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Considerações finais e propostas de intervenção

A variável género parece continuar a servir, efectivamente, como um fil- tro, através do qual os indivíduos tendem a ser avaliados – e a avaliar-se – no desempenho de uma variedade de tarefas, independentemente das suas reais capacidades. Este ciclo vicioso, em que as expectativas sociais geram compor- tamentos, os quais, por sua vez, reforçam as primeiras, conferindo-lhes maior robustez, remete-nos para a actuação das profecias de realização automática (Geis, 1993). A inegável relação positiva entre os estereótipos de género e as escolhas ainda diferenciais dos rapazes e das raparigas, em matéria de edu- cação e de domínios vocacionais, parece repousar, pois, neste mecanismo, di- gamos, de perpetuação, de tais crenças.

Num esforço crescente para delinear práticas educativas em nada per- meáveis aos estereótipos de género – relativos não só às aptidões cognitivas, mas também a outros domínios do comportamento – torna-se fundamental le- var em consideração que qualquer contexto social constitui um importante tex-

to onde os indivíduos aprendem poderosas mensagens sobre si e sobre as ou-

tras pessoas (Hayes, 2000). Entre esses espaços privilegiados de aprendizagem encontramos a escola, a família, os media, entre outros. Por es- te motivo, entendemos que o papel sub-reptício e muitas vezes prejudicial (pa- ra ambos os sexos) das crenças tradicionais sobre as capacidades do homem e da mulher constitui um bom assunto a incluir, por exemplo, na formação ini- cial e contínua de professores, sendo também recomendável a sua introdução nas acções destinadas à educação de pais (Vieira, 2003). Em vez de se ba- sear, unicamente, na apresentação dos conhecimentos produzidos pela via científica, sobre as características de cada um dos sexos, ou de inventariar possíveis ideias erróneas nunca antes questionadas, a abordagem deste as- sunto deverá, em nossa perspectiva, ser orientada sobretudo para a mudança de atitudes. Assim, mais do que enfatizar a vertente formativa, será aconse- lhável dar primazia à criação de um espaço de reflexão onde se promova, es- sencialmente, a consciencialização dos indivíduos, o seu auto-conhecimento e a ponderação crítica das suas ideias e das suas práticas no tratamento dos ra- pazes e das raparigas (e.g., filhos e filhas; alunos e alunas).

Entre outras estratégias a pôr em prática em grupos de formação, os par- ticipantes poderão, por exemplo, ser motivados a avaliar criticamente, e de forma responsável, os julgamentos que fazem sobre as outras pessoas, a par- tir de informações relativamente ambíguas, consubstanciadas nos estereótipos (Deaux e Kite, 1993). Será, porventura, também vantajoso pedir-lhes que pensem em homens e mulheres que conhecem, que não se adequam aos mo- delos profissionais tradicionais ou, ainda, que reparem na diversidade de ca- racterísticas e de comportamentos dos outros, à sua volta. É provável que a constatação, que cada pai/mãe ou professor(a) faz, da falta de ajustamento entre algumas das suas ideias e a realidade social, em redor, venha a consti- tuir uma condição susceptível de favorecer mudanças ao nível da percepção que fazem de si próprios e das avaliações que tendem a fazer dos filhos, dos alunos e das restantes pessoas, a partir da respectiva categoria sexual de per- tença.

É sabido que as tradições e as expectativas sociais, relativas às capacida- des de cada um dos sexos, e que foram defendidas ao longo de séculos, não só pelo senso comum, mas também por eminentes filósofos e pedagogos, difi- cilmente conseguirão ser alteradas do dia para a noite. Todavia, acreditamos que quando os pais, os professores e todos os demais agentes educativos re- flectirem sobre as prováveis consequências negativas, a longo prazo, ao nível cognitivo e afectivo, "de um tratamento diferencial dos rapazes e das rapari- gas assente em falsas pressuposições, eles darão, certamente, o primeiro pas- so para a expansão das oportunidades de desenvolvimento das crianças de ambos os sexos" (Block, 1981, p. 45). Em todas as instâncias os esforços de- verão, no entanto, ser concertados, no sentido da maior equidade de poder e de recursos entre homens e mulheres, para que as escolhas individuais em matéria de educação e em outros domínios pessoais e sociais sejam tão livres quanto possível.

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