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A atuação do Ministério Público na fase pré-processual na busca pela eficiência da gestão da Segurança Pública

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

WILDE MAXSSUZIANE DA SILVA SOUSA

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL NA BUSCA PELA EFICIÊNCIA DA GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA

NATAL/RN 2020

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A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL NA BUSCA PELA EFICIÊNCIA DA GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Bento Herculano

Duarte Neto.

Coorientador: Prof. Dr. Walter Nunes da

Silva Júnior.

NATAL/RN 2020

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Sousa, Wilde Maxssuziane da Silva.

A atuação do Ministério Público na fase pré-processual na busca pela eficiência da gestão da Segurança Pública / Wilde Maxssuziane da Silva Sousa. - 2020.

177f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2020. Orientador: Prof. Dr. Bento Herculano Duarte Neto. Coorientador: Prof. Dr. Walter Nunes da Silva Júnior.

1. Segurança pública Dissertação. 2. Ministério Público -Dissertação. 3. Eficiência - Serviço público - -Dissertação. 4. Controle externo - Atividade policial - Dissertação. I. Duarte Neto, Bento Herculano. II. Silva Júnior, Walter Nunes da. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título. RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 351.759.6

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Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, sem Ele nada seria possível.

Sou grata à minha mãe Socorro e ao meu padrasto Assis por todo apoio e suporte durante todo meu crescimento até os dias de hoje. Sem eles eu jamais seria a mulher que sou e teria tantas conquistas aos logo da vida, dentre elas, o mestrado.

Agradeço também ao meu marido, por seu amor e paciência, que foram tão necessários durante estes dois anos do mestrado.

Meu muito obrigada ao meu orientador Professor Doutor Bento Herculano Duarte Neto, ao meu coorientador Professor Doutor Walter Nunes da Silva Júnior e aos meus colegas da turma do mestrado por todo auxílio ao longo da caminhada.

Por fim, agradeço ao Promotor de Justiça Wendell Beetoven Ribeiro Agra por sua contribuição neste projeto, principalmente por meio da disponibilização de sua biblioteca incrível.

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O Brasil vem passando nos últimos anos por uma grave crise na segurança pública. Embora a Constituição de 1988 tenha elevado o status do direito à segurança pública, criando pela primeira vez um capítulo tratando apenas desse direito, isso não repercutiu na criação de políticas públicas eficientes nessa área. O avanço da criminalidade organizada e expansão dessas organizações para as regiões Norte e Nordeste do país resultaram em disputas territoriais e aumento dos índices de homicídios, que são superiores aos de países em guerra. Diante dessa crise, que evidencia uma grave violação ao direito fundamental à segurança, a solução deve envolver a aplicação dos princípios e fundamentos relacionados ao tema, bem como o Estado, por meio de diálogo entre seus atores (Poder Executivo, Judiciário, Legislativo, Ministério Público) e com a sociedade, tanto sociedade civil em geral como com a academia. Nesse sentido, em razão das funções do Ministério Público definidas pelo constituinte, principalmente persecução criminal e controle externo da atividade policial, seu papel ganha relevância. A partir desse contexto, busca-se analisar, por método dedutivo e pesquisa documental, com apoio bibliográfico, como a atuação do Ministério Público pode levar eficiência à gestão da segurança, sob o enfoque constitucional, diante da possibilidade de criação de mecanismos de monitoramento da atividade policial. Após o estudo do direito à segurança pública como um direito fundamental, passa-se a identificar alguns fatores que influenciaram na crise de segurança pública vivenciada no país. Em seguida, trata-se dos mecanismos para uma gestão da segurança pública eficiente, com enfoque no tratamento da segurança pública como um serviço público, para, após, elencar as formas mais tradicionais de atuação do Ministério Público em matéria criminal. Frise-se que a atuação tradicional do Ministério Público na tentativa de resolução de problemas na prestação de serviços públicos por meio da judicialização de demandas não tem se mostrado muito eficaz. Assim, evidencia-se que uma das melhores formas de levar eficiência à gestão da evidencia-segurança pública é por meio da atuação extraprocessual do Ministério Público. Dentre as formas dessa atuação, destaca-se a atuação por meio da auditoria contínua e da promoção da responsabilização pelos desvios praticados. Além disso, deve haver mais diálogo entre o Ministério Público e as demais instituições públicas relacionadas à segurança pública.

Palavras-chave: Segurança pública. Ministério Público. Eficiência no serviço público.

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Constitution of 1988 raised the status of the right to public security, creating for the first time a chapter dealing only with this right, this did not reach the creation of efficient public policies in this area. The advance of organized crime and the expansion of these organizations to the North and Northeast regions of the country resulted in territorial disputes and increased homicide rates, which are higher than in countries at war. In the face of this crisis, which shows a serious violation of the fundamental right to security, the solution must involve the

application of the principles and foundations related to the theme, as well as the State, through dialogue between its actors (Executive, Judicial, Legislative and Public Prosecution) and with society, civil society in general and the academy. In this sense, due to the functions of the Public Prosecution defined by the constituent, mainly criminal prosecution and external control over police activities, its role gains relevance. In this context, the study aims to analyze, through deductive and documentary means, with bibliographic support, how the performance of the Public Prosecution can lead to efficiency in security management, based on a constitutional approach, considering the possibility of creating mechanisms for monitoring the police activities. After studying the right to public security as a fundamental right, we can identify some factors that influenced the public security crisis experienced in the country. Then, it deals with the mechanisms for an efficient public security management, with a focus on the treatment of public security as a public service, to, after, list the most traditional forms of performance of the Public Prosecution in criminal matters. It should be noted that the traditional performace of the Public Prosecution in trying to solve problems in the provision of public services, through the judicialization of demands, has not been very effective. Thus, it is evident that one of the best ways to bring efficiency to public security

management is through the extrajudicial performance of the Public Prosecution. Among the forms of this performance, the performance through continuous auditing and promoting accountability for the deviations practiced stands out. In addition, there should be more dialogue between the Public Prosecution and other public institutions related to public security.

Keywords: Public security. Public Prosecution. Efficiency in public service. External control

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ADA Amigos dos Amigos

ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

CF Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNMP Conselho Nacional do Ministério Público

CPP Código de Processo Penal

CV Comando Vermelho

CVLI Crimes Violentos Letais Intencionais

DEPEN Departamento Penitenciário Nacional

DJe Diário da Justiça Eletrônico

ENASP Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública

FBI Federal Bureau of Investigation

FND Família do Norte

HC Habeas Corpus

Ipea Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LEP Lei de Execução Penal

MP Ministério Público

MS Mandado de Segurança

OBVIO Observatório da Violência Letal Intencional do Rio Grande do Norte

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PEP Penitenciária Estadual de Parnamirim

PNSP Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

PNSPDS Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

RDD Regime Disciplinar Diferenciado

RE Recurso Extraordinário

REsp Recurso Especial

RN Rio Grande do Norte

SDC Sindicato do Crime

SINESP Sistema Nacional de Informaçãoes de Segurança Pública

SPF Sistema Penitenciário Federal

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

SUS Sistema Único de Saúde

Susp Sistema Único de Segurança Pública

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1 INTRODUÇÃO ... 11

2 DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA PÚBLICA ... 17

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO À SEGURANÇA PÚBLICA ... 19

2.2 EVOLUÇÃO NORMATIVA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL ... 26

2.2.1 O direito à segurança pública no Brasil: do colonialismo ao período do regime militar ... 26 2.2.1.1 Constituição Imperial de 1824 ... 27 2.2.1.2 Constituição de 1891 ... 29 2.2.1.3 Constituição de 1934 ... 31 2.2.1.4 Constituição de 1937 ... 31 2.2.1.5 Constituição de 1946 ... 32 2.2.1.6 Constituição de 1967 ... 33

2.2.2 O direito à segurança pública na Constituição do Brasil de 1988 ... 36

3 CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL ... 41

3.1 INFLUÊNCIA DAS FACÇÕES CRIMINOSAS ... 43

3.2 RIO GRANDE DO NORTE: INCREMENTO DA VIOLÊNCIA ATÉ A SITUAÇÃO ATUAL ... 49

3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE SEGURANÇA NO BRASIL ... 57

4 MECANISMOS PARA UMA GESTÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA EFICIENTE . 71 4.1 CONTROLE INTERNO ... 85

4.2 CONTROLE EXTERNO ... 87

5 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL ... 101

5.1 RAZÃO DE SER DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O SEU PAPEL INSTITUCIONAL 102 5.2 PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ... 109

5.3 CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL ... 113

5.4 INQUÉRITO POLICIAL ... 121

5.5 DAS MUDANÇAS IMPLEMENTADAS NO INQUÉRITO POLICIAL PELA LEI Nº 13.964/2019 ... 126

5.6 FORMAS DE ATUAÇÃO EXTRAPROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA BUSCA DA EFICIÊNCIA NA GESTÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA ... 128

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6 CONCLUSÃO ... 158 REFERÊNCIAS ... 164

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o estado do Rio Grande do Norte vem sendo destaque no noticiário nacional, e até internacional, em decorrência de uma grave crise na segurança pública. No início do ano de 2017, o destaque foi a rebelião ocorrida no presídio de Alcaçuz e em 2018, os índices alarmantes de homicídios.

Analisando os dados estatísticos de mortes dos últimos dez anos, percebe-se que o estado do Rio Grande do Norte saiu da lista dos estados do Brasil mais seguros, para figurar no ano de 2018 em primeiro lugar no ranking de violência.

Diversos fatores resultaram nesse quadro de violência e não há uma solução simples para o problema da ineficiência na gestão de segurança pública. Por outro lado, é necessário que todas as discussões para encontrar uma solução para a crise existente tenham a participação conjunta de diversas esferas do Poder Público (Poder Executivo, Poder Judiciário, Poder Legislativo e Ministério Público), bem como a participação da sociedade.

No presente estudo, pretende-se analisar uma das facetas que podem melhorar o quadro atual, qual seja, a atuação do Ministério Público por meio de mecanismos de controle da atividade policial, além de outras alternativas, notadamente fora da atuação judicial.

Dentre as razões que justificam a abordagem do tema, uma delas é o conhecimento empírico adquirido pela autora em decorrência de ser servidora do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte há mais de quinze anos e ter trabalhado no Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial (NUCAP) em Natal.

Com o advento da Constituição de 1988, o Ministério Público ganhou autonomia e maiores poderes na atuação no processo criminal, e foi instituído como o responsável pelo controle externo da atividade policial.

Atualmente, a atuação do Parquet, muitas vezes, no que se refere ao controle da atividade policial, é repressivo e decorrente de condutas irregulares (agressão ou corrupção, por exemplo) das autoridades policiais, no entanto, a proposta que se apresenta se preocupa com um controle mais preventivo da atuação policial, ou seja, busca que o Ministério Público possa atuar de forma que as investigações policiais sejam mais eficientes e, com isso, os inquéritos policiais sejam concluídos de forma mais célere e os autores dos delitos sejam punidos de forma adequada.

Um exemplo de como há falhas nos mecanismos de controle da atividade policial por parte do Ministério Público é que quando ocorre um homicídio, não se sabe de imediato qual membro do Parquet será responsável pela investigação, ocasionando que apenas quando o

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delegado de polícia concluir o inquérito, realizando o indiciamento ou solicitando o arquivamento ou o adiamento do prazo para conclusão, é que, em regra, o Ministério Público tomará conhecimento do delito.

Essa situação tem gerado falhas no processo investigatório, bem como uma desproporcionalidade entre os grandes índices de crimes, e aqueles que chegam efetivamente ao Ministério Público e ao Judiciário, ocasionando uma impunidade que gera cada vez mais violência.

Importante frisar que para análise do contexto de criminalidade no país foi feito um recorte apenas nos dados do estado do Rio Grande do Norte e o levantamento do nível de criminalidade tem por referência a taxa de homicídios por habitantes. Esse índice é o utilizado pela Organização Mundial de Saúde para fins de aferir níveis de violência.

Assim, dentro da ideia de criação de uma atuação conjunta que envolva a polícia, o Ministério Público e o Judiciário, o presente estudo busca sugerir padrões de monitoramento, com critérios de periodicidade para visitas e levantamentos da atividade policial, com o objetivo de gerar eficiência na gestão da segurança pública e, em consequência, uma diminuição dos índices atuais de criminalidade. Além disso, visa tentar encontrar outras maneiras pelas quais o Parquet pode atuar que possam levar eficácia ao direito fundamental à segurança no estado do Rio Grande do Norte.

O objetivo geral do trabalho é analisar como a atuação do Ministério Público pode levar eficiência à gestão da segurança pública, sob o enfoque constitucional, diante da possibilidade de criação de mecanismos de monitoramento da atividade policial.

Já os objetivos específicos são: a) verificar o direito à segurança pública como um Direito Fundamental; b) analisar a atuação do Ministério Público no controle externo da atividade policial; c) fazer levantamento de dados estatísticos a respeito da criminalidade no estado do Rio Grande do Norte; d) identificar como a atuação extraprocessual do Ministério Público pode levar eficiência à gestão da segurança pública no Estado, diminuindo a criminalidade.

Para tanto, será adotado o método dedutivo, com a utilização de fontes secundárias de informação, a saber: livros, artigos, teses, decisões judiciais, além de outros materiais jornalísticos ou acadêmicos que guardem pertinência com o tema. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, fundamental, exploratória, documental e bibliográfica.

Além disso, parte dos resultados são decorrentes de participação da autora no projeto de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte intitulado “Criminalidade

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violenta e diretrizes para uma política de segurança pública no estado do Rio Grande do Norte” e coordenado pelo Professor Walter Nunes da Silva Júnior.

A Constituição de 1988 prevê, no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais, o direito à segurança. Tal direito está no mesmo nível constitucional do direito à vida e à liberdade como um direito individual e coletivo (art. 5º, CF). Da mesma forma, o direito à segurança é visto constitucionalmente como um direito social, ao lado do direito à saúde, moradia e transporte, por exemplo (art. 6º, CF).

Na mesma seara, a Constituição de 1988 reservou capítulo específico para tratar da segurança pública (art. 144, Constituição), em que a caracteriza como “dever do Estado” e como “direito e responsabilidade de todos”, devendo ser exercida para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” e ainda estabelece que os órgãos responsáveis pela sua manutenção são: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as polícias civis estaduais, as polícias militares e os corpos de bombeiros.

Já o Ministério Público, por seu turno, denominado pela Constituição como uma das “funções essenciais à justiça”, ao lado da advocacia pública e privada e da Defensoria Pública, viu consagrada sua independência político-administrativa e financeira e teve reconhecido um conjunto amplo de funções próprias, fazendo com que passasse por uma fase de expressiva ascensão institucional. Com essa expansão, verifica-se que o Ministério Público manteve seu papel proeminente no processo penal, contudo, nos últimos anos, tem tido um crescimento bastante significativo na atuação em matéria cível e administrativa, não apenas dentro do contexto processual, mas também na esfera extrajudicial.

Dentre as funções institucionais do Ministério Público, especificadas no art. 129 da Constituição Federal, este trabalho se propõe a abordar as seguintes: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar; requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais e, finalmente, expressado em cláusula aberta, exercer outras funções que lhe forem legalmente conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade institucional.

Ao longo do tempo, dúvidas surgiram quanto ao poder investigatório do Ministério Público, visto que a Constituição Federal teria delegado essa função às polícias judiciárias (Polícia Civil e Polícia Federal). Finalmente, em maio de 2015, o Supremo Tribunal Federal,

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por meio de julgamento no Recurso Extraordinário 593727, reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal e fixou os parâmetros de sua atuação.

Nesse ponto, é importante trazer a diferenciação entre polícia ostensiva e polícia investigativa. O exercício da segurança pública tem a perspectiva prévia (e até de sustar a ação delituosa) e a perspectiva investigativa (apuração do ilícito). Para a função prévia ou repressiva, também chamada de polícia ostensiva, o constituinte elegeu a Polícia Militar (e em alguns casos, Polícia Rodoviária e Ferroviária, além dos corpos de bombeiros e mesmo das guardas municipais), já a função investigativa ficou a cargo das polícias civis e Polícia Federal. Para fins deste trabalho, o foco é relacionado à polícia investigativa, notadamente polícia civil, responsável, em regra, pela instauração e instrução dos inquéritos policiais, embora em alguns pontos possa existir similitude de atuação no que se refere à polícia ostensiva.

Além disso, boa parte da atuação ministerial tratada no trabalho é relacionada ao Ministério Público Estadual, que, em regra, detém atribuição para atuar nos crimes contra a vida e ao patrimônio do cidadão comum.

Sabe-se que um dos fatores que retroalimentam a violência é a impunidade. Nessa esteira, as investigações feitas pela Polícia Civil são registradas nos inquéritos policiais, que, além de muito burocráticos, com muitos papéis inúteis e repetidos, resultando em falta de efetividade, são mal feitos e, na grande maoria das vezes, não chegam a indicar nenhum acusado da conduta delituosa. Assim, o que o Ministério Público poderia fazer para tornar os inquéritos policiais mais eficientes e, como consequência, levar a julgamento os acusados pela prática do crimes?

Frise-se que o Ministério Público no Estado Democrático de Direito, em decorrência do princípio acusatório, não tem por função simplesmente de apontar o autor de um crime, mas revelar a verdade dos fatos. A denúncia ao Poder Judiciário só deve ser feita quando a investigação realmente comprovar isso, com a aplicação de todos os princípios democráticos, da maneira mais eficiente possível.

Dessa forma, aliando as atribuições de protetor dos direitos fundamentais, com a legitimidade para promover investigações de natureza penal e o controle externo da autoridade policial, o Ministério Público pode, e deve, atuar em busca da eficiência na segurança pública.

Sob a perspectiva de que a segurança pública é um direito fundamental, a atividade policial deve ser vista como um serviço público prestado pelo Estado, que deve ser eficiente

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para assegurar a vida e o patrimônio da população. Mas o que seria uma segurança pública eficiente? Esse é outro questionamento que norteia a presente pesquisa.

Assim, considerando que a crise na segurança pública vivida no Brasil, e especialmente no estado do Rio Grande do Norte, é uma grave violação ao direito fundamental à segurança, a busca pela eficiência desse serviço deve passar pelo estudo de princípios e fundamentos constitucionais aplicáveis, bem como deve envolver o Estado, por meio de seus atores (Poder Executivo, Judiciário, Legislativo, Ministério Público) e a sociedade, tanto pela sociedade civil em geral como pela academia.

Assim, a proposta é que o Ministério Público ao criar mecanismos eficientes de controle, principalmente no nível organizacional da polícia, pode levar celeridade e legalidade para as ações policiais, e, por consequência, eficiência para a gestão da segurança pública. Frise-se que é plenamente possível o controle de políticas públicas na área de segurança pública por meio da atuação judicial, como, por exemplo, por meio do ajuizamento de ações civis públicas de obrigação de fazer, contudo estas demandas em geral demoram vários anos e muitas vezes não resultam em decisões eficazes para a melhoria na prestação do serviço público. Neste contexto, o foco deste trabalho será a atuação extrajudicial do membro do Ministério Público.

Portanto, o presente estudo vai ao encontro da ideia de integração de atividades entre as instituições, e busca a criação de estratégias para que o Ministério Público atue por meio de padrões de monitoramento, por meio de critérios de periodicidade para visitas e levantamentos da atividade policial. Além da busca de outras formas de atuação extraprocessual que levem eficiência à gestão da segurança pública.

O presente trabalho inicia-se com a conceituação de segurança pública como direito fundamental, trazendo as principais teorias que visam explicar sua origem, sua correlação com o surgimento do Estado e a evolução normativa desse direito no âmbito constitucional nacional, até chegar ao estágio atual previsto na Constituição de 1988.

No capítulo terceiro, é contextualizada a segurança pública no Brasil, abordando o surgimento e influência das facções criminosas, bem como a expansão da sua área de atuação do Sudeste do país para o Norte e Nordeste. Também serão apresentados alguns dados estatíticos relacionados ao incremento da violência no âmbito do estado do Rio Grande do Norte, até chegar à situação atual. É nesse capítulo que também serão feitos comentários a respeito das políticas públicas sobre segurança no Brasil, dando-se destaque à Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e a Política Nacional de Segurança Pública (PNSPDS).

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O capítulo quarto trata dos mecanismos para uma gestão de segurança pública eficiente, distinguindo controle interno e controle externo. O capítulo inicia com o conceito de eficiência no âmbito do serviço público, notadamente na esfera da segurança pública, e depois apresenta o conceito de accountability no âmbito da atividade policial.

Já no capítulo quinto, será especificada a atuação do Ministério Público na fase extraprocessual no âmbito criminal, delimitando seu poder de investigação, sua ação no controle externo da atividade policial e no inquérito policial. Sendo explicitado que o controle externo realizado pelo Ministério Público pode ocorrer por meio do controle processual de direção mediata, controle processual de fiscalização, controle extraprocessual de auditoria e promoção da responsabilização.

Por fim, serão elencados diversos mecanismos de atuação extrajudicial do Ministério Público e formas de utilização desses mecanismos na busca da eficiência na gestão da segurança pública, com enfoque no controle extraprocessual de auditoria e promoção da responsabilização. Ao longo do trabalho, especificamente capítulos quarto e quinto, serão indicadas diversas práticas para atuação de um membro do Ministério Público na busca por eficiência na gestão de segurança pública.

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2 DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA PÚBLICA

Desde os primórdios da humanidade, o homem tem buscado segurança para si próprio, seu patrimônio e de sua família. Tal fato colaborou para a organização das sociedades e surgimento dos Estados. Atualmente, o ser humano continua nessa busca por segurança e, principalmente no Brasil, a população tem cobrado diariamente do Estado a garantia desse direito, mas o Governo, em todas as suas esferas, não tem conseguido garantir o mínimo de sensação de segurança aos seus cidadãos.

No pensamento da antiguidade de Platão e Aristóteles, o Estado nasce de uma evolução natural dos homens. Para Platão, o Estado surge da busca natural do homem pelo poder. Já Aristóteles entende que seria a busca de tornar boa a vida (eudaimonia) e nasce da necessidade de convivência das pessoas1.

Já no período Medieval, Agostinho defendia que “a primeira e principal tarefa do Estado é a manutenção da justiça”, sendo que esse foi criado por Cristo e “seria a única força que pode garantir a manutenção do equilíbrio para manter a igualdade”2.

No mesmo período, Tomas de Aquino acredita que o Estado nasce do instinto social do homem. “É esse instinto que primeiro leva à constituição da família e, a partir daí, por um desenvolvimento constante, às outras formas mais complexas de comunidade”3.

Para Maquiavel, o Estado é conquistado ou herdado4.

Dentre as teorias mais conhecidas, merece destaque a Teoria do contrato social, na qual o Estado nasce do contrato social necessário para a transição do homem do estado de natureza para o estado civil. O precursor desta teoria foi Thomas Hobbes, que posteriormente foi seguido por Locke.

Thomas Hobbes acreditava que “a dominação do Estado se justifica para preservar a integridade física do homem; a própria vida”. Portanto, o Estado surgiria do medo do homem e na busca pelo proveito próprio. Nesse cenário, a “coação se justifica uma vez que o Estado surge pela necessidade de segurança da sociedade. Ocorre que, para garantir a segurança o

Estado precisa punir quem age contra ela. E isso porque ‘todo poder só pode fundar-se na submissão’”5. A autopreservação do homem seria o único limite que ele reconhece ao poder

1 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Indagação sobre os limites da Ação do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 33-34.

2 Ibidem, p. 33-34. 3 Ibidem, p. 34. 4 Ibidem, p. 33-34. 5 Ibdem, p. 47.

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do Estado, assim, conforme Sofia Rovighi, “Um soberano não pode ordenar a um cidadão que se mate, porque o indivíduo faz parte do Estado para viver”6.

Locke concorda com a existência do pacto social, mas diverge das consequências aceitas por Hobbes. Segundo Locke, num primeiro momento de convivência em sociedade, no denominado estado de natureza, a responsabilidade pela execução da lei da natureza, que quer a paz e a conservação de toda a humanidade, é depositada nas mãos de cada homem, sendo que cada um tem o direito de punir os transgressores da referida lei7.

Assim, no pensamento de Locke, a segurança seria um dever de todos. No entanto, tal conduta fez surgir o estado de guerra, no qual ocorreram muitas mortes violentas. Os homens não suportando mais essa situação, teriam renunciado a esse poder natural de punir e colocado nas mãos do corpo político, que seria responsável pela execução dessas regras, surgindo assim a sociedade política8.

Seguindo o pensamento de Locke, somente haverá uma sociedade política ou civil sempre que qualquer número de homens estiver unido numa sociedade de modo que cada um renuncie ao poder executivo da lei da natureza e o coloque nas mãos do público9.

Em resumo, a teoria de Locke entende que o principal motivo da reunião de homens em sociedades organizadas que deram origem aos Estados e Governos é para obtenção de segurança e salvaguarda dessas próprias sociedades 10 de modo que “o fim maior e principal para os homens unirem-se em sociedades políticas e submeterem-se a um governo é, portanto, a conservação de sua propriedade” 11. Dessa forma, o principal aspecto da teoria do contrato social é o consentimento12.

Kant acredita no contrato original e que o estado de natureza é um estado de injustiça e “só se adquire a justiça quando há uma força jurídica a compelir o outro, mediante força, a ingressar numa condição jurídica”13.

Já Engels entende que o Estado é um regulador de antagonismos que existem na sociedade, seu pensamento é alinhado com o de Marx no sentido de que o Estado é um instrumento de dominação de classe14.

6 ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 221. 7 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 385.

8 Ibidem, p. 458. 9 Ibidem, p. 460-461. 10 Ibidem, p. 465. 11 Ibidem, p. 495. 12 Ibidem, p. 468.

13 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Indagação sobre os limites da Ação do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 59.

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Dentro da proposta a que se pretende este trabalho, merece também ser citada a teoria de Max Weber no sentido de que o Estado é detentor do monopólio da violência legítima. O Estado detém o monopólio do uso da força e a legitima pelo ordenamento jurídico15.

Em síntese, são quatro os modelos que visam explicar a origem do Estado: 1) o Estado foi criado por Deus; 2) o Estado surgiu naturalmente; 3) o Estado surgiu de um contrato, por intermédio do consentimento de seus membros; 4) o Estado surgiu da dominação, por meio da conquista de uns sobre outros.

Superada a análise sobre as principais teorias que visam explicar a origem do Estado, importante destacar que as funções do Estado são variáveis e não universais. Portanto, mudam de acordo como momento histórico. Muito embora, analisando as teorias acima, percebe-se que segurança é considerada ao longo da história uma função essencial do Estado, tanto para garantia da vida quanto da propriedade.

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO À SEGURANÇA PÚBLICA

Segundo Lincoln D’Aquino Filocre, a palavra segurança tem origem no latim e significa “sem preocupações”. Sua etimologia sugere o sentido de “ocupar-se de si mesmo”

(se + cura). Segurança é o “ato ou efeito de segurar”. Já segurar é “tornar seguro, firmar, fixar”. Seguro é o mesmo que “protegido, acautelado, garantido”. Assim, segurança significa ato ou efeito de tornar livre do perigo, protegido, livre do risco16.

Já no que se refere à palavra público, o mesmo autor afirma que também se origina do latim publicus, que significa “relativo, pertencente ou destinado ao povo, à coletividade”. São várias as acepções de público: a primeira, referindo-se ao que é notório, patente, manifesto, visto ou sabido por todos; a segunda diz respeito a algo vulgar, comum; a terceira aplica-se a poder, jurisdição e autoridade para fazer alguma coisa em contraposição a privado; a quarta remete ao que pertença ao povo; e a quinta, vincula-se à administração. Tais concepções conduzem a dois sentidos de público: como referência à sociedade, seja ela tomada genericamente ou por algum setor específico, e como concepção de autoridade, de administração, de Estado. À ideia de público se tem, portanto, por referência, a noção de 14 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Indagação sobre os limites da Ação do Estado. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2015. p. 66-67. 15 Ibidem, p. 68.

16 FILOCRE, Lincoln D’Aquino. Direito de Segurança Pública: Limites jurídicos para políticas de segurança pública. São Paulo: Almedina, 2010. p. 11.

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interesse coletivo, de modo que, na junção dos significados, segurança pública é a ausência de risco correspondente ao interesse da sociedade, tomada essa não como a soma das individualidades, mas como um corpo, qual seja, a coletividade17.

Lincoln D’Aquino Filocre defende a existência de um ramo do Direito denominado: Direito de Segurança Pública18. De acordo com o referido autor, para esse ramo do Direito, importaria a segurança pública no Estado. Portanto, segurança pública seria manutenção da ordem pública, sob a ótica da criminalidade, que é uma forma simples de se ver o conceito, visto que não revela a complexidade existente no conceito de ordem. Sendo possível destacar pelo menos quatro temáticas de estudo de segurança pública, quais sejam, segurança pública sob o ponto de vista dos órgãos estatais; como atividades ou o exercício de segurança pública; como direito e grau do sentimento individual e coletivo de segurança; e como estado ou situação de segurança no sentido de controle do poder público. Assim, cada um desses pontos de vista pode ser traduzido em dimensões de segurança pública: segurança pública são os órgãos responsáveis pela manutenção da ordem pública; segurança pública é o direito de proteção estatal, conferindo a cada um e a todos os membros da sociedade a permanente sensação de segurança; segurança pública é a ausência de perturbação, a garantia da ordem. Conclui o autor dizendo que “qualquer que seja a abordagem eleita, trata-se de uma mesma segurança pública porque um mesmo conceito de ordem pública se faz presente.”19.

Pinto Ferreira apresenta o seguinte conceito para segurança pública: “É o conjunto de serviços organizados pela administração pública para assegurar a ordem pública e garantir a integridade física e moral das pessoas, mediante limitações impostas à atividade pessoal”20. Já Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que “segurança pública é a garantia da ordem pública, aqui distinguida da incolumidade da pessoa e do patrimônio”. Quanto ao direito à segurança, ainda diz mais: “O direito à segurança é um dos direitos fundamentais.

17 FILOCRE, Lincoln D’Aquino. Direito de Segurança Pública: Limites jurídicos para políticas de segurança pública. São Paulo: Almedina, 2010. p. 11-12.

18 Para Lincoln Daquino Filocre, há um ramo do direito denominado Direito de Segurança Pública, responsável por sistematizar as normas jurídicas referentes aos fenômenos vinculados a ações estatais de implementação de políticas de segurança pública. É uma posição minoritária e essa autora não concorda com a existência desse ramo do Direito. Contudo, é um conceito que merece ser conhecido. Para mais informações, ver: FILOCRE, Lincoln D’Aquino. Direito de Segurança Pública: Limites jurídicos para políticas de segurança pública. São Paulo: Almedina, 2010. p. 59-65.

19 Ibidem, p. 12-13.

20 SANTOS, Altamiro J. dos. Direito de Segurança Pública e Legítima Defesa Social. São Paulo: Ltr, 2006. p. 97.

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Montesquieu o enfatiza no Espírito das leis (Livros XI, Cap. VI); o art. 2º da Declaração de 1789 o consagra”21.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece o direito à segurança pessoal (art. III)22. Ele é visto como direito supraestatal e constitui uma garantia individual e social.

Tem como fundamento, segundo Altamiro J. dos Santos, “o direito que a natureza deu para que o ser humano defenda sua vida, sua existência, sua integridade psicofísica, suas relações no convívio no mundo. Entre outros: os atributos inerentes a sua personalidade.”23.

Esse direito é visto como garantia de exercício dos outros direitos, por exemplo, o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à dignidade, à livre iniciativa. Sem esse direito, seria insustentável a vida em sociedade, conforme já verificado no item anterior deste trabalho.

Assim, quanto ao objeto da segurança pública, a doutrina se divide em dois possíveis: o primeiro seria garantir a segurança dos indivíduos em face do poder como a aspiração dos homens à segurança jurídica, em oposição às arbitrariedades frequentes dos detentores do poder; o segundo seria a segurança material, no sentido de que os homens esperam que o Estado lhes proteja a vida e os bens.

Outro conceito importante para melhor compreensão da segurança pública é o de ordem. No entanto, esse conceito é bastante complexo, por ser muito vago e amplo. Nesse sentido, as palavras de Lazzarini são bastante esclarecedoras quando diz que não há “nada mais incerto em direito do que a noção de ordem pública”, visto que ela varia no tempo e no espaço, varia também de um país para outro e no mesmo país varia de acordo com a época 24. Assim, procurar definir o termo ordem pública é “aventurar-se a pisar em areias movediças”25.

Dentre as definições existentes, uma escolha possível é a de G. Pequignot, contida no prefácio do trabalho de Paul Bernard, no sentido de que a ordem pública está assentada “em dois elementos universalmente reconhecidos: a ausência de perturbação e a disposição

21 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva. 1990-1994. v. 1. p. 82.

22 ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris: Nações Unidas, 1948. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em: 19 ago. 2019.

23 SANTOS, Altamiro J. dos. Direito de Segurança Pública e Legítima Defesa Social. São Paulo: Ltr, 2006. p. 97.

24 LAZZARINI, Álvaro et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987. p. 6.

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harmônica das relações sociais”26. Dessa forma, em Direito Administrativo, conforme palavras de Miguel Seabra Fagundes, ordem pública terá um significado de princípios norteadores do comportamento dos indivíduos, tendo em vista a criação de um clima de paz para “a realização dos objetivos do Estado e do seu papel perante a sociedade”27.

Nessa esteira, observa-se que ordem pública e poder de polícia são figuras que andam juntas, uma vez que é por meio do poder de polícia que o Estado, por intermédio da Administração Pública, intervém na sociedade para limitar as liberdades individuais com o objetivo de manter a atuação destas dentro da ordem vigente28. Portanto, extrai-se que no estudo da Administração Pública se situam os poderes administrativos, dentre esses, temos o poder de polícia como o mais importante, uma vez que é por meio dele que o Estado atuará com o objetivo de manutenção, ou restauração, da ordem pública.

Superada a origem etimológica da expressão segurança pública, bem como após apresentação, de forma breve, de doutrinas, seu objeto e finalidade, passa-se a expor o surgimento do direito à segurança pública.

Da análise do surgimento do Estado, percebe-se que o direito à segurança pública sempre esteve presente na história da humanidade, desde as fases iniciais de tribos, passando por cidades, impérios, chegando até o Estado moderno.

No contexto das sociedades civis ou políticas, o poder político (Estado) deve ser visto como aquele que deteve, e detém, um organismo armado e organizado para determinação da obrigação de cumprimento das normas pelo indivíduo, prevenção e repressão aos delitos e conservação da ordem pública, por meio da violência legal, sob o manto do direito respectivo de cada época29.

Com o objetivo de esclarecer a origem e evolução do direito à segurança pública, Valter Foleto Santin30 faz a correlação entre a segurança pública e as chamadas gerações dos direitos.

Assim, na primeira geração, ligada aos direitos individuais e da liberdade, o direito à segurança está presente ao lado dos direitos da liberdade, igualdade, propriedade, direito de

26 BERNARD, Paul. La notion d’ordre public em droit administratif. Paris: Librairie Générale de Droit et Jurisprudence, 1962. p. 12;25.

27 FAGUNDES, Miguel Seabra. Apresentação do livro. In: CRETELLA JÚNIOR, José (Coord.). Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998.

28 SULOCKI, Victoria-Amália de Barros Carvalho G. de. Segurança Pública e Democracia: Aspectos constitucionais das políticas públicas de segurança. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. 47 p. 29 SANTIN, Valter Foleto. Controle Judicial da Segurança Pública: Eficiência do serviço na prevenção e

repressão ao crime. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 76. 30 Ibidem. p. 77-78.

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voto e direitos individuais em dois diplomas legais tradicionais: Declaração da Virgínia31 (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão32 (1789).

Da mesma forma, a Constituição da França de 1793 definiu a segurança pública como “a proteção concedida pela sociedade a cada um dos seus membros para conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades”33.

Na segunda geração de direitos, referentes aos direitos sociais, relacionados às questões trabalhistas, educação, direitos econômicos e culturais, e da igualdade, destacam-se a Constituição Mexicana, de 1917, e a Constituição Russa, de 1919, nas quais o direito à segurança continua presente em razão de sua integração como direito social, sendo considerado como decorrência natural do armamento dos trabalhadores e a formação do Exército Vermelho, conforme previsto no Capítulo II, 5º, da Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, na Rússia34.

Já na terceira geração dos direitos, surgem os chamados direitos dos povos e da solidariedade, que são uma resposta às atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial, resultando na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e diversos Pactos Internacionais. Assim, a segurança pública é decorrência natural da busca da paz e da proteção da vida, liberdade e segurança pessoal e também como direito difuso, nos moldes do direito do consumidor, meio ambiente e criança. O artigo 3° da Declaração Universal dos Direitos Humanos assim prescreve: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”35.

Por fim, na quarta geração, são relacionados os direitos à vida numa dimensão planetária ou universal, que surgem em decorrência da preocupação com as gerações futuras.

31 “III. Que o governo é instituído, ou deveria sê-lo, para proveito comum, proteção e segurança do povo, nação ou comunidade; que de todas as formas e modos de governo esta é a melhor, a mais capaz de produzir maior felicidade e segurança, e a que está mais eficazmente assegurada contra o perigo de um mau governo; e que se um governo se mostra inadequado ou é contrário a tais princípios, a maioria da comunidade tem o direito indiscutível, inalienável e irrevogável de reformá-lo, alterá-lo ou aboli-lo da maneira considerada mais condizente com o bem público.”. (FERREIRA FILHO, Manoel G. et al. Liberdades Públicas. São Paulo: Saraiva, 1978. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-

%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-de-virginia-1776.html. Acesso em: 19 ago. 2019).

32 “Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.”. (FERREIRA Filho, Manoel G. et al. Liberdades Públicas. São Paulo: Saraiva, 1978. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o- da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html. Acesso em: 19 ago. 2019).

33 SANTIN, Valter Foleto. Controle Judicial da Segurança Pública: Eficiência do serviço na prevenção e repressão ao crime. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 77-78.

34 Ibidem, p. 77-78. 35 Ibidem, p. 77-78.

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Também estando presente a preocupação com a segurança pública, em razão da sua grande importância para a vida em sociedade, principalmente no momento atual em que a violência e a criminalidade explodem no mundo e no Brasil36.

Criticando a divisão dos direitos fundamentais em gerações37, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins defendem a divisão dos direitos fundamentais em categorias, e trazem as definições dadas por Jellinek, que formulou uma classificação em três categorias: a) direitos de status negativus ou pretensão de resistência à intervenção estatal; b) direitos de status positivus ou sociais ou prestações; c) direitos de status activus ou políticos ou de participação38. Nessa esteira, indicam segurança pública como um conceito coletivo que inclui direitos fundamentais à segurança, à vida, à propriedade etc. de cada pessoa e faz parte do direito fundamental genérico à segurança39. Portanto, segurança pública, assim como proteção ambiental, por exemplo, seria um interesse geral constitucionalmente tutelado.

Importante nesse ponto destacar que a natureza de direito fundamental da segurança pública é reforçada pelo reconhecimento de que se trata de um pré-requisito essencial para o exercício dos demais direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Na mesma esteira, afirma Shue que ninguém pode usufruir com plenitude de nenhum direito que é aparentemente protegido pela sociedade, se alguém puder facilmente ameaçar tal indivíduo de assassinato, agressões, violências sexuais etc., quando o indivíduo tentar usufruir os direitos em discussão. Semelhantes ameaças à segurança física estão entre as mais severas e – na maioria do mundo – as barreiras mais difundidas ao usufruto de qualquer direito. Portanto, na falta de segurança física, as pessoas não são capazes de desfrutar qualquer outro direito que a sociedade diga estar zelando, pois estão passíveis de enfrentarem muitos dos piores perigos que eles enfrentariam se a sociedade não protegesse os seus direitos40.

Em outros países, conforme lição de Thiago Ávila, existem divergências se a segurança pública seria efetivamente um direito fundamental coletivo ou se seria apenas uma

36 SANTIN, Valter Foleto. Controle Judicial da Segurança Pública: Eficiência do serviço na prevenção e repressão ao crime. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 78.

37 “Tal opção terminológica (e teórica) é bastante problemática, já que a ideia das gerações sugere uma substituição de cada geração pela posterior, enquanto no âmbito que nos interessa nunca houve abolição dos direitos das anteriores ‘gerações’, como indica claramente a Constituição brasileira de 1988, que inclui indiscriminadamente direitos de todas as ‘gerações’” (DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria

dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 35.). 38 Ibidem, p. 62.

39 Ibidem, p. 155.

40 SHUE, Henry. Basic rights: subsistence, affluence, and U.S. foreign policy. Princetown (NJ) : Princetown University Press, 1980. p. 21.

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expressão do dever estatal de proteção dos direitos fundamentais, sem necessária subjetivação (ou seja, uma expressão da dimensão objetiva dos direitos fundamentais)41.

Assim, para um segmento da doutrina, a segurança pública não seria um direito subjetivo, mas apenas uma expressão do dever de proteção dos direitos fundamentais, que o Estado assume perante seus cidadãos, ou seja, uma expressão de uma das tarefas essenciais do Estado42. Segundo Alexy, sobre os deveres de proteção fundamental (Schutzpflicht na expressão alemã) como atributivos de um direito subjetivo de proteção ao cidadão, afirma que há uma presunção de subjetivação dos direitos fundamentais, e que um direito vale mais que um mero dever objetivo de proteção 43. No sentido de concretizar esse dever fundamental de promover a segurança dos direitos fundamentais, o Estado organiza toda a atividade policial. Dessa forma, a atividade policial é vista como um serviço público que o Estado coloca à disposição da população para concretizar seu dever fundamental de assegurar a segurança pública, que se qualifica como uma tarefa essencial do Estado. No entanto, essa visão não “permite uma subjetivação da segurança pública, ou seja, não reconhece a possibilidade de se atribuir posições jurídicas individuais de exigir o cumprimento do respectivo dever do Estado”44 .

De outra banda, uma parte da doutrina reconhece a efetiva existência de um direito subjetivo à segurança pública, e que esse seria de certa forma autônomo do direito individual à proteção de uma posição concretamente em risco. Nesse sentido, para mais informações, ver citação de Thiago Ávila referente a Denninger, Isensee e Robbers45.

Já no Brasil, conforme será visto adiante, não há nenhum tipo de divergência, sendo expressamente previsto na Constituição de 1988 o direito à segurança, tanto na perspectiva individual (art. 5º) quanto coletiva (art. 6º).

Após essa rápida passagem pelas principais teorias que visam explicar o surgimento do direito à segurança pública ao longo da história da humanidade, passa-se a tratar da segurança pública na esfera do Brasil.

41 ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. 2014. 1303 f. Tese (Doutorado em Ciências Jurídico-Criminais) – Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, 2014. Disponível em: https://docs.di.fc.ul.pt/bitstream/10451/17696/1/ulsd070111_td_Thiago_Avila.pdf. p. 164.

42 Ibidem, p. 165.

43 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 1. ed., 3. reimpr. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 226; 440.

44 ÁVILA, Thiago André Pierobom de, op. cit., p. 165-166.

45 Para mais informações, ver ÁVILA, Thiago André Pierobom de. A atuação do Ministério Público na concretização do direito fundamental à segurança pública. Revista do Conselho Nacional do Ministério

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2.2 EVOLUÇÃO NORMATIVA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

Para compreensão do estágio atual do direito à segurança pública no Brasil, é importante compreender a evolução histórica dos dispositivos normativos relacionados a esse direito no país.

O país nasce em 1500 sob o manto da violência e essa se incorporará, desde então, como elemento característico da realidade social brasileira. A violência sempre esteve presente nas relações sociais, econômicas e políticas de nossa sociedade e a segurança pública foi profundamente marcado por esse aspecto, são exemplos disso: genocídio dos indígenas, escravidão dos africanos, subordinação dos trabalhadores, brasileiros e imigrantes, desmoralização dos pobres, eliminação social46.

Em regra, a história oficial do Brasil é estudada de forma fragmentada, como se cada momento histórico fosse estagnado, o que impediria de se perceberem as características que permanecem em diferentes contextos, demonstrando semelhanças em períodos históricos distintos. Sendo que algumas dessas características que permaneceram em todos os contextos históricos é a violência, o autoritarismo, o extermínio, embora possam ter se revestido de roupagens diferentes de acordo com discursos políticos ou jurídicos47.

Para compreensão da formação histórico-legal relacionada à segurança pública, dividiremos o tema do direito à segurança pública no Brasil em duas partes, inicialmente trataremos desse direito do período colonial até o período do Regime Militar e, posteriormente, adentraremos apenas na previsão contida na Constituição de 1988.

2.2.1 O direito à segurança pública no Brasil: do colonialismo ao período do Regime Militar

No período de 1500 até a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil (1808), não havia nenhuma estrutura oficial de segurança pública. O país era dividido em doze capitanias hereditárias, cujos titulares (os donatários) dispunham de poderes quase absolutos, sendo esses responsáveis pela jurisdição cível e criminal de seus domínios. Nesse cenário, “a segurança era propiciada por grupos de voluntários ou mercenários que, armados pelos

46 SULOCKI, Victoria-Amália de Barros Carvalho G. de. Segurança Pública e Democracia: Aspectos constitucionais das políticas públicas de segurança. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 55-56. 47 Ibidem, p. 56.

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senhores da terra, só conheciam como lei os limites das ordens dos patrões, que tinham poder de vida e de morte em seus domínios”48.

Assim, a estrutura era basicamente “feudal” em razão das suas características de dispersão do poder político e formação de centros efetivos de poder locais, que resultam na característica básica da organização política do Brasil: a formação coronelística oligárquica49.

Em 1603, o governo da cidade do Rio de Janeiro passou a reger-se pelas Ordenações Filipinas, enquanto o resto do país permanecia com as relações sociais e econômicas na esfera privada, momento no qual se iniciaram as desigualdades no processo de desenvolvimento das regiões da Colônia.

Durante todo esse período, a grande marca era a violência. Violência inerente às relações escravistas e à dominação colonial, somada à violência oficial da atuação oficial das autoridades públicas.

Um dos primeiros atos de Dom João VI com a chegada da Corte em 1808 foi organizar o serviço policial na cidade do Rio de Janeiro nos mesmos moldes existentes em

Lisboa. Uma observação sobre esse período histórico do Brasil é que não se buscavam os ideais de liberdade, justiça e independência, mas sim os interesses econômicos das elites instaladas no país. Mesmo após a independência, o Estado defenderia sempre os objetivos de segmentos sociais donos das propriedades e dos meios de produção50.

Em 1815, o Brasil é elevado à condição de Reino Unido de Portugal e, após, veio a independência em 1822, que não mudou muito o cenário político com relação ao período colonial.

2.2.1.1 Constituição Imperial de 1824

Nesse período, a condução política e econômica do Estado Imperial ficou nas mãos do segmento dominante da sociedade e em prol de seus interesses particulares, travestidos no conceito de “ordem pública”. A família real, os grandes latifúndios, os traficantes de escravos e a Igreja Católica eram as forças que dominavam o cenário político nacional, resultando em um país oligárquico, escravocrata, excludente e autoritário. Assim, o processo de constituição

48 SULOCKI, Victoria-Amália de Barros Carvalho G. de. Segurança Pública e Democracia: Aspectos constitucionais das políticas públicas de segurança. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 57. 49 Ibidem, p. 60.

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do Estado Imperial se traduziu essencialmente no surgimento da classe dominante enquanto tal51.

Esse período é marcado por um problema relacionado à “unidade nacional”, visto que os construtores do Estado Imperial brasileiro tinham dificuldade de submeter as “autoridades” locais, privadas, distribuídas por todo território, a um poder central que conseguisse controlá-la de forma eficaz52.

A Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, outorgada por Dom Pedro I, visava centralizar o poder e criar uma organização nacional para acabar com os poderes regionais e locais, que efetivamente dominavam o país. Nela existia o Poder Moderador, cujo titular era o Imperador e que ficava acima dos demais poderes.

O Rio de Janeiro concentrava toda a burocracia administrativa, o movimento mercantil, com a entrada e saída de mercadorias, e as finanças do país, sendo assim o centro decisório do Império. Dessa forma, as classes dominantes fizeram com que as instituições estatais instaladas no Rio de Janeiro fossem exemplo nacional e também que a ideologia ali existente moldasse o comportamento do país, cuja premissa é um Estado Liberal fundamentado na exploração do trabalho, principalmente do escravo e também do homem livre pobre53.

No que tange especificamente à segurança pública, a Carta de 1824 é omissa. Contudo, traz em seu artigo 102, inciso XV, que o Imperador era o Chefe do Poder Executivo e o exercia pelos seus Ministros de Estado e que, dentre suas principais atribuições estaria prover a tudo que for concernente à segurança interna e externa do Estado, na forma da Constituição.

O Imperador, após a Constituição de 1824, realizou a reforma do Exército Imperial e, considerando que a sede do Império foi instalada no Rio de Janeiro, o processo de desenvolvimento da polícia brasileira iniciou nessa Cidade e depois foi para as demais províncias do Império. Contudo, em razão de peculiaridades de grau de desenvolvimento econômico, localização geográfica, relações sociais etc., cada instituição policial tomou formas diferentes das originais que as inspiraram54.

Nesse período surgiram dois textos legais que traziam um fundamental suporte legal para a imposição da ordem: o Código Criminal do Império do Brasil, de 16 de dezembro de 51 SULOCKI, Victoria-Amália de Barros Carvalho G. de. Segurança Pública e Democracia: Aspectos

constitucionais das políticas públicas de segurança. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 67-68. 52 Ibidem, p. 69.

53 Ibidem, p. 71. 54 Ibidem, p. 72.

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1830, e o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, de 29 de novembro de 1832. O Código Criminal trazia uma classificação dos crimes: públicos, particulares e policiais. Os crimes públicos estariam na esfera da segurança nacional e da ordem pública e da ordem pública; os crimes particulares eram aqueles cometidos contra o indivíduo e seus direitos (propriedade, vida, honra…); e os policiais seriam, entre outros, os de ofensa moral e aos bons costumes, incluindo-se aí a vadiagem e a mendicância55.

Nessa linha de construção do Estado Nacional com base no discurso de manutenção da ordem, que estaria sob a ameaça de “anarquistas” e “desordeiros”, cria-se a Guarda Nacional, uma instituição de cunho político, criada em 18 de agosto de 1831, que funcionou até 1922, após ter sido absorvida pelo Exército brasileiro. Ela constituiu-se numa milícia de Cidadão Ativos, ou seja, de proprietários, que também eram os únicos que podiam votar, e tinha como atribuição prevenir ou reprimir os crimes públicos, que eram aqueles contra a existência política do Império, o livre exercício dos poderes políticos, o livre gozo e exercício dos direitos políticos dos cidadãos, a segurança interna do Império e pública tranquilidade, a boa ordem e administração pública, e o Tesouro Público e a propriedade pública. De fato, a Guarda Nacional tinha por objetivo conter as ameaças republicanas e abolicionistas, que com a abdicação de Pedro I, em abril de 1831, tinha se tornado mais forte56.

A ordem regulamentada pela Constituição Imperial não resistiu às mudanças ocorridas em decorrência da crise política que resultou no fim do Império. O fim do sistema produtivo e social escravagista, abolido em 1888, e a organização das forças locais e autônomas, aliados às ideias republicanas e federalistas, entre outros fatores, levarão à Proclamação da República, em 15 de novembro de 188957.

2.2.1.2 Constituição de 1891

A Constituição Federal de 1891 trata em seu conteúdo a autonomia dos Estados, voltando a enfraquecer de vez a tentativa de centralização do poder e retomando os poderes locais. Os poderes estaduais tornam-se o alicerce do Governo Federal, e essa situação foi nomeada como “política dos governadores”, que perdurou durante toda a Primeira República.

55 SULOCKI, Victoria-Amália de Barros Carvalho G. de. Segurança Pública e Democracia: Aspectos constitucionais das políticas públicas de segurança. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 73. 56 Ibidem, p. 74.

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Com a Proclamação da República, a questão da ordem e da segurança públicas foram tratadas imediatamente pelo Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, colocando a cargo dos governos estaduais a adoção de providências para sua manutenção, de acordo com previsão contida no arts. 5º e 6º, que diziam que os governos dos Estados federados adotariam com urgência todas as providências necessárias para a manutenção da ordem e da segurança pública, defesa e garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos, nacionais ou estrangeiros, e que, em qualquer dos Estados, onde a ordem pública for perturbada e onde faltem ao governo local meios eficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranquilidade públicas, efetuará o Governo Provisório a intervenção necessária para, com apoio da força pública, assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas58.

Já na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, identificam-se previsões, nos arts. 6º, 14, 34 e 72, que determinam que o Governo Federal não poderá intervir em negócios peculiares aos Estados, salvo para restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados à requisição dos respectivos governos; que as forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior; que a força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos, e obrigada a sustentar as instituições constitucionais; que competia privativamente ao Congresso Nacional, dentre outras, adotar o regime conveniente à segurança das fronteiras; e mobilizar e utilizar a guarda nacional ou milícia cívica, nos casos previstos pela Constituição; e que a Constituição assegurava a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos nela previstos59.

Percebe-se, assim, que as forças de segurança pública foram utilizadas nesse período mais para prestação de um serviço político do que público. Essas deformidades encontradas no Império e na Primeira República, infelizmente, marcam o sistema de segurança pública no Brasil até os dias de hoje60.

58 BRASIL. Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889. Proclama provisoriamente e decreta como fórma de governo da Nação Brazileira a Republica Federativa, e estabelece as normas pelas quaes se devem reger os Estados Federaes. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1-15-novembro-1889-532625-publicacaooriginal-14906-pe.html. Acesso em: 10 mar. 2020.

59 Idem. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Congresso Constituinte, 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em: 10 mar. 2020.

60 SULOCKI, Victoria-Amália de Barros Carvalho G. de. Segurança Pública e Democracia: Aspectos constitucionais das políticas públicas de segurança. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 87.

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2.2.1.3 Constituição de 1934

A Primeira República perde gradualmente sua força ao longo dos vinte anos, em decorrência das mudanças sociais no Brasil e no mundo. Nesse cenário, as oligarquias coronelistas tentavam resistir com a utilização de mais força física. Em consequência, começam a surgir movimentos revolucionários contra esse regime oligárquico dominante61.

Assim, a Revolução de 30 marca o fim da Primeira República, criando caminho para a primeira Constituição Social brasileira: a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Essa Constituição teve influência da Constituição Alemã de Weimar, consagrando em seu texto diversos preceitos do Welfare State. Ela trouxe norma acerca da segurança nacional a qual previa que competia privativamente à União, dentre outras, organizar a defesa externa, a polícia e segurança das fronteiras e as forças armadas; que era assegurado a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos nela previstos; e que todas as questões relativas à segurança nacional serão estudadas e coordenadas pelo Conselho Superior de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender às necessidades da mobilização (arts. 5º, 113 e 159)62.

Essa Constituição durou pouco, já em 1937, surgiu o Estado Novo que outorgou a Constituição “Polaca” de 1937.

2.2.1.4 Constituição de 1937

Como a desculpa utilizada por Getúlio Vargas para fundamentar o golpe e implantar a nova ordem foi a necessidade de reforço ao poder central. Assim, o Estado Novo dará todos os poderes ao Poder Executivo central. Todos os poderes e prerrogativas eram do Presidente da República. A repressão política foi violenta e dela participaram as forças policiais estaduais

61 SULOCKI, Victoria-Amália de Barros Carvalho G. de. Segurança Pública e Democracia: Aspectos constitucionais das políticas públicas de segurança. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 90-91. 62 BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de

fevereiro de 1891. Congresso Constituinte, 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em: 10 mar. 2020.

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