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Retomando a teoria de Abers et al (2014, p. 332): esta primeira rotina de interação consiste basicamente na “demonstração da capacidade de mobilização” por parte dos movimentos sociais. A grosso modo citam a marcha como uma das formas de pressionar o Estado, “mas existem outros métodos que também buscam publicizar conflitos, reforçar identidades e compromissos, e demonstrar o poder dos números”.

As jornadas de junho de 2013 podem ser circunscritas neste tipo de interação. Ainda que esse tema suscite divergências de análise por ser bastante recente, é importante colocá-lo enquanto componente central dos atores estudados. Afinal, uma das respostas institucionais a tais protestos foi justamente a criação da CPDC, aparato governamental dedicado a analisar e reagir a questões surgidas neste período por esses novíssimos movimentos.

Ademais, como já assinalado ao longo da pesquisa, no caso dos coletivos urbanos, existe um desejo de incidir direta e fisicamente na construção da urbe, exercendo o direito de transformar a cidade (HARVEY, 2013). Além disso, utilizar-se do espaço público é não só um

desejo de atuar e construir a cidade mas também uma estratégia utilizada pelos grupos para se aproximar do governo e pautar a discussão sobre o uso da cidade. Em outras palavras:

Pra mim claramente esta nova onda de coletivos que está pensando na participação popular e na relação com o Estado muito dirigida ao espaço público, ela é diferente. Ela está desejando outras coisas. Ela não está desejando participar do Estado e da tomada de decisão do Estado. Ela está desejando incidir sobre o espaço público de uma maneira que ela se reconheça no espaço público (Entrevistado RA, 2016).

Tendo em vista a análise específica realizada com os grupos atuantes no espaço público, é importante mencionar a jurisdição que possui o governo local sobre o território. Como explicitado por um dos entrevistados:

Os coletivos lidam com quem tem a jurisdição do território. A ideia da jurisdição ela é importante. Quem hoje em dia tem jurisdição do território na cidade? Calçada e praça é Subprefeitura. SVMA - parque. CET - rua, é a mais complicada de todas as interfaces. Esses três [entes] e a Secretaria de Esportes que têm alguns parques, parques esportivos. Esses quatro têm gestão do território. São estas as interfaces dos coletivos. E tem a Secretaria da Cultura que tem equipamento, né? Teatro, centro cultural, esta coisa toda é a SMC. Então ela entra quando o coletivo está agindo no equipamento. É com eles que os coletivos vão se dar bem ou mal, na verdade. E para mim está faltando um sexto [ente], que é a CPDC (Entrevistado RA, 2016).

Então, a partir do momento que algum coletivo urbano intenta realizar uma intervenção urbana ou um evento pontual em um espaço público, é necessário relacionar-se com o órgão municipal que possui jurisdição sobre aquele território. Na passagem aludida acima, identificam- se os principais órgãos a serem contatados pela sociedade civil.

Nesta lógica, cada forma de interação demanda uma forma de interface, e então, múltiplas interfaces acabam se consolidando no âmbito da interação “ação direta” em diferentes setores de políticas públicas do município. Como afirmam Abers et al (2014), há variações das formas de interagir dependendo do setor. Com efeito, “entender a construção concreta de novas rotinas de conflito, negociação e participação requer examinar como as redes que obtiveram acesso ao Estado em momentos particulares trabalharam com práticas históricas de interação Estado-sociedade em cada área da política” (p. 348). Na presente pesquisa não serão resgatados os padrões históricos de interação para cada setor, mas sim analisados presentemente.

Como colocado acima, um dos principais interlocutores dos coletivos urbanos dentro da PMSP são as Subprefeituras, órgãos que possuem jurisdição sobre calçadas e praças, podendo autorizar ou desautorizar a realização de intervenções urbanas artísticas ou eventos organizados por tais grupos. Segundo o Entrevistado RG3 (2016) “as subprefeituras são quem no fundo fazem a gestão no território, então toda a burocracia relacionada ao território é a subprefeitura

que faz”. Ora, como bem colocado por outro entrevistado, “a Subprefeitura neste momento é um péssimo interlocutor para os coletivos (...) pois trabalha com a regra e não com a vanguarda, com a frente de luta, com o direito à cidade” (Entrevistado RA, 2016). E além disso, ocorre uma falta de padronização entre as próprias Subprefeituras, gerando uma desigualdade de atuação entre Centro e as periferias da cidade. Isto é, não há clareza das regras a seguir, do que é proibido e do que é permitido para ocupar a cidade (Entrevistado RG3, 2016). Um trecho das entrevistas ilustra bem esse fato:

[...] a gente começou a se dar conta que as diversas Subprefeituras e distritos não tinham clareza de quais eram as regras para definir o que era proibido e o que era permitido pra ocupar a cidade. E aí definimos como uma das ações prioritárias tentar organizar uma espécie de padronização ou de publicização mais clara de quais eram esses mecanismos do que se podia fazer e do que não se podia fazer pra ocupar o espaço público. Infelizmente a gente não conseguiu levar isso adiante, mas acho que esta é uma das principais tarefas para se pensar a promoção do direito à cidade hoje (Entrevistado RG2, 2016).

Por sua vez, a SMDU, apesar de não ser atribuída com a competência de gerir fisicamente o território urbano, tem como atribuição articular as Subprefeituras, conduzindo assim a política macro urbana da cidade (Entrevistado RG3, 2016). Em outras palavras: “como a SMDU não faz a gestão de espaços, acaba não sendo um interlocutor muito presente para os coletivos” (Entrevistado RA, 2016). Apesar de ter surgido ao longo das entrevistas realizadas, a SMDU possui um tipo de interface diferente das Subprefeituras, por exemplo, que é mais da ordem formal, por meio de autorizações de fato para uso da cidade.

Afinal, uma das questões fundamentais neste ponto é a jurisdição, pois é por meio dela que os coletivos acabam se dirigindo a determinados setores da PMSP. A fim de facilitar essa discussão, uma solução é padronizar esses instrumentos, deixando claro para a população “quem cuida do quê” (Entrevistado RA, 2016). Há, segundo este entrevistado, uma hipótese clara:

[...] quem manda na maioria do território é a CET, que manda em todas as ruas. Mas ela não pode mandar em tanto território assim. Foi em 1976 que a cidade repassou 30% do seu território (ruas, avenidas, marginais) para a CET (…) Pelo menos algumas ruas tem de ser pegas de volta. Porque a Paulista não é mais um problema da CET, ela é um problema da cidade. O Minhocão não é mais um problema da CET, ele é um problema da cidade. A CET faz parte, mas tem que dar ou pra PMSP, ou pra Subprefeitura. (...) Tem que entregar pra quem consegue dar uma resposta à sociedade.

Interessante observar que, no que tange a questão jurídica e de legalidade, variados departamentos são responsáveis pela gestão do mesmo território. Ora, tendo em vista justamente

essa falta de padrão, junto aos protestos de junho de 2013, a CPDC é criada na tentativa de se ter um canal único para absorver as demandas desses grupos.