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Como visto no item anterior, com a expansão do PCC para o restante do país, em alguns locais houve resistência. Uma dessas localidades foi o estado do Rio Grande do Norte, que passou a ser notícia nacional, e até internacional, em decorrência da violência116.

As brigas entre as facções, que iniciaram no sistema prisional, rapidamente passaram para as ruas117. Os números de homicídios cresceram, mas, no geral, essas mortes ficavam

113 DIAS, Camila Nunes; MANSO, Bruno Paes. A guerra: A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia, 2018. p. 171.

114 MENA, Fernanda; BARBON, Júlia. Mortes violentas disparam no Norte e Nordeste, na contramão do resto do país. Folha de São Paulo, São Paulo, 05 jun. 2019. Cotidiano. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/06/mortes-violentas-disparam-no-norte-e-nordeste-na- contramao-do-pais.shtml. Acesso em: 05 jun. 2019.

115 DIAS, Camila Nunes; MANSO, Bruno Paes, op. cit., p. 178-180.

116 Reportagem do jornal espanhol El Pais que destaca Natal como a região mais violenta do Brasil. (BEDINELI, Talita. Asesinatos a pleno día, una rutina en la región más violenta de Brasil: Las bandas de traficantes campan a sus anchas por Natal, que el año pasado registró 107 asesinatos por cada 100.000 habitantes. El Pais, Madri, 26 abr. 2018. Internacional. Disponível em: https://elpais.com/internacional/2018/03/16/actualidad/1521236714_432763.html. Acesso em: 18 set. 2019.).

despercebidas, sempre sendo colocadas como tendo por motivação as dívidas dos viciados com os traficantes ou dos varejistas com seus fornecedores. Os Crimes Violentos Letais Intencionais – CVLI, conforme dados do Observatório da Violência Letal Intencional do Rio Grande do Norte – OBVIO118, chegaram ao quantitativo de 1.224 em 2012; passando para 1.665 em 2013, quando as ações do Sindicato do Crime começaram a ter visibilidade; foi de 1.774 em 2014; de 1.670 em 2015; atingiu a marca de 1.988 em 2016, já com forte influência da disputa de território entre as facções nas ruas do Estado. Em 2017, os índices de CVLI continuaram crescendo de forma assustadora, chegando ao valor de 2.026, grande parte em

decorrência da rebelião ocorrida no Presídio de Alcaçuz, que resultou na morte de pelo menos 26 presos e no mínimo 54 fugitivos, e também influenciou em outras mortes fora do sistema prisional119. Em 2018, o RN teve um total de 1.963 CVLI’s e em 2019, foram 1.446 120. Sobre essa queda na taxa de homicídio verificada a partir de 2018, importante a análise contida no Atlas da Violência 2020 de que isto decorre mais dos custos econômicos de uma guerra imprevisível e duradoura entre as facções criminosas, do que efetivamente a implantação de políticas de segurança pública mais eficientes121.

Outro dado relevante é o perfil dessas mortes. Em levantamento de dados estatísticos das vítimas de homicídios no ano de 2017, ano em que o estado do Rio Grande do Norte alcançou o patamar de Estado mais violento do país, o Observário da Violência do RN – OBVIO122 identificou o perfil das vítimas de homicídio e fez um comparativo com os perfis das vítimas dos anos 2015 e 2016, que se resume conforme tabela abaixo:

117 O livro BARBOSA, César. As facções criminosas do RN: sangue e morte em Alcaçuz. Natal: Offset Editora, 2019 traz o relato de diversos conflitos em que ora o PCC, ora o Sindicato do Crime, determinam o confronto direto contra facções rivais, ou emitem ordens de ataque para seus afiliados, conhecidos como Salve, com o objetivo espalhar o terror entre a população por meio de ataques a prédios públicos e veículos, principalmente transportes públicos urbanos.

118 Dados extraídos de: HERMES, Ivenio (coord.). Boletins OBVIO. 6. ed. Natal: OBVIO, 2017. Disponível em: http://www.iveniohermes.com/boletins-obvio/. Acesso em: 06 jun. 2019.

119 BARBOSA, César. As facções criminosas do RN: sangue e morte em Alcaçuz. Natal: Offset Editora, 2019. p. 59-81.

120 LEMOS, Douglas. Número de mortes violentas cai 26,3% no Rio Grande do Norte em 2019, diz Secretaria de Segurança. G1 RN, Natal, 02 jan. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do- norte/noticia/2020/01/02/numero-de-mortes-violentas-cai-236percent-no-rio-grande-do-norte-em-2019-diz- secretaria-de-seguranca.ghtml. Acesso em: 05 mar. 2020.

121 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Atlas da Violência 2020. Brasília: IPEA, 2020. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/publicacoes. Acesso em: 12 set. 2020. p. 8-9.

122 HERMES, Ivenio; BRANDÃO, Thadeu de Sousa (coords.). OBVIUM: Anuário da violência Potiguar 2017.

Natal: OBVIO, 2018. Disponível em:

Tabela 1: Perfil das vítimas de CVLI no estado do Rio Grande do Norte 2015 2016 2017 Etnia Parda 830 1.097 1.244 Negra 551 643 964 Branca 282 251 195 Ignorada 7 4 5 Faixa etária 0 a 11 6 6 7 12 a 17 189 182 234 18 a 24 560 673 803 25 a 29 280 317 378 30 a 34 180 241 288 35 a 64 383 453 511 65 ou + 22 28 27 Não informado 50 95 160 Gênero Masculino 1.559 1.855 2.247 Feminino 111 108 159 Ignorado 0 2 2

Total de CVLI em números absolutos 1.670 1.995 2.408

Taxa de CVLI por 100 mil habitantes 48,51 57,41 68,66

Fonte: Observatório da Violência do RN – OBVIO

A análise desses dados indica que 91,7% das vítimas de CVLI no estado do Rio Grande do Norte no ano de 2017 eram pessoas pardas ou negras, 58,8% das vítimas eram jovens entre 12 e 29 anos de idade e 93,3% eram do gênero masculino. Esse perfil de vítimas é basicamente o mesmo perfil dos presos no sistema penitenciário brasileiro.

De acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) 123, em 2017, 94,67% da população penitenciária no Brasil era do gênero masculino, sendo que desse total 28.68% foram presos em decorrência de envolvimento com o tráfico de drogas. Já no

estado do Rio Grande do Norte, a população carcerária total era de 6.610, sendo 6.094 de homens (92,2%), 3.713 desses presos tinha faixa etária de 18 a 29 anos (56,2%) e um total de 3.519 tinha etnia parda ou negra (53,2%). Do total de presos no estado do Rio Grande do Norte no ano de 2017, 408 presos foram em decorrência tráfico de drogas ou associação para o tráfico, o que corresponde a 6,2% dos presos.

Para que esses dados mais recentes relativos à criminalidade ganhem ainda mais relevância, importante fazer um recorte maior no tempo, para demonstrar a mudança drástica nos índices de violência ocorridos nos últimos anos em decorrência da mudança de perfil da criminalidade no estado do Rio Grande do Norte.

Segundo dados do sítio Mapa da Violência 124, o Rio Grande do Norte em 2006 teve uma taxa de homicídio por 100.000 habitantes de 14,8, sendo que os estados vizinhos do Ceará e Paraíba125, por exemplo, na mesma época, tiveram taxas de homicídio de 21,8 e 22,6, respectivamente. A taxa da época colocava o estado do Rio Grande do Norte como um dos três estados mais seguros do país, perdendo apenas para o Piauí (14,4) e Santa Catarina (11,0).

No ano seguinte (2007), a taxa de homicídio do Rio Grande do Norte já passou para 19,3, um crescimento que corresponde a mais de 30 % em apenas um ano.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a mesma taxa de homicídio por 100.000 habitantes no Rio Grande do Norte passou em 2016 para 57, ou seja, um incremento de 295,37% com relação ao ano de 2007. Enquanto os mesmos Estados vizinhos, Ceará e Paraíba, tiveram taxas de 40 e 33, respectivamente, e, consequentemente, crescimento de violência bem inferior ao do Rio Grande do Norte126.

123 DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Brasília: DEPEN, 2017. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/infopen. Acesso em: 23 jun. 2020.

124 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2010: anatomia dos homicídios no Brasil. São Paulo:

Instituto Sangari, 2010. Disponível em:

http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2010/MapaViolencia2010.pdf. Acesso em: 22 mar. 2017.

125 Importante frisar que na Paraíba também houve o surgimento de organizações criminosas, nos mesmos moldes vivenciados no Rio Grande do Norte. As organizações existentes mais conhecidas são chamadas de “Okaida” e “Estados Unidos”. Para conhecer um pouco melhor a origem e o contexto da criminalidade em João Pessoa/PB, recomenda-se a leitura de: SANTOS, Carlos Eduardo Batista dos. “Okaida” e “Estados

Unidos”, organizações criminosas: a nova face da criminalidade na cidade de João Pessoa, Paraíba. 2015.

160 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015. 126 FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Ocorrências letais tabela. São Paulo: FBSP, 2017.

Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/estatisticas/tableau-ocorrencias/. Acesso em: 15 mar. 2017.

Assim, vê-se uma correlação direta entre a entrada do PCC no sistema prisional do RN, ocorrida em 2010, como um marco para início de conflitos com criminosos locais, que resultou na criação do Sindicato do Crime, entre 2012 e 2013, e um salto no número de homicídios no estado, chegando ao patamar de 2.026 em 2017, fazendo do Rio Grande do Norte o Estado mais violento do país 127 e a cidade de Natal figurasse em 4º lugar no ranking das cidades mais violentas do mundo, de acordo com a organização civil Conselho Cidadão para a Segurança Pública, Justiça e Paz, entidade mexicana que produz esse levantamento todos os anos desde 2007 com base na taxa de homicídios das cidades com mais de 300 mil habitantes128.

Além da tensão natural entre gangues rivais, as forças policiais passaram a ter maiores dificuldades em razão da crise fiscal e política que o governo do Rio Grande do Norte vivenciava129. Em consequência, alguns policiais que vinham se articulando em milícias para se defender e ganhar dinheiro, tentaram demonstrar poder. Em 20 de fevereiro de 2017, em razão da morte de um sargento em Ceará-Mirim, na região da Grande Natal, ocorreram catorze assassinatos nas horas que se seguiram ao crime. As investigações do Ministério Público concluíram que os assassinatos foram realizados por um grupo de extermínio formado por policiais e vigias noturnos que agiam na cidade, comandados por um policial militar. O levantamento indiciou que de 100 inquéritos instaurados naquela cidade, 74 tiveram procedimentos semelhantes aos dos crimes de vingança ao sargento (execuções feitas de madrugada em bairros pobres com características de extermínio) e que também o grupo vendia serviços de segurança privada130.

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma taxa de homicídios superior a 10 a cada 100 mil habitantes já é considerada nível epidêmico de violência. De acordo com o

127 MAZDA Aura; SILVA, Yuno. RN é o Estado mais violento do Brasil. Tribuna do Norte, Natal, 10 ago. 2018. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/rn-a-o-estado-mais-violento-do- brasil/420863. Acesso em: 10 ago. 2018.

128 RUIC, Gabriela. As 50 cidades mais violentas do mundo em 2017. Exame, São Paulo, 07 mar. 2018. Mundo. Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/as-cidades-mais-violentas-do-mundo-em-2017/. Acesso em: 05 mar. 2020.

129 Para conhecer melhor os fatos ocorridos entre 2015 e 2018 no estado do Rio Grande do Norte que demonstram a agudização da crise da segurança pública, recomenda-se a leitura de: SOARES, Renata Araújo. O Estado de coisas inconstitucional e a calamidade do sistema penitenciário: diretrizes constitucionais para uma política transversal de segurança. 2018. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018. p. 107-114.

130 DIAS, Camila Nunes; MANSO, Bruno Paes. A guerra: A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia, 2018. p. 275.

Instituto de Política Econômica Aplicada (IPEA), a taxa de homicídios por 100 mil habitantes do estado do Rio Grande do Norte no ano de 2017 foi de 62,82, sendo a maior do país131.

Analisando esses dados, percebe-se que ao longo de pouco mais de dez anos o estado do Rio Grande do Norte saiu de terceiro lugar entre os estados mais seguros, para figurar em primeiro no ranking dos mais violentos do Brasil. O que foi feito durante esse período? O que deixou de ser feito?

É difícil identificar exatamente quais fatores foram determinantes para esse aumento absurdo da criminalidade, mas é certo que houve falhas graves na gestão da segurança pública no estado. No entanto, é possível elencar alguns fatores que influenciaram, tais como falta de investimento em segurança pública, pessoal insuficiente, falta de capacitação do pessoal (principalmente equipe de perícia técnica), superlotação das delegacias com presos provisórios (resultando em desvio de função dos policiais civis que deveriam estar nas ruas realizando as investigações dos crimes) etc.

Importante citar que ainda em 2013 o pesquisador Ivenio Hermes, coordenador do OBVIO, publicou um livro reunindo uma série de artigos publicados entre os anos de 2011 e 2012 nos quais ressaltou a falta de investimento do Governo do Estado na polícia judiciária e a repercussão disso na falta de segurança pública132. Situação que nos anos só fez se agravar. A importância de investimentos na polícia investigativa (chamada de polícia judiciária) decorre dela ser responsável, de forma majoritária, na investigação preliminar que resultará, em caso de confirmação da autoria e materialidade, no processo criminal. O procedimento por meio do qual a polícia investigativa realiza essa investigação preliminar é chamado de inquérito policial.

O inquérito policial é inquisitivo e preparatório, em razão de fornecer os elementos informativos para que o titular da ação, em regra o Ministério Público, possa ingressar com a denúncia, e é presidido pela autoridade policial. Além da função preparatória, que é a função comum de apuração de fato que configure infração penal, o inquérito policial também tem função preservadora, qual seja: ele é uma tentativa de se impedir que acusações sem fundamento resultem em um processo. Outrossim, há que se destacar também a sua função simbólica, vista sua correlação com a sensação de insegurança que a sociedade sente após a ocorrência de um fato delituoso. Quanto mais rápida a resposta do Estado por meio de uma 131 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA

PÚBLICA. Atlas da Violência: Taxa Homicídios. Brasília: IPEA, 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/20. Acesso em: 07 mar. 2020.

132 Para mais informações ver: HERMES, Ivenio. Crise na segurança pública pública potiguar: Um atentado à Polícia Judiciária. Natal: Ed. do Autor, 2013.

investigação imediata exercida pelos órgãos oficiais, menor será o sentimento de impunidade da sociedade. Por fim, o inquérito policial ainda teria a função restaurativa, em razão da possibilidade de restaurar as condições existentes antes da prática do crime, tanto sobre a perspectiva do autor ou da vítima133.

Dessa forma, se a polícia judiciária não for composta de pessoal suficiente para o exercício de suas funções e não tiver a infraestrutra necessária de material e equipamentos

para realizar as investigações de forma correta, fatalmente não chegará à autoria do delito e, consequentemente, o Ministério Público não poderá ofertar a denúncia e, assim, aumentando a sensação de impunidade e de insegurança.

Um pequeno exemplo da ineficiência das investigações no estado do Rio Grande do Norte pode ser obtido por meio da análise de dados coletados junto ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, relativos aos inquéritos policiais recebidos, devolvidos, denúncias ajuizadas e pedidos de arquivamento feitos nos anos de 2017 e 2018, conforme quadro abaixo:

Tabela 2: Inquéritos Policiais no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte Quantidade de inquéritos policiais que deram entrada nas

promotorias de justiça do RN no período de 2017 e 2018

ANO INQUÉRITOS RECEBIDOS INQUÉRITOS DEVOLVIDOS 2017 33.525 34.360 2018 44.181 42.950

Quantidade de denúncias feitas nos inquéritos policiais pelas promotorias de justiça do RN no período de 2017 e 2018

ANO DENÚNCIAS

2017 8.579

2018 8.940

Quantidade de pedidos de arquivamento de inquéritos policiais feitos pelas promotorias de justiça do RN no período de 2017 e

2018

133 NÓBREGA, Julyana Monya de Medeiros Veríssimo. A nova investigação criminal: a busca pela efetivação de garantias. 2019. 102 f. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. p. 30-31.

ANO ARQUIVAMENTOS INQUÉRITOS

2017 3.045

2018 4.132

Fonte: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte134

No ano de 2017, foram recebidos um total de 33.525 inquéritos policiais pelo Ministério Público Estadual, mas, desse total, apenas foram ofertadas 8.579 denúncias pelo Ministério Público, resultando numa diferença de 24.946 inquéritos policiais que foram devolvidos para novas diligências na delegacia, sendo que, desses, foram feitos um total de 3.045 de pedidos de arquivamento de inquéritos policiais. Já no ano de 2018, houve um aumento do número de inquéritos policiais recebidos pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, totalizando 44.181, sendo que a quantidade de denúncias feitas foi um pouco acima da quantidade do ano anterior: 8.940; e houve um aumento dos pedidos de arquivamento: 4.132, o que corresponde a um aumento de 35,7%. Ou seja, a proporção de resolutividade desses inquéritos policiais é muito baixa.

Infelizmente o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte não detém a informação dos motivos dos pedidos de arquivamento dos inquéritos policiais, mas no geral eles ocorrem por ausência de autoria, prescrição ou duração razoável da investigação. Além disso, não há como identificar se os inquéritos policiais que entraram no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte foram novos ou se se eram inquéritos policiais antigos que já tinham sido recebidos nos Órgãos Ministeriais anteriormente. Não obstante, uma conclusão inevitável é de uma alta ineficiência das investigações, que dentre os fatores possíveis para sua ocorrência pode-se citar falta de pessoal e material da polícia civil no Estado do Rio Grande do Norte, mas também em decorrência de falhas na própria fiscalização da investigação por parte dos membros do Ministério Público.

Ressalte-se que essa baixa resolutiva das investigações realizadas por meio dos inquéritos policiais não é exclusividade do Rio Grande do Norte. Marcelo Semer, em seu trabalho de doutorado, identificou, após análise de sentenças relacionadas ao crime de tráfico de drogas de alguns Estados o país (Bahia, São Paulo, Pará, Maranhão, Goias, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), que a base de inícios dos processos criminais é a prisão em flagrante. Assim, chegou ao percentual de que 88,75% dos casos de processos criminais se

134 Dados obtidos por meio de requerimento à Administração Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte com fundamento na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011).

originaram de prisões em flagrante, e 11,25% de investigações pretéritas. Só exemplificando: 44% das prisões são decorrentes de atividades de patrulhamento (revelando uma preponderância da polícia repressiva e não investigativa), 29,38% decorrente de denúncia anônima, sendo que 3,88% são em razão, por exemplo, da realização de interceptação telefônica135.

Além da precariedade da polícia civil no estado do Rio Grande do Norte e consequentemente das falhas na investigação, faltou também investimento em áreas que, embora não tenham vinculação direta com a segurança pública, impactam em seus resultados, como educação, assistência social e trabalho. Se os pais precisam sair para trabalhar e não têm uma escola ou creche em tempo integral para deixar seus filhos, o risco de que esses fiquem nas ruas à mercê de sofrerem influências de organizações criminosas é muito grande, fazendo com que cada vez mais cedo os jovens entrem no “mundo do crime”.

Outro aspecto pouco abordado a respeito das dificuldades na segurança pública é que o sistema federalista adotado pelo Brasil acabou por centralizar no Governo Federal as diretrizes de segurança para todos os estados brasileiros e há muita concentração de recursos na União. Paralelo a isso, enquanto as organizações criminosas possuem uma grande rede de conexões, e atuam de forma estratégica para ganhar terreno, as autoridades locais atuam de forma individual não se comunicando nem mesmo entre si dentro da mesma esfera de atuação (Ministério Público e Polícia Civil, por exemplo), quanto mais uma articulação regional e/ou nacional, com troca de informações para combater o mesmo inimigo.