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As questões de género e a intervenção vocacional

Neste ponto, interrogamo-nos sobre como poderemos traduzir e interpre- tar a teoria e investigação sobre o papel do género na orientação e no desen- volvimento vocacional das crianças e dos jovens, em recomendações para a intervenção. Isto é, por exemplo, o que pode ser feito para tornar a escola um ambiente mais sensível às questões de género e a partir daí, capacitar-se para intervir mais adequadamente nesta problemática, de modo a facilitar e a pro- mover o desenvolvimento vocacional dos estudantes e dos seus profissionais? A partilha de informação, a consultadoria vocacional a gestores e a professo-

res e, o aconselhamento a familiares dos estudantes, poderão ser modalida- des de intervenção a ter em conta, quando se pretender apoiar a consecução deliberada de tais objectivos, por exemplo, em contexto escolar, ou até mes- mo, comunitário.

Com efeito, a escola e as atitudes dos professores tendem, em geral, a manter ou mesmo a reforçar os valores tradicionalmente associados à masculi- nidade e à feminilidade veiculados pela sociedade e pelas famílias, bem como a reproduzir uma diferenciação de competências e saberes, supostamente es- pecíficos segundo o sexo (Basow, 1992; Saavedra, 2001). A escola e os pro- fessores não podem, assim, deixar de reflectir sobre o seu papel e influência na construção/reprodução social dos estereótipos afectos a cada sexo. Para isso, os profissionais de orientação podem colaborar com a escola na organi- zação de reuniões, seminários, e na preparação de informação sobre este te- ma, de forma a suscitar o debate e a combater estereótipos e visões de maior essencialismo associadas ao género. Uma estratégia bastante utilizada tem si- do o recurso a guias escritos ou em suporte informático que abordam adequa- damente estas questões de acordo com a fase de desenvolvimento e as carac- terísticas sócio-culturais de diversos grupos da população escolar e comunitária. Outra medida utilizada com sucesso tem sido criar um ambiente, nas salas de aula e na escola em geral, que preserve e favoreça objectivos e práticas afirmativas por parte dos alunos. Através, também, do seu conheci- mento e das actividades de exploração e de ligação ao mercado de trabalho que os profissionais de orientação podem proporcionar, pode contribuir-se para confrontar e alterar alguns dos mitos existentes bem como falsas com- preensões que se constroem face às questões de género. A acção afirmativa pode contribuir, ademais, para sensibilizar a comunidade envolvente à escola, em especial os empregadores, sobre a necessidade de políticas e práticas jus- tas quanto ao género, no despedimento e na promoção de carreira. Autores como Basow (1992) e Seijas e Cunha (2003) referem-se a estas e a muitas ou- tras medidas de intervenção organizacional e individual que podem servir de orientação para as práticas de desenvolvimento vocacional em Portugal.

As intervenções vocacionais nas escolas básicas, secundárias e nas uni- versidades contribuirão seguramente para modelar a opinião pública sobre a necessidade de os estudantes e seus familiares conhecerem e tornarem-se mais competentes, razoáveis e justos na abordagem das questões de género em re- lação com a carreira. Com efeito, os profissionais de orientação, enquanto es- pecialistas do desenvolvimento humano, podem assumir um papel preventivo ainda mais activo, através do sistema educativo, envolvendo pais, professores e a própria gestão escolar no desenvolvimento de actividades de educação

para a carreira fora e através dos programas escolares, de modo a sensibili- zar professores, pais e alunos para a justiça, equidade e para uma visão me- nos essencialista do género nas práticas, recursos e programas educativos. Podem também assegurar-se que os seus próprios materiais de informação, de avaliação psicológica e de apoio à tomada de decisão são eles próprios justos e adequados no que respeita as questões de género. A informação so- bre as carreiras durante a infância pode ser trabalhada a partir de informa- ção sobre os trabalhos que se realizam na escola, pela família, na vizinhança e na comunidade mais próxima. Durante os últimos anos do ensino Básico e no ensino Secundário essa informação pode ser mais diferenciada e organi- zada em grandes domínios e categorias, baseada quer em fontes informais e relacionais, como os amigos e os familiares, quer em apresentações informais na escola, ou em outras fontes populares. Neste âmbito, há que reconhecer que os pais e as famílias desempenham um papel importante na orientação e desenvolvimento vocacional das crianças e adolescentes. É importante que es- ta ideia seja trabalhada nos programas e na escola em geral. Sendo hoje consensual a importância do uso de tecnologias de informação e da comuni- cação no contexto do ensino aprendizagem escolares, poderemos também uti- lizar tais tecnologias como um instrumento fundamental de promoção da igualdade, a partir da sensibilização dos educadores (professores ou pais), e da motivação/incentivo à aprendizagem do e com o computador por parte das crianças, raparigas e rapazes.

As acções e os papeis preventivos não estão habitualmente no role de fun- ções mais esperadas dos psicólogos escolares. Mas cada vez mais entende- mos que o problema da orientação das pessoas não é um acto único e que re- quer não só apoios mais ou menos pontuais em momentos de decisão importantes, como também o envolvimento em medidas e programas mais prolongados e de cariz preventivo e promocional. A capacidade para os pro- fissionais de orientação se envolverem em actividades fora do gabinete re- quer, no entanto, a existência de ofertas de trabalho em psicologia escolar e educacional e o envolvimento e o compromisso dos profissionais com as ques- tões relacionadas com a igualdade de oportunidades e a justiça social em ge- ral, e com a problemática da igualdade de oportunidades entre homens e mu- lheres, em particular. Exige, também, um interesse individual nas questões da sensibilização e da formação de outros, do apoio institucional, e das relações com a comunidade.

Tendo em conta que a mudança social é, em geral, lenta, os profissionais de orientação empenhados em trabalhar este tipo de dimensões devem envol- ver-se também na mudança individual. Existem temas e questões que de um

modo consistente tem sido alvo de estudo no campo da intervenção a nível in- dividual. A primeira ideia é que na maioria dos casos é necessário uma nova abordagem da consulta nesta perspectiva. Para além das componentes de atendimento especializado que mais vulgarmente são utilizadas, e que exigem conhecimentos e competências especializadas de comunicação e de relaciona- mento, há que focar a intervenção, de um modo mais deliberado, no aumento de consciência dos clientes sobre as condições da gestão e do desenvolvimen- to da carreira associadas ao género e na análise sociopolítica dos factores contextuais do desenvolvimento vocacional bem como nos problemas e deci- sões da carreira. Os resultados da avaliação devem ser discutidos cuidadosa- mente em relação estreita com as estruturas de poder e privilegio do meio e ambientes de vida dos indivíduos, incluindo o próprio ambiente da consulta, bem como os de âmbito mais alargado.

As raparigas podem necessitar de mais apoio na consulta psicológica vo- cacional. Os profissionais de orientação podem começar o processo, apoian- do a realização de actividades de auto-avaliação, revendo a sua história de sucessos, de modo a identificar possíveis fontes de baixa auto-eficácia e atri- buições de causalidade inadequadas face à sua realização; promover o au- mento de acuidade nas suas auto-avaliações, a vivência de novas experiên- cias de sucesso e o envolvimento na exploração vocacional, de modo a que as raparigas aprendam estratégias para lidar com as barreiras internas e exter- nas face à sua carreira relacionadas com as questões de género.

Conclusão

Existe uma sensibilidade crescente, de há cerca de vinte anos a esta parte, para as questões associadas ao género, no domínio da orientação e do desen- volvimento vocacional dos indivíduos. Este interesse tem-se manifestado, quer a nível teórico, quer a nível empírico, sendo urgente que se traduza também, de modo mais congruente, numa preocupação e finalidade da prática profissio- nal. Os serviços de orientação vocacional envolvem uma variedade de inter- venções: a informação, a consulta psicológica individual e de grupo, os pro- gramas de educação e o desenvolvimento vocacional, a consultadoria e o aconselhamento junto de pais, professores e outros agentes da comunidade. É essencial que cada uma destas modalidades contribua para criar ambientes e comunidades educativas mais sensíveis e com visões e práticas mais adequa- das às questões de género, contribuindo para a justiça e a igualdade de opor- tunidades e para o desenvolvimento vocacional das nossas crianças e jovens.

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CAREER DEVELOPMENT IN INFANCY AND ADOLESCENCE: