceituais sobre a representação do trabalho do professor nos estudos de Guimarães (2007), Lousada, Abreu-Tardelli e Mazzillo (2007) e Machado e Cristóvão (2009). O estudo de Guimarães (2007) versa sobre o agir educacional nas representações de professores de língua materna. Nesse contexto, o objetivo da pesquisa é apresentar as estratégias discursivas utilizadas pelos professores para a realização de uma ação que seja compreendida pelos alunos e que esteja de acordo com o processo de aprendizagem. A autora, ao escolher o discurso representado, pretende demonstrar possibilidades de ampliar a análise realizada por Bronckart (2006), que considera o trabalho representado difícil de ser compreendido, uma vez que os discursos dos professores aproximam-se das orientações apresentadas nos textos prescritivos, ao invés de descrever como de fato as ações se realizam em sala de aula. Com a finalidade de ir além aos resultados apresentados por Bronckart (2006), Guimarães (2007, p. 207) “pretende tornar mais acessível a análise das representações que os professores fazem sobre o seu agir”, partindo do conteúdo temático do texto e dos mecanismos enunciativos. Ao realizar a análise, a autora identifica diferentes formas de agir docente e distintas realidades sociais, o que demonstra que o trabalho do professor é complexo e é resultado de diversos fatores que integram o ambiente do profissional..

(32) 20. Lousada, Abreu-Tardelli e Mazzillo (2007) discorrem sobre o trabalho docente na análise do agir representado nos textos. Nesse viés, o objetivo do trabalho é propor uma discussão sobre o agir do professor, representado em textos sobre o trabalho docente e no próprio ambiente de trabalho do professor. A análise desses textos permitiu que as autoras construíssem algumas interpretações sobre o trabalho docente: i) a necessidade de avaliar de forma passiva os instrumentos prescritivos que são disponibilizados aos professores, que muitas vezes dizem apenas o que fazer, não explicando o como fazer; ii) a necessidade de valorizar a rotina do trabalhador e os diversos elementos que estão envolvidos no agir docente, como as prescrições e as avaliações (LOUSADA; ABREU-TARDELI; MAZZILO, 2007, p. 253). Já os estudos de Machado e Cristóvão (2009), referem-se às representações sobre o professor e sobre o seu trabalho. O objetivo é analisar como o agir do professor é representado em textos prescritivos. A partir da análise, as autoras observam que as prescrições incidem sobre todas as atividades do professor, sobre os seus conhecimentos e sobre seu agir realizado em sala de aula. Outra questão observada é com relação às tarefas que devem ser desenvolvidas pelo professor em sala de aula, essas são enumeradas de maneira genérica, ocasionando uma incompreensão do real trabalho do professor. Assim, guiados por esses posicionamentos conceituais, consideramos que a relevância desta pesquisa para a área de Estudos Linguísticos, linha de pesquisa Linguagem e Interação, consiste na importância de estudar o ensino pelo viés do trabalho. (MACHADO. et. al.,. 2004).. Nesse. caso,. trata-se. de. apresentar. representações sobre o trabalho docente a partir do uso do Livro Didático, o qual “está presente cotidianamente na sala de aula e constitui um dos elementos básicos da organização do trabalho docente” (BATISTA, ROJO, ZÚÑIGA, 2005, p. 53). Partir da representação do agir docente através do uso do Livro Didático implica deslocar o foco da avaliação para os professores, principais interlocutores do Livro Didático, a fim de compreender como revelam a sua organização a partir do uso efetivo desse material. Nesse processo, entendemos que o Livro Didático é o material ofertado às escolas e, por isso, a necessidade de buscarmos compreender o uso dessa ferramenta no ensino de Língua Portuguesa, valorizando as vozes dos professores, as suas experiências e conhecimentos sobre o processo de escolha,.

(33) 21. distribuição, descrição e utilização do Livro Didático. Assim, as ações descritas e as reflexões suscitadas nesta pesquisa podem contribuir para o reconhecimento e para a constituição profissional dos docentes. Desse modo, o objetivo desta pesquisa é buscar, na interação com os professores, os fundamentos que norteiam as práticas efetuadas pelo professor a partir do uso do Livro Didático. De fato, seguimos o que é proposto na teoria do ISD, uma vez que consideramos a linguagem e sua relação com as atividades humanas, aqui representadas pelo trabalho docente. Para fundamentar este trabalho, buscamos, inicialmente, revisar a literatura sobre a área de pesquisa. Para tanto, no capítulo dois, apresentamos a perspectiva interacionista de Vygotsky, abordando os principais elementos que compõe essa área de estudo, bem como os princípios que orientam e contribuem para a construção da perspectiva do ISD. Na sequência, expomos os conceitos que compõem a teoria do ISD, tendo como referência Bronckart (2012). No capítulo três, buscamos, dentro da perspectiva do ISD, apresentar os princípios teóricos que orientam a concepção de trabalho. Sendo assim, inicialmente, descrevemos a constituição do termo trabalho. Por fim, expomos os pressupostos teóricos do ISD que fundamentam e definem o trabalho do professor. No capítulo quatro, descrevemos os aspectos referentes ao ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Inicialmente, apresentamos os fatores históricos e políticos que deram origem e desenvolvimento aos manuais didáticos. Em seguida, realizamos uma contextualização acerca de dois programas criados na década de 90, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e o Programa Nacional do Livro Didático. No capítulo cinco, descrevemos os princípios metodológicos que orientam a pesquisa. Para tanto, apresentamos o contexto e os sujeitos envolvidos na pesquisa, o procedimento de coleta de dados e o procedimento de análise dos materiais coletados. Para finalizar, no capítulo seis, buscamos desenvolver a discussão e a análise dos dados. Para tanto, descrevemos e analisamos como o professor representa o seu trabalho a partir do uso do Livro Didático. Em outras palavras, se o professor, em seu discurso, revela que se apropria desse material enquanto um instrumento de ensino. Os dados serão descritos e analisados a partir dos pressupostos teóricos do.

(34) 22. ISD, no que concerne ao contexto de produção e aos três níveis de análise, a saber: o organizacional, enunciativo e o semântico. Diante do que foi mencionado, ao realizar esta pesquisa, buscamos refletir sobre a representação do trabalho docente a partir do uso do Livro Didático. Isso possibilitará um olhar diferenciado sobre o ensino de língua materna, olhar esse que considera o trabalho docente, as experiências, as práticas e as opiniões reveladas pelos professores sobre o ensino de Língua Portuguesa e sobre seus trabalhos tendo como referência o Livro Didático..

(35) 23. 2. O. INTERACIONISMO. SOCIODISCURSIVO:. AS. ORIGENS. DE. SEU. DESENVOLVIMENTO. Neste capítulo, pretendemos introduzir a perspectiva teórica que fundamenta este trabalho. Para isso, iniciamos apresentando os pressupostos teóricos do Interacionismo Social, com referência a Vygotsky. O Interacionismo Social articula-se a princípios humanos e sociais. É uma corrente teórica que valoriza o papel do social no quadro de desenvolvimento humano. Por entendermos o Interacionismo Social como um campo de investigação contextualizado, é de suma importância ressaltar que os pressupostos dessa corrente teórica servem de fundamento para o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), teoria à qual nosso trabalho encontra-se vinculado. Assim. sendo,. para. dar. continuidade. à. contextualização. teórica,. apresentamos, na sequência, os principais elementos que fundamentam a perspectiva do ISD, indispensáveis para que compreendamos o objetivo deste trabalho. 2.1 INTERACIONISMO SOCIAL – CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY. Muitas das percepções que dispomos no campo da interação são oriundas do Interacionismo Social de Vygotsky que adquire o seu contorno ao longo do século XX, se constituindo como uma perspectiva de grande importância para o entendimento do social no campo do desenvolvimento humano. Lev Sémionovich Vygotsky, pensador russo e soviético, é considerado como um dos fundadores das ciências do homem, uma vez que realiza investigações com os sujeitos, com o intuito de compreender e apresentar como ocorre o processo de desenvolvimento humano. Os estudos de Vygotsky (1998), sobre a origem social da memória, levaram à identificação de dois campos de investigação. O primeiro corresponde à memória natural, que exerce a sua influência sobre o povo iletrado e caracteriza-se por não desempenhar uma mediação entre os instrumentos materiais. Do mesmo modo, essa memória é característica de um imediatismo, pois se configura a partir de elementos de ordem biológica, que condicionam os seres humanos a construir a sua.

(36) 24. memória apenas pela influência dos elementos ambientais. Em oposição, Vygotsky (1998) pressupõe que há outros tipos de memória, pertencentes ao segundo campo de investigação, que contribuem para a construção dos sujeitos e para o desenvolvimento de capacidades propícias da espécie humana. Para Vygotsky (1998, p. 52), a memória deve estar “além das dimensões biológicas do sistema nervoso humano, permitindo incorporar a ele estímulos artificiais, ou autogerados, que chamamos de signos”. Para Vygotsky (1998), os elementos biológicos, oriundos da forma elementar de comportamento, são desenvolvidos a partir de um processo de estímulo e resposta, tal qual foi desenvolvido pela corrente Behaviorista. Partindo dessa estrutura, o autor defende uma abordagem que esteja centrada em fatores de origem sociocultural, apresentando o signo como elemento de ligação entre o estímulo e a resposta, aquilo que contribui para a coordenação das ações humanas. Para Vygotsky (1998, p. 54), “o uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica de comportamento, que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura”. Partindo desses pressupostos, estamos diante de dois processos de desenvolvimento humano. Um desses é de origem biológica, que são os processos elementares. O outro é de origem sociocultural, caracterizado pelos processos psicológicos superiores. Para Vygotsky (1998), o desenvolvimento humano nasce através da relação entre esses elementos biológicos e socioculturais. Assim, não é possível conceber o desenvolvimento humano sem o auxílio dos elementos de ordem sociocultural, pois a criança, à medida que é integrada ao contexto social, se relaciona com outros seres humanos e, a partir disso, vai construindo novos conhecimentos que contribuem para o seu desenvolvimento enquanto sujeito pensante e ativo. Em outras palavras, “o homem não é apenas um produto de seu ambiente, é também um agente ativo no processo de criação deste meio” (LURIA, 2006, p. 25). Dessa forma, compreendemos que a relação entre os elementos biológicos e socioculturais inicia na infância. Enquanto a criança cresce, desenvolve novas habilidades, novas formas de compreender e interagir no meio social. Em um estágio inicial, as crianças pensam por intermédio da memória. No entanto, ao longo do seu desenvolvimento, essa prática vai se modificando e, aos poucos, esse sujeito.

(37) 25. vai construindo novas formas de interação social. Se na fase inicial, “pensar significa lembrar”, para um estágio mais avançado, durante a adolescência, “lembrar significa pensar”. Isso é uma evolução que ocorre ao longo do desenvolvimento dos seres humanos, uma vez que as funções cognitivas passam de um processo de lembrança de um elemento isolado para um processo complexo, em que são desenvolvidos conceitos abstratos e novas formas de representar e compreender o mundo (VYGOTSKY, 1998, p. 67). Para exemplificar esse processo de memorização, muitas vezes utilizamos determinados objetos que servirão para outros fins, como para recordar alguma informação que não poderá ser esquecida em determinado momento. Essa prática é característica das formas superiores de comportamento, uma vez que “os seres humanos lembram alguma coisa” (VYGOTSKY, 1998, p. 68) com o auxílio de instrumentos. Nesse processo, o objeto é ressignificado, recebendo outro sentido e outra função interna. Apesar disso, o elemento não deixa de ter a sua concretude, apenas é modificada sua forma de ação. Considerando esses fatos, o processo de memorização ocorre com o auxílio dos instrumentos psicológicos, que servem de ligação entre um estímulo e uma resposta, contribuindo para as atividades psíquicas dos sujeitos. De fato, os instrumentos psicológicos servem de orientação para os indivíduos. Parece-nos, em um primeiro momento, que apenas os signos podem ser considerados como instrumentos psicológicos. No entanto, Vygotsky considera que todos os elementos da realidade podem se tornar um instrumento. Isto é, os objetos materiais, ao serem transformados pelo sujeito, podem representar um instrumento psicológico. Friedrich (2012) pressupõe que o instrumento psicológico é um elemento artificial, apresenta uma natureza social e está direcionado para o controle do comportamento psíquico do sujeito. Com base nisso, Vygotsky (1998) parte de um princípio que considera uma transição do social para o psíquico. Tendo em vista esse fundamento, o autor considera as funções psicológicas superiores, que são constituídas com o auxílio dos instrumentos, como o elemento capaz de propiciar uma interação do sujeito com o meio social e do mesmo modo contribuir para a transformação do meio e do próprio sujeito. Com isso, Vygotsky (1998) aponta o papel fundamental do signo, enquanto instrumento capaz de propiciar essa interação do homem com o meio.

(38) 26. social. Da mesma forma, quando passa a ser internalizado, o signo contribui para o pensamento consciente do sujeito, ou seja, para a capacidade do sujeito de organizar e elaborar suas próprias ações e agir sobre o meio social, modificando o ambiente externo e a si mesmo. É nesse processo de mediação, de coordenação das ações humanas, que ocorre a internalização da linguagem. Essa internalização é fruto da uma mediação dos signos linguageiros, passando ao sujeito o equilíbrio do seu próprio comportamento. Luria (2006) ressalta que conforme a criança cresce, vai dispondo de capacidades que a tornam apta a internalizar as informações. As referências externas passam a ser internalizadas, contribuindo, assim, para o desenvolvimento do pensamento consciente do sujeito. A fim de descrever as origens desses estudos de Vygotsky (2000), partimos do pressuposto de que a linguagem e o pensamento apresentam inicialmente raízes genéticas distintas. O que se tem é uma linguagem pré-intelectual e um pensamento pré-verbal. Esse período envolve as primeiras reações da criança, como choros e balbucios. Nesse processo, ainda não há uma relação com os signos, por isso o pensamento e a linguagem são considerados como fatores distintos. Quando os signos são representados, a linguagem e o pensamento passam a estar relacionados e isso resulta em uma nova fase de desenvolvimento, em que o significado da palavra será considerado como a unidade do pensamento e da linguagem. Para Vygotsky (2001), o significado da palavra se desenvolve, não permanece estático e imutável. Em outras palavras, “o significado da palavra é inconstante. Modifica-se no processo do desenvolvimento da criança. Modifica-se também sob diferentes modos de funcionamento do pensamento. É antes uma formação dinâmica que estática” (VYGOTSKY, 2001, p. 408). Como resultado desse processo, o autor considera que se o significado da palavra se modifica em seu interior, também ocorre uma modificação entre o pensamento e a palavra. Por sua vez, o pensamento e a palavra são vistos enquanto processos em desenvolvimento, pois compreendem diversos estágios e impulsionam diversas transformações nos seres humanos. A partir dessas considerações, Vygotsky (2000) atribui uma designação para a estrutura interna da linguagem. Para compreender essa estrutura, o autor parte do.

(39) 27. pressuposto de que a linguagem é composta por três fases, a “linguagem exterior, egocêntrica e interior” (VYGOTSKY, 2000, p. 137). A linguagem exterior acompanha os diversos estágios de desenvolvimento, uma vez que os meios externos auxiliam na internalização da linguagem. Já a linguagem egocêntrica precede a interior e, por isso, compreende a fase inicial da criança, em que os seus pensamentos e as suas ações são construídos em torno de seus próprios interesses, desconsiderando os demais sujeitos que estão integrados ao ambiente social. Vygotsky (2001) questiona os estudos de Piaget sobre a linguagem egocêntrica. Para Piaget há a exclusão da linguagem egocêntrica, no momento em que ocorre a inclusão da linguagem interior. Esse fato é criticado por Vygotsky (2001), uma vez que este entende que a linguagem egocêntrica é vista como um processo de transição, de transformação para a linguagem interior. Isso não significa que, durante a fase adulta, em nenhum momento utilizaremos ações que denotem e caracterizem uma linguagem egocêntrica. Pelo contrário, ao longo das nossas vidas faremos. uso. de. determinadas. atividades. condicionadas. a. características. egocêntricas, pensadas e atribuídas conforme os próprios interesses do sujeito. Sendo assim, o autor postula que a linguagem egocêntrica é a chave para a investigação da linguagem interior. Isto porque ela é uma linguagem vocalizada, sonora, isto é, uma linguagem exterior pelo modo de sua manifestação e, ao mesmo tempo, uma linguagem interior por suas funções e estrutura (VYGOTSKY, 2001, p. 427).. A linguagem egocêntrica é vista como a linguagem verbalizada, utilizada pela criança em um estágio inicial, no qual ela faz uso da vocalização para falar consigo mesma. Não leva em consideração o auditório, os demais sujeitos que compõe determinado ambiente social. A criança tem a necessidade de expor de forma vocalizada tudo o que está pensando. No processo de transformação para a linguagem interior, a criança não se verá mais obrigada a expor de forma vocalizada tudo o que está pensando, ela simplesmente organizará as suas ideias em forma de pensamento e exteriorizará apenas o que julgar necessário. Sendo assim, a linguagem interior não é um reflexo da linguagem exterior. Na linguagem interior somos levados a pensar muito mais, a atribuir inúmeros sentidos e representações que não serão necessariamente exteriorizados. “Assim, a linguagem interior, mesmo gravada em um fonógrafo, seria abreviada, fragmentária,.

(40) 28. desconexa, irreconhecível incompreensível em comparação com a linguagem exterior” (VYGOTSKY, 2001, p. 446). Disso decorre o fato de Vygotsky (2001) desenvolver investigações sobre o contexto de predicatividade, com o intuito de apresentar as diferenças que há entre a linguagem exterior, que compreende a linguagem escrita e a falada, e a linguagem interior. A predicatividade é caracterizada pela “simplicidade da sintaxe, o mínimo de desarticulação sintática, o enunciado do pensamento em forma condensada e o número consideravelmente menor de palavras” (VYGOTSKY, 2001, p. 450). A partir dessa configuração, o autor postula que a linguagem interior exerce essas características de predicatividade, pois no seu interior é possível produzir os mais diversos pensamentos, sem o dever de apresentá-los externamente. Em contraposição a essa ideia, na linguagem escrita não há a presença de predicatividade, pois a escrita caracteriza-se como uma forma monológica, como um elemento complexo que não pressupõe os interlocutores e por esse fato não há como apresentar abreviações. Entre a linguagem escrita e a linguagem interior, há a linguagem falada, que se caracteriza como uma forma dialógica, oriunda da interação entre os sujeitos. A abreviação estará presente quando o sujeito pressupor a presença dos interlocutores ou quando estiver ciente de alguns elementos propícios da situação entre os falantes. No entanto, isso não significa que ela estará presente em todos os momentos, pois quando não se presumir os interlocutores ou a situação, não haverá abreviação. Sendo assim, Vygotsky (2001) considera que a “linguagem interior é o momento dinâmico, instável, fluido, que se insinua entre os polos extremos melhor enformados e estáveis do nosso estudo do pensamento verbal: entre a palavra e o pensamento” (p. 474). O pensamento é exteriorizado através das palavras e essas devem estar organizadas no sentido de que o sujeito compreenda as expressões verbalizadas. Muitas vezes, não traduzimos em palavras tudo aquilo que pensamos. Pensamos em determinados aspectos, porém não conseguimos expor da maneira desejada. Com isso, estamos diante da ideia de que o pensamento não se exprime em palavras, mas é a partir delas que se realiza. Nesse processo, o pensamento não é mediado apenas por signos externos, mas também por significados internos. Os significados medeiam essa passagem do pensamento para a palavra e isso.

(41) 29. ocorre de maneira interna e mediatizada. Do mesmo modo, esses significados internos organizam o pensamento consciente do sujeito e fazem com que as expressões verbais se desenvolvam de maneira compreensiva, facilitando o processo de interação social. Em relação à organização do pensamento consciente, é importante destacar que esse pensamento se desenvolve no momento em que os sujeitos estão inseridos no ambiente escolar. Nesse período, passam a ser mobilizados conceitos científicos, que envolvem um nível de abstração maior, no sentido de que o processo de interação ocorre através da construção de novos conhecimentos. No entanto, Friedrich (2012) ressalta que esses conceitos científicos, para serem desenvolvidos, necessitam de uma interação com os conceitos cotidianos. Os conceitos cotidianos dizem respeito às informações que são construídas entre os sujeitos, tendo em vista um processo de interação informal, pois ocorrem no ambiente em que os sujeitos convivem diariamente e onde passam a estabelecer vínculos sociais. Para representar esses conceitos, Vygotsky refere-se ao estudo da linguagem escrita e da linguagem oral. Para o desenvolvimento da linguagem escrita, é necessário que, inicialmente, os sujeitos construam conhecimentos acerca da linguagem oral. Tendo o domínio dessa linguagem, os indivíduos serão capazes de transformar esses conhecimentos em linguagem escrita. A linguagem oral direcionase para os conceitos cotidianos, pois o sujeito, antes mesmo de ingressar na escola, faz uso desse instrumento de comunicação. Já a linguagem escrita articula-se ao conceito científico, visto que é no ambiente escolar que o aluno desenvolve essa habilidade, tornando-se capaz de expor suas ideias e conhecimentos com o uso da escrita (FRIEDRICH, 2012, p. 101). Considerando esse processo de aquisição da linguagem escrita, Vygotsky postula que a criança, antes de ingressar na escola, apresenta algumas noções de escrita. No entanto, esses fundamentos não são perceptíveis. A criança apenas compreenderá esse processo ao ingressar no ambiente escolar, através da mediação do professor. É o docente que apresenta, que demonstra os conteúdos, os conhecimentos para os alunos. Como resultado, os educandos, valendo-se dessas orientações, constroem novos conhecimentos, necessários para o desenvolvimento do pensamento consciente (FRIEDRICH, 2012, p. 114)..

(42) 30. Esses. princípios. articulam-se. ao. que. se. denomina. de. Zona. de. Desenvolvimento Proximal (FRIEDRICH, 2012, p. 110). Para Vygotsky, o professor é o mediador do conhecimento, pois, ao valer-se da realidade do aluno e das informações que esse sujeito já possui, apresenta novos conhecimentos que auxiliam na construção social e no desenvolvimento de novas habilidades. Segundo Friedrich (2012), esse processo considera o poder fazer do aluno, isto é, a escola não apresenta aos alunos as informações prontas e acabadas, cabe a eles, através da mediação do professor, construir e desenvolver novos conhecimentos. Tendo em vista esses pressupostos teóricos, que orientam a perspectiva do Interacionismo Social, buscamos, na seção seguinte, retomar o quadro teórico do ISD.. 2.2. O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO. O ISD é uma corrente teórica que está fundamentada nas noções gerais do Interacionismo Social, construído por Vygotsky. Como já foi anteriormente mencionado, o Interacionismo Social contraria os princípios teóricos de Piaget, conforme o qual o comportamento humano é fruto de elementos biológicos, que auxiliam no seu desenvolvimento. Ainda, opõe-se a Piaget no que concerne à evolução dos seres humanos, pois o mesmo autor considera que esse processo é oriundo de um individualismo, ou seja, que só à medida que os sujeitos crescem desenvolvem princípios de ordem social e cultural (BRONCKART, 2006, p. 100). Contrariando os princípios teóricos de Piaget, o Interacionismo Social inscreve-se em uma corrente teórica que valoriza as relações existentes entre os seres humanos e os aspectos de ordem social. Isto é, passa a se constituir enquanto uma perspectiva voltada para os aspectos que compõem a ontogênese do pensamento consciente (BRONCKART, 2006, p. 100), compreendida como a história dos sujeitos, o processo de desenvolvimento humano e de domínio de seu comportamento. Aderindo a esses princípios fundadores do Interacionismo Social, o ISD é uma corrente teórica que teve seu início na década de 1980, a partir de um grupo de pesquisadores da Unidade de Didáticas de Línguas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Esse grupo de pesquisadores,.

(43) 31. constituído por Bernard Schneuwly, Daniel Bain, Joaquim Dolz, Itziar Plazaol, sob a coordenação de Jean-Paul Bronckart, desenvolveram um amplo programa de pesquisa em que consideraram como referência maior o quadro de desenvolvimento humano de Vygotsky e Bakhtin, no que concerne ao campo da linguagem. De acordo com Guimarães e Machado (2007, p. 10), “esses pesquisadores posicionaram-se a favor da reunificação da Psicologia, atribuindo-lhe uma dimensão social, com a finalidade de esclarecer as condições da emergência e do funcionamento do pensamento consciente humano”. Em um primeiro momento, o ISD esteve voltado para a produção e para o experimento de sequências didáticas, bem como para a organização de uma perspectiva teórica que estivesse preocupada em explicar essas práticas de ensino. Em um segundo momento, o ISD preocupou-se em aprimorar essa perspectiva inicial e, acima de tudo, voltou-se para as atividades de linguagem, no que concerne ao quadro de desenvolvimento humano (BRONCKART, 2006, p. 13 -14). É nesse segundo momento que Jean-Paul Bronckart concebe um movimento maior, em direção a uma Ciência do Humano, através de princípios teóricos que estão atrelados à linguagem e sua relação com as atividades humanas. Com isso, é importante destacar que o ISD parte dos pressupostos teóricos da corrente histórica do Interacionismo Social e contraria uma possível fragmentação das Ciências Humanas/Sociais, ou seja, não é uma perspectiva linguística ou psicológica, tenciona ser reconhecida enquanto uma “Ciência do Humano” (BRONCKART, 2006, p. 10). Essa corrente busca compreender as atividades humanas e contribuir com reflexões e mudanças no cenário social em que os sujeitos vivem e se desenvolvem. Para compreender esse processo de desenvolvimento humano, o ISD concebe a linguagem como aspecto determinante, no sentido de que esse elemento exerce influência na constituição e na identidade dos seres humanos, na construção de novos conhecimentos e no controle do comportamento humano. De acordo com Bronckart (2008), o quadro teórico do ISD inspira-se nos princípios do materialismo, do monismo e do evolucionismo. O materialismo envolve os aspectos materiais que compõem as atividades humanas, inclusive o pensamento humano, concebido como uma realidade material. O monismo concebe todos os objetos, em sua essência, como matéria. Por mais que possa haver alguns.

(44) 32. objetos físicos e outros psíquicos, isso é apenas uma diferença fenomenológica e não de essência, como Bronckart explica. Já o evolucionismo inscreve-se em uma corrente que considera que a matéria, no decorrer da evolução do universo, propiciou o desenvolvimento de objetos complexos e, nos organismos vivos, elementos para a sua própria subsistência. Somado a isso, no processo de evolução, há uma interação entre a organização interna dos objetos com os fatores externos. O ISD também se inscreve em uma perspectiva dialética e histórica. As atividades humanas não são descritas apenas por elementos biológicos; ao contrário, para a organização dessas atividades humanas, manifesta-se a linguagem, como instrumento capaz de propiciar o desenvolvimento humano e, sobretudo, contribuir para ações socialmente contextualizadas. Levando em consideração esses princípios teóricos, o programa de pesquisa do ISD segue um método de análise descendente, que abrange três etapas para a sua constituição: [...] primeiro, a análise dos principais componentes dos pré-construídos específicos do ambiente humano; depois, o estudo dos processos de mediação sociossemióticos, em que se efetua a apropriação, tanto pela criança quanto pelo adulto, de determinados aspectos desses préconstruídos e, enfim, a análise dos efeitos dos processos de mediação e de apropriação na constituição da pessoa dotada de pensamento consciente, e posteriormente, no seu desenvolvimento ao longo da vida (BRONCKART, 2008, p. 111).. Nessa abordagem descendente, Bronckart (2008) parte de um contexto mais amplo, dos aspectos que compõem a interação e o desenvolvimento humano, com o intuito de, ao final, aproximar-se da língua, enquanto elemento necessário para a construção do pensamento consciente. No entanto, Bronckart (2008) ressalta que o quadro de desenvolvimento humano não se limita a essa abordagem descendente, visto que essas três etapas envolvem questões de ordem dialética, nas quais o processo de mediação contribui para a (re)construção dos coletivos e, do mesmo modo, para o desenvolvimento das capacidades psicológicas individuais. Assim, confirma-se a tese retomada por Mazzilo (2004, p. 302), de que “os discursos, mesmo produzidos apenas por um só indivíduo, em pensamento, por exemplo, ou em diálogo com o outro, são sempre dialógicos”..

(45) 33. Partindo desses princípios, no primeiro nível da abordagem descendente, Bronckart (2006) apresenta quatro pré-construídos humanos que conduzem o comportamento humano em sua relação com a linguagem. O primeiro compõe os diferentes tipos de atividades humanas ou de trabalho. Esse conjunto está presente no espaço social e, por sua vez, organiza-se através de instituições criadas nesse mesmo contexto. O segundo constitui-se através das atividades coletivas gerais, representadas pelo comportamento humano em sua relação com o ambiente social. O terceiro é constituído pelas atividades de linguagem, que orientam e organizam as ações efetuadas pelos seres humanos. Por sua vez, essas atividades realizadas por intermédio da linguagem se realizam através dos textos, que sob diversos elementos estruturantes, orientam as ações humanas e, por conseguinte, as interações entre os sujeitos. O quarto é constituído pelos mundos formais, que dizem respeito às estruturas que organizam e orientam as atividades humanas (BRONCKART, 2006, pag. 128-129). Em um segundo nível há os processos de mediação formativa, em que o adulto integra as crianças nesse conjunto de pré-construídos. Já o terceiro nível está relacionado aos resultados que “essas mediações formativas exercem sobre os indivíduos” (BRONCKART, 2006, p. 129). Nesse caso, as interações que os adultos estabelecem com as crianças auxiliam em seu crescimento e no desenvolvimento de seu pensamento consciente. Em outras palavras, as crianças passam a realizar abstrações, a desenvolver estruturas interiores que contribuem para o domínio de seu comportamento (BRONCKART, 2006, p. 129). Machado (2009) ressalta que, nessa abordagem descendente, a linguagem assume um papel fundador e, sobretudo, a atividade discursiva um papel decisivo, visto que essa atividade é envolvida pelos três níveis acima mencionados, isto é, coordena as atividades humanas, contribui para que os seres humanos memorizem os pré-construídos e, por último, auxilia no desenvolvimento do pensamento consciente humano. Para compreender esse papel central da linguagem, Bronckart (2012) recupera outros princípios teóricos que explicitam essa ideia e contribuem para uma visão mais ampla sobre a função da linguagem. O autor considera os pressupostos teóricos de Habermas (1987), que enaltecem o agir comunicativo e as relações entre linguagem e atividade humana..

(46) 34. De acordo com Bronckart (2012), o agir comunicativo é uma dimensão constituída, inicialmente, pelo psiquismo humano. Essa dimensão advém do surgimento da linguagem enquanto um instrumento de negociação humana que auxilia no desenvolvimento das atividades propícias da espécie humana. É no âmbito dessas ações que surge o signo, como instrumento representativo do ambiente em que os sujeitos encontram-se envolvidos. Por outro lado, o agir comunicativo também é constitutivo do social. Nesse contexto, os signos são instrumentos que estão disponíveis a todos os indivíduos, contribuindo para o desenvolvimento de representações individuais. Entretanto, veiculam-se também representações coletivas sobre o meio, que podem ser concebidas como os mundos representados. Para Habermas, a atividade humana é constituinte da representação de três mundos: mundo objetivo, mundo social e mundo subjetivo. O mundo objetivo diz respeito às atividades desenvolvidas em um espaço físico. Essa representação requer certos conhecimentos materiais que possam contribuir para a mobilização da atividade. Já o mundo social direciona-se para as atividades que são desenvolvidas por um grupo particular, as quais se organizam a partir de regras e restrições. Os conhecimentos coletivos oriundos dessas regras de organização contribuem para a constituição do mundo social. Por fim, as atividades também se desenvolvem através de pessoas, que além de serem formadas por fatores psíquicos, individuais, também são fruto de um processo público de conhecimento. O produto desse processo é característico do mundo subjetivo (BRONCKART, 2008, p. 22). Bronckart (2012) assegura que, por intermédio do agir comunicativo, “o homem transforma o meio (ou o mundo em si, que permanecerá eternamente como um “limite jamais atingido”) nesses mundos representados, que constituem, a partir daí, o contexto específico1 de suas atividades” (p. 34). Com isso, há a influência do social sobre o humano, isto é, os conhecimentos humanos passam a envolver questões de ordem coletiva. Esses supostos aspectos coletivos organizam-se em um mundo representado, a saber: o mundo social. Por sua vez, o mundo social orienta os indivíduos quanto aos objetos que se encontram no meio e, por esse fato, acaba conduzindo a estruturação do mundo objetivo e subjetivo.. 1. Grifos do autor..

(47) 35. Dessa abordagem, a linguagem assume, inicialmente, “uma produção interativa associada às atividades sociais” (BRONCKART, 2012, p. 34), é o instrumento de comunicação, de interação comunicativa no decorrer das atividades humanas. À sombra dessa dimensão que a linguagem assume, a confrontação do valor ilocutório das produções interativas se harmoniza com signos. Cada signo corresponde a uma significação, a uma representação do mundo e, por conseguinte, a linguagem passa a assumir outra função, que, de acordo com Bronckart (2012), é da ordem representativa ou declarativa. Para Bronckart (2012), as interações com o meio social transformam as representações dos seres humanos. Por sua vez, essas representações passam a ser concebidas enquanto atividades particulares, já que os signos, por mais que possam vir a exercer atividades coletivas, desempenham uma função autônoma. Assim, atribui-se o “nascimento de uma atividade que é propriamente de linguagem e que se organiza em discursos ou em textos2” (BRONCKART, 2012, p. 35). Esses textos, por sua vez, se diferenciam em gêneros. É através dos textos, dos signos, que se “constroem os mundos representados definidores do contexto das atividades humanas, esses mundos, por sua vez, também se transformam permanentemente” (BRONCKART, 2012, p. 35). Sob essa dimensão, compreendemos que a linguagem é o instrumento que conduz a esse processo de desenvolvimento de atividades humanas. Por intermédio da linguagem, o indivíduo apropria-se dos três mundos e, com isso, orienta as suas próprias ações. De acordo com Bronckart (2012), as atividades de linguagem se realizam apenas no quadro de uma língua natural particular. Nesse caso, cada língua é constituída por elementos próprios, por uma semântica que a orienta e organiza. É através dessa organização semântica, dessa condução própria de significados e sentidos, que os mundos representados se constituem. Nesses mundos temos comunidades verbais heterogêneas, com diversos fatores sociais que interferem em seu processo de organização. São opiniões divergentes, complexas e com aspectos sócio-históricos que influenciam e conduzem a uma diversidade linguística. No que concerne a essa dimensão,. 2. Grifos do autor..

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