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O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: FATORES HISTÓRICOS E DESENVOLVIMENTO DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL

4 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

4.1 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: FATORES HISTÓRICOS E DESENVOLVIMENTO DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL

Historicamente, as atividades escolares no século XVI caracterizavam-se pela tradição oral, ou seja, pelas práticas que eram vivenciadas e estabelecidas entre os grupos sociais. Com o descobrimento do Brasil, há uma mudança nesse cenário. As práticas informais, baseadas apenas em uma educação oral, perdem espaço para as formais. Alguns indígenas e filhos de colonizadores iniciaram um processo de aprendizagem da religião, como também das três habilidades fundamentais para aquela época: “ler, escrever e contar”, (BUNZEN, 2011, p. 888).

O Padre Manuel da Nóbrega foi um dos grandes idealizadores desse processo de aprendizagem. Durante o período de 1549 a 1570, houve uma grande difusão das ideias pedagógicas dele, visto que o objetivo era conquistar cada vez mais seguidores para o catolicismo. Para que esse objetivo fosse alcançado, houve a necessidade do ensino oral do português europeu, bem como de os jesuítas dominarem a língua dos índios para que pudessem interagir com os povos indígenas (BUNZEN, 2011, p. 889).

Entretanto, com a morte de Padre Manuel da Nóbrega, acontece uma mudança nesse cenário. O ensino do português europeu, até então difundido, perde a sua importância e, com isso, surge, em 1599, o Ratio Ataque Instituto Studiorum Societas Jesu, caracterizado pelo estudo da gramática e das formas de se comunicar bem. Como o português europeu não era considerado como a língua de maior ascendência, o que se buscava ensinar era a gramática e a literatura das línguas clássicas. “O „Ratio Studiorum‟ tinha como um dos principais objetivos o bom conhecimento dos clássicos e o uso correto das línguas latinas e gregas” (BUNZEN, 2011, p. 889).

Conforme Bunzen (2011), o que se tem nesse período é um ensino voltado para a leitura de textos clássicos em latim e em grego. Os alunos do ensino secundário realizavam a leitura de clássicos, como a carta de Cícero; a poesia de Virgílio. Já o professor deveria falar em latim com seus alunos, visto que era a língua de maior prestígio e ascendência naquela época.

Esse cenário educacional modifica-se apenas nos séculos XVII e XVIII, com as reformas pombalinas. O objetivo dessa reforma era implantar a Língua Portuguesa em Portugal e no Brasil, auxiliando no processo de expansão de mercadorias e políticas que beneficiariam os portugueses. Com essa mudança, a educação no Brasil, no século XVIII, passa a incluir o ensino da Língua Portuguesa “nas disciplinas de Gramática, Retórica e Poética do secundário” (BUNZEN, 2011, p. 892).

Durante esse período, o ensino de Língua Portuguesa ainda se encontrava subordinado ao latim. Apenas no ano de 1838, esse cenário se modifica, sendo a Língua Portuguesa considerada o enfoque das aulas de gramática. Desse modo, o ensino passa a valorizar os textos de escritores portugueses e brasileiros e a ortografia passa a ser instituída como objeto de ensino. Em decorrência desses fatos, no ano de 1871, foi instituído o cargo de professor de Língua Portuguesa. Ainda, a partir desse ano, passou-se a exigir o exame em Língua Portuguesa para a aprovação e entrada no nível superior (BUNZEN, 2011, p. 894).

É nesse cenário de mudanças no ensino de Língua Portuguesa “que a Antologia Nacional exerceu seu domínio no ensino de Português nas escolas secundárias” (SOARES, 2001, p. 35). As antologias nacionais eram manuais didáticos utilizados para o ensino e aprendizagem do Português. Segundo Soares

(2001), essas antologias eram livros didáticos portugueses, que foram utilizados no Brasil nos séculos XIX e XX. O ensino do português, presente nesses manuais, estava centrado na gramática.

De acordo com Bezerra (2010), o ensino de Língua Portuguesa manteve-se subordinado aos manuais de gramática até por volta de 1950. Até então isso era possível devido ao público que frequentava a escola, uma vez que todos dominavam a língua padrão e exerciam a prática da leitura e escrita. Esse público apenas frequentava a escola para aprender as regras gramaticais. A partir de 1950, são apresentadas mudanças no cenário educacional brasileiro. Em virtude do êxodo rural, “começaram a se multiplicar explosivamente as matrículas na escola básica” (FARACO, 2008, p. 188). Com esse crescimento, modifica-se o perfil econômico e cultural das pessoas que frequentavam a escola.

Não é mais uma escola pública destinada apenas aos filhos das elites, mas as camadas populares passam a ter acento nas salas de aula. O novo perfil cultural do alunado, por exemplo, acarreta heterogeneidade nos letramentos e nas variedades dialetais (BUNZEN; ROJO; 2005, p. 77).

Esse fato ocasionou uma demanda maior por professores, o que acabou fragilizando a formação docente e culminando na desvalorização do trabalho do professor. Em decorrência desse processo,

[...] surgem os livros didáticos (com textos, lições de gramática e exercícios) para suprirem as lacunas de conhecimento desses professores. Agora, sobretudo a partir da década de 1970, não é mais dada a eles a responsabilidade de prepararem suas aulas e exercícios, como antigamente. Isso compete ao autor do livro didático (BEZERRA, 2010, p. 45).

Nesse período, passa-se das antologias nacionais para um novo modelo de material didático “de apoio à prática docente, que, propositalmente, interfere na autonomia do professorado” (BUNZEN; ROJO, 2005, p. 79). O papel do professor era apresentar e ensinar aos alunos os conteúdos propostos no Livro Didático, que se reduziam a textos, lições de gramática e exercícios. As informações e os conhecimentos do Livro Didático deveriam ser reproduzidos pelo professor, sem a adesão de práticas de ensino que priorizassem outros materiais e outras metodologias de aprendizagem.

Como resultado dessa prática, o período de transição dos anos 70 a 80 é marcado por críticas com relação aos conteúdos propostos pelos Livros Didáticos. Nesse período, foram realizadas pesquisas tendo como referência o ensino de Língua Portuguesa, com o intuito de identificar as práticas que estavam sendo desenvolvidas e, a partir disso, apresentar novas perspectivas e metodologias de ensino.

Sob esse viés, difunde-se pelo país a proposta do linguista João Wanderley Geraldi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Essa proposta “se assentava numa concepção que tomava a língua como uma atividade social e histórica e se estruturava a partir de três grandes eixos: a leitura de textos, a produção de textos e a análise linguística” (FARACO, 2008, p. 192). Com isso, passa-se a priorizar um ensino a partir do texto, atividades de leitura e de análise linguística que desenvolvessem um processo de compreensão, interpretação e um raciocínio crítico sobre as esferas sociais, culturais e históricas.

Geraldi (1984) assegurava que, antes de qualquer tomada de decisão sobre as práticas de ensino a serem desenvolvidas, é necessário refletir sobre o ensino tendo como referência as seguintes proposições “para que ensinamos o que

ensinamos? – e sua correlata para que as crianças aprendem o que aprendem4?” (p.42). Esses questionamentos configuram uma nova identidade para

o professor, uma vez que é levada em consideração a linguagem como um processo de interação e a consequente participação de sujeitos ativos, envolvidos no processo de aprendizagem, isto é, “a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos” (GERALDI, 1984, p. 43). Com essa nova proposta de ensino, as metodologias apresentadas e desenvolvidas pelos Livros Didáticos passam a ser criticadas, isso por estarem vinculadas a um ensino gramatical.

Com essas pesquisas sobre a língua, ensino/aprendizagem e letramento, juntamente com o apoio do Estado, por intermédio de programas instituídos pelo MEC, a partir da última década do século XX, os Livros Didáticos são orientados a reformular e reorganizar os conteúdos e as propostas de aprendizagem apresentadas nesses materiais. Alguns Livros Didáticos apresentaram breves

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reformulações, já outros passaram a imprimir práticas de ensino centradas no texto. Como afirma Bezerra (2010), o ensino de Língua Portuguesa deve estar organizado a partir do texto, “de modo a desenvolver competências linguísticas, textuais e comunicativas dos alunos, possibilitando-lhes uma convivência mais inclusiva no mundo letrado de hoje” (p. 46).

Ainda, de acordo com Bezzerra (2010, p. 46), “um reflexo dessa renovação metodológica é a presença de textos da imprensa nos manuais didáticos”. Isso foi possível através da Lei 5.692, de agosto de 1971, que instituiu o ensino de comunicação e expressão, tendo como conteúdo específico a Língua Portuguesa. Com isso, os Livros Didáticos modificam as escolhas textuais, uma vez que introduzem histórias em quadrinhos e notícias jornalísticas com a finalidade de apresentar diversas informações aos alunos.

Com o surgimento de teorias linguísticas, como a defendida por Geraldi (1984), que priorizava o ensino através do texto, os Livros Didáticos realizaram mais uma seleção textual, valorizando a presença de textos jornalísticos, como notícias, reportagens, entrevistas, propagandas. O ensino com esses textos jornalísticos centrava-se na leitura, na análise e na produção textual. De acordo com Bezerra (2010, p. 48), a importância de se desenvolver práticas de ensino que estejam centradas nessa esfera textual “é motivada, principalmente, pela ideia de que os alunos precisariam ler textos mais atuais, mais próximos de sua realidade (não só jornalísticos, mas também literários), tanto do ponto de vista da temática quanto da linguagem”.

No final dos anos de 1990, o governo, embasado em uma nova proposta de concepção de linguagem, reformula programas com o objetivo de apresentar novas propostas de ensino. São eles: Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Essas políticas públicas

[...] procuraram dar continuidade a três processos inter-relacionados: (i) avaliação e distribuição do livro didático, no âmbito de uma política pública e linguística de incentivo à leitura; (ii) normatização/legitimação do ensino que acompanha o surgimento de propostas curriculares oficiais que procuram explicitar diretrizes específicas para cada nível de ensino e disciplina escolar; (iii) estabelecimento sistemático de avaliações em rede da educação básica (BUNZEN, 2011, p. 904).

De acordo com Bunzen (2011), tanto os PCNS como o PNLD dialogam com as proposições apresentadas nas Leis de Diretrizes de Bases de Educação Nacional

(LDB – 96). Do mesmo modo, são políticas públicas e documentos oficiais que buscaram organizar o ensino de Língua Portuguesa entre 1970 e 1990, abrangendo tanto a esfera acadêmica quanto as propostas curriculares estaduais (BUNZEN, 2011, p. 905).

Nas seções seguintes, apresentamos, de forma detalhada, os pressupostos que envolvem os PCNS e o PNLD. De início, apresentamos a proposta didática dos PCNs, elencando os principais fundamentos que orientam o ensino de Língua Portuguesa na escola. Na sequência, apresentamos o PNLD com o intuito de descrever a função que esse programa exerce, bem como o seu processo de criação e as propostas de ensino envolvidas no PNLD 2017.