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PERSONAGEM: MADAME BOVARY

7.2.2. Análise literária

Madame Bovary, de Gustave Flaubert, foi publicado originalmente na Revue de Paris,

em 1856. Em livro saiu em 1857. É tido como um dos mais belos romances de língua francesa e um modelo de romance, tendo inspirado muitos autores que se seguiram pelo mundo todo, inclusive em Portugal (Eça de Queirós) e no Brasil (Machado de Assis e Graciliano Ramos).

Diz a crítica que se trata de uma experiência concreta do autor, que era médico de profissão e escritor por vocação. Estando em Rouen, Cidade próxima às duas em que se passam a ação do romance, tomou conhecimento do suicídio de uma jovem senhora que, depois de ter levado o marido à ruína, ingere arsênico e falece.

Enquanto obra, foi um romance de demorada maturação. O autor passou cerca de seis anos o escrevendo, depois de uma longa pesquisa. A escrita da obra ainda lhe granjeou um processo, acusado de obscenidade e blasfêmia. Aliás, ele, o editor e a gráfica.

―Aqui se não se trata de um artigo de jornal mas de todo um romance que começa em 1º de outubro, a acaba em 15 de dezembro e se compõe de seis fascículos, na Revue de Paris, em 1856. Quer fazer nesta situação? Qual é o papel do Ministério Público? Ler todo o romance? É impossível? [...] qual é o título do romance? Madame Bovary. É um título que nada diz por si mesmo. Há um segundo título entre parêntesis: Costumes da província. Também este título não explica o pensamento do autor, mas já o faz pressentir‖. (FLAUBERT, 2007, p. 303).

Flaubert livrou-se do processo alegando ter escrito o livro como forma de mostrar qual deve ser o fim de uma mulher adúltera. Seus críticos literários, contudo, não o perdoaram, devido à crítica que ela faz ao clero e à burguesia em geral, bem como à maneira crua como ele retrata a vida provinciana.

128 A história tem como protagonista Emma Bovary, esposa do médico Charles Bovary, um homem fracassado e medíocre que desperta na mulher todos os sentimentos contrários aquilo a que havia idealizado durante a mocidade. Fora criada em um convento e por não apresentar sinais verdadeiros de que tivesse vocação para ser freira volta à casa do pai e ali vive uma vida pacata no campo, lendo os romances românticos idealizados de Walter Scott, Eugéne Sue e outros.

Trata-se de uma obra de profunda penetração psicológica da literatura. Os personagens, os costumes, o feitio provincial francês, a miséria humana, a exploração do homem pelo homem, a ruína total, enfim, tudo está lá, à apreciação do leitor.

Na sociedade francesa pós-revolução de 1789, surgem novas perspectivas ao indivíduo. O talento individual ganha destaque, as pessoas podem agora ascender socialmente movidos pelo mérito, pelo esforço, pelo trabalho, e não mais pelo sangue ou pelos laços familiares. As carreiras estão abertas ao talento. Não se vendem mais, constroem- se. Neste contexto, surge uma nova mulher, mais decidida, mais igualitária, embora não totalmente igual ao homem. Uma novidade é que esta mulher não busca mais só o interesse social no matrimônio, ela busca também o amor.

Flaubert mostra, contudo, que na província isto ainda não é uma realidade total. E que muitos indivíduos não têm méritos para vencerem, não têm energia suficiente para construírem seus destinos, para acompanharem o país neste momento importante de sua história.

As heroínas flaubertianas são mulheres da província, vivendo ainda em um meio marcado pelo atraso e pelo preconceito. Trata-se de um âmbito restrito, periférico. E o autor as descreve com um certo humor, um certo tom paródico, que é o seu tom realista. Examinar o destino dessas heroínas em seu novo ambiente, é o centro de interesse de Flaubert.

Emma Bovary é a nova encarnação da heroína francesa. Sua formação ainda é toda romântica, construída na leitura de obras de autores célebres. Como uma espécie de Dom Quixote de saias, ela leu tudo e acreditou ser possível viver as aventuras amorosas das heroínas dos romances românticos. Mas o homem que ela escolheu para lhe ajudar a realizar estas fantasias nada tinha de herói. Pacato, estreito, medíocre, Charles Bovary foi um estudante abaixo da média, e só conseguiu licença para clinicar no interior do país. Charles não é um vilão, ama sua esposa, mas não tem fibra nem talento para nada, terminando por cair

129 nas tentações e no endividamento, para satisfazer os gostos da esposa. Não era um homem digno de um destino romanesco.

Emma também não é a mulher refinada, apesar de ter tido boa educação, tocar piano e ter outras habilidades. Nunca saiu da província, indo quando muito a Rouen. Sempre viveu no ambiente rural em que nasceu. Daí ser uma mulher rude, tosca e presa fácil dos espertalhões de plantão, como o Sr. Leon e o Sr. Rodolphe, que abusaram dela e a abandonaram no momento de crise. Os dois amantes da senhora Bovary encarnam o homem falso, medíocre, pequeno, da província francesa, estando distantes dos modelos de heróis que Emma imaginara nas suas leituras.

Dessa forma, relacionando-se com homens fracos – o marido, um médico medíocre; dois amantes, um representante do pior liberalismo, outro aristocrata decadente e periférico – Emma Bovary terminou por assumir o papel de o homem das suas relações. Era a única a ter alguma iniciativa, a representar este novo momento na França. A força dela empurra os outros para a sombra.

Sua paixão não precisa de mais nada. Ela é o motor do romance, movida por uma paixão que requer autonomia, independência, vida própria. Esta paixão termina por matá-la. Ser a esposa do médico local foi-lhe pouco. Ela queria muito mais. Mas ali, naquele lugar, o que ela queria não se encontrava disponível. Só em outra dimensão.

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7.3 ESTÓRIA 3

(Relaciona-se com história de vida III e sua interpretação psicanalítica) 13