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Causas, consequências e soluções

Qual a origem destas diferenças a nível de capacidades cognitivas, onde as mulheres parecem ultrapassar os homens, e consequente rendimento esco- lar, onde na realidade já obtêm melhores resultados? Há tentativas de explica- ção biológica, particularmente a nível neurológico (por exemplo, o corpo ca- loso tem a ver com a fluência verbal) e também endocrinológico (Geary, 1998; Neisser et al., 1996), certamente com fundamento genético, mas estes factores biológicos interagem com factores sócio-culturais, sendo difícil destrin- çá-los, se bem que não são de menosprezar influências biológicas e mesmo perinatais e posteriores, como a qualidade da alimentação, na explicação das diferenças intelectuais. O sucesso na escola deve-se ainda a outros factores. Há estudos que demonstram que as diferenças por sexo quanto à motiva- ção e sucesso escolar são mais função de crenças estereotipadas quanto ao gé- nero do que realmente dele dependentes (Pajares e Valiante, 2002). Rammstedt e Rammsayer (2000) propuseram a um grupo de estudantes alemães que se auto-avaliassem em diversas variáveis de inteligência. Os rapazes considera- ram-se superiores às raparigas na inteligência matemática, lógica e espacial, enquanto elas se pautaram mais alto na inteligência musical e interpessoal. Os autores supõem que estes resultados são influenciados por estereótipos. Consi- derando esta influência, a diferença só se manteve em competências matemáti- cas a favor dos rapazes e na memória a favor das raparigas.

Brosnan (1998) tinha constatado que a superioridade masculina nas com- petências espaciais, como matemática, ciência e cálculo, era mais função de expectativas psicológicas capazes de determinar a motivação para o sucesso do que das reais maiores capacidades dos rapazes. Eccles (1987) dá conta

da influência de múltiplas variáveis psicossociais na predição do rendimento escolar.

Na realidade, as diferenças cognitivas por género podem ser menos sig- nificativas do que inicialmente aparecia e, quando existem, podem ser mais devidas a estereótipos do que à realidade (Feingold, 1988). Controlando di- versos índices cognitivos, frequentemente as diferenças são pouco expressivas e inconsistentes variando ora a favor de um ora de outro sexo, conforme as diversas aptidões em causa (Geary, 1998; Halpern, 1986).

Quanto às disciplinas mais próprias para rapazes ou raparigas, White- head (1996) constatou a mentalidade de que as ciências são vistas como mas- culinas, enquanto as artes e as línguas como femininas, embora os sujeitos acreditassem que ambos os sexos eram capazes de obter sucesso em qualquer uma das áreas. O autor conclui que estas estereotipias ou viés sexual atingia mais o sexo masculino.

Furnham (2001), analisando também diversos estudos sobre a auto-ava- liação da inteligência, concluiu, entre outras coisas, que os homens tendem a sobrevalorizar-se em relação às mulheres em diversos aspectos da inteligên- cia, particularmente no domínio da matemática e da compreensão espacial. Pode haver ainda influências indirectas; por exemplo, se as raparigas têm uma auto-estima melhor do que os rapazes, isso afecta o sucesso escolar, ape- sar de dever considerar-se outras variáveis (Alpert-Gillis e Connell, 1989).

Uma resposta sobre as diferenças poderia estar outrossim nas atribuições de causalidade. Efectivamente, um artigo de Georgiu (1999), com crianças do sexto ano, pôde constatar que as meninas com alto sucesso faziam atribuições mais internas, sobretudo ao esforço, do que os rapazes. A diferença poderia também advir das auto-expectativas ou das crenças sobre controlo dos refor- ços, apresentando em geral os rapazes (alunos), bem como os professores, uma maior tendência para a internalidade, em termos de locus de controlo, em relação às raparigas (cf. Barros, Barros e Neto, 1993).

Quando estão em causa adolescentes, alguns autores pensam que as dife- renças são devidas à turbulência da idade e que passada a crise da adoles- cência o equilíbrio volta a dominar. Numa investigação, Gambell e Hunter (2000) notam que as diferenças se mantêm dos 13 para os 16 anos.

Um estudo realizado na China (Chen, Liu e Li, 2000) realça a importân- cia dos estilos educativos parentais no sucesso escolar dos filhos, sendo o esti- lo mais democrático ou responsivo, onde prevalece o calor humano, o mais eficiente e que provavelmente resulta melhor nas raparigas.

Há também diferenças no rendimento cognitivo e escolar por sexo devido a diferentes culturas e etnias. Estudos realizados particularmente nos Estados

Unidos com americanos de origem asiática, hispânica e africana e com ame- ricanos nativos notam alguns factores susceptíveis de influenciar as diferenças (cf. Neisser et al,. 1996).

Terão estas diferenças no rendimento escolar consequências? Sendo os ra- pazes os que mais frequentemente repetem o ano académico, mesmo conside- rando outras variáveis como a classe social (McCoy e Reynolds, 1999), pode- rão estes ser mais perturbados na sua personalidade e mais levados a abandonar a escola.

Uma solução poderia passar por separar novamente os sexos nas escolas, se se concluísse que as raparigas obtêm maior sucesso à custo dos rapazes, segundo um relatório no New Magazine do Canadá (03.12.2000) com o títu- lo sugestivo: if girls can succeed only at the expense of boys, maybe we need

segregated schools. Constatando que na escola secundária as raparigas le-

vam vantagem sobre os rapazes em matemática e ciências, sugere-se a hipó- tese de haver escolas separadas por sexo para quem prefira tal. Mas certa- mente ficou só como sugestão com pouco sentido e sem ser levada à prática, pois não resolveria a situação. Esta passa sobretudo por estratégias diversifi- cadas de ensino/aprendizagem e de auto-aceitação da diversificação por gé- nero a todos os níveis, a começar pelo cognitivo.

Estando o sucesso escolar mais identificado com a feminilidade ou como “coisas de meninas”, os rapazes podem sentir-se num certo dilema entre lutar também pelo sucesso mantendo a sua masculinidade ou desinvestir na escola para não serem considerados menos masculinos. Renold (2001) explora as estratégias que os rapazes usam para negociar a tensão entre a percebida fe- minilização do sucesso académico e a necessidade de projectar uma coerente e estável hegemonia da masculinidade; isto é, dando-se conta de que na rea- lidade as meninas se avantajam no rendimento escolar, como pode ser isso compatível com a necessidade de afirmar a sua masculinidade? Sobretudo os rapazes com mais sucesso têm mais dificuldade em afirmar ao mesmo tempo a sua masculinidade. Mas podem convencer-se e serem convencidos de que também é ‘masculino’ o sucesso escolar e que a competitividade entre os se- xos deve ceder lugar à colaboração e mútua complementaridade, se bem que uma certa competitividade favorece mais os rapazes. Note-se ainda que a in- disciplina hoje reinante nas escolas, prejudica mais os rapazes e pode ser ou- tra causa de um menor rendimento.

Em suma, só uma visão holística e plurifactorial, exigindo por isso mode- los de interpretação multivariados, pode tentar compreender o fenómeno com- plexo do insucesso escolar em geral e em particular do sexo masculino, com consequências e soluções também elas complexas.

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