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A Prefeitura Municipal de São Paulo e os coletivos urbanos: a construção de interfaces socioestatais

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Academic year: 2020

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

ESTHER MADELEINE LEBLANC

A PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO E OS COLETIVOS URBANOS: A CONSTRUÇÃO DE INTERFACES SOCIOESTATAIS

SÃO PAULO 2017

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ESTHER MADELEINE LEBLANC

A PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO E OS COLETIVOS URBANOS: A CONSTRUÇÃO DE INTERFACES SOCIOESTATAIS

Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como requisito para a obtenção do título de Mestre em Administração Pública e Governo. Campo de Conhecimento: Governo e Sociedade Civil em Contexto Subnacional.

Orientador: Prof. Dr. Mário Aquino Alves.

SÃO PAULO 2017

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Leblanc, Esther Madeleine.

A Prefeitura Municipal de São Paulo e os Coletivos Urbanos : a construção de interfaces socioestatais / Esther Madeleine Leblanc. - 2017.

92f.

Orientador: Mário Aquino Alves

Dissertação (CMAPG) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. 1. Participação social - São Paulo (SP). 2. São Paulo (SP) - Política e governo. 3. Administração pública - Participação do cidadão. I. Alves, Mário Aquino. II.

Dissertação (CMAPG) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Título.

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ESTHER MADELEINE LEBLANC

A PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO E OS COLETIVOS URBANOS: A CONSTRUÇÃO DE INTERFACES SOCIOESTATAIS

Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como requisito para a obtenção do título de Mestre em Administração Pública e Governo. Campo de Conhecimento: Governo e Sociedade Civil em Contexto Subnacional.

Data de aprovação: 7 de março de 2017.

Banca examinadora:

____________________________________________

Prof. Dr. Mário Aquino Alves (orientador) FGV-EASP

____________________________________________

Profa. Dra. Gabriela de Brelàz UNIFESP

____________________________________________

Prof. Dr. Renato Cymbalista FAU-USP

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, em algum momento e de alguma maneira, fizeram parte deste processo contribuindo para a realização desta dissertação. Foi um período intenso e marcante da minha vida, durante o qual me dediquei profissional, acadêmica e pessoalmente a este tema que me é tão precioso: o direito à cidade.

Agradeço em especial ao meu orientador, o Professor Mário Aquino Alves, principal razão pelo meu crescimento acadêmico. Sem a sua orientação e as nossas longas trocas regadas a café sei que talvez não tivesse tomado gosto por pesquisa.

Agradeço à Capes, pela bolsa de estudos concedida durante o mestrado. Aos funcionários da FGV-EAESP: pessoal do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo, pessoal da Secretaria de Pós-Graduação e da Biblioteca Karl Boedecker, que me deram suporte sempre que necessário.

Agradeço aos professores que tive durante o curso, mas especialmente à Renata Bichir e Gabriela de Brelàz pelas pertinentes análises realizadas na minha banca de qualificação.

Agradeço aos entrevistados, cuja participação enriqueceu este estudo: aos gestores da Prefeitura Municipal de São Paulo pela garra e por todo o trabalho desenvolvido e aos coletivos urbanos, pela resistência e luta em tornar a cidade um lugar para as pessoas.

Agradeço ao William Nozaki, eterno mentor, e à Marilia Jahnel, eterna chefa, pela parceria e pelo apoio para que eu pudesse me dedicar ao Mestrado.

Aos queridos colegas que pude conhecer durante o curso, obrigada pelo companheirismo ao longo deste intenso processo. À Morgana Krieger, Kate Dayana, Fernanda Lima, Mariana Mazzini e Ana Diniz: obrigada por todos os conselhos e todos os acalantos. À Carolina Cavanha, Anna Mortara, Martina Bergues, Javiera Medina e Gabriel Ribeiro, obrigada pela amizade que floresceu daqui para a vida.

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Agradeço às minhas amigas e aos meus amigos de sempre, que me aturaram nos mais diversos momentos: Maria, Anna, Paula e Sofia, minhas amigas para toda hora. À Kate, obrigada por existir. À Tayara, Clara, Kelly e Juliana, por terem trazido serenidade para o meu dia a dia. À Camila, o meu refresco semanal. Ao Thiago e ao Gui, obrigada pela presença, por simplificarem e alegrarem tudo.

Aos meus avós, Dani e Georges, obrigada por me incentivarem e me apoiarem durante todo o percurso de Mestrado.

Aos meus pais Monica e Patrick, sem palavras: obrigada por serem a fonte infinita de carinho, força e inspiração. Às minhas irmãs Johanna e Alice, obrigada por serem as melhores amigas que alguém pode ter. E à pequena irmã Luiza, obrigada por, sem nem saber, ter me proporcionado os momentos mais leves destes últimos anos.

Finalmente, agradeço ao Ivan, companheiro da vida toda, por ser o meu porto seguro, pelo encaixe de almas, e por todo amor e apoio nestes últimos anos.

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[...] a mais consistente e, no geral, a mais bem-sucedida tentativa do homem de refazer o mundo onde vive de acordo com o desejo de seu coração. Porém, se a cidade é o mundo que o homem criou, então é neste mundo que de agora em diante ele está condenado a viver. Assim, indiretamente, e sem nenhuma ideia clara da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem refez a si mesmo (PARK, 1967, p. 3).

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RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo analisar o processo pelo qual se constituem interfaces socioestatais entre atores sociais e governos locais. Para compreender este fenômeno, conduziu-se um estudo de caso sobre a relação entre os coletivos urbanos e a Prefeitura Municipal de São Paulo, no período de 2013 a 2016, durante a gestão do então Prefeito Fernando Haddad. Neste sentido, considerando o debate sobre participação social e a sua efetividade na construção das políticas públicas bem como a literatura sobre interfaces socioestatais, a tentativa da presente análise foi identificar as interações existentes entre a PMSP e os coletivos urbanos a fim de perceber se os mecanismos criados por parte do município, como a Coordenação de Promoção do Direito à Cidade (CPDC), consolidaram-se como um novo tipo de interface socioestatal dedicada a esta relação. Com esse estudo, foi verificado que, apesar de ser identificada enquanto canal de comunicação entre sociedade civil e município, a baixa efetividade da CPDC em realizar ao que se propunha inicialmente, fez com que não se consolidasse enquanto interface de fato, pois não obteve legitimidade interna ao governo.

Palavras-chave: participação social; interface socioestatal; coletivos urbanos; direito à cidade; democracia participativa.

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ABSTRACT

The purpose of this research is to analyze the process by which are constituted social-state interfaces between social actors and local governments. In order to understand this phenomenon, a case study was conducted about the relation between urban collectives and São Paulo City Hall (PMSP) between 2013 and 2016, during the administration of former Mayor Fernando Haddad. In this sense, considering the debate on social participation and its effectiveness in the construction of public policies, as well as the literature related to socio-state interfaces, the attempt of the present analysis was to identify the interactions existing between the PMSP and the urban collectives. This study hereby intends to verify if the mechanisms created by the municipality, such as the Coordination for Promotion of the Right to the City (CPDC), have consolidated themselves as a new type of socio-state interface dedicated to this relationship. The findings point to the fact that, despite being identified as a communication channel between civil society and municipality, the low effectiveness of the CPDC in achieving its initial goal meant that it did not consolidate itself as an interface, since it did not obtain internal legitimacy inside the government.

Key words: social participation; socio-state interface; urban collectives; right to the city; participative democracy.

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Lista de Quadros

P.

Quadro 1 Quadro-síntese dos entrevistados 25

Quadro 2 Tipos e formas de Interlocução Estado e sociedade nos programas federais 33

Quadro 3 Autodenominação dos coletivos urbanos 49

Quadro 4 Perfil dos integrantes de coletivos urbanos entrevistados 52

Quadro 5 Perfil dos coletivos urbanos entrevistados 54

Quadro 6 Dinâmica entre PMSP e coletivos urbanos 73

Lista de Figuras Figura 1 Organograma da SMDHC 23

Figura 2 Tipos de interfaces socioestatais 34

Figura 3 Rotinas de interação Estado-sociedade 36

Lista de Imagens Imagem 1 Mobilização global pelo direito à cidade 41

Imagem 2 Manchete do website Oba Oba 50

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Lista de siglas

CPDC Coordenação de Promoção do Direito à Cidade

IP Instância Participativa

ONU Organização das Nações Unidas

PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo

SGM Secretaria do Governo Municipal

SMDHC Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania

SMDU Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano

SMRIF Secretaria Municipal de Relações Internacionais e Federativas

PDE Plano Diretor Estratégico

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 METODOLOGIA E DESENHO DA PESQUISA ... 19

2.1. Lugar de fala e considerações iniciais ... 19

2.2. Caracterização, objetivos e questões da pesquisa ... 20

2.3. Estudo de caso ... 20

2.4. Coleta e análise de dados ... 21

2.5. Seleção dos entrevistados ... 22

3 DA RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ... 26

3.1. Panorama geral sobre participação social ... 26

3.2. Desencanto da participação ... 28

3.3. Perspectivas para a participação ... 29

3.4. O conceito de interface socioestatal ... 32

4 SOBRE O DIREITO À CIDADE ... 38

4.1. O Direito à Cidade em âmbito internacional ... 38

4.2. O Direito à Cidade no Brasil ... 41

5 ESTUDO DE CASO: A DINÂMICA SOCIOESTATAL EM SÃO PAULO ... 44

5.1. Os coletivos urbanos enquanto novíssimos movimentos sociais ... 44

5.2. Da literatura às falas dos coletivos ... 48

5.3. Perfil dos coletivos urbanos ... 51

5.4. A malha participativa da Prefeitura Municipal de São Paulo ... 54

5.5. A criação da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade ... 57

5.6. O discurso do Direito à Cidade ... 60

6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 64

6.1. Confrontando teoria e prática: protestos e ação direta ... 64

6.2. Confrontando teoria e prática: participação institucionalizada ... 67

6.3. Confrontando teoria e prática: política de proximidade ... 69

6.4. Confrontando teoria e prática: ocupação de cargos na burocracia ... 72

6.5. Sobre a efetividade desta interface socioestatal ... 74

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 81

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o processo pelo qual se constituem interfaces socioestatais entre atores sociais e governos locais. Para compreender este fenômeno, conduziu-se um estudo de caso sobre a relação entre os coletivos urbanos e a Prefeitura Municipal de São Paulo, no período de 2013 a 2016, durante a gestão do Prefeito Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT).

A título de contextualização, deve-se falar sobre as manifestações sociais que se deram no mês de junho de 2013 nas capitais e grandes cidades brasileiras, com base na participação ativa da população como produtora e disseminadora de informações, revelando que a sociedade demanda cada vez mais formas de participar e influenciar a política da sua cidade, tendo em vista o seu estado de indignação ou insatisfação face à conjuntura política (GOHN, 2014). De fato, Gohn coloca que “uma das questões profundas que está em causa nas manifestações de junho é a discussão da democracia. Este contexto denota que a democracia representativa está em crise, e a democracia direta é um ideal viável apenas em pequenos grupos ou comunidades” (2014, p. 435). A afirmação de Gohn sobre a crise da democracia representativa será retomada ao longo da dissertação, reforçada também pela fala de outros autores.

Com efeito, sociedades que passam por elevação da renda e do nível de escolaridade média da população tornam-se mais exigentes, querem serviços públicos cada vez melhores e maior participação política. Conforme posto por Dias e Kerbauy (2015), “os mais escolarizados demonstram-se mais interessados, mais propensos a colher informações e mais participativos quando comparados aos demais” (p. 174). Interessante mencionar que, na pesquisa realizada por Dias e Kerbauy, é possível perceber que as pessoas com ensino superior completo são um pouco mais informadas e interessadas por política, mais participativas quando se refere a atividades políticas, mais apoiadoras da democracia, porém são, também, “os[as] mais insatisfeitos[as] com o seu funcionamento” (p. 149). Neste sentido, a importância da democracia participativa, ou seja, da relação direta entre o governo e a sua população, figura como ponto fundamental para a agenda dos governos locais.

Todo o processo acima relatado se potencializa pelo fluxo de informações, resultado da revolução digital e suas novas tecnologias. Há uma atuação nas ruas, mas há também uma atuação online: “esses movimentos começam na internet, mas não são essencialmente digitais” (GOHN, 2014, p. 438). Castells, ao pesquisar sobre as mobilizações que ocorreram no Oriente

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Médio, Espanha e EUA, coloca a comunicação como elemento central da dinâmica dos movimentos sociais. E, nesta linha, expõe a sua concepção sobre espaço urbano e espaço virtual bem como a relação entre eles:

[...] são movimentos que podem ter saído das ruas, mas não desapareceram. Eles continuam online. Quando vem a repressão física, eles se retiram das ruas, rediscutem online. Não têm líderes nem programa, mas têm a capacidade de resistir e de renascer a qualquer momento. Isso só acontece porque há a capacidade de autocomunicação de massa que os permitiu existir. (CASTELLS, 2013, p.4)

Inclusive, muitos autores analisam esse movimento e afirmam não se tratar apenas de uma realidade brasileira, mas sim de um processo maior e global de contestação “iniciado a partir dos impactos gerados pela crise econômica de 2008 e que passa pela Primavera Árabe, os diversos Occupies, os Indignados, as manifestações estudantis no Canadá e no Chile, as ocupações da praça grega Syntagma e da turca Taksim, entre outras” (NAVARRO; BRASILINO, 2015).

No caso de São Paulo em particular, tendo esse contexto de efervescência popular nas ruas, unido a uma gestão municipal eleita com uma plataforma progressista, ocorreu uma multiplicação gradual e bastante significativa dos “coletivos urbanos”, grupos atuantes na transformação de espaços públicos da cidade. O desejo de realizar intervenções diretamente no território, no intuito de transformá-lo, parece ter surgido de um diagnóstico de que os espaços tradicionais de participação se encontram viciados e não atendem às novas demandas da sociedade civil e, por isso, é preciso atuar de outra forma. Então, tais grupos ou movimentos surgem com iniciativa de mudar a realidade com as próprias mãos. Segundo Gohn (2014):

Os coletivos inspiram-se em variadas fontes, segundo o grupo de pertencimento de cada um. Como rejeitam lideranças verticalizadas, centralizadoras, também não há hegemonia de apenas uma ideologia ou utopia. O que os motiva é um sentimento de descontentamento, desencantamento e indignação contra a conjuntura ético-política de dirigentes e representantes civis eleitos nas estruturas de poder estatal, assim como as prioridades nas obras e ações selecionadas e seus efeitos na sociedade. O movimento acontece “em se fazendo” e não via grandes planos de organizações com coordenações verticalizadas. Há processos de subjetivação na construção dos sujeitos em ação (p. 432).

Ao tentar analisar o coletivo urbano enquanto categoria analítica, percebe-se que a literatura sobre movimentos sociais, ou novos movimentos sociais, não engloba todas as características encontradas ao longo da pesquisa.

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Paralelamente a esse processo inerente à sociedade civil, existe um consenso entre alguns autores de que a crise de representação ou a descrença no sistema democrático pode estar associada ao fato de que, apesar do significativo aumento de espaços institucionalizados e dedicados à participação social na gestão pública brasileira, não há real impacto ou influência na construção de políticas públicas e, por conseguinte, a sociedade demanda por formas alternativas de participar (SZWAKO, 2012).

Num primeiro momento, a fim de compreender os debates em torno da participação, foi realizada uma revisão bibliográfica para o aprofundamento da literatura sobre participação social, mapeando a trajetória na cena brasileira. Nota-se inclusive que a literatura sobre participação em âmbito internacional e nacional trazem aspectos convergentes entre si no que tange sobretudo ao reconhecimento de uma crise da representação política (BISKUPOVIC, 2011).

Historicamente, é a partir de 1988, com a Constituição brasileira também conhecida como a “Constituição Cidadã”, que a participação da sociedade civil se consolida enquanto princípio organizativo. Importante lembrar que a Constituição é resultado de um intenso período marcado pela luta popular contra o regime militar na tentativa de redemocratizar o país e, nesta época, ‘participação’ significava acreditar na capacidade do povo (LAVALLE; VERA, 2011).

Afinal, passara o tempo da atitude defensiva contra a ditadura militar e da mera reivindicação de itens específicos de sobrevivência. Chegara a hora de converter a energia sócio-política produzida no âmbito dos movimentos em ações propositivas que repensem o espírito refratário à institucionalidade e o corporativismo reivindicativo (DOIMO, 1995, p.213).

Os movimentos sociais tiveram papel essencial na criação e ampliação da arquitetura participativa existente no país. Um importante instrumento criado neste momento e resultante deste processo são os Conselhos Gestores de Políticas Públicas nos três níveis da Federação, com representação paritária da sociedade civil e do Estado, no intuito de fazer inferência sobre políticas públicas na área da saúde, assistência social, e criança e adolescente (DAGNINO, 2004).

Segundo Avritzer (2014), o Brasil é um dos países com maior número de práticas participativas, as quais podem ser subdivididas em quatro tipos principais:

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a. Desenhos participativos de baixo para cima (orçamento participativo): “forma aberta de livre entrada e participação de atores sociais capazes de gerar mecanismos de representação da participação” (p. 172).

b. Desenhos institucionais de partilha de poder (conselhos de políticas): “constituídos pelo próprio estado com representação mista de atores da sociedade civil e atores estatais” (p. 172).

c. Desenho institucional de ratificação (planos diretores municipais): “obrigatoriedade de audiências públicas” (p. 172).

d. Desenho consultivo com scalling up (conferências nacionais): “transmissão de propostas de baixo para cima em grandes unidades territoriais” (p. 171).

Após ter sido realizada a revisão bibliográfica sobre participação e de um diagnóstico de que tal literatura seria insuficiente para entender a dinâmica entre coletivos urbanos e municipalidade analisada neste estudo, resgatou-se a teoria sobre interfaces socioestatais. Ampliando o escopo, e a partir das leituras realizadas, percebe-se a existência de uma gama de possibilidades na interação entre o poder público e a sociedade civil. Para Lavalle e Szwako (2015, p. 159), “metáforas como ‘fronteira’ e ‘franja’, termos como ‘ativismo do Estado’ ou ‘mobilização do Estado’, ou conceitos como ‘projeto’, ‘domínio de agência’, ‘autoridade prática’” revelam uma necessidade cada vez maior de aprofundar o debate sobre interfaces socioestatais, tendo em vista a sua complexidade analítica.

Em resumo, a partir dessa pesquisa foi possível alcançar alguns resultados. Em primeiro lugar, observou-se que os coletivos urbanos não almejam ocupar assentos em instâncias participativas (IPs) institucionalizadas; por um lado, porque desacreditam na efetividade destes espaços, e por outro, porque não possuem pretensão de se institucionalizar, ou de se “burocratizar” - característica crucial desses novos atores. Um segundo resultado encontrado foi a compreensão da resposta institucional dada por um poder público local, no caso, a criação da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade (CPDC), no âmbito da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) da Prefeitura de São Paulo, enquanto possibilidade de construir uma interface dedicada a essa relação em específico. Tal institucionalidade mostra-se complexa, quer seja pela negociação com os coletivos, quer seja pela negociação com as demais instâncias governamentais. Inclusive, será dedicada uma seção ao final do presente trabalho a

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fim de abordar a questão da efetividade da CPDC, com base em metodologia criada por Lavalle et al (2016). A lacuna existente na literatura a respeito desses novíssimos movimentos sociais, somada aos resultados de nossa pesquisa, conduzem à tentativa de responder ao seguinte questionamento: em que medida o exercício do direito à cidade no espaço público ativa um

novo tipo de interface entre a municipalidade e a sociedade civil?

A dissertação que resultou desta pesquisa se estruturou da seguinte maneira: primeiramente, um capítulo dedicado à metodologia e ao desenho do referido estudo. Foi adotada uma estratégia metodológica qualitativa, utilizando como técnica o estudo de caso tendo em vista a complexidade dos atores analisados, bem como do contexto em que a pesquisa se desenrolou.

Em seguida, foi realizada revisão bibliográfica para entender a relação entre Estado e sociedade civil. Partindo então de uma análise tradicional sobre participação social, percebeu-se que tal abordagem seria insuficiente na discussão de uma relação mais recente sobre a qual há menos estudos. Assim, teorias sobre interfaces socioestatais foram levantadas para tentar entender a dinâmica presente na cidade de São Paulo.

No quarto capítulo, foi levantada a literatura sobre o direito à cidade, trazendo principais conceitos e autores para um entendimento mais amplo sobre o assunto. Cabe dizer que, por se tratar de um conceito bastante recente, apesar de contar com importantes teóricos sobre o assunto como Lefebvre e Harvey, a literatura ainda não parece estar tão consolidada. No entanto, sabe-se que os governos locais têm sido objeto de diversos estudos pela comunidade nacional e internacional: metade da população mundial vive atualmente em centros urbanos e é neste contexto que a expressão "direito à cidade" vem ganhando importância e sido apropriada no discurso da academia, da gestão pública e da sociedade civil, inclusive de organismos internacionais.

A partir daí, e em um segundo momento, foi analisada a manifestação do direito à cidade em São Paulo, o surgimento dos chamados coletivos urbanos e as diversas linguagens utilizadas para a apropriação do espaço público por tais grupos. Harvey (2013) apresenta o direito à cidade como demandante de um esforço coletivo, bem como da formação de direitos coletivos à volta de questões sociais. A associação entre coletividade e direito à cidade se coloca aqui, portanto, como central na presente discussão. O recorte enfocando o espaço público se dá pela capacidade da expressão “direito à cidade” dialogar discursivamente com os mais diferentes temas e

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públicos. Inclusive, foi dedicada uma seção para traçar o histórico da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade (CPDC), aparato institucional surgido em resposta às manifestações de junho de 2013, que ocorreram em todo país, clamando – entre outras pautas – por novas formas de participar da vida política. A CPDC foi criada no âmbito da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, no intuito tanto de dialogar com tais coletivos, como também para testar projetos de ocupação do espaço público a partir do Plano de Ocupação do Espaço Público pela Cidadania, instrumento base da pasta em questão1.

Por fim, foram cruzados os resultados obtidos em campo com a categorização de interações realizada por Abers et al (2014), a fim de perceber se a interação entre a PMSP e os coletivos urbanos corresponde a uma delas, se pode ser caracterizada como um novo tipo de interface entre poder público e sociedade civil e, o sendo, como ocorre tal interação.

Em síntese, a revisão de literatura e as experiências de campo levaram à seguinte pergunta de pesquisa e aos seguintes objetivos:

a. Pergunta de pesquisa: em que medida o exercício do direito à cidade no espaço público ativa um novo tipo de interface entre a municipalidade e a sociedade civil?

b. Objetivo geral: analisar como se constituem interfaces socioestatais entre coletivos urbanos e governos locais.

c. Objetivos específicos:

- Caracterizar o ator social “coletivo urbano”, a partir revisão bibliográfica e da pesquisa empírica;

- Mapear as múltiplas interações existentes entre PMSP e coletivos urbanos; - Categorizar as interações levantadas de acordo com a teoria;

- Identificar o entendimento que se tem sobre o direito à cidade pelos múltiplos atores.

1 Página oficial da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/promocao_do_direito_a_cidade/>. Acesso em: 10 jan. 2017.

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2 METODOLOGIA E DESENHO DA PESQUISA 2.1. Lugar de fala e considerações iniciais

Em primeiro lugar é importante colocar que, entre outubro de 2014 e janeiro de 2017, atuei enquanto Assessora de Políticas Públicas e, em seguida, como Coordenadora-Adjunta na Coordenação de Promoção do Direito à Cidade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura Municipal de São Paulo (CPDC/SMDHC/PMSP). Antes de trabalhar na SMDHC, integrei a equipe de Cooperação Internacional de Redes de Cidades na Secretaria Municipal de Relações Internacionais e Federativa (SMRIF), de março de 2011 a outubro de 2014. Importante frisar que a interação entre os dois “papeis” desempenhados simultaneamente (aluna pesquisadora e funcionária executora na ponta) foi valiosa no sentido que, graças ao meu trabalho, posso ter conhecimento de questões internas à PMSP, como seus desafios e problemas. Foi também um longo aprendizado e um desafio me distanciar da CPDC para poder analisar sua construção e suas ações com senso crítico exigido pela pesquisa. Ao dissertar sobre as questões acerca do termo “pesquisa de campo”, Peter Spink coloca que “é esta potencialidade de movimento do pesquisador ou pesquisadora, ou de qualquer pessoa como parte do campo, que mostra não somente as possibilidades, mas também as restrições de acesso aos espaços chaves de argumentação e debate” (SPINK, 2003, p.28).

O tema escolhido para a presente dissertação decorre justamente do interesse surgido enquanto assessora internacional em SMRIF, ao observar o uso cada vez mais recorrente do termo “direito à cidade” e ao ficar responsável pelo acompanhamento deste tema na equipe. De fato, tal expressão ganhou uma relevância na cena internacional, principalmente por conta da Habitat III - Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável, realizada em Quito, em outubro de 2016. Na ocasião, as delegações presentes adotaram a chamada “Nova Agenda Urbana”, documento que deve orientar a urbanização sustentável nos próximos 20 anos2. Nesse contexto, e a fim de incidir sobre o documento em questão, tanto o Estado como a sociedade civil se organizaram para dar as suas contribuições e a Prefeitura de São Paulo, por meio da SMRIF, participou ativamente de reuniões, conferências e eventos ligados à agenda.

2 Matéria “Habitat III: países adotam nova agenda para urbanização sustentável”. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/habitat-iii-paises-adotam-nova-agenda-para-urbanizacao-sustentavel/>. Acesso em: 10 jan. 2017.

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2.2. Caracterização, objetivos e questões da pesquisa

O presente estudo possui caráter qualitativo, pois tem como objetivo “descobrir e compreender um fenômeno, um processo, ou as perspectivas e visão de mundo das pessoas nele envolvidas” (MERRIAM, 2002, p. 6). Além disso, pode-se dizer que a pesquisa tem o objetivo de refinar e ampliar uma teoria já existente na medida em que parte de uma base teórica sólida sobre participação e interfaces estatais, no intuito de trazer contribuições muito valiosas, agregando, portanto, importantes elementos a essas literaturas e tentando encontrar elementos convergentes entre elas a partir da noção do direito à cidade. Ainda sobre os estudos qualitativos, pode-se dizer que

Algumas características básicas identificam os estudos denominados “qualitativos”. Segundo esta perspectiva, um fenômeno pode ser mais bem compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada. Para tanto, o pesquisador vai a campo buscando “captar” o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes. Vários tipos de dados são coletados e analisados para que se entenda a dinâmica do fenômeno. (GODOY, 1995, p. 21).

2.3. Estudo de caso

Para responder à pergunta de pesquisa da presente dissertação, será utilizada a técnica do estudo de caso. De fato, na literatura brasileira sobre participação e interfaces estatais a técnica do estudo de caso é bastante recorrente. Costuma-se analisar IPs específicas como conselhos, conferências, audiências (PIRES; VAZ, 2014); programas federais, estaduais ou municipais; temáticas como saúde, educação e assistência social; e experiências mais recentes como o orçamento participativo.

A técnica do estudo de caso centra-se numa situação particular na tentativa de compreender um fenômeno mais amplo (GODOY, 2006). Portanto, seguindo esta lógica, foi realizado um estudo de caso para esta pesquisa, tomando como unidade de análise a interação entre a Prefeitura de São Paulo e os coletivos urbanos de outro, inserida em uma dinâmica maior que é a interface socioestatal entre sociedade civil e governos locais.

Stake (2000) afirma que um estudo de caso pode ser considerado uma fonte de “generalização naturalística”. Para o autor, o conhecimento que se tira de um estudo de caso é importante por si só, bem como pode auxiliar na compreensão de outros casos não precisando

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necessariamente ser transferido na íntegra para outro contexto. Neste caso, tomando os mecanismos de interação entre coletivos urbanos e a Prefeitura Municipal de São Paulo estabelecidos como resultado principal da pesquisa, a realidade paulistana pode ser aplicada a outros contextos e outros atores para compreender de que maneira interagem e qual mecanismo mais utilizado, por exemplo. A ideia não é aplicar o estudo de caso a outro contexto, mas sim utilizá-lo para compreender outras pesquisas ou outras realidades.

Em suma, pode-se citar Bent Flyvbjerg (2006), que defende o estudo de caso explicitando cinco “mal-entendidos” sobre essa metodologia: que o conhecimento teórico tem mais valor que o conhecimento prático; que não se pode generalizar com base em um caso individual; que o estudo de caso é útil para gerar hipóteses, ou seja, no estágio inicial do processo de pesquisa; que o estudo de caso contém um viés de verificação, ou seja, tende a confirmar noções pré-concebidas do pesquisador; e por fim, que é difícil desenvolver propostas gerais e teóricas com base em estudos de caso. Concordando que estes são mal-entendidos e acreditando que ao debruçar profundamente sobre um caso é possível tecer abstrações teóricas relevantes sobre o tema, no intuito de responder à pergunta de pesquisa, optou-se pelo estudo de caso.

2.4. Coleta e análise de dados

Para que haja validade interna (GODOY, 2010), ou seja, para que os resultados encontrados respondam às perguntas e hipóteses propostas de maneira sólida, a coleta de dados foi realizada de modo multimetodológico tendo em vista a diversidade de instrumentos possíveis para realização da pesquisa (MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1999). Depois, para que a pesquisa possua validade externa, foi realizada a revisão da literatura sobre participação social, a fim de entender os seus principais marcos teóricos: em que contexto se consolida enquanto eixo organizacional na construção de políticas públicas, quais os avanços, as críticas, as perspectivas. Então, a partir da análise de que a literatura sobre participação tende a ser bastante específica (PIRES; VAZ, 2012), parte-se para uma literatura mais ampla sobre a interface entre Estado e sociedade civil, a qual estuda os diferentes tipos de interação existentes entre tais atores. Foram mapeados os seus principais autores bem como conceitos mobilizados, na tentativa de, num segundo momento, aplicar a categorização realizada por Abers et al (2014) na realidade presente na cidade de São Paulo, entre os coletivos urbanos (atores não estatais) e a municipalidade (ator estatal).

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Uma terceira leitura foi realizada, servindo de pano de fundo para contextualizar o leitor do cenário em que se insere a presente dissertação. Com efeito, a literatura sobre direito à cidade traz conceitos importantes para se compreender o discurso tanto da Prefeitura Municipal de São Paulo quanto dos grupos atuantes nos espaços públicos da cidade. Importante frisar que a definição utilizada como base para se compreender o direito à cidade foi a definição de Harvey, que o define como sendo um direito coletivo de transformar a cidade (2013).

Depois, foi desenvolvida pesquisa documental e bibliográfica para levantar o perfil das áreas públicas analisadas bem como dos grupos mapeados da sociedade civil. Foram analisados documentos como estatutos e regimentos internos, websites de coletivos urbanos e da Prefeitura, materiais de divulgação como publicações impressas ou em outros formatos.

Após a compreensão do perfil dos atores, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com objetivo de possuir respostas mais aprofundadas e assim alcançar resultados mais fidedignos (ROSA; ARNOLDI, 2006). Cabe mencionar que as entrevistas foram inteiramente transcritas e catalogadas a fim de facilitar sua análise.

2.5. Seleção dos entrevistados

As pesquisas empíricas foram desenvolvidas por meio de entrevistas semiestruturadas com coletivos urbanos que atuam na cidade de São Paulo, gestores públicos que atuaram na PMSP entre 2013 e 2016, e acadêmicos pesquisadores da temática do direito à cidade e participação. Tendo em vista o calendário acadêmico, foram realizadas no total seis entrevistas, resultando em uma singela amostragem, mas suficiente para compreensão dos conceitos estudados na presente pesquisa.

No que tange à administração pública municipal, foram selecionadas três áreas da PMSP para melhor compreender as relações tecidas com os coletivos urbanos: a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), a então Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), e a Secretaria do Governo Municipal (SGM).

A primeira área foi a SMDHC, tendo em vista a sua estrutura organizacional que, na sua reestruturação foi composta por duas grandes áreas: a Coordenadoria de Participação Social e Gestão Estratégica e a Coordenadoria de Promoção e Defesa de Direitos Humanos. Como diretriz principal da SMDHC, está a construção de políticas relativas aos direitos humanos, mas também a participação social, não somente por meio de mecanismos tradicionais como também

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“por meio de formas inovadoras e não institucionais, pela promoção de diálogos sociais, pela interação por meio de novas mídias e pela ocupação do espaço público com direitos humanos” (material institucional disponível no website). Além disso, a existência de uma coordenação intitulada “Promoção do Direito à Cidade” chama a atenção para SMDHC.

Figura 1: Organograma da SMDHC

Fonte: adaptado do website oficial da SMDHC (acesso em: 10 jan. 2017).

A segunda área analisada e selecionada para entrevista foi a então Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) - atualmente denominada Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), por ter como competência “conduzir ações governamentais voltadas ao planejamento e desenvolvimento urbano do município” (Lei 15.764/2013). A pasta tem por objetivo desenvolver e acompanhar a legislação para implementação do Plano Diretor Estratégico (PDE), dos Planos Regionais das Subprefeituras, do Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo e das Operações Urbanas. Portanto, considerando a atuação dos coletivos urbanos em espaços públicos, pensou-se que a SMDU pudesse ser um interlocutor importante dentro da municipalidade tendo em vista a sua incidência nestes espaços, bem como a implementação de programas como Centro Aberto3 e instalação de Parklets4, que

3 Portal eletrônico Gestão Urbana sobre a experiência do Centro Aberto. Disponível em: <http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/rede-de-espacos-publicos/centro-aberto/>. Acesso em 10 jan. 2017.

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dialogam com esse entendimento do direito à cidade. Além disso, o termo é citado duas vezes no PDE (PMSP, 2014):

Art. 87. As ações públicas e privadas com interferência na paisagem deverão atender ao interesse público, conforme os seguintes objetivos:

VIII - promover ações de melhoria da paisagem urbana nos espaços públicos, em especial o enterramento do cabeamento aéreo, a arborização urbana, o alargamento, qualificação e manutenção de calçadas, em atendimento às normas de acessibilidade universal, dentre outras medidas que contribuam para a promoção da cultura da sustentabilidade e garantam o direito à cidade; [...]

Art. 315. São objetivos do Território de Interesse da Cultura e da Paisagem:

II - ampliar a abrangência do princípio do direito à cidade, garantindo a cidadania cultural, a tolerância e o respeito à diversidade cultural, social, étnica e sexual por meio do acesso à cultura, à educação e à arte;

A terceira área escolhida foi a Secretaria Municipal de Governo. Neste caso, a finalidade foi entrevistar um representante de alguma área vinculada diretamente ao Gabinete do Prefeito, para se compreender a visão suprassecretarial que a PMSP possui sobre o tema, se essa pasta possui algum tipo de interação com os coletivos urbanos e de que maneira ela se dá.

Com relação às entrevistas com a sociedade civil, foram entrevistados três coletivos urbanos, a fim de entender de fato a relação existente com a Prefeitura de São Paulo, como percebem a CPDC e quais as dificuldades sentidas para sua participação social efetiva na construção de políticas públicas a nível local. Os entrevistados foram escolhidos de modo intencional, considerando o setor que atuam, a disponibilidade para prestar informações e as oportunidades de acesso. Importante mencionar que dois outros entrevistados, apesar de não terem sido escolhidos pela sua atuação e participação em coletivos urbanos, atuavam em outros grupos, o que auxiliou com mais informações sobre essa categoria analítica. Em resumo, foi possível colher informações sobre quatro coletivos ativos atualmente em São Paulo: três deles atuantes na região central (Zona Oeste e Centro) e outro no Grajaú (Zona Sul).

A partir dos resultados, almejou-se iniciar a criação de uma tipologia dos coletivos urbanos: sua forma organizativa, se há filiação a algum partido político, a linguagem que utilizam para atuar na cidade, se ocupam ou não os espaços participativos institucionais na

4 Portal eletrônico Gestão Urbana sobre a experiência dos Parklets. Disponível em: < http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/noticias/prefeitura-de-sao-paulo-abre-licitacao-para-producao-e-instalacao-de-parklets-nas-32-subprefeituras/>. Acesso em 10 jan. 2017.

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PMSP, alguma rua/praça em específico, etc. Já que esse tipo de movimento ainda é pouco estudado na literatura, talvez estabelecer alguns critérios possa abrir margem para novas agendas de pesquisa.

O último bloco de entrevista foi realizado no âmbito da academia. Essa escolha se deu para compreender de que sorte é enxergado esse fenômeno sob a ótica acadêmica, um setor mais neutro por observar a relação socioestatal com maior distanciamento do objeto.

Cabe mencionar que, no intuito de preservar a identidade dos entrevistados, denominamo-los apenas de entrevistado(a) RSC1, RSC2, RG1, RG2, RG3 e RA5. Abaixo, segue tabela consolidando as informações sobre eles:

Quadro 1: Quadro-síntese dos entrevistados

Fonte: elaboração própria.

Os resultados das entrevistas se organizaram primordialmente em torno de 4 eixos, utilizando como base teórica as rotinas comuns de interação Estado-sociedade colocadas por Abers et al (2014). São eles: i) protestos e ação direta; ii) participação institucionalizada; iii) relação de proximidade; e iv) ocupação de cargos na burocracia. Então, tais categorias foram problematizadas quando aplicadas ao contexto e à dinâmica paulistana. Além disso, foram mapeados os principais interlocutores dos coletivos urbanos dentro da PMSP, entendendo assim os avanços e as dificuldades que se dão a partir dessa interação.

5 As siglas fazem referência aos três blocos de pesquisados, que são: Representante da Sociedade Civil (RSC), Representante do Governo (RG) e Representante da Academia (RA).

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3 DA RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL 3.1. Panorama geral sobre participação social

Houve, nos últimos trinta anos, um aumento significativo dos espaços participativos no Brasil (AVRITZER, 2008; TATAGIBA, 2011; SZWAKO, 2012) os quais simbolizam, de certa maneira, a institucionalização das práticas já existentes tanto em âmbito nacional como local. O país, inclusive, ganhou lugar de destaque na cena internacional tendo em vista a sua malha participativa (COELHO; NOBRE, 2004). Szwako (2012) traz uma série de dados que comprovam a ampliação da estrutura participativa: até 2001, por exemplo, as áreas da saúde e da assistência social ultrapassavam cinco mil conselhos municipais cada. Com efeito,

“a democracia participativa apresenta-se como uma possível alternativa complementar para superar alguns dos problemas de representatividade da democracia eleitoral, proporcionando, além de outros espaços de discussão para a sociedade, também um estreitamento da relação e aprimoramento do diálogo entre representantes e representados(as)” (MARCONDES; CANATO, 2015, p. 293).

A premissa é de que “quanto maior e mais qualificada for a participação popular na vida política do país, tanto maior será o impacto produzido pelas políticas públicas em termos de inclusão social, econômica, cultural etc.” (SZWAKO, 2012, p. 21). Entretanto, apesar do claro aumento de espaços participativos no país, resta analisar a efetividade de tais espaços e o quanto realmente deliberam e influenciam na elaboração de políticas públicas. A literatura, nesse sentido, busca avaliar a efetividade das instâncias participativas (IPs), utilizando-se de metodologias diversas, como exemplo, identificando elementos deliberativos dessas IPs.

Paralelamente a esse processo, houve um aumento dos trabalhos científicos desenvolvidos sobre essa temática com objetivo não somente de avaliar o fenômeno, mas, sobretudo, de avaliar a efetividade de tais instâncias (TATAGIBA, 2011). Segundo Avritzer, os estudos sobre participação vivenciaram uma sofisticação nos últimos dez anos e isso se deu por dois motivos principais (AVRITZER, 2010). Em primeiro lugar, a diversidade da participação local por conta do surgimento de legislações locais, nos anos 1990 e 2000, facilitadas pelo Estatuto da Cidade. A partir de então, tem início a ampliação em massa de IPs. Essa ampliação, no entanto, aconteceu de forma desigual nas diferentes regiões do país: pesquisas revelam, por exemplo, que a dinâmica participativa na região Nordeste é bastante complexa se comparada a outras regiões do país. Em um segundo momento, o autor explica a mudança ocorrida nos estudos sobre o tema a partir da expansão do Partido dos Trabalhadores, que é eleito em

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importantes capitais brasileiras a partir de 1988 e se preocupa em instalar formas de participação local, como exemplo o orçamento participativo (AVRITZER, 2010).

Se deu também um refinamento teórico-metodológico neste campo, que resulta em uma produção variada composta por múltiplos enfoques e pressupostos normativos que revelam a complexidade do processo democrático no país (ABERS et al, 2014).

Traçando um panorama geral da análise da cena federal, os espaços participativos se organizam basicamente entre conferências, conselhos (de políticas, de direitos e de fundos), e as audiências ou consultas públicas (TEIXEIRA et al, 2012). Retomando as definições colocadas pelas próprias autoras, temos os principais conceitos:

Conferências: “espaços participativos, convocados pelo Poder Executivo com certa periodicidade, para interlocução entre representantes do Estado e da sociedade visando à formulação de proposta para determinada política pública. Por se desenvolverem de forma transitória, mas ao mesmo tempo não pontual, podemos destacar a natureza processual como caracterizadora das conferências” (p. 54).

Conselhos: “espaços participativos, que podem ser tanto consultivos como deliberativos, em que é prevista certa permanência no tempo. São compostos por representantes do poder público e da sociedade civil, esta podendo ser dividida em diferentes segmentos. Os conselhos têm como finalidade incidir nas políticas públicas de determinado tema, sendo que suas atribuições variam nos diversos contextos” (p. 54) As audiências ou consultas: “acontecimentos ocasionais, ou seja, realizados de acordo com as circunstâncias, mesmo quando inseridas numa arquitetura institucional de participação social” (TEIXEIRA et al, 2012, p. 54).

Com efeito, o Brasil possui instrumentos de participação social que o constituem como modelo internacional. Segundo Gaventa (2004), o país tem sido laboratório experimental do aprofundamento da democracia na prática e os seus desafios. Neste contexto, aprimora-se inclusive o conceito de cidadania, pois se relaciona diretamente com participação (PEREIRA, 2013).

No entanto, ainda segundo Teixeira et al (2012), apesar de se constituir enquanto referência internacional no que tange à espaços participativos, alguns aspectos evidenciam problemas relativos a seu efetivo funcionamento. Em primeiro lugar, e no caso do governo Lula, “há uma tendência à especialização para participação, o que restringe o envolvimento de cidadãs e cidadãos, fomentando monopólios de representação” (p. 73). Em outras palavras, as instâncias são acessadas por poucos, não incluindo sujeitos marginalizados do sistema político. Além disso, “o modo como são escolhidos os representantes, em muitos casos sem o envolvimento dos representados, direciona a dinâmica da representação, em especial pelo baixo vínculo entre

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representantes e representados” (p. 73), ou seja, existe uma crise de representatividade na medida em que aqueles que ocupam espaços de participação não necessariamente representam determinado grupo, setor ou movimento. A partir deste, bem como dos diagnósticos anteriormente colocados, se inicia um processo de descrença da malha participativa, por parte da sociedade civil.

3.2. Desencanto da participação6

De acordo com parte da literatura colocada, houve um certo “desencanto da participação” no sentido em que a ampliação dos espaços participativos não implicou necessariamente em uma mudança estrutural que trouxe a sociedade civil para mais perto da gestão pública e tampouco impactou nas políticas públicas. De toda maneira, “a experiência de ocupar canais participativos, ao mesmo tempo em que trouxe um desencanto, trouxe consigo um robusto aprendizado institucional” (SZWAKO, 2012, p. 29). Isto é, o fato de ocupar tais espaços traz um know-how do funcionamento da máquina pública, das políticas públicas em pauta, dos atores envolvidos, etc.

Inclusive, Avritzer explica as duas preocupações analíticas que surgiram com respeito aos trabalhos sobre participação: por um lado os efeitos democráticos reais que possui a participação da sociedade civil nas políticas sociais, e de outro os efeitos distributivos desta participação (AVRITZER, 2010). A literatura do início dos anos 90 estabelece automaticamente uma relação entre participação social e democracia de qualidade (AVRITZER, 2010). Neste contexto, “um conjunto de categorias foi incorporado às pesquisas sobre participação, entre as quais valeria destacar o conceito de efetividade deliberativa” (AVRITZER, 2010, p. 13).

Atualmente ainda, alguns aspectos têm evidenciado a configuração de uma crise de representatividade que não acontece somente no Brasil, como: “comparecimento eleitoral em declínio (em países onde o voto não é obrigatório), desconfiança aumentada em relação às instituições políticas e, por fim, esvaziamento partidário” (SIPIONI; SILVA, 2013, p. 148). Na realidade, o debate que tem se dado gira em torno do tipo de democracia que se deseja para que a mediação entre setor público e sociedade seja legítimo e eficiente (BAQUERO; VASCONCELOS, 2013).

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Marques (2012) explica que existem algumas premissas para que se constitua um modelo deliberativo de democracia: primeiro, as instituições políticas devem abrir espaço para que haja manifestação de seus cidadãos; em seguida, deve-se melhorar as condições socioeconômicas da população; e, por fim, é preciso dar atenção a determinados princípios que atuam na regulação das interações e dos argumentos que se encontram em debate. Sob esta ótica, portanto, apenas ampliar a estrutura participativa não seria suficiente para que se tenha de fato uma democracia deliberativa.

A despeito de haver uma porção considerável de “desencantados” com a participação social, é necessário apontar que há “otimistas” em relação a esta agenda. A título ilustrativo: a dinâmica das cidades revela uma imensa vontade democrática bem como a vontade de participar (BISKUPOVIC, 2011), apesar da correlação explicitada entre abstenção eleitoral e a crise da representatividade ou falta de participação cidadã.

3.3. Perspectivas para a participação

A literatura apresentada revela um cenário semelhante que indica, em um primeiro momento, a expansão da malha participativa no Brasil como um todo (tanto a nível local como federal), seguida de um desencanto por parte da sociedade civil ao perceber que há a perda de vitalidade do sistema democrático (GAVENTA, 2004) e o esvaziamento considerável nas conferências, conselhos e audiências, por estes não incorporarem necessariamente as demandas da população. O fato da não incorporação destas demandas está relacionado à efetividade dos espaços participativos, os quais não levam necessariamente a melhoria das políticas públicas. Realmente, a efetividade das IPs permeia todo o debate sobre participação social. Ao estudar os conselhos gestores de políticas públicas, Tatagiba (2005) apresenta uma avaliação geral de que tais conselhos não cumprem a sua vocação deliberativa. Ainda, explica alguns motivos para essa visão: “a centralidade do Estado na elaboração da pauta, a falta de capacitação dos conselheiros, problemas com a representatividade, dificuldade em lidar com a pluralidade de interesses, manutenção de padrões clientelistas na relação entre Estado e sociedade, recusa do Estado em partilhar o poder etc.” (p. 210-211).

Em decorrência disso, dois caminhos são possíveis: a total separação entre sociedade e governo, com o recrudescimento da descrença na política, ou a criação de novas relações entre

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governo e sociedade civil. Szwako (2012) aponta para um possível “reencantamento” nesta participação:

os sentidos que reencantam o horizonte utópico da participação são múltiplos e não tão incoerentes entre si. Voltar às ruas, à ação direta, às mobilizações, esse é um horizonte que desponta no escopo da democracia participativa e que, em boa medida, complementa a via institucional de luta. Em outro sentido, a participação ainda vale a pena, mas ela precisa ser aperfeiçoada e aprofundada em um “sistema participativo” – com todos os bônus e ônus desta eventual conquista (p. 42).

Segundo o autor, há então uma avaliação de que os espaços devem ser ocupados, mas também aprimorados. Além disso, esse engajamento e ocupação por parte da sociedade civil deve ser dar em outros espaços: a aliança entre a dimensão institucional e extra institucional se faz necessária no sentido que os canais participativos tradicionais devem ser ocupados, porém, sem deixar de lado a praça pública (manifestações de rua, caravanas, passeatas). A fim de ilustrar essa ideia, Harvey (2013) expõe as diferentes conquistas que se deram nas ruas e praças, como a libertação dos tchecos em 1989 das formas opressivas de governança ou até mesmo os protestos nas ruas contra intervenção norte-americana no Iraque, em 2003. Além dele, Romão e Martelli (2013), em um estudo sobre a efetividade das IPs, observam que “nem toda influência da sociedade sobre os processos decisórios em políticas públicas se dá pelas instituições participativas” (p. 138) e, nesse sentido, há uma certa sobrevalorização das IPs que talvez devessem ser consideradas marginais no processo participativo. Como parte dos resultados encontrados, afirmam que “a ação societária nas instituições participativas não se dá imune aos mecanismos próprios dos ambientes de competição eleitoral e/ou das instituições próprias da democracia representativa” (p. 138), ou seja, deve-se considerar a influência interna desses instrumentos. E, por fim, “o foco nas instituições participativas já consolidadas (...) não pode ofuscar outras formas de controle social, movimentos pela modificação de normas, prioridades e agendas de interesse público” (p. 138), como, por exemplo, observatórios cidadãos.

Na mesma lógica, alguns autores entendem esse processo como a “política informal” (ARIAS-CARDONA; ALVARADO, 2014). Num artigo sobre os jovens e a política, as autoras colocam que a política informal está interligada a processos de ação coletiva e movimentos sociais que vão contra aquilo que está dado, que pretendem valorizar a pluralidade e diversidade, redefinir espaços públicos e práticas cidadãs, entre outros aspectos. Em São Paulo, nota-se o

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surgimento de coletivos urbanos que ocupam as ruas da cidade por meio de diferentes linguagens, seja intervenção urbana, seja artisticamente (NOZAKI, 2015).

Outro ponto de suma importância para a presente discussão refere-se à noção de projetos políticos colocada por Dagnino. Para a autora, tais projetos “não se reduzem a estratégias de atuação política no sentido estrito, mas expressam e veiculam e produzem significados que integram matrizes culturais mais amplas” (DAGNINO, 2014, p. 98). No contexto analisado, supõe-se que os projetos políticos impactam diretamente no nível de participação da sociedade civil. Como já mencionado, importante lembrar que o período analisado é da gestão do Prefeito Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT). Grande parte da literatura sobre participação social reconhece a importância que o PT deu ao tema da participação social, constituindo-a enquanto método de gestão. Por certo, “a partir das eleições de 1982, o PT lança um mote que o acompanharia ao longo de sua história: governar com ‘participação popular e inversão de prioridades’, chave que sintetiza a forma como o partido valoriza a democracia e a justiça social” (BEZERRA, 2014, p.10). No entanto, a população começou “a perceber que, ainda que os espaços de participação tenham se ampliado, ainda que a prática de diálogo com a sociedade tenha sido uma prática fortemente incorporada no governo Lula, ainda existiam muitas limitações”, afirmou Pedro Pontual em entrevista concedida à Lavalle e Szwako (2014, p. 96). Esse desencanto mencionado na seção anterior se refere em grande parte ao Governo Lula, tendo em vista o alto grau de expectativa que se tinha no plano da participação social.

De modo geral, a literatura trazida para a presente discussão converge no sentido em que apresenta um cenário no qual a sociedade civil demanda novas formas de participar, tendo em vista o esvaziamento do ambiente formado para um tipo de participação formal. A relação entre sociedade civil e governo parece ter atingido um esgotamento por não caber mais nos espaços existentes e tradicionais de participação. Vinicius Wu sintetiza este pensamento afirmando que “é preciso imaginar novas formas de diálogo e participação da cidadania nas decisões políticas. (...) A questão fundamental é promover uma mudança na essência das relações entre Estado e sociedade civil [recorrendo] a novas linguagens, novas formas de diálogo e escuta” (2014, p. 190).

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3.4. O conceito de interface socioestatal

Tendo em vista a dinâmica estudada na presente pesquisa, que consiste em entender as interações existentes entre coletivos urbanos e PMSP postas em ação por meio do exercício do direito à cidade, até que ponto a literatura sobre participação social colocada acima dá conta de absorver e explicar esses novos fenômenos?

Isso posto, e na tentativa de aprofundar o entendimento sobre as possibilidades de interação entre poder público e sociedade civil para além da literatura sobre participação social - que se revelou como restrita-, utiliza-se então o conceito de “interface socioestatal”, entendido como um “espaço de intercâmbio e conflito em que os atores se relacionam intencionalmente, e onde se chocam projetos, forças e estratégias dos atores (estatais e sociais) envolvidos” (VERA; 2006, p. 263).

Há, na literatura, uma avaliação de que explorar a bibliografia existente sobre esse tipo de relação aumenta o escopo de análise, trazendo assim outras possibilidades de entendimento sobre a realidade, para além dos mecanismos participativos tradicionais. Em outras palavras:

Passamos a compreender cada vez melhor a ocorrência de conselhos, orçamentos participativos e, mais recentemente, de conferências, e nos distanciamos cada vez mais da observação de outras formas de interação Estado-sociedade igualmente relevantes e cotidianas na gestão de políticas públicas, como reuniões entre grupos de interesse e atores governamentais, audiências e consultas públicas e ouvidorias, sem mencionar as formas não presenciais e virtuais mediadas por ferramentas de tecnologia de informação (PIRES; VAZ, 2014, p. 65).

Em estudo conduzido por Pires e Vaz (2012), foram mapeadas as diferentes formas de interlocução entre Estado e sociedade nos programas desenvolvidos pelo governo federal entre 2004-2011, durante os dois mandatos de Lula, que seguem listadas no Quadro abaixo.

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Quadro 2: Tipos e formas de Interlocução Estado e sociedade nos programas federais

Fonte: extraído de PIRES; VAZ, 2014, p. 69

Sob esta ótica, pode-se dizer que a participação seria uma das formas de interação socioestatal, que se dá basicamente por meio de canais institucionalizados e formalizados no objetivo de absorver demandas da população. Mas além dos instrumentos tradicionais de interlocução direta entre Estado e sociedade, há uma série de outros canais de interlocução em formatos e desenhos variados, como mencionado acima (PIRES; VAZ, 2014). Nesse estudo, os autores também explicam a escolha por utilizar o termo “interface socioestatal” ao invés de “participação” tendo em vista a sua maior amplitude analítica.

Para estes autores, é possível estabelecer dois blocos de interfaces: de um lado as interfaces cognitivas, que possuem uma atribuição consultiva; e de outro as interfaces políticas, com atribuição de cogestão. Conforme a Figura 2, as interfaces cognitivas se subdividem em: i) interface de contribuição, quando a sociedade informa ao Estado; ii) interface de transparência, quando o Estado informa à sociedade; e iii) interface comunicativa, quando Estado e sociedade se informam mutuamente. Por sua vez, as interfaces políticas se subdividem em: n) interface mandatória, quando sociedade tem vantagem sobre o Estado; nn) interface de transferência,

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quando o Estado tem vantagem sobre a sociedade; e nnn) interface de cogestão, quando os processos são compartilhados.

Figura 2: Tipos de interfaces socioestatais

Fonte: adaptado de PIRES; VAZ, 2014, p. 16.

Há uma variedade de autores brasileiros que se utilizam do termo “interface socioestatal” ao dissertar sobre os diferentes mecanismos ou formas de interação entre Estado e sociedade civil. Mais recentemente, Abers et al exploram justamente as diferentes relações existentes entre esses atores, ao analisar o período Lula, sob seu aspecto participativo. No referido artigo, são identificadas quatro rotinas de interação Estado-sociedade: 1) protestos e ação direta; 2) participação institucionalizada; 3) política de proximidade; e 4) ocupação de cargos na burocracia (ABERS et al; 2014).

A análise das autoras se deu com foco em três órgãos do Governo Federal, no intuito de captar diferentes políticas e, portanto, diferentes históricos de relação com a sociedade civil. Foram eles: o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); o Ministério das Cidades; e a

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Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Assim, puderam observar as dinâmicas ocorridas caso a caso a fim de construir um repertório com as quatro rotinas acima citadas. As autoras concluem que houve, nesse período, maior proximidade entre movimentos sociais e atores estatais, que levou à experimentação de padrões de interação, rotinas de comunicação e negociação.

A primeira rotina de interação colocada intitula-se “protestos e ação direta”. Neste caso, ocorre mobilização e pressão contra o governo, por parte dos movimentos, a fim de dar visibilidade às suas demandas. Esta rotina possui duas subcategorias, são elas:

“protesto para abrir ou restabelecer negociação”, no caso de governos que são menos permeáveis às demandas dos movimentos; ou “protestos como parte do ciclo de negociação”, mais comuns em situações nas quais atores de governo e movimento são aliados em torno de projetos políticos comuns, tal como veremos no caso do MDA” (ABERS et al, 2014, p. 332).

Outros autores também fazem referência a protestos como forma de interagir com a máquina pública. Com efeito, tais relações “na maior parte das vezes - assimétricas com outros sujeitos estabelecem um espaço de conflito, de negociação e disputa” (VERA; LAVALLE, 2012, p. 109). No caso dos protestos, a relação se dá de maneira conflitiva para alcançar determinado objetivo. Ainda, segundo Carlos (2012, p. 9) “as relações entre movimentos e Estado foram predominantemente concebidas como conflitivas. Todavia, as interações socioestatais podem assumir diferentes conteúdos e significados e configurar padrões tanto conflitivos quanto cooperativos”. Inclusive, os tipos de interação socioestatal enumerados abaixo tratarão de padrões no sentido da cooperação.

Em um segundo momento, as autoras colocam a “participação institucionalizada”, como outra forma de interação socioestatal. Esta rotina caracteriza-se “pelo uso de canais de diálogo oficialmente sancionados que são guiados por regras previamente definidas, aceitas pelos envolvidos (e em alguns casos estabelecidas pela lei) ” (ABERS et al, 2013, p. 332). A título de ilustração, pode-se dizer que são espaços como conselhos de políticas públicas, orçamento participativo e conferências que predominam no país (ABERS et al, 2013). Tal gênero de interação englobaria então os mecanismos criados que abrem espaço formalizado para absorver a participação social.

A “política de proximidade”, instituída como um terceiro tipo de rotina de interação socioestatal, dá-se com base no contato pessoal entre atores estatais e sociais (ABERS et al,

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2013). A priori, pode ser considerado um tipo de relação clientelista, mas deve também ser considerado como um instrumento facilitador de levar demandas de um determinado setor ao poder público. Segundo as autoras, “o recurso mobilizado pelos ativistas, neste caso, é sua posição como interlocutor reconhecido (...) que pode variar substancialmente, envolvendo laços pessoais até o status da organização à qual pertencem” (ABERS et al, 2013, p. 333).

Por fim, a “ocupação de cargos na burocracia” também se configura enquanto interação socioestatal. Este tipo de prática ocorre quando movimentos sociais percebem os governos como aliados (ABERS et al, 2013). Além disso, ocupar cargos na máquina pública reforça também a política de proximidade, tendo em vista que quando amigos ou colegas de militância se tornam parte do governo, necessariamente a relação entre atores estatais e sociedade civil se vê facilitada (ABERS et al, 2013). Com efeito, “vários estudos (...) têm sugerido que o engajamento com atores estatais e na burocracia é uma estratégia na tentativa de influenciar os processos de políticas públicas” (CAYRES, 2015, p. 60).

Neste sentido, a expressão “ativismo institucional” consiste em outro termo utilizado para definir esse tipo de relação. Para Abers e Tatagiba, ativismo institucional se define quando pessoas com experiência militante “assumem cargos nas burocracias governamentais com o propósito de fazer avançar as agendas políticas ou projetos propostos pelos movimentos sociais” (ABERS E TATAGIBA, 2014, p.1).

Figura 3: Rotinas de interação Estado-sociedade

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Em suma, a partir da literatura colhida e das figuras acima, nota-se que a classificação de Pires e Vaz se restringe a analisar os espaços institucionalizados que recebem a relação socioestatal (ouvidoria, reuniões, etc.). Portanto, a tentativa será de aplicar a dinâmica socioestatal que ocorre na cidade de São Paulo à categorização de quatro tipos de interações socioestatais desenvolvida por Abers et al (2013). A interação analisada na presente pesquisa será uma mescla entre o conceito de interação e interface socioestatal, pois na medida em que a interação entre PMSP e coletivos urbanos se tornou recorrente, cogita-se criar uma interface específica para tal relação. Ainda, utilizando estudos sobre efetividade das IPs ao final do trabalho, será analisada a efetividade desta nova interface surgida no intuito de dar vazão à relação entre a municipalidade e coletivos.

Imagem

Figura 1: Organograma da SMDHC
Figura 2: Tipos de interfaces socioestatais
Figura 3: Rotinas de interação Estado-sociedade

Referências

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