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Revista: Psicologia Educação e Cultura (2004,VIII,1)

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VIII

Maio de 2004

Maio de 2004

VIII

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Revista do Colégio Internato dos Carvalhos

ESTATUTO EDITORIAL

Uma revista semestral e da responsabilidade do Colégio Internato dos Carvalhos e dos departamentos de psicologia, educação e cultura das universidades a que pertencem os membros do Conselho Editorial e do Conselho Consultivo.

Uma revista de carácter científico que pretende acompanhar as diferentes correntes do pensamento acerca da psicologia, da educação e da cultura em geral.

Uma revista que procura actualizar os professores face aos desenvolvimentos recentes na investigação e na prática do ensino-aprendizagem.

Uma revista que pretende capacitar os professores para lidarem com alguns problemas mais frequentes na sala de aula.

Uma revista que vai favorecer a transposição dos estudos no campo da cognição e da afectividade para a prática educativa das escolas.

Uma revista que promove o diálogo entre os professores de diferentes níveis de ensino e possibilita a troca de experiências de sala de aula.

Uma revista que interessa a educadores, professores, investigadores e estudantes, assim como às pessoas que procuram uma formação actualizada, de bom nível, no domínio do ensino-aprendizagem.

CONSELHO CONSULTIVO

Alfonso Barca Lozano (Universidade da Corunha) Manuel Ferreira Patrício (Universidade de Évora) Ângela Biaggio (Universidade Federal do Manuel Viegas Abreu (Universidade de Coimbra) Rio Grande do Sul, Brasil) Maria da Graça Corrêa Jacques (Universidade Federal do António Roazzi (Universidade Federal de Pernambuco, Brasil) Rio Grande do Sul, Brasil)

Celeste Malpique (Universidade do Porto) Nicolau V. Raposo (Universidade de Coimbra) Daniela de Carvalho (Universidade Portucalense, Porto) Paulo Schmitz (Universidade Bona)

David Palenzuela (Universidade de Salamanca) Raquel Z. Guzzo (Pontificia Univ. Católica de Campinas, Brasil) Etienne Mullet (École Pratiqe des Hautes Études, Paris) Rui A. Santiago (Universidade de Aveiro)

Feliciano H. Veiga (Universidade de Lisboa) Rui Soares (Escola Superior de Educação João de Deus, Lisboa) Francisco C. Carneiro (Universidade do Porto) Sílvia Koller (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Isabel Alarcão (Universidade de Aveiro) Brasil)

José Tavares (Universidade de Aveiro)

PREÇO E ASSINATURA

Número avulso ... 10.00 euros Assinatura/ano ... 15,00 euros Inclui os portes dos CTT e IVA à taxa de 5%

SEDE DA REDACÇÃO

Psicologia, Educação e Cultura: Colégio Internato dos Carvalhos Rua do Padrão, 83 - CARVALHOS 4415-284 PEDROSO

Telefone: 22 786 04 60 Fax: 22 786 04 61 Email: gomes@cic.pt

PROPRIEDADE

P.P.C.M.C.M. - Colégio Internato dos Carvalhos - Cont. Nº 500224200

Depósito legal:Nº 117618/97 Nª exemplares:1000 Capa:anibal couto

INSTRUÇÕES AOS AUTORES

LIVROS RECEBIDOS E RECENSÕES

A Revista fará uma listagem dos livros enviados pelas Editoras no segundo número de cada ano. Os autores ou editores, que desejarem a publicação de recensões, deverão enviar dois

exemplares da obra em causa. O Conselho Editorial reserva-se o direito de publicar apenas as recensões das obras que se enquadrem nos objectivos da Revista.

1. A revista aceita artigos originais no domínio da investigação psicológica, da educação, da cultura e das práticas educativas inovadoras. Os autores deverão expressamente declarar na carta ao Director que o artigo é original e que não foi objecto de qualquer publicação anterior. Os artigos serão objecto de avaliação por especialistas doutorados nas áreas respectivas.

2. A revista publica dois números por ano, o 1º em Maio e o 2º em Dezembro. O prazo limite para publicação no número de Maio é 31 de Janeiro e no número de Dezembro é 31 de Julho. Nas primeiras quinzenas de Março ou de Outubro os autores serão informados da aceitação ou não do artigo, das correcções a introduzir e do envio de uma disquete com a versão final corrigida.

3. Os artigos a submeter devem ser enviados em triplicado em cópias laser e por norma não devem exceder 20 folhas A4 redigidas a 2 espaços. A 1ª folha deve conter o título, o nome dos autores, a instituição e o endereço para correspondência. A 2ª folha deve incluir o resumo e as palavras-chave em português. A 3ª folha e seguintes incluirá o corpo do artigo que deverá concluir com uma listagem ordenada das referências bibliográficas citadas. Na folha a seguir às referências seguem-se por ordem as notas, os quadros, as figuras e diagramas. A última folha incluirá a versão em inglês do título, instituição, resumo e palavras-chave para efeitos de indexação em bases de dados internacionais. O resumo em português e em inglês não deve exceder as 120 palavras. Os autores devem evitar o «bold» e os sublinhados no texto e reduzir ao mínimo as notas de pé-de-página.

4. Os títulos e secções do artigo não devem ser precedidos por números, têm maiúsculas na 1ª letra das palavras e seguem o formato seguinte: 1ª ordem: Tipo normal, centrado; 2ª ordem: Tipo normal, indexado à esquerda; 3ª ordem: Tipo normal, indexado ao parágrafo; 4ª ordem: Tipo itálico, indexado ao parágrafo.

5. As referências bibliográficas devem ser elaboradas de acordo com as normas de "Publication Manual of APA (1994, 4ª ed)" com algumas adaptações para português, nomeadamente a substituição do "&" por "e",

"(2nd ed.) por (2ª ed.)", "(3rd vol.) por (3º vol.)" conforme a nota seguinte.

6. As referências mais frequentemente usadas para artigo, livro, capítulo, livro traduzido e comunicação oral (paper) devem obedecer ao formato dos exemplos seguintes:

Artigo: Recht, D. R., e Leslie, L. (1988). Effect of

prior knowledge on good and poor readers' memory of text. Journal of Educational Psychology, 80, 16-20.

Livro: Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. New York: Knoff.

Capítulo em livro: Neisser, U., e Harsch, N. (1992).

Phanton flashbulbs: False recollections of hearing the news about Challenger. In E. Winograd e U. Neisser (Eds.), Affect and accuracy in recall: Studies of "Flashbulb

memories" (pp. 9-31). Cambridge: Cambridge University

Press.

Livro traduzido: Skinner, B. F. (1974). Para além da liberdade e da dignidade (J. L. D. Peixoto, trad.). Lisboa:

Edições 70. (Obra original publicada em 1971). No corpo do artigo deve referir-se, Skinner (1971/1974).

Comunicação oral: Taylor, M. (1996, Agosto). Post-traumatic stress disorder, litigation and the hero complex.

Comunicação oral apresentada no XXVI Congresso Internacional de Psicologia, Montréal, Canadá.

7. Quando no corpo do artigo são citados autores, cuja investigação foi conhecida indirectamente através de outros autores, deve proceder-se assim: No corpo do artigo escreve-se: «Segundo Godden e Baddeley, citado por Zechmeister e Nyberg (1982, p. 123), … »; Nas referências cita-se apenas o autor que foi lido directamente, Zechmeister e Nyberg (1982).

8. Os Quadros e as Figuras devem ser sequencialmente ordenados em numeração árabe ao longo do texto. A legenda do Quadro deve estar escrita por cima e a da Figura ou Diagrama por baixo.

9. Os artigos são da inteira responsabilidade dos seus autores. Os artigos aceites para publicação ficam propriedade editorial da Revista. Qualquer reprodução integral ou parcial dos mesmos apenas pode ser efectuada após autorização escrita do Director.

10. Os autores recebem 3 exemplares da revista em que um ou mais trabalhos seus sejam publicados. Não serão feitas separatas dos artigos.

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João de Freitas Ferreira SECRETÁRIO

António Fernando Santos Gomes CONSELHO EDITORIAL

Amâncio C. Pinto (Universidade do Porto) Félix Neto (Universidade do Porto) José H. Barros Oliveira (Universidade do Porto

Leandro S. Almeida (Universidade do Minho) Joaquim Armando Gomes (Universidade de Coimbra)

Mário R. Simões (Universidade de Coimbra) Orlando Lourenço (Universidade de Lisboa)

Os artigos desta Revista estão indexados na base de dados da

PsycINFO, PsycLIT, ClinPSYC e Psychological Abstracts

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Editorial

João de Freitas Ferreira ... 3 Diferenças de sexo em provas de memória operatória, memória episódica e teste

de símbolos

Amâncio da Costa Pinto ... 7 Diferenças cognitivas e motivacionais em função do género: das diferenças reais aos estereótipos sexuais

Luísa Faria ... 21 Capacidades cognitivas e percursos educativos dos rapazes e das raparigas

Cristina Maria Coimbra Vieira ... 37 Família, género e insucesso escolar

Piedade Vaz Rebelo ... 53 Diferenças cognitivas e realização escolar por género

José H. Barros de Oliveira ... 67 O desenvolvimento vocacional na infância e adolescência: sensibilidade às questões de género

Maria do Céu Taveira ... 83 Diversidade na identidade: a escola e as múltiplas formas de ser masculino

Luísa Saavedra ... 103 Negociação de conflitos em contexto escolar

Abílio Afonso Lourenço, Maria Olímpia Almeida de Paiva ... 121 Processos de auto-regulação da aprendizagem e realização escolar no ensino básico

Pedro Rosário, Serafim Soares, José Carlos Núñez, Júlio González-Pienda,

Marta Rúbio ... 141 Sucesso escolar em desequilíbrio

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Inteligência emocional percebida (IEP) e actividade física na terceira idade Maria Manuela Lima de Figueiredo Queirós, José Mª Cancela Carral, Pablo

Fernández Berrocal ... 187 Inteligência emocional e sóciocultural

Maria Manuela Lima de Figueiredo Queirós, José Pereira da Costa Tavares ... 211 Análise do estatuto sociométrico e sua relação com o rendimento académico num grupo de crianças do 1º ciclo

Paula Alexandra Pereira Alves ... 235 Tipos de amor em jovens estudantes: diferenciação por género

Luís Gonçalves, Helena Castro ... 249 Perdão intergrupal: uma perspectiva timorense

Félix Neto, Maria da Conceição Pinto, Etienne Mullet ... 263 Recensões... 289 Programa das 8ªs Jornadas Psicopedagógicas de Gaia... 295 8ªs Jornadas Psicopedagógicas de Gaia - “(In)sucesso escolar por género:

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(IN)SUCESSO ESCOLAR POR GÉNERO: (DES)EQUILÍBRIOS

João de Freitas Ferreira

Director da Revista

1. Ao longo dos séculos, foi sempre o sexo um dos elementos mais importantes na organização da vida social, quer na distribuição das tarefas laborais, quer no tipo de poder, quer na influência do homem e da mulher na sociedade. Chegava-se mesmo a crer que as capacidades de um e de outro dependiam do factor sexo e, portanto, inatas ao ser humano. O poder religioso inculcava até a ideia de que a distribuição das tarefas na vida familiar e na sociedade eram determinadas por Deus e não podiam ser contestadas. A ideia tornou-se, assim, num tabu incontornável que definia, à nascença e com base no sexo, quais as actividades que cada ser humano deveria desempenhar ao longo da vida.

Embora, nas últimas décadas, a ordem social se tenha alterado substancialmente, o certo é que, “ainda hoje, as notórias diferenças físicas entre homens e mulheres permitem, na verdade, a sua fácil categorização, com base no sexo, e abrem caminho ao desenvolvimento de ideias e crenças, de cariz essencialista, que se consubstanciam nos estereótipos. Os indivíduos são, consequentemente, avaliados, como se os atributos e as consequências que exibem fossem de natureza intrínseca, relativamente estáveis e independentes dos contextos de vida. E não há dúvida de que vivemos numa sociedade que é permeável a este tipo de julgamentos, não só relativos à variável sexo, mas também a outros factores, como a raça, a idade, a etnia” (Coimbra Vieira, C.M. (2003) In(sucesso) escolar e diferenciação cognitiva por género, in 8.as Jornadas Psicopedagógicas de Gaia).

2. Todavia, nos últimos anos, dado o trabalho profíquo e persistente das feministas, que repetidamente chamam a atenção de mães e filhas para a desvantagem de umas e de outras face à situação preponderante dos homens, aquelas compreenderam a sua situação de inferioridade consentida, resolveram investir na sua auto-estima e partiram em busca do tempo e do espaço perdidos. O resultado está à vista. Sente-se que o ‘iceberg’ da tradição começou a degelar.

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Hoje, todos vemos que as mulheres disputam com os homens o acesso às melhores profissões, mesmo aquelas que tradicionalmente eram estritamente reservadas aos homens. Por todos os lados surgem empresárias de sucesso. Sabemos todos, também, que as raparigas, hoje, são mais assíduas, mais trabalhadoras; que obtêm melhores resultados nos testes e nos exames; que ocupam os melhores lugares nos ‘rankings’; que entram mais facilmente e em maiores quantidades nos cursos superiores; que mais rapidamente terminam os cursos e obtêm médias mais elevadas; que elas ganham os concursos públicos e ocupam as vagas para a docência nas escolas à frente dos rapazes.

Chegou-se até a criar a ideia, que circula já na opinião pública, de que a situação se inverteu e de que são os homens e, particularmente, os alunos que se encontram em situação desfavorável.

3. Será isto fruto de uma simples coincidência ou será antes o resultado da aplicação rigorosa de uma pedagogia adequada às capacidades, às sensibilidades e motivações do sexo feminino? Podemos ainda perguntar: Será a mesma coisa educar um rapaz ou uma rapariga?

Margarida Matos, investigadora da Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa, num estudo apresentado na Conferência Internacional da Sociedade para o Estudo da Ansiedade e do Stress, em Lisboa (Julho de 2003), com base num inquérito dirigido a mais de seis mil alunos, chegou à conclusão de que o masculino e o feminino são vividos na adolescência de maneiras muito diferentes. Rapazes e raparigas adoptam atitudes e estilos de vida quase antagónicos. Eles são mais optimistas, elas deprimem-se mais facilmente. Eles querem fazer coisas com elas, elas só querem estar com eles. Até o próprio acto de fumar tem contornos diferentes para os rapazes e para as raparigas: as raparigas fumam para socializar, para os rapazes fumar é uma actividade. As raparigas estão nas coisas. Os rapazes fazem coisas. Perante a ansiedade e a dor, os rapazes buscam o divertimento para fugirem à realidade, e as raparigas procuram anular o desprazer, construindo activamente o bem-estar.

Segundo o mesmo estudo, as raparigas investem muito na escola como uma marca de afirmação da sua auto-estima. Os rapazes gostam menos da escola, aborrecem-se mais com ela do que as raparigas. Porque é que isto acontece?

A mesma investigadora é de opinião que, “para muitos rapazes, a escola não é rentável, eles não percebem bem o que é que estão ali a fazer. Até ao 9º ano há mais ou menos o mesmo número de meninos e meninas a estudar, depois elas vão todas para os cursos que dão ingresso nas universidades e

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eles para os técnico-profissionais, o que é o mesmo que dizer rápido e eficiente, qualquer coisa que rapidamente me dê dinheiro e me deixe fazer coisas.”

E, porque rapazes e raparigas têm atitudes e estilos de vida tão diferentes já na adolescência, conclui a investigadora que “ainda não é a mesma coisa educar um rapaz ou uma rapariga”. Ora, se isto se aplica ao acto educativo, pelas mesmas razões se deve aplicar ao acto de ensino aprendizagem.

4. Nesta altura, permito-me perguntar: Não entrarão aqui também argumentos de ordem biológica, isto é, não dependerá tudo isto do modo como funciona a nossa estrutura neuronal?

Alexandre Castro Caldas, neurologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, estuda, desde a década de setenta, a estrutura do cérebro letrado e do cérebro analfabeto. De experiência em experiência, veio agora revelar como funciona a nossa estrutura neuronal, quando aprendemos a ler na idade adulta. A obra que reúne os seus mais importantes trabalhos, intitulada “O Cérebro Analfabeto” valeu-lhe recentemente o Grande Prémio Bial da Medicina (2003).

Nos seus primeiros trabalhos, o neurologista chegara já à conclusão de que “a cultura altera a anatomia cerebral”. Tudo aquilo que aprendemos ou deixamos de aprender se reflecte fisiologicamente na estrutura cerebral. “O cérebro de uma pessoa que aprendeu a ler tardiamente reage de uma forma mais lenta na tradução da imagem das letras, quando comparada com alguém que recebeu a escolaridade na infância”. Após chegar a estas conclusões, o investigador partiu para a explicação do fenómeno, vindo agora revelar-nos os resultados alcançados. “Um dos resultados mais importantes, foi o facto de percebermos que o corpo caloso, que une os dois hemisférios do cérebro, é mais estreito nos analfabetos do que nos não-analfabetos, sugerindo que por essa região, que não se chega a desenvolver, poderiam passar fibras que serviam a leitura e a escrita”, diz o autor, realçando que a diferença é anatomicamente visível.

Mas, destes resultados será de inferir que poderemos ter cérebros anatomicamente diferentes por termos culturas diferentes? O neurologista responde afirmativamente. E fundamenta a sua opinião, referindo que há já vários estudos publicados que mostram haver diferenças de organização cerebral nos bilingues. Alerta, no entanto, “para os perigos do investimento nos territórios da transculturalidade das funções cognitivas”.

Será também defensável termos cérebros anatomicamente diferentes por género? O neurologista Castro Caldas reconhece que “é uma área de investigação muito perigosa, (que) cria mais fronteiras do que uniões”. Mas

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considera que, partindo da experiência adquirida nas discussões sobre as diferenças entre os dois sexos, essas diferenças são óbvias. A prová-lo, está o facto, por todos comprovado, de as meninas aprenderem a falar mais cedo do que os rapazes. Será que essas diferenças se conservam e desenvolvem ao longo da adolescência e mesmo da vida? São questões que estão já debaixo da lupa da investigação científica.

5. Perante estes avanços da ciência, é urgente rever-se a situação dramática do ensino em Portugal. Investigadores e pedagogos não podem limitar-se a registar apenas o elevado abandono escolar dos jovens portugueses, assim como o insucesso de grande parte dos alunos do ensino básico e do ensino secundário, e os desequilíbrios verificados, ano após ano, nos resultados obtidos por rapazes e raparigas. É urgente chegar-se às verdadeiras causas desses fenómenos. Foi por isso que o Conselho Científico das Jornadas Psicopedagógicas de Gaia, resolveu escolher como tema geral das 8.as Jornadas: “O (in)sucesso escolar por género: (des)equilíbrios” .

Com esta opção, pretendeu-se, desde logo, fazer um levantamento aprofundado do nível de sucesso e/ou insucesso que se verifica no sistema de ensino português e detectar as suas causas, apontando os caminhos a seguir no futuro.

Foi ainda objectivo destas Jornadas questionar a maneira como o próprio ensino básico e secundário está estruturado; pôr em causa os programas adoptados; analisar os textos seleccionados; e verificar a pertinência das metodologias seguidas.

Pretendeu-se, também, colaborar na criação de uma escola nova, que seja do agrado dos alunos, que lhes proponha projectos e métodos adequados aos seus interesses e capacidades. Uma escola integradora de diferenças e promotora de centros de convergência e de diálogo.

Foi intento de todos os participantes buscar um ensino com “Índias” lá por dentro, aberto aos projectos individuais e respeitador das propostas dos grupos de pertença. Conforme diz Castro Caldas, é “a escola que tem de moldar-se às crianças e não o contrário”; o ensino “não pode ser um pronto a vestir, tem de ser feito por medida”; o programa único “dá para fazer exércitos, não dá para fazer pessoas cultas”.

Alguns dos trabalhos apresentados nas referidas Jornadas, são agora publicados neste número da revista. Oxalá venham a rasgar novos horizontes à comunidade científica, particularmente no domínio da psicopedagogia, a bem da igualdade na diferença cognitiva e escolar por género.

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DIFERENÇAS DE SEXO EM PROVAS DE MEMÓRIA

OPERATÓRIA, MEMÓRIA EPISÓDICA E TESTE DE SÍMBOLOS

Amâncio da Costa Pinto

Faculdade de Psicologia e C. da Educação, Universidade do Porto, Portugal

Resumo

Em termos de diferenças de sexo em provas de memória, o sexo feminino apresenta um desempenho superior na maioria das tarefas estudadas, nomeadamente quando estas in-cluem uma componente verbal. Este estudo teve por objectivo verificar se estas diferenças são de facto consistentes ou não em amostras de 32 universitários de ambos os sexos em tarefas verbais de memória a curto prazo, memória operatória, memória episódica de reco-nhecimento verbal e no teste de substituição de símbolos por dígitos. Ao contrário do ob-servado noutros estudos, a amostra masculina obteve resultados significativamente supe-riores nas provas de memória a curto prazo (d de Cohen de 0.71 e 0.90) e no teste de símbolos (d=0.54). De acordo com a literatura, a amostra feminina obteve melhores resul-tados na prova de reconhecimento visual de uma lista grande de palavras (d=0.65). A ten-dência dos resultados é discutida tendo em conta eventuais características da amostra mas-culina e o funcionamento cognitivo geral obtido no teste de símbolos.

PALAVRAS-CHAVE: Diferenças de sexo, memória operatória, memória episódica, teste de símbolos e cognição.

A variável sexo, isto é, ser masculino ou feminino, é uma das mais impor-tantes variáveis a analisar nos diferentes domínios da psicologia, seja ao nível da personalidade ou das diferenças cognitivas (e.g., Cahill, 2003). As dife-renças cognitivas entre sexos constituem uma das áreas de investigação mais antigas, com altos e baixos, apelando com frequência à atenção dos investi-gadores em psicologia. Se para uma pessoa comum o tema mais interessante seria conhecer a resposta à questão “quem é mais inteligente, o homem ou a mulher?”, para os investigadores esta questão geral deixou há muito de ter in-teresse, porque a inteligência dificilmente poderá ser considerada um conceito unitário e depois porque os testes de inteligência são construídos segundo o princípio de que não devem ser tidas em conta as diferenças de sexo (Jensen, 1998, p. 532-3). Em contraste os investigadores preocupam-se mais em saber se há diferenças consistentes entre os sexos masculino e feminino nas múltiplas

© P.P.C.M.C.M. - Colégio Internato dos Carvalhos

Morada (address): Faculdade de Psicologia, Universidade do Porto, R. Campo Alegre, 1055, 4169-004 Porto, Portugal. E.mail: amancio@psi.up.pt.

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tarefas cognitivas que se foram descobrindo e quais os mecanismos responsá-veis pelas diferenças observadas.

Do mesmo modo que a inteligência e outros construtos psicológicos, tam-bém a memória humana não é considerada um sistema unitário (Atkinson e Shiffrin, 1968; Baddeley, 1986; Tulving, 1985, 1990, 2002; Squire, 1992). Numa dimensão temporal, há memórias a curto prazo e memórias a longo prazo e numa perspectiva de conteúdo memórias episódicas, semânticas e procedimentais, incluindo as diferentes vertentes sensoriais, como as memórias visual, auditiva, táctil e de odores. Por não ser um sistema unitário, ou um fac-tor puro, ou por outras razões, a análise das diferenças de sexo na memória não foi objecto de grande atenção por parte dos investigadores (e.g., Herlitz, Nilsson e Bäckman, 1997), mas esta perspectiva alterou-se na última década. Uma breve resenha de alguns dos principais resultados obtidos é apresentada a seguir.

No que se refere à memória a curto prazo (MCP), este sistema caracteri-za-se por uma capacidade limitada de cerca de 7 unidades categorizadas du-rante um período de tempo situado entre os 10 e 30 segundos. Há várias tare-fas usadas para avaliar este sistema, sendo a mais comum a prova de amplitude de memória de números (e.g., Pinto, 2003). Relacionada com a MCP, surge a memória operatória (working memory) proposta por Baddeley e Hitch (1974) com o objectivo de englobar não só o registo passivo da MCP clássica, mas também o processamento paralelo da informação manipulada na tarefa. Tarefas típicas de memória operatória implicam a realização de duas tarefas concomitantes, como reter uma série de dígitos ou palavras, en-quanto se realiza uma tarefa de cálculo ou de resolução de problemas (e.g., Turner e Engle, 1989).

Segundo Jensen (1988, p. 536) o sexo feminino obtém melhores

resulta-dos em provas de MCP com valoresdde Cohen (1988) na ordem dos 0.20 a

0.30. O valor d aumenta para 0.30 a 0.40 quando se usa a tarefa de Wechs-ler de substituição de símbolos por dígitos, uma tarefa que se poderá conside-rar de memória operatória. Este padrão de resultados foi também obtido nes-ta prova de substituição de símbolos por outros investigadores (e.g., Majeres, 1983; Herlitz e Yonker, 2002). De acordo com o manual de aplicação do teste de substituição de símbolos por dígitos (Smith, 1995), os resultados deste teste favorecem o sexo feminino em todas as idades desde os 5 aos 64 anos, quer sob a forma escrita quer oral, embora alguns dados mais antigos sugiram que a diferença se anula por volta dos 18 anos.

Em provas de amplitude de MCP para palavras, Huang (1993) obteve

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de memória operatória em jovens adolescentes chineses. Diferenças significati-vas a favor do sexo feminino foram ainda obtidas por Duff e Hampson (2001) em provas de memória operatória, quer de tipo espacial quer verbal. Em con-traste, Herlitz, Nilsson e Bäckman (1997) não obtiveram diferenças de sexo em tarefas de memória operatória numa grande amostra de adultos.

No que se refere à memória a longo prazo, estudos realizados sobre al-guns dos seus tipos ou conteúdos indicaram também diferenças significativas. Herlitz et al. (1997) aplicaram provas de memória episódica, semântica e de activação mnésica (priming) a uma amostra representativa de 530 mulheres e 470 homens dos 35 aos 80 anos da cidade de Umea, Suécia. Os resultados favoreceram o sexo feminino em provas de memória episódica e de fluência verbal, mas no âmbito da memória semântica, activação mnésica e de MCP os resultados foram equivalentes.

No âmbito da memória episódica, os resultados de investigações efectua-das sobre reconhecimento visual indicaram uma superioridade do sexo femini-no para objectos familiares (Maccoby e Jacklin, 1974; Hyde e Lynn, 1988). Assim, por ex., McGivern et al. (1998) verificaram uma superioridade femini-na em provas de memória de reconhecimento visual para objectos passíveis de serem nomeados e para figuras abstractas, indicando que a superioridade feminina ia além da competência verbal, considerada tradicionalmente supe-rior. É possível que parte da superioridade feminina possa ter a ver com o in-teresse por certo tipo de itens. Assim, noutro estudo, McGivern et al. (1997) verificaram uma superioridade feminina em provas de reconhecimento visual para objectos tipicamente femininos ou neutros, mas obtiveram uma equiva-lência de resultados entre sexos quando se usaram objectos tipicamente mas-culinos em amostras de crianças e adultos.

A superioridade feminina em provas de memória episódica verbal é consis-tentemente observada em diversos estudos, verificando-se o mesmo em provas de reconhecimento de faces e de odores. No entanto, Lewin e Herlitz (2002) ve-rificaram apenas a superioridade feminina no reconhecimento de faces para rostos femininos, mas não para rostos masculinos. Por outro lado, Oberg, Lars-son, Bäckman (2002) observaram que a superioridade feminina no reconheci-mento de odores desapareceu quando se controlou a capacidade para nomear os odores apresentados. As provas, onde costuma verificar-se uma superiorida-de masculina, envolvem tarefas superiorida-de memória espacial (e.g., Law, Pellegrino, e Hunt, 1993; Delgado e Prieto, 1996) e de memória semântica apenas sob a for-ma de conhecimento geral (Lynn e Irwing, 2002; Mariani et al. (2002).

Face às investigações apresentadas, verifica-se que o sexo masculino apresenta resultados significativamente inferiores ao sexo feminino na maioria

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das provas de memória, anulando-se esta diferença quando as provas usadas controlam os efeitos da componente verbal (Halpern, 2000; Kimura, 2000). Este artigo tem por objectivo examinar a existência de diferenças de sexo em dois tipos de provas de memória, uma de memória a curto prazo e outra de memória a longo prazo e ainda no teste de substituição de símbolos por dígitos. As provas de memória a curto prazo envolvem a prova tradicional de memória de números e a prova de memória operatória de palavras entremea-das com a verificação de equações. A prova de memória a longo prazo é uma prova de memória episódica sob a forma de reconhecimento verbal de uma longa lista de palavras. De acordo com a literatura, o desempenho nestas diferentes provas deverá favorecer o sexo feminino. No entanto, sendo a amostra de participantes formada por estudantes universitários com grande homogeneidade entre si em termos de formação, idade e presumivelmente também em termos sócio-económicos, será de esperar uma diminuição ou anulação das diferenças de sexo neste tipo de provas de memória. Convém ressaltar que este estudo pretende verificar a existência de diferenças de sexo em provas de memória, mas não está planeado para responder a questões sobre qual o mecanismo responsável pelas diferenças que eventualmente ve-nham a ser observadas.

Método

Participantes:

Participaram neste estudo 64 estudantes do 2º ano do Curso de Psicologia da Universidade do Porto com idades compreendidas na sua quase totalidade entre os 19 e 23 anos, sendo metade do sexo feminino. A amostra masculina era formada pela maior parte dos estudantes inscritos no 2º ano nos anos lec-tivos de 2002/03 e 2003/04, enquanto que a amostra feminina era formada pelo mesmo número de participantes dos dois anos lectivos, mas selecciona-das aleatoriamente de uma população que era cinco vezes maior do que a masculina.

Tarefas:

Os participantes realizaram as cinco tarefas descritas a seguir:

1. “MCP-Dígit” - Memória de dígitos, uma tarefa típica de memória a cur-to prazo que consiste na apresentação de números em séries crescentes de 4 a 9, com 3 ensaios em cada extensão num total de 18 ensaios, apresentados

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vi-sualmente ao ritmo de um dígito por segundo. A evocação serial efectuava-se segundo a ordem de apresentação.

2. “MO-Palavra” - Uma tarefa de memória operatória envolvendo proces-samento e retenção simultânea de informação, constituída por palavras entre-meadas com equações em séries de 2 até 5 itens num total de 12 ensaios (e.g., Turner e Engle, 1989; Pinto, 2003). Uma série de 2 itens para um en-saio de treino foi assim constituída: mesa - (8+2)-3=7 ? – capa - (6-5)+4=6 ?

— ???). Os participantes prestavam atenção a cada palavra durante 2

segun-dos, em seguida à equação durante 6 segundos durante o qual verificavam mentalmente a equivalência e escreviam na folha de respostas um círculo à volta de “S” ou “N” no caso da equação estar certa ou errada. No final de cada uma das séries, quando viam o sinal “???” iniciavam a evocação das palavras anteriormente vistas pela ordem de apresentação, que foi visual.

3. “Equações” - Número de equações pertencentes à tarefa acima descri-ta “MO-Palavra” verificadas correcdescri-tamente no todescri-tal de 12 ensaios.

4. “Reconhecimento” - Uma série de 50 palavras comuns foi apresentada visualmente ao ritmo de uma palavra cada 4 segundos. No final da apresen-tação foi distribuída uma folha com 100 palavras, contendo as 50 palavras iniciais mais outras 50 da mesma natureza, ordenadas por ordem alfabética e as instruções para sublinhar as palavras anteriormente apresentadas.

5. “Símbolo-Dígito” – Realização por escrito do teste de substituição de símbolos por dígitos durante 90 segundos (Smith, 1995), uma tarefa percepti-va de desempenho motor com características de atenção e de memória opera-tória. Foi distribuída a folha de respostas-padrão, dadas as instruções e efec-tuado o treino respectivo.

Procedimento

Com a excepção da 2ª e 3ª tarefas, as restantes foram realizadas em se-manas diferentes ao longo de dois anos lectivos com os alunos inscritos no 2º ano. As tarefas foram realizadas em pequenos grupos durante o tempo desti-nado a aulas práticas, enquadrando-se estas tarefas nos objectivos da forma-ção dos alunos inscritos na disciplina e cujos resultados serviriam de base pa-ra uma discussão posterior. Os materiais e instruções das tarefas de 1 a 4 formaram uma série de slides, criados no programa PowerPoint e projectados numa tela, sendo apresentadas em todas as ocasiões pelo mesmo experimen-tador.

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Figura 1-(1-5): Valores médios correctos obtidos nos Grupos masculino e feminino nas tarefas

de amplitude de dígitos (1.MCP-Dígitos), amplitude de memória operatória (2.MO-Palavras), verificação de equações (3.Equações), percentagem de êxitos corrigidos numa prova de reconhecimento verbal (4.Reconhecimento), substituição de símbolos por dígitos (5.Símbolo-Dígito). As barras representam ±1 erro padrão da média.

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Resultados

Em algumas tarefas não foi possível obter o número de estudantes inicial-mente previsto para a amostra masculina. Todos os participantes compreende-ram as instruções não tendo nenhum sido excluído por este motivo. A análise estatística dos resultados foi efectuada com o programa StatView 5.01.

Os resultados obtidos estão expostos no Quadro 1 e na Figura 1 (de 1 a 5). As diferenças observadas entre os Grupos masculino e feminino revelaram um desempenho superior estatisticamente significativo para o Grupo masculi-no em três das cinco provas realizadas: Na prova de memória a curto prazo de amplitude de dígitos t(61) = 2,789, p = 0,0070, (d de Cohen = 0,71, mé-dio), Figura 1-1; Na prova de amplitude de memória operatória t(62) = 3,530

p = 0,0008, (d de Cohen = 0,90, superior), Figura 1-2; Na prova de

substitui-ção de símbolos por dígitos t(59) = 2,076 p = 0,0422, (d de Cohen = 0,54, médio), Figura 1-5. O Grupo feminino obteve um desempenho superior esta-tisticamente significativo na prova de reconhecimento de palavras t(56) = 2,417 p = 0,0190, (d de Cohen = 0,65, médio), Figura 1-4. Os resultados obtidos na prova de verificação de equações, inserida na prova de memória operatória, foram semelhantes para os Grupos masculino e feminino t(62) = 0,347 p = 0,7298, Figura 1-3.

Quadro 1: Valores de média, desvio padrão e intervalo de confiança para as cinco tarefas

realizadas pelos Grupos masculino e feminino. Os valores da 4ª tarefa “Reconhecimento” indicam percentagens médias dos êxitos corrigidos.

Tarefa Sexo n Média D. Padrão IC 95%

1. MCP-dígit Masc 31 7,16 1,12 6 , 7 5 - 7 , 5 7 Femi 32 6,45 0,88 6 , 1 3 - 6 , 7 7 2. MO-Palav Masc 32 3,85 0,91 3 , 5 2 - 4 , 1 8 Femi 32 2,95 1,1 2 , 5 4 - 3 , 3 5 3. Equação Masc 32 10,50 1,97 9,79-11,21 Femi 32 10,34 1,62 9,76-10,93 4. Reconheci Masc 26 61,3% 15,3 5 5 , 1 - 6 7 , 5 Femi 32 70,6% 14,0 6 5 , 5 - 7 5 , 7 5. Símbolo-díg Masc 29 65,90 12,2 6 1 , 3 - 7 0 , 5 Femi 32 59,97 10,1 5 6 , 3 - 6 3 , 6

Tendo a quase totalidade dos participantes realizado as 5 provas, efec-tuou-se ainda uma análise de correlação a fim de verificar, se o desempenho

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numa prova estava ou não associado ao desempenho nas restantes, indepen-dentemente do sexo dos participantes. As correlações significativas mais ele-vadas foram obtidas entre “1.MCP-Dígitos”-“2.MO-Palavras” r (63) = .418, z = 3,451, p<.0006; entre “2.MO-Palavras”-“3. Equações” r (64) = .565, z = 4,999, p<.0001; entre “2.MO-Palavras”-“5.Símbolo-Dígito” r (61) = .344, z = 2,732, p<.006; entre “1.MCP-Dígitos”-“5.Símbolo-Dígito” r (60) = .303, z = 2,364, p<.0181; a correlação da prova “4.Reconhecimento” com as restan-tes não foi significativa e situou-se em torno do zero, indicando tratar-se de uma prova de memória diferente das restantes. As provas de memória a curto prazo relacionam-se significativamente entre si, assim como com o teste de substituição de símbolos por dígitos, uma prova com características de memó-ria operatómemó-ria.

Discussão

Face à revisão da literatura apresentada na Introdução, onde é comum verificar-se uma superioridade feminina em provas de memória semelhantes às usadas nesta investigação, estes resultados surpreendem ao verificar-se uma inversão na tendência dos resultados nas provas de memória a curto pra-zo e no teste de substituição de símbolos por dígitos. Assim torna-se pertinente formular a questão: Serão estes resultados representativos do sexo masculino (não refiro do sexo masculino em geral, mas ao menos de jovens com educa-ção formal superior), ou constituirão uma anomalia?

A favor da anomalia, poder-se-ia argumentar que as amostras seleccio-nadas são pequenas e ainda que a amostra masculina formada pela maioria dos alunos inscritos no ano escolar não é aleatória. No que se refere ao tama-nho da amostra, embora seja pequena, o número não é assim tão fora do co-mum, já que foram publicados estudos com amostras semelhantes (e.g., Bauer, Stennes, Haight, 2003; Oberg et al., 2002), ou ainda mais pequenas, princi-palmente ao nível da literatura neuropsicológica (e.g., Yonker et al., 2003).

No que se refere à aleatoriedade da amostra masculina não é de excluir problemas de amostragem. Principalmente em Portugal, mas também cada vez mais no estrangeiro, os alunos que frequentam cursos superiores de psico-logia são constituídos maioritariamente por raparigas, significando que a se-lecção de amostras masculinas na população universitária para efeitos de es-tudos de diferenças de sexo é cada vez mais limitada e provavelmente enviesada. Tendo em conta as deficiências masculinas em termos cognitivos observadas consistentemente na literatura e caso estas sejam efectivamente

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reais, a possibilidade de um rapaz obter um lugar num curso superior à sua escolha, em competição com uma rapariga da mesma idade, pressupõe um funcionamento cognitivo superior. Embora esta superioridade masculina em termos cognitivos não se expresse frequentemente em termos de realização es-colar pela via dos exames — por isso entram cada vez menos rapazes no en-sino superior em Portugal — pode ser real e verificar-se em provas psicológi-cas de natureza cognitiva.

Neste sentido e sendo verdadeira esta hipótese, é provável que a amostra masculina deste estudo seja à partida mais competente em termos de funcio-namento cognitivo geral do que a amostra feminina, como se comprova pelos resultados desta investigação no teste de substituição de símbolos. De facto tendo em conta os dados da aferição deste teste nos EUA com amostras dos 18 aos 24 anos e com 13 ou mais anos de educação académica, verifica-se que a média masculina do presente estudo (65.9) está 0.4 unidades de D. Pa-drão acima da média para o grupo etário dos 18-24 anos, enquanto que a média da amostra feminina (59,97) está 0.2 unidades abaixo da média.

Creio que, se se considerar a amostra masculina do presente estudo en-viesada à partida, reduzindo o alcance dos resultados obtidos, é provável que se tenha de reler muitos estudos efectuados em Portugal e no estrangeiro com amostras de estudantes de psicologia em cursos, onde a frequência feminina é maioritariamente superior e onde não foram usadas à partida provas cogniti-vas para fins de controlo de equivalência. De facto quando as amostras são constituídas por várias centenas de participantes e o funcionamento intelectual global é controlado, como se verificou no estudo de Herlitz et al. (1997) com cerca de 500 participantes dos 35 aos 80 anos em cada sexo, as diferenças ao nível da memória a curto prazo desaparecem.

No caso dos resultados obtidos na prova de memória operatória, mesmo havendo uma equivalência entre sexos em termos do número de verificação de equações correctas, verificou-se um desempenho masculino superior. Esta superioridade masculina pode estar associada à partida ao maior funciona-mento cognitivo global, também expresso pelo teste de substituição de símbo-los, tendo-se verificado uma correlação positiva entre estas provas de 0.344, significativa ao nível de p<.006. Esta correlação, está de acordo com a litera-tura, realçando a importância da memória operatória como um dos índices mais importantes do funcionamento cognitivo humano (e.g., Kyllonen e Chris-tal, 1990; Süß et al., 2002; Engle et al., 1999).

Antes de concluir, parece-me importante sublinhar, que mesmo que se considere a hipótese da amostra masculina ter um funcionamento cognitivo, globalmente superior ao da amostra feminina, tal como foi observado pelo

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teste de substituição de símbolos, o desempenho da amostra feminina nesta in-vestigação na prova de memória episódica de reconhecimento verbal foi sig-nificativamente superior à masculina e está de acordo com a tendência geral da literatura nesta prova. Se as amostras de ambos os sexos fossem realmente equivalentes — um objectivo mais mítico do que real, mas que deve ser tido sempre em conta — seria de prever que a superioridade feminina nesta prova fosse ainda mais ampla do que a verificada.

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SEX DIFFERENCES IN DIGIT SPAN, WORKING MEMORY,

VERBAL RECOGNITION AND SYMBOL-DIGIT TEST

Amâncio da Costa Pinto

Faculdade de Psicologia e C. da Educação, Universidade do Porto, Portugal

Abstract: Several studies have shown a female superiority in several memory tasks with a verbal component. The aim of this study is to find out if such sex differences are consistent and replicated with two samples of 32 university psychology students in the fol-lowing tasks: digit span, working memory, recognition of a long list of words and symbol-digit test. Contrary to what was found in previous research, males obtained significantly better results on digit span (Cohen d=.71), working memory (Cohen d=.90) and symbol-di-git test (Cohen d=.54). In accordance with the literature, females got better on the verbal recognition task (Cohen d=.65). This result pattern is discussed taken into account possible sampling bias in the male group and also the general intellectual functioning associated with performance in the digit-symbol test.

KEY-WORDS: Sex differences, digit span, working memory, verbal recognition, symbol-di-git test.

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DIFERENÇAS COGNITIVAS E MOTIVACIONAIS

EM FUNÇÃO DO GÉNERO: DAS DIFERENÇAS REAIS

AOS ESTEREÓTIPOS SEXUAIS*

Luísa Faria

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal

Resumo

O presente trabalho discute as diferenças cognitivas e motivacionais em função do gé-nero, contrastando diferenças reais com estereótipos sexuais. Assim, considerando a sua origem biológica e sócio-cultural, são abordadas as diferenças de género em aptidões cog-nitivas, globais e específicas, particularmente as aptidões verbais, numéricas e visuo-espa-ciais. Quanto às diferenças motivacionais em função do género, são apresentadas evidên-cias da investigação e são discutidas as implicações no percurso escolar de ambos os sexos, destacando-se as crenças e representações dos professores acerca das diferenças de género, os métodos pedagógicos e as estratégias educativas.

PALAVRAS-CHAVE: Género, aptidões cognitivas, motivação, estereótipos sexuais.

Introdução

A compreensão e explicação de diferenças cognitivas e motivacionais em função do género, globalmente, não pode deixar de discutir os estereótipos sociais vigentes e as teorias pessoais sobre as diferenças de género, tendo em consideração que as respostas diferenciais dos indivíduos, às categorias “ho-mem” e “mulher”, podem afectar a interpretação dos resultados sobre as dife-renças, e que a pertença a uma categoria sexual e os fenómenos ligados às diferenças de género devem ser encarados como processos dinâmicos, que sendo influenciados pelas escolhas individuais e moldados pelas pressões so-ciais e situacionais, apenas serão explicáveis quando enquadrados em siste-mas e contextos de interacção social (Faria, 1997).

© P.P.C.M.C.M. - Colégio Internato dos Carvalhos

Morada (address): Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, n.º 1055, 4169-004 Porto, Portugal. E-mail: lfaria@psi.up.pt

* O presente artigo desenvolve e aprofunda uma comunicação apresentada no Simpósio 2 “Implicação dos curricula no

(in)sucesso escolar (ensino secundário)”, no âmbito das 8.as Jornadas Psicopedagógicas de Gaia, realizadas no Colégio Internato dos Carvalhos, entre 27 e 28 de Novembro de 2003.

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Na verdade, a investigação mais recente sobre as diferenças de género, em várias aptidões cognitivas, demonstra que as diferenças constatadas são menos evidentes e profundas do que se supunha anteriormente, a par da difi-culdade existente no domínio em separar as diferenças reais dos estereótipos sociais ou representações acerca das diferenças de género (Deaux, 1984; Fa-ria, 1997; Feingold, 1988).

Portanto, este trabalho tem como primeiro objectivo apresentar um con-junto de resultados acerca das diferenças cognitivas, globais e específicas, en-tre homens e mulheres, nomeadamente a propósito das capacidades verbal, numérica e visuo-espacial, enfatizando os resultados contraditórios no domí-nio e a falta de unanimidade quanto à expressão, amplitude e significância estatística de algumas das diferenças.

Segue-se um outro objectivo, o de apresentar as diferenças motivacionais em função do género, apontando algumas especificidades do contexto cultural português e, finalmente, desenvolver algumas das implicações para a educa-ção dos dois sexos, que abrangem a pluralidade dos métodos pedagógicos, a diversidade das estratégias educativas e a transformação das crenças e repre-sentações dos professores acerca das diferenças de género, na senda de uma educação mais inclusiva.

Diferenças cognitivas

Têm sido sistematicamente observadas diferenças de sexo1 nos resultados

médios obtidos em testes de inteligência, diferenças estas que se revelam em geral significativas, nomeadamente pelo elevado contingente das amostras uti-lizadas, mesmo que as diferenças tenham pouca expressão. Por sua vez, as diferenças observadas não são sempre consistentes de amostra para amostra e não favorecem sempre o mesmo sexo, variando ainda com a idade dos in-divíduos observados (Geary, 1998; Reuchlin, 1996).

Alguns investigadores, mais recentemente, referem que os rapazes apre-sentam valores de QI ligeiramente superiores aos das raparigas, por exemplo nas versões revistas da Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS) e da

Wechs-ler Intelligence Scale for Children (WISC), embora o padrão de resultados

va-rie de acordo com o tipo de subteste considerado, com superioridade dos ra-pazes nos testes de cultura geral e de aptidões espaciais, ausência de 1Os termos “sexo” e “género” serão usados ao longo do texto como sinónimos, embora o género se refira ao sexo

enquanto “esquema de categorização social dos sujeitos”, pois não implica apenas diferenciação biológica como o sexo, mas também produz diferenciação social (Deaux, 1985; Sherif, 1982). Este trabalho abrange e discute ambos os conceitos.

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diferenças de sexo nos testes de memória e vantagem das raparigas nos testes de velocidade de emparelhamento entre símbolos arbitrários e números (Gea-ry, 1998). Contudo, não se observaram diferenças de sexo no teste de

Matri-zes Progressivas de Raven, um teste muito utilizado como medida de

inteligên-cia - Factor g ou raciocínio abstracto (Raven, Court e Raven, 1993, in Geary, 1998).

Assim, não podemos falar de superioridade intelectual de um sexo em re-lação ao outro, mas sim de diferenças em aptidões cognitivas particulares. Na literatura psicológica sobre as diferenças cognitivas de sexo podemos identifi-car diferenças na aptidão verbal e em tarefas de execução rápida e precisa, a favor das raparigas, e diferenças nas aptidões numéricas, mecânicas e espa-ciais, a favor dos rapazes. As raparigas obtêm ainda resultados escolares mé-dios superiores aos dos rapazes, sobretudo no início da escolaridade. Portan-to, tais diferenças não parecem ficar a dever-se a factores de inteligência geral, mas sim a aptidões cognitivas particulares. Ao que se vem aliar o facto de as características de comportamento das raparigas parecerem ser mais consentâneas com as exigências da escola e dos professores, nomeadamente pela maior aceitação das regras e das exigências dos docentes, pela menor taxa de absentismo e pelo melhor comportamento global evidenciado, o que favorece os seus resultados escolares médios (Faria, 1998b).

Apesar das manifestações diferenciais observadas nestes domínios, tais diferenças apresentam uma larga dispersão dentro de cada grupo, existindo, em qualquer grupo, raparigas e rapazes que se superiorizam em domínios em que o sexo oposto tradicionalmente tem vantagens (Reuchlin, 1996). De qual-quer modo, na maioria dos domínios, os rapazes são mais variáveis como grupo do que as raparigas, isto é, na maioria dos domínios cognitivos e aca-démicos, particularmente naqueles em que os rapazes se superiorizam, há mais rapazes do que raparigas nos níveis mais elevados e mais baixos de realização (Willingham e Cole, 1997, in Geary, 1998).

Maccoby e Jacklin, em 1974, publicaram um texto, que se tornou clássico em Psicologia, onde revêem mais de 1000 relatórios de investigação sobre as diferenças de sexo na sociedade americana contemporânea. Apesar desta síntese ter praticamente 30 anos e de ter sido amplamente criticada em termos metodológicos, foi fundamental para toda a pesquisa subsequente, pois as au-toras identificaram três aptidões cognitivas e uma variável de personalidade em que há diferenças de sexo estáveis e bem estabelecidas: a literatura poste-rior sobre diferenças de sexo veio a confirmar a existência de tais diferenças na competência verbal, na quantitativa ou numérica e na visuo-espacial, bem como na agressividade.

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Contudo, os resultados dos estudos nestes domínios continuam controver-sos e conflituantes, não havendo nenhuma diferença de sexo unanimemente apoiada na literatura.

De facto, os dois sexos têm experiências, tipos de encorajamento, práticas educativas e expectativas de sucesso diferentes, pondo-se a questão de saber se as diferenças observadas estarão relacionadas com diferenças cognitivas ou com diferenças nas práticas de socialização ou, ainda, se resultarão de uma combinação de ambas.

Diferenças nas aptidões verbais

Apesar do elevado consenso em torno das diferenças de sexo nas aptidões verbais, a favor das raparigas, não deixam de existir resultados contraditórios quanto aos tipos de competência verbal que evidenciam diferenças de sexo, bem como quanto ao momento em que aparecem e desaparecem tais diferenças.

Vários estudos com amostras numerosas e representativas apoiam o facto de que, em média, as mulheres têm melhores índices de leitura do que os ho-mens ao longo do ciclo de vida, resultados estes que se têm mantido estáveis ao longo de 30 anos - entre 1960 e 1990 (Geary, 1998). No entanto, o ter-mo aptidões verbais aplica-se a todas as componentes da linguagem: fluência verbal, gramática, leitura, analogias verbais, vocabulário e compreensão oral, constatando-se que as diferenças de sexo nas aptidões verbais são as primei-ras a aparecer.

Na verdade, as raparigas começam a falar mais cedo; são mais compe-tentes na linguagem entre o 1º e o 5º anos de vida do que os rapazes da mes-ma idade; produzem frases mes-mais longas e com melhor vocabulário, existindo mesmo o estereótipo de que as mulheres falam mais do que os homens, embo-ra o que seja avaliado nos estudos seja a qualidade da linguagem (capacida-de (capacida-de compreen(capacida-der ou (capacida-descodificar a linguagem) e não a quantida(capacida-de. Outras evidências indicam que os rapazes, durante a infância, apresentam maiores dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita, bem como maiores pro-blemas de gaguez.

Durante a adolescência e a idade adulta surgem diferenças claras a favor das raparigas, que emergem a partir dos 11 anos de idade. Em vários testes de inteligência e de admissão à universidade, observam-se diferenças consis-tentes e várias vezes replicadas, deste 1955, favorecendo as raparigas no do-mínio verbal. Refira-se ainda que, após cirurgia ou hemorragia cerebral, a re-cuperação da linguagem é mais difícil e lenta em homens do que em mulheres (Geary, 1998; Hyde e Linn, 1988; Neisser et al., 1996).

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A magnitude das diferenças nas aptidões verbais ou a quantificação da diferença média entre os sexos (expressa em unidades de desvio-padrão), quando são utilizados testes diferentes, é talvez a mais pequena dentro das di-ferenças cognitivas entre os sexos, variando entre 0,25 e 1,2 unidades de des-vio-padrão, ou seja, a média da distribuição de valores das mulheres é de 0,25 a 1,2 pontos de desvio-padrão superior à distribuição média dos ho-mens (Neisser et al., 1996).

Por exemplo, Anastasi (1958, in Maccoby e Jacklin, 1974) diz que as di-ferenças de sexo se verificam em tarefas verbais simples, enquanto Maccoby e Jacklin (1974) concluem que a superioridade feminina se verifica em tarefas verbais de baixo e elevado nível de complexidade. Por sua vez, Maccoby e Jacklin (1974) falam em igualdade entre os sexos no vocabulário no período pré-escolar, e em superioridade do sexo feminino a partir dos 11 anos, que aumenta durante os anos do secundário.

Por fim, constata-se que, em geral, é aceite a superioridade do sexo femi-nino nas várias aptidões verbais, com a excepção das analogias verbais, on-de parece existir superioridaon-de do sexo masculino (Hyon-de e Linn, 1988).

Diferenças nas aptidões numéricas

As aptidões numéricas ou quantitativas não são um conceito unitário, lo-go, podem não existir diferenças de sexo em todas as dimensões desta capa-cidade. No entanto, globalmente, as diferenças favorecem o sexo masculino, particularmente a partir da adolescência, mantendo-se na idade adulta.

Constata-se, assim, que a superioridade das raparigas observada durante os primeiros anos de escolaridade, particularmente na aritmética e no cálculo, dá lugar à superioridade masculina no ensino secundário, particularmente nos domínios de resolução de problemas (Halpern, 1992; Hyde, Fennema e La-mon, 1990). No entanto, a magnitude da diferença entre sexos nas aptidões numéricas é considerada moderada, situando-se nas 0,50 unidades de des-vio-padrão. Tais diferenças parecem evidenciar-se mais cedo em alunos so-bredotados e em alunos com um currículo forte em matemática (Hyde, Fenne-ma e Lamon, 1990).

De facto, a disciplina de matemática apresenta-se como um “filtro” crítico para a entrada em certas profissões científicas e técnicas, de maior prestígio social, pelo que muitos autores argumentam que as raparigas terão sempre menor desempenho em áreas de maior prestígio social, portanto, que envol-vam a matemática (área considerada tradicionalmente masculina), pois há crenças e estereótipos de que as mulheres não servem para a matemática.

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Diferenças nas aptidões visuo-espaciais

A expressão aptidões visuo-espaciais é complexa porque envolve várias capacidades, nomeadamente de visualização e de orientação espacial. Tais capacidades afiguram-se importantes em áreas científicas e tecnológicas, co-mo por exemplo a Engenharia, a Arquitectura e a Química. As aptidões vi-suo-espaciais envolvem a capacidade para representar, transformar, gerar e relembrar informação simbólica, não linguística (Halpern, 1992; Linn e Peter-sen, 1985).

As diferenças nestas aptidões favorecem o sexo masculino e são as que apresentam maior magnitude - da ordem de 0,9 unidades de desvio-padrão (Linn e Petersen, 1985; Masters e Sanders, 1993). De referir, ainda, que estas capacidades declinam com a idade, sendo este declínio mais evidente para as mulheres do que para os homens, havendo por conseguinte um efeito de inte-racção entre o sexo e a idade (Halpern, 1992). Portanto, as diferenças nestas aptidões favorecem os rapazes desde a infância, havendo aceleração das di-ferenças a favor dos rapazes a partir do final da adolescência e até ao fim do ciclo de vida.

Por fim, registe-se que também existem evidências da superioridade mas-culina em tarefas de raciocínio mecânico (Halpern, 1992).

Origem das diferenças cognitivas

A origem de todas estas diferenças cognitivas situa-se, simultaneamente, em causas biológicas e sócio-culturais (Douvan, 1997; Geary, 1998; Neisser

et al., 1996; Reuchlin, 1996) e, no que se refere às causas biológicas,

pode-mos salientar a diferenciação das estruturas e dos hemisférios cerebrais, bem como as influências hormonais (Geary, 1998; Neisser et al., 1996).

No caso das aptidões verbais, o tamanho de certas porções do corpo ca-loso (que permite estabelecer a ligação entre os dois hemisférios), parece correlacionar-se com a fluência verbal. Por sua vez, a tendência do sexo fe-minino para processar os sons linguísticos nos dois hemisférios, esquerdo e direito, enquanto o sexo masculino usa predominantemente o hemisfério es-querdo, pode favorecer as raparigas na leitura e na escrita (Pugh et al., 1997).

Nas aptidões visuo-espaciais e mesmo quantitativas, a bilateralização prejudica o desempenho das raparigas, que usam os dois hemisférios para re-solver tarefas visuo-espaciais e quantitativas, enquanto os homens usam pre-dominantemente o hemisfério direito, que é mais especializado em actividades

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perceptivo-motoras e espaciais. Tais constatações necessitam, contudo, de maior apoio empírico (Geary, 1998; Neisser et al., 1996).

A testosterona, hormona masculina, parece desempenhar um papel im-portante nas aptidões visuo-espaciais, pois os níveis de testosterona, em ho-mens normais, apresentam correlações positivas com resultados em medidas de aptidão espacial e correlações negativas com resultados em medidas de aptidão verbal (Christiansen e Knussman, 1987, in Neisser et al., 1996).

No entanto, qualquer modelo explicativo das diferenças cognitivas de se-xo terá que incluir variáveis biológicas e sócio-culturais em interacção. Na verdade, as variáveis biológicas aparecem-nos como um sistema aberto, sus-ceptível de ser influenciado e transformado por factores sócio-culturais (Geary, 1998), enquanto as variáveis sócio-culturais amplificam e formalizam as dife-renças biológicas (Reuchlin, 1996).

De facto, as expectativas, as experiências e os papéis sexuais atribuídos a ambos os sexos são diferenciados desde o momento em que nascemos, mar-cando os comportamentos, as atitudes e as práticas educativas com cada um dos dois sexos. Deste modo, o sexo biológico apresenta-se como um mediador cognitivo que afecta as representações do adulto e facilita e antecipa o seu comportamento perante indivíduos de um sexo ou de outro (Fontaine, 1991a). As diferentes práticas educativas são um exemplo, pois os pais mantêm relações e expectativas distintas com filhos de sexos diferentes. Senão veja-mos, as mães são em geral mais afectivas e protectoras com as filhas, mas mantêm expectativas de sucesso inferiores e desvalorizam mais as aspirações escolares e profissionais das filhas do que dos filhos. Por sua vez, os rapazes recebem mais apreciações positivas e negativas face à sua realização acadé-mica, têm maior autonomia e os pais são mais autoritários com os rapazes do que com as raparigas. Por fim, os pais mostram-se mais apreensivos quando os rapazes são demasiado obedientes e dependentes e quando as raparigas são demasiado independentes (Fontaine, 1991a).

De referir, também, que a realização de rapazes e raparigas não parece ser interpretada do mesmo modo por outros agentes de socialização, como é o caso dos professores, que adoptam padrões de comportamento e de interac-ção diferentes com ambos os sexos, contribuindo para a respectiva diferencia-ção de comportamentos (Eccles Parsons, Adler e Meece, 1984) e de padrões motivacionais, que afectam o desenvolvimento e a manifestação de competên-cias.

Assim, parece importante analisar as diferenças motivacionais em função do género, como um dos elementos que contribuem para as diferenças de de-sempenho em vários domínios cognitivos.

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Diferenças motivacionais

Estudos realizados no contexto escolar demonstram que os rapazes e as raparigas manifestam diferentes padrões de cognição-emoção-comportamen-to em situações de realização, nomeadamente quando são confrontados com fracassos e dificuldades. As raparigas evidenciam, com maior frequência,

pa-drões de realização de desistência após o confronto com o fracasso ou com

situações de pressão avaliativa, padrões estes caracterizados por realização debilitada e evitamento dos desafios, escolhendo tarefas familiares, de modo a não arriscar juízos de incompetência (Dweck e Gilliard, 1975; Leggett, 1985; Licht e Dweck, 1983; Licht e Dweck, 1984; Licht, Linden, Brown e Sex-ton, 1984).

Segundo Licht e colaboradores (1984), estes padrões de desistência nas raparigas manifestam-se independentemente da sua capacidade intelectual real, demonstrando que, mesmo no caso das raparigas com elevada capaci-dade intelectual, as evidências passadas de sucesso e boa realização não as protegem contra os efeitos nefastos do fracasso, que é atribuído a factores in-controláveis. Os rapazes, pelo contrário, independentemente do seu nível de realização, evidenciam com maior probabilidade padrões de realização de

persistência, caracterizados por perseverança após confronto com o fracasso,

escolha de tarefas desafiadoras e ambíguas, bem como atribuições para o fracasso à falta de esforço.

Os padrões de realização de desistência, evidenciados com maior proba-bilidade pelas raparigas, parecem conduzir, a longo prazo, a escolhas voca-cionais e profissionais “mais seguras”, pouco arriscadas e menos exigentes, que diminuem as suas hipóteses de desenvolvimento e promoção pessoal, pois as situações desafiantes, incertas e ambíguas fornecem mais oportunidades de desenvolvimento e promoção pessoais (Faria, 1998a; 1998b).

Na verdade, apesar das raparigas receberem notas mais elevadas do que os rapazes ao longo do seu percurso escolar, serem alvo de avaliações mais favoráveis dos professores em quase todos os aspectos e receberem menos

feedback negativo por parte deles, manifestam com mais frequência padrões

de realização de desistência perante os fracassos, comportando-se como se ti-vessem recebido “ultimatos” acerca da sua capacidade (Faria, 1998a; 1998b).

Investigações centradas na identificação dos factores susceptíveis de expli-car estas diferenças apontam para o facto dos professores apresentarem atitu-des e comportamentos avaliativos diferentes perante rapazes e raparigas. De

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facto, os rapazes são alvo de um maior número de críticas referentes ao seu comportamento (aspectos não intelectuais), sendo avaliados como mais agres-sivos, menos sociáveis, menos motivados e menos diligentes do que as rapari-gas, enquanto estas são consideradas mais motivadas, diligentes, cumpridoras e bem comportadas (Coopersmith, 1967; Harter, 1982; Nicholls, 1980; Pra-wat, Hampton e Jones, 1979).

Ora, o uso indiscriminado de feedback avaliativo, nomeadamente para uma grande quantidade de aspectos não intelectuais do comportamento, re-duz o significado e o impacto da avaliação, em particular se o compararmos com a respectiva utilização dirigida apenas aos aspectos intelectuais da reali-zação dos sujeitos: Dweck e Bush (1976), baseadas neste postulado, formu-lam a hipótese, que vêm a comprovar, de que o feedback avaliativo dos pro-fessores se refere, com maior frequência no caso dos rapazes do que das raparigas, aos aspectos não intelectuais da realização. Este facto leva os ra-pazes a interpretar o fracasso como estando relacionado com características ou atitudes do avaliador, e não com a sua falta de capacidade, enquanto as raparigas o interpretam como sendo devido à sua falta de capacidade, pois neste caso os aspectos motivacionais ou não intelectuais da realização nunca podem ser usados para explicar os fracassos.

Assim, devido a diferentes padrões de feedback, habitualmente utiliza-dos no contexto escolar, rapazes e raparigas não aprendem a atribuir o mes-mo significado aos fracassos (e também aos sucessos). Esta aprendizagem é influenciada pelos contextos sociais em que o sujeito se move (a escola), sen-do o grupo de pertença sen-dos sujeitos, definisen-do pelo sexo neste caso, um factor importante de diferenciação qualitativa desses contextos (Faria, 1998a; 1998b).

Outros estudos compararam o tipo de padrões atribucionais manifestados por rapazes e por raparigas em situações de realização, particularmente quando o resultado é o fracasso, tendo concluído que as raparigas têm maior tendência a interpretar os fracassos como indicadores da sua falta de capaci-dade no domínio, o que as levará à desistência, enquanto que os rapazes uti-lizam causas do tipo “falta de esforço” e “culpa do avaliador”, o que lhes per-mite manter o investimento (Faria, 1997).

Contudo, o contexto português parece evidenciar algumas especificidades quanto às diferenças na motivação, nomeadamente pela ausência de diferen-ças de sexo em variáveis motivacionais em que tradicionalmente, e noutros contextos culturais, o sexo masculino se superioriza, como é o caso das con-cepções pessoais de inteligência (Faria, 1998a; 2002a) e do auto-conceito de competência em matemática (Fontaine, 1991b).

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Figura 1-(1-5): Valores médios correctos obtidos nos Grupos masculino e feminino nas tarefas de amplitude de dígitos (1.MCP-Dígitos), amplitude de memória operatória (2.MO-Palavras), verificação de equações (3.Equações), percentagem de êxitos corrigidos nu
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