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4 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

4.2 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram criados com objetivo de organizar e orientar as práticas de ensino no cenário educacional brasileiro, elencando metodologias de ensino e estratégias possíveis de serem desenvolvidas no contexto escolar. “Nesse discurso, os PCN podem ser compreendidos como uma crítica ao dito „ensino tradicional‟, apostando em um trabalho com a língua(gem) baseada nas práticas sociais” (BUNZEN, 2011, p. 905). A sua função é “selecionar e organizar determinados objetivos para a construção de materiais didáticos e programas de ensino” (BUNZEN, 2011, p. 905).

Para Rojo (2000, p. 27), os PCNs representam “um avanço considerável nas políticas educacionais brasileiras em geral e, em particular, no que se refere aos PCNs de Língua Portuguesa, nas políticas linguísticas contra o iletrismo e em favor da cidadania crítica e consciente”. Conforme a mesma autora, o documento não apresenta os conteúdos e os objetivos definidos, organizados e estruturados conforme princípios oriundos de um ensino tradicional. Pelo contrário, a sua função é

subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios, dialogando com as propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de professores (BRASIL, 1997, p. 29).

Assim, valendo-se das orientações apresentadas pelos PCNs, as escolas selecionam as propostas didáticas e os materiais de ensino que servem de

fundamento para o trabalho do professor. Para isso, nos PCNs de Língua Portuguesa, os conteúdos encontram-se divididos em dois eixos: “uso da língua oral e escrita, e a reflexão sobre a língua e a linguagem” (BRASIL, 1998, p. 34). Na Figura 3 é possível identificar essa organização.

Figura 3 - Esquema dos eixos

Fonte: (BRASIL, 1998).

Como resultado dessa classificação, no eixo uso, encontram-se elementos relacionados com “a Prática de escuta e de leitura de textos e Prática de produção de textos orais e escritos”. Em oposição, no eixo reflexão se encontra “a Prática de análise linguística” (BRASIL, 1998, p. 35), conforme a Figura 4.

Figura 4 - Esquema dos eixos uso e reflexão

Fonte: (BRASIL, 1998).

De acordo com o documento, os conteúdos apresentados no eixo uso da linguagem compreendem os fatores de historicidade da linguagem e da língua, questões relativas ao contexto de produção e interações sociais, a influência do contexto de produção no planejamento dos discursos e na construção de sentidos. A

USO de LÍNGUA ORAL e ESCRITA REFLEXÃO Sobre LÍNGUA e LINGUAGEM USO PRÁTICA de ESCUTA e de LEITURA de TEXTOS PRÁTICA de PRODUÇÃO de TEXTOS ORAIS e ESCRITOS REFLEXÃO PRÁTICA de ANÁLISE LINGUÍSTICA

partir desses fatores, o texto passa a ser considerado como unidade de ensino e os gêneros textuais como objetos de ensino (BRASIL, 1998, p. 35). Ao assumir essa perspectiva, do uso da língua a partir de diferentes gêneros e textos que fazem parte do contexto social e das relações estabelecidas entre os sujeitos, as orientações apresentadas no documento afastam-se “de uma visão reducionista de língua(gem) e da perspectiva técnica ou comunicativa dos anos 70 e 80” (BUNZEN, 2011, p. 906). Além disso, os conteúdos apresentados no eixo reflexão compreendem os fatores relativos ao funcionamento da linguagem, como as variações linguísticas, as estruturas responsáveis pela construção e organização dos enunciados, bem como os processos de construção e produção de sentidos (BRASIL, 1998, p. 36).

De acordo com Faraco (2008), as concepções pedagógicas apontadas no documento têm como propósito inovar em termos de organização curricular. No entanto, essas propostas não foram “assimiladas pelas escolas e, por consequência, pouco ou nada tem significado para o seu cotidiano” (p. 195). Faraco (2008) reconhece que os Parâmetros apresentam uma sólida fundamentação teórica, entretanto, as teorizações que fundamentam esse documento fazem sentido para o universo acadêmico, já para a maioria dos professores da educação básica, essas orientações são desconhecidas, o que acaba dificultando a sua interpretação e a abordagem de práticas pedagógicas que priorizem esses princípios teóricos.

Para Machado (2009), essa falta de compreensão é decorrente da organização das propostas didáticas que fazem parte do documento, uma vez que nos conhecimentos linguísticos que são transpostos, transformados em metodologias didáticas para o ensino de Língua Portuguesa, há uma omissão dos autores e das teorias que fundamentam e orientam a construção do documento. Com isso, apenas quem domina as perspectivas teóricas identifica os pressupostos que se encontram por detrás das propostas de aprendizagem.

Para ilustrar esse processo, destacamos que a noção de gênero apresentada nos PCNs é baseada nas investigações de Schneuwly (1994) e de Dolz & Schneuwly (1996 e 1998). Esses autores valem-se, por sua vez, das noções de gênero oriundas de Bakhtin, bem como da psicologia do desenvolvimento humano sustentada por Vygotsky. Contudo, esses pressupostos teóricos são apenas compreendidos e identificados pelos docentes que possuem acesso a esses conhecimentos teóricos. Com isso,

[...] o que se evidencia é que o ocultamento das vozes dos autores e das teorias subjacentes produz modificações de sentido e dificulta o trabalho de quem quer compreender de forma mais satisfatória os conteúdos que são prescritos. De certa forma, isso acaba por favorecer a manutenção de “classes” distintas de trabalhadores do ensino: a dos especialistas ou dos que têm acesso mais fácil às fontes de informação teórica e a daqueles que não o têm (MACHADO, 2009, p. 68-69).

Para que haja essa efetiva compreensão, Rojo (2000) considera necessária uma reformulação dos processos de formação inicial e contínua dos professores. É necessário discutir a formação dos professores, “garantindo-lhes um bom domínio das práticas de língua oral e escrita e um saber amplo, consistente e crítico sobre a língua” (FARACO, 2008, p. 196). De acordo com Faraco (2008), muitos profissionais de ensino não tiveram em sua formação práticas pedagógicas fundamentadas no uso da linguagem. Dessa forma, é necessário que os docentes tenham acesso a essas informações e saibam organizar as metodologias didáticas a partir dos fundamentos teóricos e das orientações sustentadas pelos PCNs.

Tendo como referência duas experiências de transposição didática dos PCNs para as práticas de sala de aula, Rojo (2000) aponta os principais problemas que envolvem a formação de professores em decorrência desse processo de transposição didática. De acordo com o objeto de ensino, é importante que o professor compreenda a teoria de enunciação e a teoria dos gêneros discursivos, uma vez que é por intermédio desses conhecimentos linguísticos que as práticas de ensino se fundamentam. Do mesmo modo, é importante desenvolver práticas pedagógicas centradas no eixo da reflexão, isto é, na análise linguística, em atividades que desenvolvam a compreensão dos fatores estruturantes que compõe e organizam um enunciado, além de questões relativas à variação linguística e à produção de sentidos. Atrelados a esses princípios, estão fatores relacionados à organização de um enunciado, ao contexto de produção e de construção de sentidos.

Somado a isso, as práticas de sala de aula continuam sendo orientadas e organizadas a partir do Livro Didático,

[...] por variadas razões que vão desde o número de alunos por sala, até a falta de tempo remunerado e de formação do professor para a elaboração de seus próprios materiais didáticos, a elaboração de materiais didáticos

que criem condições de viabilidade para a realização do currículo em sala de aula torna-se um problema crucial (ROJO, 2000, p. 34).

Rojo (2000, p. 34) acredita que os fundamentos que norteiam a elaboração de um bom material didático vão de encontro com a “seleção e a organização de objetivos e conteúdos (objetos) de ensino”. Isto é, a elaboração de materiais didáticos que estejam relacionados aos pressupostos teóricos apresentados nos PCNs, que priorizam práticas de leitura, escuta e escrita de diversos gêneros textuais, organizados “em função de sua circulação social, em gêneros literários, de imprensa, publicitários, de divulgação científica, comumente presentes no universo escolar” (BRASIL, 1998, p. 53). Do mesmo modo, as atividades didáticas devem priorizar a análise linguística, entretanto, não enquanto uma nova denominação para o ensino da gramática, pelo contrário, considerando o texto como unidade de ensino, com os fatores a serem trabalhados direcionados para a semântica e a pragmática, para questões relativas à produção de sentidos (BRASIL, 1998, p. 78).

Realizada essa contextualização sobre os PCNS, apresentamos, neste momento, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).