• Nenhum resultado encontrado

Confrontando teoria e prática: participação institucionalizada

Para Abers et al (2014), esse tipo de interação se define pelo uso de canais oficiais e formais, com o objetivo de influenciar determinada política. Contrariamente à rotina anterior, quando se trata de participação institucionalizada, o processo é guiado pelo ator estatal mesmo se há uma governança compartilhada sobre o espaço em questão.

Parece haver um discurso comum tanto dos gestores entrevistados como dos coletivos, de que os espaços institucionalizados não comportam as novas demandas dos novos atores sociais nas cidades: “os jovens não reconhecem os processos participativos, acham que são muito lentos, muito demorados, são muito invisíveis, que eles estão destinados a construir alguma coisa no futuro e o jovem quer alguma coisa no presente, aqui, agora” (Entrevistado RA, 2016). Há então um diagnóstico em comum entre os atores analisados sobre essa participação institucionalizada. Retomando um pouco do que se mencionou a respeito dos grupos, tem-se uma necessidade e um desejo de acelerar o processo de mudança, motivo pelo qual incidem diretamente no espaço físico e público da cidade.

Sob a ótica da municipalidade, por exemplo, o Plano de Ocupação do Espaço Público pela Cidadania, instrumento que guia as ações da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade, tinha um diagnóstico de que os espaços tradicionais de participação social como conselhos e conferências estavam esgotados, viciados e não interessavam aos jovens: “o seu funcionamento já estava viciado mesmo, com as mesmas pessoas, os mesmos fluxos, e isso gerava um afastamento da população geral e uma descrença nestes espaços e o quanto isso gerava de fato influência na gestão da cidade” (Entrevistado RG1, 2016).

Sob a ótica da sociedade civil, outro problema levantado durante o trabalho de campo é o fato de que os coletivos urbanos não necessariamente possuem um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, o que muitas vezes pode ser um empecilho na participação nesses espaços institucionalizados. Segundo o Entrevistado RSC1:

Eu ocupo uma cadeira na CPPU [Comissão de Proteção à Paisagem Urbana], o que já me dá bastante dor de cabeça. São reuniões eternas, matinais. (...) Ocupo a cadeira pelo Instituto, não pelo coletivo. Pelo coletivo nem poderia judicialmente porque precisa de CNPJ. Porque é uma maravilhosa maneira de deixar as pessoas longe do que elas realmente querem discutir. (2016)

Quando perguntado sobre o interesse dos grupos ao participar de um processo participativo na construção de uma política pública específica, o Entrevistado RG3 conta que eles [coletivos] “fugiam um pouco disso. Eles achavam que era burocracia e não queriam se meter com isso. Os mais espertinhos começaram a ver que não era burocracia, era institucionalidade”. Avessos à institucionalidade e burocracia, a maioria dos grupos optava por não participar desses espaços formais e tradicionais para incentivar o diálogo com a máquina pública. Contudo, a seção sobre o perfil dos entrevistados revela que, apesar do discurso “anti- institucionalidade”, alguns grupos devem se institucionalizar para ter acesso a editais, chamamentos públicos e outros fomentos públicos ou privados.

Outra pergunta realizada durante as entrevistas era na tentativa de entender os coletivos urbanos em contraposição aos movimentos sociais tradicionais. Sob esta ótica, fica mais claro que os movimentos tendem a entrar na lógica do Estado e disputar espaços em conselhos e conferências, ao passo que os coletivos não têm esse objetivo:

Se você fala para um movimento “olha, você precisa ter um CNPJ” ou “precisa assinar um documento para acessar Minha Casa Minha Vida”, eles vão lá e fazem um CNPJ. O coletivo praticamente nunca quer fazer um CNPJ. Ele não quer ser formalizado desta forma. Tem uma coisa do tamanho, o coletivo não quer ficar aumentando indefinidamente, é um grupo de pessoas, prefere trabalhar com um grupo mais manejado. O coletivo não tem tanto compromisso com a sua permanência no tempo, sendo que o movimento social tem. O movimento de luta por moradia quer ficar pra sempre como interlocutor do Estado e o coletivo quer durar enquanto ele dura. Então, tem bastante diferença. Ainda que seja tudo muito difícil, o coletivo prefere trabalhar com lógicas horizontais, mais assembleístico, decisões mais por consenso, do que movimentos sociais que trabalham com representação. ”(Entrevistado RA, 2016).

No entanto, apesar da CPDC parecer surgir enquanto interface socioestatal, não se consolidou enquanto tal principalmente tendo em vista as dificuldades internas à PMSP que encontrou durante a gestão. Como questiona Carrapatoso (2016) em sua matéria sobre o Parque Minhocão: “se o prefeito realmente se importa com o ‘direito à cidade’, pergunto: quantas vezes ele consultou sua própria coordenadoria para o tema sobre o assunto? O que ela disse?”24. O que ficou claro durante as entrevistas é o fato de a CPDC possuir mais legitimidade externa, com os coletivos, do que internamente. Portanto, isso revela a fragilidade dessa interface, por não possuir tanta incidência dentro da máquina pública. Por esse motivo, consideramos que seja uma interface ainda em construção, e a CPDC surge como principal aposta.

24 Matéria “Eleger concreto como parque é lindo aos olhos, mas horrível para a cidadania”, de 26/03/2016. Disponível em <http://www.huffpostbrasil.com/thiago-carrapatoso/parque-de-concreto-jamais_b_9430008.html> Acesso em: 10 jan. 2017.

Outra maneira de fazer com que as ações ocorram são os editais ou chamamentos públicos. Por mais que as autoras (Abers et al) não mencionem editais como uma forma de interface socioestatal, foi um mecanismo muito citado durante as entrevistas e é uma forma de fazer com que os coletivos possam participar da forma que é entendida a participação para eles: uma participação mais do fazer do que do falar, que consiste basicamente no exercício do direito à cidade.

A PMSP reconheceu os coletivos como interlocutores e encontrou maneiras de fazer com que esses coletivos se relacionassem e fossem inseridos nas políticas públicas, essencialmente por meio de editais. Vai lá, abre um edital, os coletivos se cadastram, se candidatam, passam por um processo seletivo e ganham dinheiro. E tem uma coisa que é interessante deste ponto de vista: o Estado consegue dar conta de dar instrumentos financeiros e uma certa legitimidade para que coletivos atuem. (Entrevistado RA, 2016).

Em suma, quando observada a interface socioestatal entre PMSP e coletivos urbanos sob a ótica da participação institucionalizada, tem-se:

- Um diagnóstico comum de que os espaços formais de participação estão viciados e não tem efetividade real sobre as políticas públicas;

- Diferentemente dos movimentos sociais, os grupos analisados evitam se institucionalizar;

- Os coletivos tendem a evitar processos burocráticos inerentes à máquina pública; - A CPDC como tentativa de se consolidar como interlocutor específico para esses

novos atores sociais.