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Dez idosas em análise A mulher e sua sexualidade na vida real e na ficção

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Academic year: 2017

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Universidade Católica de Brasília - UCB

Programa de pós-graduação e pesquisa stricto sensu em Gerontologia

MESTRADO

DEZ IDOSAS EM ANÁLISE

- A mulher e sua sexualidade na vida real e na ficção -

Autora: Thaís Rocha e Póvoa

Orientadora: Prof. Dra. Carmen Jansen de Cárdenas

Co-orientadora: Prof. Dra. Lucy Gomes

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Thaís Rocha e Póvoa

DEZ IDOSAS EM ANÁLISE

- A mulher e sua sexualidade na vida real e na ficção -

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Gerontologia da UCB

Orientadora: Prof. Drª. Carmen Jansen de Cárdenas

Co-orientadora: Prof. Drª. Lucy Gomes

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3 P879d Póvoa, Thaís Rocha e.

Dez idosas em análise – A mulher e sua sexualidade na vida real e na ficção / Thaís Rocha e Póvoa. – 2009.

194 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2009. Orientação: Carmen Jansen de Cárdemas

Co-orientação: Lucy Gomes

1. Sexualidade feminina. 2. Mulheres idosas - Comportamento sexual. I. Cárdemas, Carmen Jansen, orient. II.Gomes, Lucy, Co-orient. III.Título.

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4 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

Dissertação de autoria de Thaís Rocha e Póvoa, intitulada ―Dez idosas em análise - A mulher e sua sexualidade na vida real e na ficção‖, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, em 20 de novembro de 2009, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada;

__________________________________________________________ Prof. Dra. Carmen Jansen de Cárdenas

Orientadora

Gerontologia – Pós-graduação UCB

____________________________________________________________ Prof. Dra. Lucy Gomes

Gerontologia – Pós-graduação UCB

____________________________________________________________ Prof. Dra. Kátia Brasil

Psicologia – Pós-graduação UCB

_____________________________________________________________ Prof. Dr. Elias Abdalla Filho

Bioética – Pós-graduação UnB

_____________________________________________________________ Prof. Dra. Alessandra da Rocha Arrais

Gerontologia – Pós-graduação UCB

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AGRADECIMENTOS

Ao meu querido marido Marcelo Monfort por seu amor, sua generosidade

e sua paciência durante todo o processo de elaboração dessa dissertação;

Aos meus pais por todo suporte acadêmico que sempre me

proporcionaram e que permitiu que eu chegasse até esse momento;

Ao meu irmão Solon por sua constante e carinhosa companhia;

À Carmen Jansen de Cárdenas por sua infinita doçura e por seu excelente

humor;

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RESUMO

O presente trabalho é uma discussão de temas psicanalíticos relacionados à sexualidade de idosas.

Para tanto foram analisadas, sob a luz da psicanálise Lacaniana, 10 casos (histórias de vida) de idosas com foco em questões referentes à sexualidade/afetividade delas. Além disso, foram descritas estórias popularmente conhecidas, tanto para o enriquecimento da discussão teórica, quanto para a localização de semelhanças e diferenças entre as personagens das estórias e as idosas, personagens de suas próprias histórias de vida.

O objetivo, de uma forma geral, é analisar o imaginário das longevas no que diz respeito às questões da sexualidade/afetividade e esmiuçar de que forma essas questões nortearam a vida dessas idosas. Como suas vidas, suas relações e suas escolhas condicionaram situações afetivas e levaram a uma forma de levar a vida, com ou sem sintomas.

A princípio foram tratadas questões conceituais sobre o Imaginário (do ponto de vista Lacaniano), sobre o Feminino e sobre a Estruturação Psíquica. Posteriormente, são colocadas ponderações sobre a Mulher na psicanálise de uma forma mais ampla e, específicamente, nas obras de Freud e de Lacan.

A sexuação feminina, os processos de escolha objetal, questões do narcisismo e a sexualidade das idosas são discutidas, passando por temas polêmicos como a premissa Lacaniana de que a ―Mulher não existe‖ e a consideração de que tanto para Freud, quanto para Lacan, o sujeito mulher é um caso de vir-a-ser, de estruturar-se.

São, também, detalhadamente tratados tópicos relacionados à Mulher, o Corpo e a Psicanálise. A imagem corporal, o ―estranho‖, a castração, a falta e a perda da ilusão do ―ideal do eu‖ impressa concretamente no rosto da idosa são, dentre outros aspectos, abordados nessa tópica.

A Cultura, a Linguagem, o ―Grande Outro‖, a Literatura, a Psicanálise e o Feminino são cuidadosamente percorridos com o objetivo de fazer, não só uma elucidação teórica desses temas, mas também com o intuito de traçar um paralelo entre esses assuntos de forma clara, objetiva e interessante.

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ABSTRACT

The present work is a quarrel of psychoanalytics subjects of the sexuality of elderly women.

For they had been in such a way analyzed, under the light of the psychoanalysis Lacaniana, 10 cases (life histories) of elderly women with focus in referring questions to the sexuality/affectivity of them. Moreover, they had been described popularly known histories, as much for the enrichment of the theoretical quarrel, how much for the localization of similarities and differences between the personages of the histories and the aged ones, personages of its proper histories of life.

The objective, of a general form, is to analyze the imaginary one of longevas in what affectivity says respect to the questions of the sexuality/affectivity and discuss in what forms these questions had guided the life of these aged ones. As its lives, its relations and its choices they had conditioned affective situations and they had led to a form to take the life, with or without symptoms.

At first, conceptual questions on the Imaginary had been treated (of the Lacaniano point of view), moreover questions on the Feminine one and the Psychic construct. Later, topics about the Woman in a psychoanalysis view, specifically, in the workmanships of Freud and Lacan.

The feminine, processes of love choices, questions of narcissism and sexuality of elderly women are argued, passing for subjects controversial as premise Lacaniana of that the

―Woman does not exist‖ and consideration of whom as much for Freud, how much for Lacan,

the subject woman is a case of come-the-being, to structuralize itself.

Also, they are at great length treated topical related the Woman, the Body and the Psychoanalysis. The corporal image, the ―stranger‖, the castration, the lack and the loss of the illusion of the ―ideal of being‖ printed concretely in the face of the aged one are, amongst other aspects, boarded in this tópica.

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9 SUMÁRIO

Introdução/Justificativa 12

O Curso da Pesquisa 16

Objetivos 16

Justificativa Metodológica 16

Delineamento Metodológico 18

Critérios de Inclusão 18

Critérios de Exclusão 19

Coleta de dados 19

Capítulo 1 20

1.1 O Imaginário e o Feminino 20

1.2 A Estrutura Psíquica 22

Capítulo 2 27

2.1 A Psicanálise e o Feminino 27

2.2 Considerações sobre a Mulher em Freud 28 2.3 Considerações sobre a Mulher em Lacan 31

Capítulo 3 35

3.1 A Sexualidade Feminina 35

3.2 Narcisismo 39

3.3 A Sexualidade Feminina na Idosa 44

Capítulo 4 49

4.1 O Corpo, A Mulher, A Psicanálise 49

4.2 A Velhice, O Corpo, A Psicanálise 52

4.3 A Velhice, O Corpo, A Concretude 55

Capítulo 5 57

5.1 A Cultura, A Linguagem, O Grande Outro 57 5.2 A Literatura, A Psicanálise, O Feminino 62

Capítulo 6 67

A Realidade: Histórias de Vida e Interpretações

6.1 História de Vida I 67

6.1.1 Narrativa 67

6.1.2 Interpretação Psicanalítica – História I 69

6.2 História de Vida II 71

6.2.1 Narrativa 71

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10

6.3 História de Vida III 77

6.3.1 Narrativa 77

6.3.2 Interpretação Psicanalítica – História III 78

6.4 História de Vida IV 80

6.4.1 Narrativa 80

6.4.2 Interpretação Psicanalítica – História IV 81

6.5 História de Vida V 83

6.5.1 Narrativa 83

6.5.2 Interpretação Psicanalítica – História V 85

6.6 História de Vida VI 87

6.6.1 Narrativa 87

6.6.2 Interpretação Psicanalítica – História VI 89

6.7 História de Vida VII 93

6.7.1 Narrativa 93

6.7.2 Interpretação Psicanalítica – História VII 95

6.8 História de Vida VIII 99

6.8.1 Narrativa 99

6.8.2 Interpretação Psicanalítica – História VIII 102

6.9 História de Vida IX 104

6.9.1 Narrativa 104

6.9.2 Interpretação Psicanalítica – História IX 107

6.10 História de Vida X 109

6.10.1 Narrativa 109

6.10.2 Interpretação Psicanalítica – História X 113

Capítulo 7 116

A Ficção: Estórias e Interpretações.

7.1 Estória 1 – Lucíola 116

7.1.1 Síntese da Narrativa 116

7.1.2 Análise Literária 121

7.2 Estória 2 – Madame Bovary 124

7.2.1 Síntese da Narrativa 124

7.2.2 Análise Literária 127

7.3 Estória 3 – Maria Madalena 130

7.3.1 Síntese da Narrativa 130

7.3.2 Análise Literária 136

7.4 Estória 4 – Cinderela 138

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7.4.2 Análise Literária 142

7.5 Estória 5 – Perpétua 144

7.5.1 Síntese da Narrativa 144

7.5.2 Análise Literária 152

7.6 Estória 6 – Rita Baiana 154

7.6.1 Síntese da Narrativa 154

7.6.2 Análise Literária 158

7.7 Estória 7 – Nyx 161

7.7.1 Síntese da Narrativa 161

7.7.2 Análise Literária 163

7.8 Estória 8 – Penélope 165

7.8.1 Síntese da Narrativa 165

7.8.2 Análise Literária 169

7.9 Estória 9 – Maria Bonita 171

7.9.1 Síntese da Narrativa 171

7.9.2 Análise Literária 174

7.10 Estória 10 – Capitu 176

7.10.1 Síntese da Narrativa 176

7.10.2 Análise Literária 180

Capítulo 8 183

Entre a Ficção e a Realidade: Considerações Finais

Referências Bibliográficas 187

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12

INTRODUÇÃO / JUSTIFICATIVA:

A sexualidade na velhice é um tema pouco discutido na medicina e na sociedade em geral. Vários fatores que envolvem esse tema são ainda considerados tabus e, em alguns casos, até proibidos de serem comentados. (STEINKE, 1997)

Pode-se supor que, no inconsciente, os velhos são sempre a representação dos pais e, portanto, falar da sexualidade do idoso significa expor e discutir a sexualidade dos pais, comportamento que qualquer neurótico prefere evitar. Talvez isso contribua para que o tema sexualidade na velhice seja tão pouco discutido. (MUCIDA, 2006)

As pessoas, de uma maneira geral, associam sexualidade estritamente ao intercurso sexual e, dessa forma, os idosos, por vários motivos, especialmente biológicos, negligenciam sua sexualidade na medida em que desconsideram o carinho, o toque, o gostar de si mesmo e de um outro como manifestações de sexualidade. (CRUZ, 1992)

Em função de uma pressão sócio-cultural, muitos idosos experimentam um sentimento de culpa ou de vergonha quando mantém desejo sexual. É considerado feio e imoral, por grande parte da população, o fato de um idoso manifestar sua sexualidade ainda que discretamente. Isso se acentua ainda mais quando falamos da vivência sexual das idosas do que quando o mesmo tema se refere aos idosos. (LIMENTANI, 1995)

A expectativa de vida vem subindo progressivamente em nível mundial e, com isso, também aumenta a preocupação da sociedade em conviver com essa faixa etária mais alta. As pessoas começam a se preocupar em proporcionar aos idosos produtos de consumo específicos que atendam às suas necessidades, talvez nem tanto para proporcioná-los bem estar mas porque esses idosos constituem uma parcela importante da população de consumo. (CANÇADO, 1994)

A sexualidade faz parte da vida dos seres humanos e está presente em todas as fases do desenvolvimento do homem. Vai desde o nascimento até a morte, ou seja, a função sexual continua por toda a vida mesmo na terceira idade. (ALMEIDA & LOURENÇO, 2007)

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13 Na sociedade contemporânea, os valores culturais orientados para a juventude tendem a depreciar os indivíduos idosos em termos de sua sensualidade, particularmente as mulheres (LEIBLUM, 1990).

Atualmente as relações afetivas estão cada vez mais centradas no prazer imediato e na quantificação do gozo em detrimento das relações de trocas afetivas. Pessoas idosas são compelidas a aposentar-se também do terreno sexual, no qual as iniciativas representam um risco importante de desapontamento e frustração (MUCIDA, 2006).

Além disso, toda manifestação de sensualidade é sempre passível de ser interpretada como uma manifestação de um sintoma de demência. Todos temem o estereótipo do velho gagá que perdeu o controle de seus impulsos. Tendo interiorizado estes valores culturais, o indivíduo envelhecido pode não ter consciência de recalcar a sexualidade, ou simplesmente sentir-se compelido a suprimi-la deliberadamente (MACNAB, 1994). Este recalcamento (inconsciente) ou supressão (consciente) evita que ele enfrente o conflito entre suas pulsões e a norma social, mas não deixa de provocar sintomas e desconfortos em sua vida.

Duas teorias ajudam a compreender o processo subjetivo que leva à renúncia da sexualidade pelos idosos, sobretudo pelas idosas. Por um lado, a teoria psicossociológica dos Scripts, que mostra a relação entre papéis culturais atribuídos aos indivíduos segundo seu status social (inclusive faixa etária), e os scripts intrapsíquicos que levam os indivíduos a reconhecer e reagir a circunstâncias sexualmente excitantes dentro de um contexto socialmente aceito e positivamente valorizado. A cultura ocidental atribui um script sexual negativo ao indivíduo envelhecido, script que ele se recusa a assumir. (GAGNON & SIMON, 1973)

Na cultura ocidental judaico-cristã, vovô e vovó são anjos da guarda com um corpo santo, liberado de todo traço de sensualidade. Esta fábula deve ser preservada a todo custo; se preciso for, sob o controle dos filhos que se tornam, por sua vez, guardiões do recalcamento (ou da supressão). Entretanto, aquilo que é mostrado, da sexualidade, ao mundo nada mais é do que um fragmento maquiado e deslocado do seu conteúdo verdadeiro o qual permanece guardado intacto no campo do desejo, da fantasia e do imaginário. (VASCONCELLOS et al, 2004)

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14 raramente reconhecida, um terço das idosas de sua amostra recebeu pouca informação sobre sexo antes do casamento e, quase a metade delas, nenhuma.

Nesse mesmo trabalho, Vasconcellos et al mostram a curiosidade e a importância desse tema no imaginário das idosas quando infere que dois terços delas consideram que seriam menos inibidas sexualmente, se fossem jovens hoje, que as relações de sedução ainda são importantes, até mais importantes do que a concretização do ato sexual e que aproximadamente a metade das mulheres da amostra de idosas do seu estudo está consciente de ter sonhos eróticos.

Para discutir o tema sexulidade de idosas, especialmente do ponto de vista psicanalítico, é indispensável que seja feita uma detalhada fundamentação teórica sobre aspectos da sexualidade da mulher em todos os ciclos da sua vida, do nascimento ao envelhecimento. A velhice não é um estágio isolado do ser-humano, ao contrário, é um período de continuidade do sujeito e, esse sujeito, vive tal período não como algo apartado de sí e antigo, mas como algo atual e que sempre se atualiza. (NERI, 2002)

―Na psicanálise só existe um sujeito, o sujeito do inconsciente e, este não envelhece. Na realidade psíquica não há diferença entre um fato passado e um fato atual. O sintoma sinaliza a atualidade do passado, e o que imporá na indicação de análise é a forma como o sujeito se coloca frente à falta do Outro e sua relação com o desejo, que não é determinado pela idade e, muito menos pela ―quantidade de material psíquico‖, como pensava Ferenczi. O conceito de pulsão é avesso a qualquer noção desenvolvimentista; sempre parcial, e a sexualidade adulta é a sexualidade infantil‖. (MUCIDA, 2006, p.18)

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15 No texto ―O inconsciente‖ (1915/1976), Freud afirma:

―Os processos inconscientes são atemporais; isto é, não são ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo; não têm absolutamente qualquer referência ao tempo‖. (FREUD, 1915/1976, p. 214)

E em ―A dissecação da personalidade psíquica‖ (1932/1976) ele reafirma:

―No id, não existe nada que corresponda à idéia de tempo; não há reconhecimento da passagem do tempo, e – coisa muito notável e merecedora de estudo no pensamento filosófico – nenhuma alteração em seus processos mentais é produzida pela passagem do tempo. Impulsos plenos de desejos, que jamais passaram além do id, e também impressões, que foram mergulhadas no id pelos recalques, são virtualmente imortais; depois de se passarem décadas, comportam-se como se tivessem ocorrido há pouco‖. (FREUD, 1932/1976, p. 95)

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16 O CURSO DA PESQUISA:

Objetivos:

1. Analisar como é vivenciada a sexualidade no imaginário de longevas.

2. Colher histórias de vida (casos) com foco na sexualidade/afetividade das idosas. 3. Fazer o estudo dos casos fundamentado na teoria psicanalítica Lacaniana.

4. Descrever estórias popularmente conhecidas que tenham pontos semelhantes com as histórias de vida das idosas (casos).

Justificativa metodológica:

A pesquisa psicanalítica é se dá pela experiência psicanalítica. Desde os primeiros trabalhos de Freud, a clínica forneceu a base a partir dos quais se construíram os eixos fundamentais da elaboração teórica em psicanálise (LOWENKRON,2004). Pode-se acompanhar essa construção metodológica em ―Os Instintos e suas Vicissitudes‖, em que Freud (1915/1974a) enuncia seu modo de fazer pesquisa teórica – a partir de caso clínico.

Esta é uma primeira indicação, fornecida por Freud, a respeito da elaboração de um caso: o percurso de uma análise permite a incorporação de um ponto fixo em torno do qual se faz uma teorização do caso (FREUD, 1937/1974b).

Se a experiência fornece as bases da construção teórica, então o relato do caso, ou seja, os desdobramentos de uma análise e seu acompanhamento pelo analista, são um instrumento na construção do método e da pesquisa em psicanálise (BIRMAN, 1994).

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17 não envolvidos no processo terapêutico não será material de interpretação psicanalítica visto que nessas circunstâncias não estará estabelecida a transferência (BIRMAN, 1994).

Lacan (1996) define o diagnóstico, em psicanálise, a partir da importância do inconsciente e da transferência nos tratamentos. Relação transferencial que se estabelece a partir da posição em que o paciente se coloca e na qual coloca o Outro. Este Outro, segundo Bernardino (2004), refere-se a um ―conceito que define tanto a linguagem, a cultura, as leis, quanto o semelhante (pequeno outro) da espécie –o analista‖.

Para Dutra (2005), só seria possível uma apreensão diagnóstica estrutural de um caso, através da transferência, no contexto de uma análise. Isto porque, tal como aponta Laplanche & Pontalis (2004), a transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este caso.

Assim, se não há a presença do analista e do set de análise não há transferência e, consequentemente, não há material de estudo e interpretação.

Fundamenta-se, assim, a escolha de estudos de casos (histórias de vida) como ponto fundamental da presente pesquisa de interpretação psicanalítica.

A necessidade da existência da relação transferencial entre sujeito e objeto da pesquisa explica a escolha das idosas, que já são pacientes da analista/pesquisadora, para participarem da presente pesquisa.

O fato de ser, o consultório médico da analista/pesquisadora, o local onde as histórias de vida foram colhidas é justificado pela necessidade de se ter um set analítico que lhes seja familiar e comum.

Além disso, os casos clínicos foram ouvidos e, posteriormente, redigidos pela pesquisadora visto que, gravá-los impediria outro método fundamental da psicanálise: a Associação Livre. Gravar um discurso que será, posteriormente analisado, inevitavelmente censura a linha de pensamento do indivíduo que fala e implica na infração de uma condição básica da psicanálise que é o discurso livre. Pelo mesmo motivo, a ―entrevista‖ foi aberta. A aplicação de um questionário estruturado impede a Associação Livre do indivíduo e limita a Atenção Flutuante do analista, desconfigurando um caso de análise.

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folclóricas, fábulas, estórias místico-religiosas, contos de fadas ou mitológicas – trazem pontos teóricos subentendidos que entram como participantes na formação de uma cultura.

Esse limite onde a cultura é causa ou conseqüência de estórias populares nunca é bem definido mas o que é claro é que as histórias de vida possuem relações com esses contos dentro de uma cultura específica. As estórias popularmente conhecidas norteiam a realidade ou a realidade induz o surgimento dessas estórias... O que verdadeiramente importa é que estão ambas, estórias e realidade de vida, como imagens especulares. Uma refletida na outra.

Delineamento metodológico:

A presente pesquisa tem um recorte metodológico de estudo de caso. É ainda uma pesquisa exploratória, qualitativa, descritiva, e de estudo histórico cultural.

Participaram 10 idosas, pacientes do consultório médico da analista/pesquisadora. Todas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (MS 196/96).

Critérios de Inclusão:

Idosas (sexo feminino), com 60 anos ou mais, que se interessaram pelo assunto e que quiseram contribuir com a pesquisa. Qualquer estado civil, nível de escolaridade mínimo de ensino médio e com qualquer suporte sócio-econômico. Possuírem lucidez e integridade mental para que não houvesse prejuízo na entrevista secundário às lacunas de memória e/ou discursos delirantes.

A escolha foi determinada pela capacidade cognitiva da idosa em descrever, fazer abstrações, interpretações e pensar subjetivamente.

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Critérios de Exclusão:

Idosos do sexo masculino e idosas com quadros de alienação mental (demência grave, esquizofrenia ou retardo mental grave). Idosas com quaisquer condições que lhe determinem pensamento concreto.

Coleta de dados:

1. Foi aplicado o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) previamente para exclusão de idosas com quadros demenciais (FOLSTEIN, 1975).

2. As histórias foram colhidas no consultório da analista/pesquisadora, ouvidas e, posteriormente, redigidas para análise.

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CAPÍTULO 1:

1.1 O IMAGINÁRIO E O FEMININO

Imaginário - trata-se de um termo derivado do latim imago (imagem) e empregado como substantivo na filosofia e na psicologia para designar aquilo que se relaciona com a imaginação, isto é, com a faculdade de representar coisas em pensamento, independentemente da realidade. Utilizado por Jacques Lacan a partir de 1936, o imaginário se define, no sentido lacaniano, como o lugar do eu por excelência, com seus fenômenos de ilusão, captação, desejo e engodo. Onde o indivíduo pensa livre da censura. (ROUDINESCO & PLON, 1997)

Baseado em Jakob von Uexkull (1864 – 1944), que Lacan construiu sua primeira teoria do imaginário, mostrando que o pertencimento a um meio devia ser pensado como a internalização desse meio em cada espécie. Daí a idéia de que o pertencimento de um sujeito a seu ambiente já não podia ser definido como um contrato entre um indivíduo livre e uma sociedade, mas sim como uma relação de dependência entre um meio e um indivíduo (LACAN, 1987).

Associado ao simbólico e ao real no âmbito de uma tópica, a partir de 1953, o simbólico foi definido como o lugar da ―palavra‖, da ordem, das leis, da ―função paterna‖. Lugar esse que, na etnopsiquiatria, recebe o nome de cultura. (ROUDINESCO & PLON, 1997)

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21 Retomando diferentes estórias que contribuíram para a estruturação do que está associado ao feminino, Freud analisa ―Cinderela‖, ―Psyquê‖, ―Afrodite‖ e pontua a contradição comum inegável: sendo a Deusa do Amor, da Beleza, da Lealdade ou da Sabedoria, a figura feminina é, ao mesmo tempo, a Deusa da Morte, ―Nyx‖ ou ―Kali‖. Dessa forma, Freud descreve a relação inconsciente ente o Feminino e a Morte como uma relação direta, visto que os mecanismos inconscientes desconhecem o mecanismo lógico da contradição e desconhecem o tempo. Essa associação inconsciente existe tanto nas mentes de homens quanto das próprias mulheres. (FREUD, 1913/1975)

―Poderíamos argumentar que o que se acha representado aqui são as três inevitáveis relações que um homem tem com uma mulher – a mulher que dá à luz, a mulher que é companheira e a mulher que o destrói; ou que elas são as três formas assumidas pela figura da mãe no decorrer da vida de um homem – a própria mãe, a amada que é escolhida segundo o modelo daquela e, por fim, a Terra-Mãe, que mais uma vez o recebe. Mas é em vão que um velho anseia pelo amor de uma mulher, como o teve primeiro de sua mãe; só a terceira das Parcas, a silenciosa deusa da Morte, tomá-lo-á nos braços.‖ (FREUD, 1913/1975, p.369)

No texto ―O tabu da virgindade‖, Freud institui que o homem primitivo qualifica como tabu quando teme algum perigo e desenvolve a tese de que não é a virgindade o tabu, mas a própria mulher, pois, aceitando em si o processo da castração, ela impõe o enigma do sexo e o risco feminilizante sobre o viril impondo ao homem o medo da castração. Assim, sempre que o homem saía para a guerra, se afastava da mulher, para garantir sua força e para se afastar da morte. (FREUD, 1917/1976)

Freud inaugura uma idéia sobre sexualidade com a introdução do conceito de pulsão, aquilo que é da ordem do desejo, que atende ao princípio do prazer, que beira o primitivo e, no texto ―Três ensaios sobre a sexualidade‖, afirma que não exista regras sexuais e sim regras sociais que interferem na questão sexual. Mostra, então que o desejo, a libido não tem idade, está presente em toda a vida do indivíduo e se mostra em cada um de acordo com a relação que o indivíduo constrói com o seu objeto de desejo. Relação que é permeada por conceitos éticos e morais que vêem de uma cultura mais ou menos castradora. (FREUD, 1905/1972)

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22 Além disso, com a menopausa, há na maior parte das mulheres um luto pela perda da vivência fálica, perda do seu poder situado na sedução e na capacidade de procriação, o que induz o surgimento de um cenário em que há maior retração sexual feminina (MUCIDA, 2006).

Freud pressupunha uma etiologia sexual para o surgimento de uma angústia na mulher idosa que era secundária ao aumento libidinal psíquico que não encontrava caminhos para a ―descarga‖. A neurose da angústia surgiria como reposta ao último aumento do desejo sexual trazido pelo climatério. (FREUD, 1895/1976)

Entretanto, não é a idade que determina o fim do desejo ou o fim das relações sexuais. O desejo, que não morre na velhice, encontra outras maneiras de inscrição. Tantas vezes com atos concretos outras vezes com defesas e sintomas. (MUCIDA, 2006)

1.2 A ESTRUTURA PSÍQUICA

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23 O Eu (Ego), isso que mostramos ao mundo, está adaptado a esse. Ou seja, o Eu é a entrega de nós a quem só consegue carregar parte de nós. Parte, não só porque é menor, mas também porque é, tantas vezes, maquiada. O Eu é uma metonímia de nós. (LACAN, 1995)

Aquilo que é pulsional, primitivo em nós, corresponde a uma estrutura pré-egóica, o Id. Libido, fome, agressividade e tantas outras características humanas são classificadas como pertencentes ao Id surgindo, em nós, e vistas pelo mundo quando há um descuido do ―não‖. Dessa forma, quando permite ou quando falha a castração o Id aflora e, aí, percebemos um pedacinho do que seria o Eu Ideal. O Eu Ideal é, portanto, para onde caminharia a construção da personalidade humana se fôssemos total e irrestritamente livres. Se pudéssemos chorar sempre que estivéssemos tristes, bater sempre que estivéssemos com raiva e até amar sempre que desejássemos teríamos uma convivência com nós mesmos bem mais autêntica. Seríamos para o olhar do outro o que verdadeiramente somos e não um fantasma do que somos. Não estaríamos sempre atrás do véu. Seríamos o Eu Ideal. (LACAN, 1999a)

Mas por que não somos? Por que não choramos ou gritamos sempre que temos vontade? E... por que não experimentamos concretamente todo conteúdo do nosso imaginário? Por que, sequer, permitimos que nosso imaginário corra livremente sem que nos surja culpa como uma reação quase imediata?

Estamos imersos em um mundo que contém outros homens e que, ao longo de milhares de anos, vêm construindo códigos éticos, morais e de conduta. Normas de convivência em sociedade são criadas desde a mais primitiva vida humana. Os objetivos da criação dessas normas são inúmeros e valem à pena ser questionados em momento oportuno, mas agora, temos um fato em nossas mãos – essas normas existem. Existem e constituem, com outros fatores, a cultura de um povo. Dessa forma estamos imersos em uma cultura e respondemos à demanda dela. (LACAN, 1999a)

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24 ESTRUTURA DO SUJEITO

EU IDEAL

SUPEREU---| IDEAL DO EU

EU ATUAL

(SANTOS, 1999)

O Nome do Pai, enquanto metáfora do Supereu, é o que castra mas também é o que oferece uma saída, o que nos torna pessoas enquadradas em uma cultura e aceitos por ela. É também o que nos impõe culpa, dívida e muitas vezes, sintomas. Muitos sintomas psicossomáticos nada mais são do que auto-flagelações que nós, neuróticos, nos impomos como forma de pagamento de dívida ou remissão de culpa pelas vezes em que atuamos quando o Supereu falha ou até quando permite. (LACAN, 1999b)

O consciente é uma pequena parte da formação psíquica do sujeito que está clara ao seu próprio conhecimento. Nesse consciente, habitam os processos do superego, do ego e de uma pequena parte do id. Estando esse último, em sua maior parte encontra-se restrito ao imenso universo inconsciente. (FREUD, 1920/1996)

Retomando conceitos , o Simbólico de Lacan se relaciona com o Superego de Freud e com a Cultura na etnopsiquiatria; e o Imaginário de Lacan se relaciona com o Id de Freud. Tal associação não pode ser feita entre o Real (Lacan) e o Ego (Freud) visto que a primeira estrutura advém da foraclusão do Nome do Pai (ausência da atuação do Superego/Simbólico) e a segunda, advém do resultado da ação do Superego/Simbólico no Imaginário/Id. (ROUDINESCO & PLON, 1997)

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25 Torna-se clara a premissa de que ―cada um adoece com o conteúdo de vida que tem‖. Aquilo que, para um brasileiro, representa um desejo, uma falta e, portanto uma frustração imposta pelo ―não‖ de sua cultura, pode não representar coisa alguma para um europeu ou para qualquer outra pessoa cuja cultura não reconheça esse ―não‖. A cultura que permeia a vida de um idoso contribui para a formação de um superego completamente diferente do superego de um jovem e, portanto, sintomas emocionais surgem com intensidades distintas, em circunstâncias distintas e são vividos de maneiras distintas. (ALMEIDA et al, 1999)

A libido é uma das condições pulsionais mais intensas que possui o ser humano. Especialmente nos países de cultura ocidental judaico-cristã, a libido sofre grandes castrações no imaginário, sobretudo no imaginário das mulheres. A vivência da sexualidade, seja na concretude dos atos, seja apenas no imaginário é permeada pela noção comum em nossa cultura do pecado e da mácula. (KAPLAN & SADOCK, 1999)

Na estruturação mental do indivíduo psicótico, o superego encontra-se suprimido. Seja porque houve uma negligência da função paterna, seja porque a função materna não permitiu a entrada do ―nome do pai‖. Dessa forma, delírio do indivíduo psicótico, é interpretado como manifestação de pulsões sem a forte censura psíquica. (KAPLAN & SADOCK, 1999)

Em alguns países o delírio erótico é bastante freqüente nas pacientes do sexo feminino, especialmente naqueles em que a liberdade sexual é muito restrita. Isso ocorre com mais freqüência ainda com idosas do sexo feminino que desenvolvem sintomas psicóticos e, portanto perdem o elemento psíquico que castra seu imaginário, que lhe confere o pudor e estruturam um pensamento delirante de cunho sexual que, inúmeras vezes, chega a chocar quem convive com aquela idosa que nunca dissera coisa semelhante anteriormente. Em outros países onde essa liberdade é maior não só esse delírio não tem a mesma freqüência como também, em alguns casos, o mesmo discurso pode, por questões culturais, não ser interpretado como uma vivência delirante, ou pelo menos, não com a mesma intensidade delirante. (LAPLANTINE, 1998)

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CAPÍTULO 2:

2.1 A PSICANÁLISE E O FEMININO

Falar do feminino idoso sob a ótica psicanalítica significa, necessariamente, falar do feminino de uma forma geral. Não há consideração específica sobre a idosa que não seja uma ―re-consideração‖ da questão do, ―simplesmente‖, feminino. Essa questão é justificada quando fazemos uma releitura da dialética feminino e recalque proposta por Freud. (NERI, 2005)

―Todos os recalques se efetuam na primeira infância; são medidas primitivas de defesa, tomadas pelo ego imaturo, débil. Nos anos posteriores, não são levados a cabo novos recalques, mas os antigos persistem, e seus serviços continuam a ser utilizados pelo ego para o domínio das pulsões. Livramo-nos de novos conflitos através daquilo que chamamos de recalque ulterior‖. (FREUD, 1937/1996)

Definir o que é masculino e o que é feminino foi uma tarefa que marcou todo o percurso de construção da psicanálise. O desenvolvimento do conceito de feminilidade percorreu um caminho desde Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905/1972), com a idéia de libido única de essência masculina, até Análise Terminável e Interminável

(1937/1996), onde Freud conclui que o feminino é algo presente em homens e mulheres.

Para Birman (1999, p. 10), a feminilidade representa uma marca psíquica contrária ao falo e que define uma posição subjetiva:

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28 Isso significa, então, que a feminilidade está ligada a algo da ordem do originariamente recalcado tanto em homens quanto em mulheres. Aquilo que está na origem da constituição de qualquer sujeito e que corresponde àquilo que é extremamente particular e subjetivo.

2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MULHER EM FREUD

Falar sobre o feminino baseado em Freud implica em passar pelos conceitos de atividade e passividade. Considerando que há características psíquicas femininas e masculinas em ambos os sexos, aquelas femininas se correlacionam à passividade e as masculinas, por sua vez, se correlacionam com a atividade. É durante o complexo de Édipo que as posições femininas e masculinas começam a se delinear. (FREUD, 1932/1996)

―O complexo de Édipo ofereceu à criança duas possibilidades de satisfação, uma ativa e outra passiva. Ela poderia colocar-se no lugar de seu pai, à maneira masculina, e ter relações com a mãe, como tinha o pai, caso em que cedo teria sentido o último como um estorvo, ou poderia querer assumir o lugar da mãe e ser amada pelo pai, caso em que a mãe se tornaria supérflua‖. (FREUD, 1924/1996, p. 196).

Para a psicanálise, a diferença entre masculino e feminino não está na anatomia. Nem tão pouco, na coincidência da masculinidade com comportamentos ativos e da feminilidade com comportamentos passivos. Freud (1932/1996, p. 117) afirma que deve-se ter cuidado para que isso não seja afirmado com base em costumes sociais:

―De acordo com sua natureza peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher – seria uma tarefa difícil de cumprir -, mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual‖.

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29 órgão masculino. Acontecerá, então, na sexualidade da menina um processo de transição: ela terá que sair da vivência sexual masculina do clitóris e terá que viver a sexualidade feminina na vagina. Essa é a primeira diferença que Freud (1931/1996) aponta ao desenvolvimento sexual entre meninos e meninas em um período em que a única diferença perceptível e considerada é a presença ou ausência do pênis.

Segundo Serge André, a vivência da sexualidade masculina pela menina ocorre na fase pré-edípica, quando ela ainda está identificada à mãe. Ela poderá passar à vivência feminina da sua sexualidade quando ocorrer a passagem pelo Édipo, quando do processo da castração emergir uma menina que se percebe sem o falo e que passa a identificar-se com o pai numa tentativa de se completar com seu falo. Em um terceiro momento, ao perceber que não pode manter essa identificação paterna, uma vez que ele foi eleito seu objeto de amor, ela retorna à identificação com a mãe. Essa oscilação entre as duas fases do Édipo, e portanto, entre os dois objetos de amor e as duas identificações ficará marcada ao longo de toda a vida sexual da mulher. (ANDRÉ, 1998).

A segunda diferença para Freud é quanto à escolha de objeto. Tanto para a menina quanto para o menino a mãe é o primeiro objeto de amor. Porém, o menino não muda de objeto após a vivência do Complexo de Édipo, enquanto que a menina abre mão desse objeto amado após a castração dando continuidade ao desenvolvimento da posição feminina. Esse desligamento da menina de sua mãe é importante para que ela se torne mulher e para que se torne, sobretudo, sujeito independente.(KEHL, 1998)

Segundo Freud (1932/1996), o desenvolvimento sexual da mulher se ampara em duas assertivas. Primeiro que haverá uma luta da libido para se adaptar a essa função feminina uma vez que ela não é originária, e segundo que as questões mais críticas já terão sidas resolvidas antes da puberdade.

A sexualidade feminina e masculina se definem a partir do Édipo porém, no caso da menina, Freud (1932/1996) chama a atenção para a vivência do período pré-edípico de ligação com a mãe. A ligação erótica que a menina desenvolve com o pai não é senão uma transferência dos desejos vividos inicialmente com a mãe.

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30 A menina vive esse afastamento obrigatório da sua mãe com bastante hostilidade. Nesse momento ela não aceita o pai, pois é ele quem a priva de seu objeto de amor. Freud (1932/1996) diz que o menino, ao passar pelo complexo de Édipo nada perde, pois seu objeto de amor continua sendo a mãe, há apenas um ―adiamento‖dessa relação de amor. Já a menina, para atingir a feminilidade, abre mão desse objeto que lhe é tão caro para ligar-se ao pai.

O pai, como agente da castração, atua na menina, principalmente, barrando o desejo da mãe sobre essa primeira. A mãe, endossando e permitindo a inserção da função castradora do pai, proíbe-lhe muita coisa a partir da educação, inclusive a prática da masturbação do clitóris. Sendo assim, a menina abre mão da sua mãe pela agressividade. Isso faz com que esse objeto amado não lhe seja mais tão perfeito. Além disso, ela descobre que a mãe também é castrada e a culpa por sua própria castração. Isso obriga a menina a procurar refúgio no pai. Porém isso não acontece sem ser acompanhado por sentimentos de perda e rejeição. (FREUD, 1931/1996)

―Seja como for, ao final dessa primeira fase de ligação à mãe, emerge, como motivo mais forte para a menina se afastar dela, a censura por a mãe não ter lhe dado um pênis apropriado, isto é, tê-la trazido ao mundo como mulher‖ (FREUD, 1931/1996, p. 268).

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2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MULHER EM LACAN

Para Lacan, a constituição do sujeito não se dá apenas a partir do Édipo, mas começa desde o estádio do espelho. Fazendo um retorno a Freud, ele acrescenta uma questão fundamental à teoria freudiana. (LACAN,1998)

Antes desse estádio o bebê não se percebe como ser independente de sua mãe. Esta interpreta todas as suas expressões, com isso, coloca ali algo que é seu, algo que diz dos seus desejos. O olhar da mãe lhe transmite uma imagem unificada do seu eu com o da mãe. Esse estádio começa quando o bebê está por volta dos seis meses e termina em torno dos dezoito meses de idade e representa o processo de subjetivação do indivíduo. (LACAN,1998)

O estádio do espelho ocorre em três fases. Na primeira fase, a imagem no espelho é interpretada pelo bebê como um outro real. Na segunda fase ele já percebe que não é uma outra criança, mas sim uma imagem. Na terceira fase o bebê já dá conta de perceber que aquilo que ele vê é sua imagem. (LACAN, 1998)

No estádio do espelho o indivíduo se vê como sujeito antes mesmo de se objetivar na dialética da identificação com o outro e de considerar como sendo ―eu‖ aquilo que o outro vê nele. Antes até da linguagem (Outro) lhe atribuir uma função simbólica universal de sujeito. (LACAN, 1998)

Nesse período, o bebê ainda não teve acesso à linguagem e conseqüentemente ao simbólico, por isso, a imagem refletida é uma referência para o eu, mas, ao mesmo tempo em que lhe confere a sensação de unidade, representa também o destino alienante do sujeito. Assim, o estádio do espelho antecipa algo para o qual o sujeito ainda não está preparado para viver. Ele é um ―eu‖ , mas despedaçado. (LACAN, 1998)

A função do estádio do espelho é ―estabelecer uma relação do organismo com sua realidade‖ (LACAN, 1998, p. 100). Sua conclusão se dá na passagem do eu especular para o eu social; do moi para o je. Ainda segundo Lacan, isso acontece ―pela identificação com a

imago do semelhante e pelo drama do ciúme primordial‖ (LACAN, 1998, p. 101).

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32 O primeiro tempo do Édipo é aquele no qual ocorre o estádio do espelho. A criança está totalmente inserida na posição de objeto de desejo da mãe, ou seja, ela funciona como falo materno. Como a mãe é um ser humano que já teve acesso à linguagem, ou seja, à lei simbólica, e é somente a ela a quem o bebê permanece temporariamente ligado, ela fica para ele como a lei prevalecente. (LACAN, 1998)

―Mas essa lei da mãe é onipotente, pois só ela é capaz de satisfazer e suprir as precisões da criança. A mãe nesse primeiro tempo lógico do Édipo é para a criança um Outro absoluto, sem lei‖ (QUINET, 1986, p. 16).

Dessa forma, o ―eu‖ será formado a partir dos reflexos de suas ações que vêm da mãe. É ela quem reflete especularmente no seu olhar o que é esse ser humano. Há uma unidade ilusória que dará ao indivíduo, bebê, a idéia de eu-ideal.

A partir da aquisição da linguagem, a criança entra no universo simbólico. ―Lacan nos indica que o fato de poder representar a mãe por um fonema denuncia que esta é simbolizada pela criança‖ (QUINET, 1986, p. 18). Ela deixa de ser objeto para ser símbolo – nominado filho. Essa entrada inicial no simbólico por parte da criança representa o segundo tempo do Édipo e se dá pela chegada de um terceiro elemento na relação mãe/bebê: o pai. Este aparece como instância, função paterna, no discurso da mãe. Surge então na vida psíquica da criança o significante nome-do-pai e a metáfora paterna. Esse pai entra como instaurador da lei, do simbólico. Isso significa que o desejo da criança com a mãe e dela para com o filho será barrado, castrado pelo pai. (LACAN, 1999b)

O nome-do-pai demonstra para a criança que o olhar da mãe não está voltado somente para ela, e que assim, a mãe também está submetida a uma lei. O significante nome-do-pai é o que faz a mãe ser simbolizada, a função significante do nome-nome-do-pai inscreve-se, então, no Outro (O lugar de circulação dos discursos, que produzem um saber com valor de verdade), que era para a criança, até então, só ocupado pela mãe (QUINET, 1986).

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33 ter o falo como o pai. Essa identificação com essa figura, de fato fálica do pai, marca o terceiro tempo lógico do Édipo. (LACAN, 1999b)

―Percebe-se melhor agora como a interdição paterna, reiterando para cada sujeito o princípio inaugural da passagem Natureza-Cultura, faz do pai o representante da Lei e o protagonista da entrada que o sujeito efetua na ordem da cultura, da civilização e da linguagem... No decurso do fenômeno Edípico, a criança, simbolizando a realidade paterna, isto é, acedendo à ‗metáfora paterna‘ (Nome-do-Pai, ou seja, uma coisa nomeada que exerça a função do interdito e que possa castrar o sujeito), acede à Lei, cujo fundamento é precisamente o Nome-do-Pai, e se instala no registro simbólico‖. (LEMAIRE, 1989, p. 130).

O sentimento de hostilidade da menina com relação a sua mãe marca o início da implicação dela com o feminino. A mãe castrada revela para a criança o insuportável da sua condição - ela não é fálica. (LACAN, 1999b)

Na obra de Lacan o falo tem uma função a mais do que na teoria Freudiana onde este é uma referência simbólica da castração. Para Lacan, o falo é também um elemento significante que marca e define o masculino. (LACAN, 1958/1998)

―O pai só é estruturalmente terceiro na situação edipiana porque o falo é o elemento significante que lhe é atribuído. Uma primeira precisão parece estar estabelecida: o objeto fálico é, antes de mais nada, um objeto cuja natureza está em ser um elemento significante‖. (DOR, 2003, p. 74).

A castração possibilitará ao sujeito deparar-se consigo mesmo e com suas faltas. O significante nome-do-pai traz para o sujeito a possibilidade de acesso à subjetividade e à construção de sí como ser independente. Incentiva a realização de si mesmo no mundo da linguagem, da cultura e da civilização.

Porém, a partir desse momento, no caso específico da menina, ela terá que se haver com uma identidade sexual da qual se sente privada (ANDRÉ, 1998).

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34 A menina estrutura sua identidade sexual a partir da observação da falta, em seu corpo, de um significante masculino, o falo. Ou seja, nessa idade menino e menina apenas possuem arcabouço cognitivo para diferenciação deles a partir da observação de que o menino tem algo (pênis, ou simbolicamente, o falo) e a mulher não tem. Portanto, para a criança, nesse período, a pergunta ―O que é o homem?‖ seria respondida : ―O homemé aquele que possui algo‖. Agora, para saber o que é a mulher a gente só tem uma definição negativa: ―A mulher é aquele ser que não é homem, ou seja, que não tem algo‖. Dessa forma, a pergunta ―O que é a mulher?‖ não tem uma resposta positiva já que a mulher não tem esse ―algo‖ que a represente. (LACAN, 1958/1998)

Conclui-se então que a idéia pré-definida do que é a mulher, de sua essência, realmente não existe. Por quê? Porque diferentemente do homem ela não tem um objeto que, primariamente, a represente. Por isso, Lacan diz que ―AMulher não existe‖ - A mulher enquanto representação do que é a mulher. Sendo assim, para Lacan, não há uma definição padrão do que é ser mulher. (LACAN, 1996)

As mulheres são obrigadas a construir sua versão da feminilidade sem um suporte simbólico. Como ser da linguagem, seu corpo não é suficiente como garantia de acesso à posição feminina. A mulher ganha existência como ideal presente na criação artística – por exemplo, na literatura – quando o poeta cria uma representação do feminino, ele confere realidade a esse ideal. A mulher e a feminilidade se presentificam na sedução, no corpo, na menstruação, no climatério, na gestação e, sobretudo, na forma de se fazer ser amada. (NERI, 2005)

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CAPÍTULO 3:

3.1 A SEXUALIDADE FEMININA

Para a psicanálise só existe um sujeito, o sujeito do inconsciente. O conceio de pulsão é avesso a qualquer noção desenvolvimentista, sempre parcial e, portanto, a sexualidade adulta e a sexualidade infantil. Dessa forma pensar na sexualidade da idosa implica, necessariamente, em esmiuçar o processo de estruturação da sexualidade feminina. (MUCIDA, 2006)

O processo de desenvolvimento psicossexual da criança definirá sua posição subjetiva ao longo de toda a vida, seja essa criança menino ou menina. (FREUD, 1905/1972). Toda a vivência sexual infantil desde o nascimento até a experiência genital adulta trilhará o caminho para o modo do sujeito ser no mundo, daí notamos a importância da estruturação sexual do sujeito. Para Celes ―a sexualidade em seu enraizamento biológico e psicológico é o pivô, a pedra angular, ou ainda, conteúdo e forma, da subjetividade‖ (1995, p. 151).

O termo ―libido‖ designa uma energia postulada por Freud como substrato da pulsão sexual. A libido é essencialmente de natureza sexual, sendo irredutível a outras formas de energia mental não-especificadas. Este é o principal ponto de discordância entre Freud e Jung, na medida em que este último via na libido uma energia psíquica indiferenciada. A libido em Freud é, então de natureza sexual, apesar de poder ser ―dessexualizada‖ no que se refere ao objetivo e é concebida como a manifestação dinâmica na vida psíquica da pulsão sexual. (GARCIA-ROZA, 2001)

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36 A constatação de que não possuem o pênis/falo produz, para Freud, uma ferida narcísica incontornável, que provocará o sentimento de inferioridade na mulher. Assim, diante da constatação de sua falta e da consequente ―inveja‖, a menina sai em busca de uma compensação, vindo a percorrer caminhos diversos no tocante ao desenvolvimento de sua sexualidade. Nesse sentido, nas palavras de Freud, Ela viu, sabe que não tem e quer tê-lo

(FREUD, 1925, p.314), será a expressão que melhor caracteriza o motor de funcionamento do psiquismo feminino, sua marca fundamental. A partir desse ensaio, então, as características da falta e da inveja ganham relevância e se tornam constitutivas da subjetividade feminina.

Segundo Freud (1931/1996), a sexualidade da menina tem três destinos possíveis a partir da vivência do complexo de castração: a inibição sexual ou a neurose, a modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinidade e a feminilidade normal.

Na inibição sexual ou neurose, a castração é vivida como algo muito traumático. Inicialmente a menina vive sua sexualidade de maneira masculina com a ilusão de que seu clitóris é um pequeno pênis e que ainda vai crescer. A partir da constatação da ausência do pênis a menina renuncia as atividades masturbatórias e ativas do clitóris, repudia o seu amor pela mãe e acaba por recalcar suas inclinações sexuais fator que se estenderia para outros campos ao longo de toda sua vida. (FREUD,1931/1996).

No complexo de masculinidade, a menina recusa a reconhecer-se castrada e com isso fica presa a uma atividade sexual clitoridiana afirmando cada vez mais sua porção masculina. Sem querer abrir mão de sua satisfação com a atividade clitoridiana, insiste nesse comportamento apesar das recriminações e refugia-se em uma identificação com a mãe fálica ou com seu pai. Assim, a menina marcada pela inveja do pênis insistiria na esperança de obtenção de um pênis que a tornaria definitivamente masculina. Assume um comportamento ativo tal como geralmente é característico no homem. Essa seria uma posição defensiva, onde a mulher permaneceria na satisfação sexual clitoridiana, recalcando assim, seu próprio sexo. (FREUD, 1932/1996).

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37 substituído pelo desejo de ter um bebê e este sendo do seu pai. ―... o objetivo do mais intenso desejo feminino‖ (FREUD, 1932/1996, p. 128).

―O desejo que leva a menina a voltar-se para seu pai é, sem dúvida, originalmente o desejo de possuir o pênis que a mãe lhe recusou e que agora espera obter de seu pai‖. (FREUD, 1933, p.128).

―No entanto, a situação feminina só se estabelece se o desejo do pênis for substituído pelo desejo de um bebê, isto é, se um bebê assume o lugar do pênis, consoante uma primitiva equivalência simbólica‖. (FREUD, 1933, p.128).

Nesse sentido, o encontro do caminho para a forma feminina do complexo de Édipo se dá por intermédio do deslizamento da equação simbólica em que a menina substitui o desejo de um pênis pelo desejo de um bebê de seu pai. A menina, sob o signo da inveja do pênis, afasta-se de sua mãe com o sentimento de hostilidade por não tê-la aparelhado do precioso órgão (nem possuí-lo), voltando-se para o pai em uma demanda fálica, realizando a equação simbólica freudiana (pênis=bebê). Por esse caminho, a menina se vê então obrigada a renunciar à masturbação clitoriana e à mãe, como objetos de investimento, na busca de alcançar um destino feminino para sua sexualidade. Dessa forma, Freud indica a necessidade da realização de duas trocas: a primeira de zona erógena – a substituição do clitóris (modo ativo de satisfação pulsional) pela vagina (substituição pelo gozo passivo). E a segunda de objeto de amor – da mãe para o pai –, sendo estas duas trocas os pressupostos para atingir a condição feminina da sexualidade. (FREUD, 1933)

Elegendo o pai como objeto de amor, a menina terá que identificar-se com a mãe e, assim, ―aprenderá‖ a ser mulher com sua mãe. Ela lhe mostrará o que ―tem‖, para ter conseguido conquistar o marido, pai da menina. A questão incômoda nesse momento é ela ter que se identificar com uma marca fálica inexistente na mãe. A mulher, a partir daí, inicia seu processo de fazer-se gostar pelo que ela não tem. (FREUD, 1933)

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38 Segundo Lacan (1996), não é a falta do pênis que define a diferença entre os sexos, mas a falta imaginária dele, ou seja, a falta do falo. A menina sustenta então, psiquicamente, sua condição de faltante a partir do que ela imagina que deveria encontrar no lugar do seu buraco.

A identificação da menina com sua mãe ocorre de maneira negativizada, pois a identificação ocorre com aquilo que ela não é e com o que ela não tem. (LACAN, 1996)

―Uma identidade imaginária só se constitui se puder se apoiar sobre um traço unário, significante mínimo que o sujeito se apropria do outro para arrimar sua identidade. Ora, a metáfora paterna não oferece à mulher um suporte identificatório de feminilidade. Do lado da mãe, a filha também não encontra um significante da feminilidade. A falta da mãe em relação à filha deve ser vista como uma falta dupla: falta do significante da feminilidade e falta do falo‖. (NERI, 2005, p. 203).

Quando o grande Outro, ou seja, o ponto maior de identificação da criança, é deslocado da figura da mãe para a do pai, na inclusão do nome do pai, a criança percebe que está submetida a uma lei simbólica e que pode ser castrada se permanecer no gozo com a mãe. Esse pai que castra é aquele não submetido à castração; é o menos um (LACAN, 1996).

Lacan faz uma releitura do mito da horda primitiva, introduzido por Freud em ―Totem e tabu‖, para mostrar que o pai originário, não submetido à castração, é o suporte da fantasia de um gozo absoluto. Lacan o chama de hommoinzin, neologismo que condensa

homme moins un, literalmente homem menos um. Pai não submetido à castração é o mesmo que vive sob a ameaça dela. É nesse sentido que só há gozo para o homem enquanto gozo fálico, limitado, submetido à ameaça da castração. O gozo fálico constitui a identidade sexual entre os homens. (LACAN, 1996)

Do lado das mulheres, não há o equivalente do pai originário, não há hommoinzin

que vive na fuga da castração. É nesse sentido que o gozo feminino se torna sem limites e adquire a consistência de um gozo suplementar ou gozo do Outro. Lacan funda assim a teorização de um gozo feminino isolado de qualquer referência anatômica ou biológica. (LACAN, 1996)

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39 Dessa forma, enquanto o feminino, para Freud, ocupa um lugar de singularidade que distingue um ser humano de outro, seja ele homem ou mulher; para Lacan, o feminino representa a condição necessária para a mulher se fazer desejar.

Portanto, tanto para Freud, quanto para Lacan, o sujeito mulher é um caso de vir-a-ser, de estruturar-se.

3.2 NARCISISMO

Alguns autores consideram que na velhice, podem ocorrer alterações do narcisismo, especialmente na idosa, quem mais se percebe longe do padrão de objeto de desejo e de admiração das pessoas na nossa atual cultura. Essa cultura de valorização do novo pode nortear a mudança do narcisismo tanto para o surgimento de uma ferida narcísica, conforme trata Barlier em 1976/2002, em suas proposições referentes à clínica psicanalítica do idoso; quanto para o retorno ao narcisismo primário, conforme teoriza Ferenczi (2001).

Para Barlier, a alteração importante no narcisismo traria um intenso sentimento de desvalorização. Não se trata do fator quantitativo da energia libidinal mas da repartição da libido entre o eu e o objeto. As inúmeras perdas que ocorrem com o processo de envelhecimento fariam com que o idoso vivesse em uma luta permanente entre o investimento afetivo em si mesmo e o ―desenvestimento‖que abre a morte. A aposentadoria, por exemplo, pode significar perda de poder, de prestígio levando a uma ferida narcísica grave e a um desenvestimento em si mesmo provocando o surgimento de sintomas como o acúmulo excessivo de objetos e o apego aos mesmos como se esses fossem parte integrante do sujeito.

Para Ferenczi, o idoso tem a tendência a retirar as emanações da libido dos objetos de amor e retornar sobre seu eu o interesse libidinal:

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40 Entre as considerações dolorosas de Barlier e as teorizações pessimistas e radicais de Ferenczi, surge Karl Abraham em 2002 no seu artigo intitulado ―O prognóstico do tratamento psicanalítico para os sujeitos de uma determinada idade‖ e pondera, baseado na psicanálise e na premissa básica de que o processo inconsciente é atemporal, que é muito mais importante a idade da neurose do que do neurótico. Conceitua que a análise se estruturará a partir da posição em que o idoso se coloca com relação ao seu desejo e que, se não se deseja mais, torna-se velho independente da idade cronológica. (ABRAHAM, 2002)

Essa idéia é compartilhada por Mannoni (1995) que refere que entra-se na velhice quando se perde o desejo. Não entrar na velhice seria ―guardar em si uma certa dose de cumplicidade com a criança que se foi‖

Sendo assim, considerando que a velhice faz parte de um processo continuo do sujeito, que o inconsciente não se submete ao tempo cronológico e que as escolhas feitas quando se é idoso são reflexos de nossa estruturação psíquica desde antes de nascermos, e ainda que o inconsciente ―não cessa de se inscrever‖ (MUCIDA, 2006) procedo as considerações sobre o narcisismo nos sexos e as interferências dele nas nossas escolhasde objeto de amor.

Na tradição grega, o termo narcisismo designa o amor de um indivíduo por si mesmo. A lenda e o personagem de Narciso foram celebrizados por Ovídio na terceira parte de suas

Metamorfoses. (BELLMIN, 1983)

Em 1914, em ―Sobre o narcisismo, uma introdução‖ que o termo adquiriu o valor de um conceito. O desenvolvimento teórico desse assunto implicou na reformulação da teoria das pulsões, desaparecendo a separação entre pulsão do eu e pulsões sexuais e, sendo o eu definido como um ―grande reservatório da libido‖. (ROUDINESCO & PLON, 1997)

O narcisismo primário, constituinte do período de auto-erotismo, foi situado como o primeiro estado da vida, anterior à constituição do eu, característico de um período em que o eu e o isso são indiferenciados. Na tópica de Lacan, o narcisismo primário ou original se instaura quando o bebê vê sua imagem refletida no espelho. Já o narcisismo secundário, em Freud, é definido no estudo da psicose e, posteriormente, é estendido para outros casos em que o indivíduo faz a retirada de sua libido de todos os objetos externos. (ROUDINESCO & PLON, 1997)

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41 Para Freud (1914/1996) todo ser humano tem, desde seu nascimento, dois objetos sexuais, quais sejam, ele próprio e a mulher que cuida dele. Essas formas de escolhas de objetos de amor podem se manifestar de maneira dominante na sua futura escolha objetal. A escolha objetal de um sujeito se dará a partir de suas vivências iniciais de satisfação, sendo assim, a escolha objetal pode ser narcísica

―Descobrimos, de modo especialmente claro, em pessoas cujo desenvolvimento libidinal sofreu alguma perturbação, tais como pervertidos e homossexuais, que em sua escolha ulterior dos objetos amorosos elas adotaram como modelos não suas mães mas seus próprios eus. Procuraram inequivocamente a si mesmas como um objeto amoroso, e exibem um tipo de escolha objetal que deve ser denominado ‗narcisista‘. Nessa observação temos o mais forte dos motivos que nos levaram a adotar a hipótese do narcisismo‖ (FREUD ,1914/1996 p. 94).

Ou essa escolha objetal pode ser do tipo anaclítica. Se na escolha narcísica o sujeito se liga objetalmente a si mesmo, na anaclítica ele estabelece uma ligação entre um objeto externo e quem foi o responsável por lhe dispensar os cuidados ligados à necessidade.

Assim, Freud (1914/1996) afirma que o indivíduo que faz a escolha objetal do tipo narcísica, procura alguém que seja o que ele próprio é, o que ele próprio foi, o que ele próprio gostaria de ser ou alguém que foi, alguma vez, parte dele mesmo. Já quem faz a escolha objetal do tipo anaclítica, se liga a indivíduos que operam como substitutos da mulher que o alimentou ou do homem que o protegeu (processo de ligação).

Apesar de dizer que tanto a escolha objetal narcísica quanto a anaclítica podem ocorrer com qualquer sujeito, Freud faz clara distinção no que diz respeito a homens e mulheres. O que seria típico do sexo masculino é a escolha anaclítica. E com relação às mulheres, a escolha mais provável seria a narcísica.

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42 O amor objetal completo do tipo anaclítico, segundo Freud, é o modo de amar tipicamente masculino (embora afirme que também possa ser encontrado em algumas mulheres). Decorre dele a supervalorização sexual do objeto que, nos casos de apaixonamento, atinge seu mais alto grau. Nesses casos, em que o sujeito abriu mão do seu próprio narcisismo, ocorreu um empobrecimento da libido dirigida ao ego, em favor do objeto amoroso. O objeto é idealizado pelo sujeito e lhe é atribuída uma perfeição que só pode equivaler ao ego ideal. O amado toma o lugar do ego ideal e nessa dinâmica se restabelece uma situação narcísica essencialmente primitiva – em que o eu era modelo da perfeição – só que desta vez quem ocupa esse lugar é o outro idealizado. (FREUD, 1914/1996)

Se para as mulheres a escolha objetal mais comum seria a narcísica, pode-se pensar que elas têm como principal caminho de satisfação egóica o ato de serem amadas, já que, para Freud, a escolha objetal narcisista teria como finalidade a satisfação no fato de ser amado. (FREUD, 1914/1996)

O investimento que algumas mulheres fazem em si mesmas se compara em intensidade ao amor que os homens lhes dedicam. A necessidade feminina estaria mais em serem amadas e menos em amar. O fascínio que tais mulheres exercem sobre os homens se deve ao fato do narcisismo de certas pessoas exercerem grande atração naqueles que renunciaram ao seu próprio [narcisismo] e estão em busca do amor objetal anaclítico. (FREUD, 1914/1996)

Ao redefinir o falo como significante, Lacan redefine a feminilidade. Em ―Significação do Falo‖ (1958/1998), Lacan diz que não se trata para a mulher de ter o falo, mas de ser o falo (diferente de Freud), identificando-se ao significante fálico.

Lacan chama o amor do homem de fetichista e o amor da mulher de erotomaníaco. O eixo disso é o falo. A mulher enquanto objeto de amor é como o falo, completude com a mãe fálica, a mulher tem para o homem essa significação fálica. O homem deseja, a partir da mãe, a parceira amada. A forma erotomaníaca do amor na mulher corresponde a uma convergência aparente do afeto e do desejo sexual sobre o mesmo objeto: são as diferentes posições do sujeito frente à sexuação. No amor erotomaníaco o órgão masculino, toma valor de fetiche. (LACAN, 1958/1998)

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43 estruturalmente frente ao homem na posição de ser amada pelo homem de ser o seu falo. (LACAN, 1958/1998)

Forma erotomaníaca é uma condição de gozo ideal para a mulher - ser amada pelo ‗A‘, pelo grande ‗A‘. Lacan, no texto sobre um Congresso diz que esse ‗A‘ se relaciona com o inconsciente, com o imaginário, ideal que vai dar a mulher a condição de responder a partir dele e, só então assumir a ação de amá-lo.O ‗A‘ é o que se dirige à mulher e faz com que ela o ame. (LACAN, 1958/1998)

Green (2000), acredita que a mulher se encontra num registro para além do fálico, porém, sua relação com a perda do amor estaria concatenada com o que Freud disse a respeito da busca por ser amada. Para Green existe uma relação direta entre o papel da castração feminina e a angústia pela perda do amor.

―A fruição feminina não poderia ser definida, na sua especificidade, na referência ao fálico, nem que fosse sob suas expressões metaforizadas. Haveria, aqui, um ‗para além‘ do princípio fálico, conotado pela castração. O papel da perda do amor aparece, aí na mulher, então, como algo mais difícil de superar‖. (GREEN, 2000, p. 52).

Talvez não seja possível pré-traçar um único caminho para todas as mulheres. O próprio Freud (1914/1996), admite que há um grande número de mulheres que amam conforme o modelo masculino (anaclítico). Serge André traz uma brilhante contribuição que ajuda a compreender melhor a questão referente à demanda de amor exigida pela mulher. Ele faz um link entre o que Freud disse a respeito da escolha objetal narcísica e da posição subjetiva feminina de que trata Lacan. Nesta, a relação da mulher com o Outro se dá em busca de um suplemento de inconsciente ―suplemento que a faria sujeito lá, precisamente, onde ela não o é‖ (ANDRÉ, 1998, p. 256).

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44 Sob a luz da psicanálise, a busca feminina por ser amada não é algo depreciativo ou de submissão. É preciso que isso fique claro. Ela simplesmente aponta o lugar de diferença; o lugar de busca. Não um lugar de busca por ser menor, mas um lugar de buscar por se significar mulher.

3.3 A SEXUALIDADE FEMININA NA IDOSA

Em ―Três ensaios sobre a teoria da sexualidade‖ (1905/1972) Freud postula que não existem regra sexuais e sim regras sociais, acrescenta ainda que o desejo e a libido não têm idade sendo, a sexualidade adulta igual à sexualidade infantil. Assim, a sexualidade não se atendo à função biológica, sendo avessa a ela, apresenta-se pela relação que cada sujeito estabelece com seu objeto de desejo (FREUD, 1905/1972). Objeto denominado por Lacan de objeto a (causa de desejo e, também, de angustia). Sendo o objeto que falta ao sujeito, ele é também aquilo que vem no lugar dessa falta, sem, contudo, jamais poder preenchê-la. (LACAN, 1992)

Não é a idade que determina a ausência do desejo, nem tampouco a ausência ou presença de relações sexuais. Estas podem ser inscritas na velhice de formas diferentes daquelas encontradas na adolescência mas a sexualidade não deixa de se inscrever de maneiras diferentes e inéditas. (MUCIDA, 2006)

Como foi abordado nos capítulos anteriores, questões fundamentais da estruturação da idosa como mulher, priorização de seus traços femininos ou não e, principalmente suas escolhas de objeto de amor ocorrem da mesma forma que em qualquer outro estágio de sua vida. Dá-se isso pela manutenção psíquica do recalque original, pelo caráter repetitivo das pulsões e pelas marcas profundas e imutáveis que nossa estruturação como sujeito, ainda quando bebês, nos deixam para toda a vida (BIRMAN, 2002), configurando a premissa psicanalítica que o SUJEITO NÃO ENVELHECE.

Referências

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