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O objetivo inicial de Lacan, não foi o de reinventar a psicanálise. O começo do seu ensino se caracterizou como um retorno a Freud. Ele dizia que o sentido do retorno a Freud era o retorno ao sentido de Freud. A propósito da psicanálise, ele se colocava a pergunta: Quais são suas condições e possibilidades? E a resposta era: a psicanálise só é possível se, e somente se, o inconsciente estiver estruturado como uma linguagem. Portanto, o que se chama o ensino de Lacan é o desenvolvimento dessa hipótese até suas últimas conseqüências. (DOR, 1995)

O inconsciente do qual Lacan fala é o inconsciente Freudiano. Aquele que Freud nomeou e que nada tem a ver com o que vinha sendo qualificado anteriormente. O inconsciente tal como Freud nomeou, tem a mesma estrutura da linguagem e isso é uma constatação clara quando se vê a ―Interpretação dos Sonhos‖, a ―Psicopatologia da Vida Cotidiana‖. A partir daí, vê-se que a atividade de Freud é uma atividade de deciframento. Decifra o inconsciente e seus mecanismos – os quais ele chamou de mecanismos primários do inconsciente – que são a condensação e o deslocamento e que têm como protótipos a metáfora e a metonímia. (LACAN, 1954/1985)

Outra evidência de que o inconsciente Freudiano relaciona-se com a linguagem é a observação de que é próprio da psicanálise operar sobre o sintoma mediante a palavra, quer seja esta palavra da pessoa em análise, quer seja da interpretação do analista. A questão que se faz é como a palavra pode atuar sobre o sintoma. Para isso é necessário supor uma medida comum entre o sintoma e a palavra, um operando sobre o outro. (LACAN, 1987)

Freud nunca disse que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, mas o que Lacan tenta demonstrar, é que o descobrimento Freudiano só encontra sua coerência a partir do axioma ―o inconsciente está estruturado como uma linguagem‖. (LACAN, 1987)

58 A descoberta do inconsciente é uma descoberta freudiana e ele foi expondo as conseqüências de sua descoberta, na medida em que foram aparecendo suas implicações. Exatamente por isso, a teoria freudiana é uma verdadeira desordem e é essa a tentativa de Lacan, dar a ela uma ordem, uma clareza lógica. (LACAN, 1987)

O ensino de Lacan é um ensino crítico e ele foi um analista que freqüentemente tentava articular a sua prática a uma teoria. Lacan dá início ao seu ensino a partir de 1953 e o começo, segundo ele, é seu texto ―Função e Campo da Palavra e da Linguagem em Psicanálise‖. Antes disso ele era um médico psiquiatra que tinha escrito vários artigos sobre a clínica psiquiátrica, como sua tese sobre a psicose paranóica de 1932. (DOR, 1995)

Em 1953, por ocasião da primeira cisão do movimento psicanalítico francês, Lacan introduz a proposição ―o inconsciente é estruturado como uma linguagem‖ e a distinção do real, o imaginário e simbólico que, na verdade, seguirá sendo um ponto fundamental no seu ensino e que não mudará através de todas as suas variações. (MARINI, 1991)

De 1953 a 1963 o seu ensino, a cada ano, está dedicado a um conceito, a uma ou duas obras de Freud, e à validade das estruturas de linguagem verificadas em toda a extensão do tempo do inconsciente pela experiência da psicanálise. (MARINI, 1991)

De 1964 a 1974, ele já não comenta mais diretamente os textos de Freud. São os seus próprios termos os que dão ritmo ao seu ensino, o sujeito barrado, objeto ―a‖ e ―A‖ (outro com inicial maiúscula), suas teses são as que ocupam o centro de sua elaboração. Depois de 1974, Lacan toma por objeto o próprio fundamento de seu discurso e, especialmente, a tripartição do real, simbólico e imaginário. (MARINI, 1991)

O estádio do espelho foi sua primeira intervenção em psicanálise. Diz respeito ao interesse lúdico que a criança mostra, entre os seis e os dezoito meses, por sua imagem especular. Reconhece a sua imagem, se interessa por ela, e esse é um fato que podemos dizer, é observável. A importância que ele deu a esse estádio é em função da formação do eu. Ele explica esse interesse da criança fazendo um apelo à teoria de Bolk, segundo a qual o lactante humano é de fato, desde a origem, em seu nascimento, um prematuro e por isso está em uma situação constitutiva de desamparo. Para Lacan, se a criança gosta quando se reconhece em sua forma especular é porque a completeza da forma se antecipa com relação ao que logrou atingir. A imagem é, sem dúvida, a sua mas, ao mesmo tempo, é a de um outro. Devido a esse intervalo, a imagem, de fato, captura a criança e esta se identifica com ela. Isso levou Lacan à

59 idéia de que a alienação imaginária, quer dizer, o fato de identificar-se com a imagem de um outro, leva â constituição do eu (moi) no homem, e que o desenvolvimento do ser humano está escondido por identificações ideais. É um desenvolvimento no qual o imaginário está inscrito, e não um puro e simples desenvolvimento fisiológico. (DOR, 1995)

Lacan então constata que a agressividade ambivalente do homem em relação ao seu semelhante é devido a esse semelhante ser aquele que sempre o suplanta, que está sempre no seu lugar, justamente por que é um semelhante, por que é outro, sendo ao mesmo tempo ele mesmo sobre o modelo dessa imagem primária. (DOR, 1995)

Isso explica também a relação cultural paranóica do homem com o seu objeto. Ou seja, o objeto lhe interessa na medida em que o outro está disposto a tomar-lhe. Lacan compara esse modo de funcionamento ao princípio da publicidade: para aumentar a demanda deve-se dar a entender que o produto é raro e que os outros vão se interessar e ficar com o produto. Isso também tem a ver com o desejo, assim como Lacan o define – o desejo é sempre o desejo do outro. (DOR, 1995)

Abordando a questão do eu, a partir do ―estádio do espelho‖, notamos que o eu não é nem unificador nem unificado, é uma desordem de identificações imaginárias que, no decorrer do trabalho analítico, aparecem sucessivamente. O eu é uma desordem. É assim que aparece na experiência analítica. Em outros campos que não o da psicanálise, que não o do campo freudiano, é possível dar-lhe outros valores. É por isso que a psicanálise não é uma psicologia, é uma concepção não unificada, não unificante do eu. (LACAN, 1987)

Mas nem todas as identificações são imaginárias, algumas delas são normativas simbólicas. E é aí que o ensino de Lacan começa com a disjunção entre o simbólico e o imaginário. Pode-se dizer que o ensino de Lacan começa mesmo quando distingue claramente o que pertence ao domínio do imaginário e o que pertence ao domínio do simbólico. Ao mesmo tempo distingue o eu em sua dimensão imaginária e o sujeito como ser no simbólico. (LACAN, 1954/1985)

O simbólico é, em Lacan, uma noção muito bem elaborada e podemos falar de suas duas vertentes: a vertente da palavra e a vertente da linguagem. Primeira vertente: enquanto a dimensão imaginária é fundamentalmente uma dimensão de guerra e de rivalidade mortal, Lacan encontra na palavra uma função pacificadora. A palavra também opera identificações,

60 mas elas são identificações mediadoras que ajudam a superar a realidade imaginária. Lacan diz que a palavra tem uma função mediadora entre os sujeitos. (DOR, 1989)

Por aí, podemos dizer que o sintoma se deve a um defeito da simbolização, constituindo assim um centro de opacidade no sujeito devido à falta da verbalização, quer dizer, porque não passou pela palavra. Esse sintoma se desfaz, então, na medida em que passa pela palavra. Podemos dizer que a cura analítica é isso, ou seja, uma direção no sentido da simbolização. (LACAN, 1954/1985)

A cura é um processo fundamentalmente subjetivo no decorrer da qual o sujeito é levado a restabelecer a continuidade de sua história que foi interrompida pelo sintoma. É isso que Lacan quer dizer quando fala que o inconsciente é um capítulo censurado da história do sujeito. A cura opera porque permite dar uma significação retroativa ao que permaneceu opaco para o sujeito em sua experiência. É algo inadmissível para o sujeito em um certo momento de sua experiência que vai fabricar o sintoma e a cura, por simbolização, permite desfazer o sintoma. Essa é uma das vertentes do simbólico, a palavra. (LACAN, 1954/1985)

A outra vertente, a vertente da linguagem, refere-se ao que se pode chamar de ordem simbólica como conjunto diacrítico de elementos discretos separados. Quer dizer, os elementos adquirem valor uns com relação aos outros. É um conceito que vem de Saussure, da lingüística estrutural. Os elementos separados estão, enquanto tais, privados de sentido e formam em sua conjugação uma estrutura articulada, combinatória e autônoma. Essa estrutura não tem origem, está sempre por aí disposta, e os seus elementos só valem uns com relação aos outros. A lingüística estrutural só começou no momento em que se deixou de formular perguntas acerca da origem, por isso o ensino de Lacan se opõe totalmente à idéia da psicogênese. Lacan retorna à teoria de Freud e demonstra que o importante não é a concepção histórica, cronológica, do desenvolvimento psicológico. (DOR, 1989)

Para se entender melhor esse caráter da estrutura, podemos pensar que, ao contrário do que se imagina, não há uma apropriação progressiva da linguagem, a linguagem é anterior ao sujeito, ela existe antes mesmo da existência dos indivíduos de um grupo social e de uma cultura. Estes, para se tornarem membros do grupo tem que aprender a funcionar e assumir as regras já dadas. As crianças utilizam formas de linguagem já elaboradas do ponto de vista sintático. Para Lacan, a noção de aprendizagem nos cega, diante do fato de que a estrutura da linguagem preexiste à entrada do sujeito nessa estrutura e, seja qual for a aprendizagem, a criança não modifica essa estrutura, tem que se submeter a ela. (ARRIVÉ, 1999)

61 Do ponto de vista do simbólico, Lacan, em primeiro lugar, retificou o paralelismo que Saussure postulava entre o significante e o significado. Sendo o significante a causa do gozo, Lacan postula que o significante atua sobre o significado, até mesmo de uma maneira radical. O significante cria o significado e é, a partir do sentido do significante, que se engendra a significação. (ARRIVÉ, 1999)

Em segundo lugar, Lacan introduz o conceito de cadeia significante e mostra a determinação que, tal como Freud, ele vê em toda formação do inconsciente – o automatismo de repetição. Lacan assinala que o automatismo de repetição veicula uma marca indelével, e que o inconsciente está constituído por essa marca, da qual o sujeito não consegue desembaraçar-se. (ARRIVÉ, 1999)

Nas representações do sujeito, em seu discurso, em suas condutas, em seus atos ou nas situações em que ele vive, o automatismo de repetição faz com que ele volte continuamente, repetindo os mesmos nós, sem que ele saiba e sem que haja, da parte dele, um projeto deliberado. Esse retorno logo assume um aspecto compulsivo, em geral, surgindo sob a forma de um automatismo. (ARRIVÉ, 1999)

Em terceiro lugar, Lacan aborda o simbólico como uma estrutura e mostra como a relação entre a estrutura simbólica e o sujeito se distingue da relação imaginária do eu com o outro. Por isso introduziu essa escritura do Outro com maiúscula (A), que se distingue do outro com minúscula (que é recíproco, simétrico, do eu imaginário). (LACAN, 1954/1985)

Esse Outro é o grande Outro da linguagem, que está sempre já aí. É o outro do discurso universal, de tudo o que foi dito. É também o Outro da verdade, esse Outro que é um terceiro em relação a todo diálogo, porque no diálogo de um com o outro sempre está o que funciona como referência tanto do acordo quanto do desacordo, o Outro do pacto e o Outro da controvérsia, o Outro da cultura. (LACAN, 1995)

O que Lacan chama de Outro é uma dimensão de exterioridade, que tem uma função determinante para o sujeito. É aí que se situa toda a maquinaria do inconsciente e por aí também podemos perceber toda a diversidade de significações ligadas a esse significante. (LACAN, 1995)

Essa construção implica dizer que o inconsciente não resiste como foi ressaltado na primeira teoria Freudiana. O inconsciente não resiste, o inconsciente repete e diz sempre a

62 mesma coisa. As resistências estão situadas ao nível da relação imaginária entre o eu e o outro e faz ficar nebulosa a relação do sujeito com o grande outro que é, na verdade, o único determinante fundamental para o sujeito. Como se pode ver, a operação analítica se desenvolve essencialmente no simbólico. (LACAN, 1995)

A função do analista é não permitir que a relação imaginária domine, é conduzir ao campo simbólico da ressignificação. O analista manifesta essa subtração à relação imaginária e, na experiência analítica, ele deve estar no lugar do Outro, sua interpretação deve ser dessa posição. Apenas desse lugar tem-se possibilidade de desfazer o sintoma. (LACAN, 1995)