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DIFERENÇAS COGNITIVAS E REALIZAÇÃO ESCOLAR POR GÉNERO

José H. Barros de Oliveira

Faculdade de Psicologia e de C.E., Univ. do Porto, Portugal

Resumo

Muitas investigações se têm feito sobre as diferenças de inteligência geral e específica por género, analisando particularmente alguns factores, como a capacidade verbal e numé- rica, tendendo as raparigas a obter scores mais elevados nas diversas expressões verbais e os rapazes na competência matemática. Todavia, muitas destas diferenças manifestam-se inconsistentes e irrelevantes, devendo considerar-se outras variáveis, como a idade. Por ou- tro lado, constata-se um maior sucesso escolar, praticamente em todas as disciplinas, por parte das meninas, estando novamente em causa, não apenas a inteligência mas outros fac- tores. Este artigo dá conta de diversos estudos de análise das diferenças cognitivas e de realização escolar por género, bem como da etiologia, implicações e possíveis soluções pa- ra este problema, que deve ter uma interpretação holística.

PALAVRAS-CHAVE: Género, inteligência, factores cognitivos, sucesso escolar.

A expressão “insucesso escolar” soa um tanto a fatalismo, além de ser re- dutora, pois não é unicamente a escola que está em causa, nem só os profes- sores e os alunos - se bem que principais agentes da instituição escolar – mas todo o sistema educativo, da família à sociedade. É necessário ter uma visão global do sucesso ou insucesso do aluno (e dos professores) que se integram num conjunto ecológico mais amplo e influente, embora se possa interpretá-lo centrados predominantemente num ou outro agente (cf. Barros e Barros, 1999).

Que há uma crise no sistema educativo, e mais em particular no sistema escolar, é um truísmo. Basta atentar em alguns dados fornecidos pelos meios de comunicação social, que depois passam em revistas da especialidade com uma interpretação mais científica. Antes de aludirmos a alguns estudos sobre a realização escolar, realçando a diferenciação por sexo, algumas notícias e comentários recentes, a nível nacional e internacional, ajudam-nos a sensibili- zar-nos para o problema e tentativas de solução.

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Antes de mais, note-se que os vocábulos “sexo” e “género” não se equi- valem totalmente, tendo o primeiro uma conotação essencialmente biológica e o segundo mais de ordem psicossocial. Todavia, é porque biologicamente (ge- nética e fisiologicamente) se é homem ou mulher que se tem também determi- nado comportamento psicológico e social e assim se é reconhecido pelos ou- tros que esperam maneiras de pensar, de sentir e de agir diversificadas, favorecendo os estereótipos mais as diferenças. De qualquer modo, podemos usar indiferentemente um e outro vocábulo. Acresce ainda que o uso de “gé- nero” é mais um maneirismo recente de origem anglo-saxónico (embora em inglês também se use sex em sentido genérico e não apenas gender) que en- trou na nossa língua, via cientistas, pois antes o termo “sexo”, em português, era abrangente e só se usava “género” na gramática para designar palavras de género masculino ou feminino.

Freitas do Amaral (cf. Visão, 20.11.2003) constatava a fraca prestação dos alunos no ensino secundário, mormente nas disciplinas essenciais (Portu- guês e Matemática) e na formação científica, deficiências no raciocínio (Filo- sofia) e na perspectiva histórica, e ainda na formação para a democracia. Advogava mesmo uma disciplina de cultura geral, o que é contestável, pois tal cultura deve advir do somatório dos outros conhecimentos. Notava também um défice evidente na formação cívica, moral e estética, o que é evidente, da- do pedir-se à escola uma formação predominantemente técnica, voltada para a profissão. Não obstante, a Lei de Bases do Sistema Educativo (em vias de nova versão), o Relatório Delors e outros documentos insistem numa formação geral e humana. Ideal seria avançar simultaneamente nas duas direcções: uma rigorosa formação técnica e científica, mas sem esquecer a humanista, não apenas teoricamente mas na prática, isto é, formar antes a pessoa e o ci- dadão, dirigir-se aos valores e não apenas aos conteúdos programáticos. De qualquer forma, o atraso e os desfasamentos no secundário já provêm do bá- sico, e ambos vão reflectir-se ainda mais no ensino universitário.

Resultados provisórios difundidos pelos mass-media em princípios de 2004 sobre as provas de aferição realizadas em Portugal em 2002 (e tam- bém em 2003) dão a entender que se trata de desempenhos escolares baixos que vão piorando à medida que os alunos avançam nos anos escolares, sen- do melhores no 4º ano e piores no 9º. As baixas ‘performances’ notam-se particularmente em Matemática e no Português. Por sexo, as raparigas avan- tajam-se em Português e os rapazes em Matemática, mas com diferenças mí- nimas.

Notícias provindas da Alemanha em princípios de 2004 dão conta do alarme de políticos e pedagogos. Uma quarta parte dos estudantes universitá-

rios abandona o curso sem o ter terminado (em Portugal a percentagem ainda será maior). Razões principais invocadas: perda de motivação, más notas e reprovações, dificuldades económicas, perspectivas de desemprego após o curso, empregos aliciantes sem requererem um curso superior.

Uma comissão europeia veio concluir, no início de 2004, que era preciso dar mais importância à memorização, o que já era sabido, mas pedagogos da nossa praça riram-se durante muito tempo do “aprender de cor”, por exemplo, a tabuada ou o abecedário, cuja memorização se tornou quase proibitiva. Era o reino da máquina de calcular, que agora, segundo outros, deve ser evitada e até banida da escola. No secundário, também houve uma proliferação de disciplinas no ensino das ciências. Ideal seria serem menos mas mais aprofundadas.

Joana Araújo, correspondente nos Estados Unidos para a revista Família

Cristã (Janeiro, 2004) dava conta da crise no ensino básico americano que a

alta tecnologia não conseguiu colmatar. Todd Oppenheimer, no seu livro re- cente e com um título desafiante - Mente cintilante: a falsa promessa tecnológi-

ca na sala de aulas e como salvar a aprendizagem - considera que o entu-

siasmo inicial pelo uso do computador nas escolas acabará por desfalecer. O autor levou a cabo uma série de entrevistas a professores e alunos em várias escolas americanas do ensino básico, públicas e privadas, de meios favoreci- dos e degradados. Entrevistou também vários especialistas na matéria. Os re- sultados da investigação revelaram que os alunos das escolas onde o compu- tador tem papel secundário exibiam conhecimentos mais profundos das matérias estudadas, mostravam maior criatividade e maior capacidade de concentração do que os alunos das escolas com high tech. Oppenheimer não defende que a tecnologia educativa deva ser descartada, até porque se inves- tiram, na última década do século passado, somas astronómicas para colocar computadores nas salas de aula. Al Gore, vice-presidente no tempo de Clin- ton, desejou até um computador por aluno, também para permitir acesso à In- ternet como capaz de democratizar o conhecimento. Mas concluiu-se que esta informatização massiva do ensino não resolveu os problemas. Segundo Op- penheimer, o que realmente é importante no processo de aprendizagem é ter professores qualificados, turmas pequenas, estimular o pensamento crítico, fa- zer trabalhos interessantes e apostar na interacção professor/aluno e alu- no/aluno. O autor termina constatando que a actual política de ensino é mais o resultado de interesses políticos e económicos do que proveniente duma me- lhor pedagogia.

Entretanto, em Portugal, notícias de 04.02.2004 davam conta de que o primeiro-ministro, Durão Barroso, defende uma maior informatização das es-

colas na esperança de um melhor ensino e aprendizagem, estando disposto a investir milhões de euros em computadores para a escola.

Outras notícias referem-se mais em particular às diferenciações por géne- ro. Um artigo no New York Times (10.12.1998) dava conta de uma pesquisa onde os rapazes levavam vantagens sobre as raparigas no que concerne a es- tudos tecnológicos. Por sua vez, o prestigiado jornal londrino The Times (11.07.2003) trazia um artigo assinado por Tony Halpin onde realçava as di- ferenças no sucesso escolar por género. Segundo opinião dos inspectores (re- latório Ofsted – Boys’ Achievement in Secondary Schools), uma maior discipli- na e espírito de competitividade nas escolas ajudaria os rapazes a ultrapassar o menor rendimento em confronto com as raparigas. Os rapazes obtiveram melhores resultados em escolas onde os professores impuseram respeito, com- binando altas expectativas com certo humor. Provou-se que os rapazes ren- dem mais com professores que impõem limites claros ao comportamento e têm mais entusiasmo na aprendizagem. Com professores medíocres descia o ren- dimento e aumentava o mau comportamento, sobretudo nos rapazes, conse- guindo as raparigas manter melhor a aprendizagem em ambientes onde o professor não é suficientemente respeitado.

Os rapazes necessitam também mais de actividades extra-curriculares e de um maior sentimento de pertença. Preferem ainda pequenas tarefas e coi- sas relacionadas com a vida real, mormente quando há uma certa graça e competição na tarefa. As raparigas também gostam de tudo isto, mas funcio- nam menos mal na sua ausência. Em todo o caso, insiste-se no empenho inte- lectual e em acabar com uma cultura anti-aprendizagem. Quanto à estratégia dos lugares a ocupar na sala de aula, os rapazes rendem mais quando não são autorizados a sentar-se junto dos amigos, e nalgumas escolas resultou também sentar alternadamente um rapaz e uma rapariga. Na linha destas constatações, o Relatório revelou maior aprendizagem das raparigas em to- das as disciplinas e às vezes com uma diferença bastante significativa, que mais se acentua à medida que vão subindo nos degraus escolares.