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O problema da efetividade do direito fundamental de propriedade nas relações horizontais considerando a produtividade como critério de limitação eleito pelo legislador brasileiro

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO. RENATA DE SALES CABRAL BARRETO. O PROBLEMA DA EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE NAS RELAÇÕES HORIZONTAIS CONSIDERANDO A PRODUTIVIDADE COMO CRITÉRIO DE LIMITAÇÃO ELEITO PELO LEGISLADOR BRASILEIRO. Natal (RN) UFRN 2016.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO. Mestranda:RENATA DE SALES CABRAL BARRETO. O PROBLEMA DA EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE NAS RELAÇÕES HORIZONTAIS CONSIDERANDO A PRODUTIVIDADE COMO CRITÉRIO DE LIMITAÇÃO ELEITO PELO LEGISLADOR BRASILEIRO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.. Aprovado em. /. /. .. BANCA EXAMINADORA Professor Doutor Ricardo Tinoco de Góes – UFRN Presidente Professora Doutora Yara Maria Pereira Gurgel – UFRN 1º. Examinador Professora Doutora Flavia Sousa Dantas Pinto – ESMARN 2º. Examinador.

(3) Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Barreto, Renata de Sales Cabral. O problema da efetividade do direito fundamental de propriedade nas relações horizontais considerando a produtividade como critério de limitação eleito pelo legislador brasileiro/ Renata de Sales Cabral Barreto. - Natal, 2016. 224f. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tinoco de Góes. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito. 1. Direito fundamental - Dissertação. 2. Direito de propriedade - Dissertação. 3. Horizontalidade - Dissertação. 4. Produtividade - Dissertação. 5. Contratualismo Estado e propriedade - Dissertação. I. Góes, Ricardo Tinoco de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA. CDU 342.7.

(4) TERMO DE AUTORIZAÇÃO.

(5) A Deus, o único que abre portas que não se fecham..

(6) AGRADECIMENTOS. Ao professor Doutor Ricardo Tinoco de Góes, pela orientação da presente pesquisa através de valiosas contribuições e compromisso acadêmico. Profissional de requintada formação, cujo preparo intelectual foi decisivo para o desenvolvimento e conclusão do trabalho; A professora Doutora Yara Maria Pereira Gurgel.. Presente de Deus e maior. incentivadora do meu crescimento acadêmico; Ao professor Doutor José Orlando Ribeiro Rosário, que gentilmente aceitou o convite para participar da banca de qualificação do trabalho; A professora Doutora Flavia Sousa Dantas Pinto, membro externo, cuja participação na banca de defesa final agregou valor científico e brilho a conclusão desta etapa; A Maria Lúcia e Cleto, pais amigos. A ela pelo rigor das críticas, sempre a me impulsionar para o passo adiante; ser humano valioso, cuja participação conjunta com a bibliotecária Liana Nobre, foi de fundamental importância para a normalização do trabalho. A ele, pela valorosa ajuda na revisão ortográfica; portador de um espírito vibrante e extremamente prático, sempre a sinalizar para os três filhos, caminhos de verdadeira felicidade; A Carlos Eduardo, marido e parceiro, cuja generosidade e paciência diariamente me emocionam; Ao irmão Rodrigo, sempre dedicado em enfatizar a importância em finalizar esta etapa; Ao irmão Cleto Vinícius pela alegria constante, a subtrair o peso dos desafios diários. Aos funcionários da Secretaria da PPGD, solícitos no atendimento aos mestrandos, em especial Lígia e Igor, e aos professores do Programa de Mestrado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cujos ensinamentos nos permitiram revelações acadêmicas nunca antes imaginadas; Ao grupo “Mestrado-UFRN” do whatsapp, pelas interações prazerosas com os amigos mestrandos, muitas delas nada acadêmicas, importante canal para o compartilhamento de experiências..

(7) RESUMO. O objetivo desta dissertação de mestrado é evidenciar o posicionamento jurídico contemporâneo, no tocante a horizontalidade do direito fundamental de propriedade, a partir de critérios de limitação ao seu exercício imposto pelo legislador brasileiro. Para desenvolvimento do assunto foi necessário compreender o processo histórico de formação do Estado Moderno, berço do surgimento dos direitos fundamentais, que conjuntamente com a limitação de poder estatal, constitui a base do discurso constitucional. As teorias contratualistas foram ressaltadas não só pela influência que exerceram para a evolução do estado moderno, mas, sobretudo diante da relação que estabelecem com o direito de propriedade. O aporte teórico nas obras dos contratualistas Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau, põe em evidência a necessidade da celebração de pactos entre as pessoas, que viabilizassem dentre outros objetivos a proteção da propriedade. A dignidade da pessoa humana conjuntamente com o Estado de Direito por representarem princípios que justificam a existência dos direitos fundamentais, foi demonstrada sob o viés do reconhecimento de que todo ser humano, pelo simples fato de ser humano, aglutina em torno de si um núcleo de direitos básicos que não devem e nem podem ser violados. A pessoa humana é dotada, portanto de dignidade, e enquanto titular do direito fundamental de propriedade precisa ter preservado o seu exercício, sobretudo quando atende as exigências contidas na Constituição para desfrutar do que lhe pertence, seja nas relações estabelecidas com o Estado, seja nas relações construídas horizontalmente com outros particulares. A horizontalidade do direito fundamental de propriedade foi examinada a partir das construções teóricas em torno das teorias mediata e imediata de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Por fim, buscou-se identificar a forma e extensão do exercício do direito de propriedade nas relações entre os particulares, e eventual colisão com a autonomia privada e segurança jurídica, enquanto princípios vetores do universo privatista. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais parte da constatação de que a realidade brasileira sinaliza a existência de outros grupos com aptidão para restringirem a liberdade do outro, colidindo muitas vezes, portanto em suas ações com os direitos fundamentais de outros indivíduos. Ao final chega-se a conclusão de que o princípio da solidariedade estabelece conexões importantes com a produtividade e a função social, enquanto restrições impostas pelo legislador brasileiro e acolhidas pelo judiciário, ao exercício do direito fundamental de propriedade, cujo manejo atualmente precisa se dar de forma a agregar valor ao grupo social. Palavras-chaves: Propriedade. Horizontalidade. Produtividade..

(8) ABSTRACT. The purpose of this master thesis is to highlight the contemporary legal position, as regards the horizontality of the fundamental right to property, from limiting criteria to exercise imposed by the Brazilian legislature. For development of the subject it was necessary to understand the historical process of formation of the modern state, birthplace of the emergence of fundamental rights, which together with the limitation of state power, forms the basis of the constitutional discourse. The contractarian theories were highlighted not only by the influence exerted on the evolution of the modern state, but especially on the relationship they establish with the right property. The theoretical contribution in the works of contractualist Thomas Hobbes, John Locke and Jean Jacques Rousseau, highlights the need for the conclusion of agreements between people, which enabled among other objectives to property protection. The dignity of the human person together with the rule of law because they represent principles that justify the existence of fundamental rights was demonstrated under the bias of the recognition that every human being, by virtue of being human, coalesces around him a core of basic rights that should not and can not be violated. The human person is endowed therefore dignity, and as holder of the fundamental right to property must have preserved their exercise, particularly when it meets the requirements contained in the Constitution to enjoy what belongs to you, whether in relationships with the state, or in relations built horizontally with other individuals. The horizontality of the fundamental right to property was examined from the theoretical constructions around the mediate and immediate theories linking the particular fundamental rights. Finally, we sought to identify the shape and extent of the right of property in relations between individuals, and collision with the private autonomy and legal certainty, as principles vectors of privatizing universe. The linking of individual fundamental rights of the fact that the Brazilian reality indicates the existence of other groups with ability to restrict the freedom of the other, clashing often so in their actions with the fundamental rights of others. At the end one comes to the conclusion that the principle of solidarity establishes important connections with productivity and social function, while restrictions imposed by the Brazilian legislature and accepted by the judiciary, the exercise of the fundamental right to property, whose management must now be given to order to add value to the social group. Keywords: Property.Horizontality.Productivity..

(9) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 1EVOLUÇÃO DO ESTADO: FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO .................... 15 1.1 O Estado constitucional................................................................................................. 19 1.2 O Estado constitucional liberal .................................................................................... 21 1.2.1Crise do liberalismo....................................................................................................... 25 1.3 Transição do Estado liberal para o Estado social....................................................... 34 1.4 Constitucionalismo socialista........................................................................................ 36 1.5 Estadonazi-fascista ........................................................................................................ 39 2CONTRATUALISMO: ESTADO E PROPRIEDADE ................................................. 44 2.1 A visão contratualista de Thomas Hobbes .................................................................. 44 2.2 O contratualismo por John Locke ............................................................................... 48 2.3 Rousseau e sua visão contratualista sobre o Estado e a propriedade ....................... 54 3DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................................ 61 3.1 Origem e bases filosóficas ............................................................................................. 62 3.2 Direitos fundamentais na pós modernidade brasileira .............................................. 69 3.3 Características dos direitos fundamentais .................................................................. 83 3.4 Dimensões dos direitos fundamentais .......................................................................... 98 3.5 Titularidade dos direitos fundamentais....................................................................... 110 3.6 Fontes dos direitos fundamentais ................................................................................. 117 3.7 Restrições aos direitos fundamentais ........................................................................... 120 4VINCULAÇÃO HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...................... 134 4.1 Fundamentos dogmáticos da horizontalidade dos direitos fundamentais ............... 134 4.1.1 A relação de poder como fenômeno social amplo........................................................ 135 4.1.2 A relação da Constituição com os poderes privados .................................................... 137 4.1.3 Ampliação e multifuncionalização dos direitos fundamentais ..................................... 139 4.2 Fundamentos para a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ......... 140 4.2.1 Supremacia da Constituição como fundamento de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ...................................................................................................... 141 4.2.2 Unidade material do ordenamento do jurídico ............................................................. 142.

(10) 4.2.3 Direitos fundamentais enquanto princípios objetivos .................................................. 143 4.2.4 Princípio da dignidade da pessoa humana .................................................................... 146 4.2.5 Solidariedade enquanto fundamento de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais............................................................................................................. 147 4.2.6 Aplicação imediata dos direitos fundamentais como fundamento de vinculação a eles pelos particulares ......................................................................................................... 148 4.3 Teorias mediata e imediata e vinculação dos particulares aos direitos Fundamentais...................................................................................................................... 150 4.3.1 Eficácia mediata dos direitos fundamentais sobre os particulares ............................... 150 4.3.2 Eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares........... 155 4.4 Direitos fundamentais e a autonomia privada ............................................................ 160 4.5 Princípio da igualdade e autonomia da vontade......................................................... 167 5HORIZONTALIDADE DO DIREITO DE PROPRIEDADE: LIMITAÇÃO: PRODUTIVIDADE ............................................................................................................ 174 5.1 Da inexistência de incompatibilidades entre as teorias mediata e imediata dos direitos fundamentais ................................................................................................... 175 5.2 Responsabilidade pelo dever de proteção dos direitos fundamentais....................... 180 5.3 Princípio da solidariedade e sua relação com o direito fundamental de Propriedade ......................................................................................................................... 189 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 209 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 215.

(11) 10. INTRODUÇÃO. A Constituição Federal de 1988 equiparou o direito de propriedade a autêntico direito fundamental. A ordem constitucional vigente preconiza o exercício do direito de propriedade levando em consideração os interesses não só do seu titular, como também de toda a coletividade, apartando-se claramente de um posicionamento individualista e patrimonialista, com supedâneo na tão proclamada função social, cujo conceito estende-se nas discussões acadêmicas contemporâneas para além das fronteiras dos Direitos Reais. Não se pode negar o caráter dinâmico inerente ao direito de propriedade, visto que os atos decorrentes da convivência social, quer emanem do proprietário, ou da coletividade, são incessantes, e muitas vezes colidem em pretensões e interesses. O Estado por sua vez exerce um papel importante, regulando e podendo intervir em nome da preservação do adequado exercício do direito de propriedade, em relações originariamente privatistas, cuja atuação estatal ao tutelar tal direito fundamental, deverá conduzir não só a proteção de uma garantia constitucional, como, sobretudo, fomentará uma transformação necessária no grupo social, disseminado novos comportamentos. Nesse passo, o indivíduo não mais poderá agir ignorando as novas previsões constitucionais. Necessário é que os comandos emanados da Carta Maior do país tenham efetividade. In casu, se o legislador constituinte atribui ao direito de propriedade a condição de um direito fundamental e fixa os critérios legais que precisarão ser atendidos para que esta condição subsista, o particular nas relações estabelecidas com o Estado, bem como horizontalmente com outros particulares, não poderá desvincular-se dos comandos constitucionais nesse sentido. Importante registrar que a condição da propriedade de autêntico direito fundamental, expressa inevitavelmente uma ordem de valores contemplados na Constituição; de modo que o proprietário enquanto titular de tal direito, poderá estabelecer relações jurídicas distintas com o Estado, seja afastando a sua atuação ou ainda pugnando por ela. Contudo, o Direito de Propriedade irradia efeitos para além da relação vertical com o Estado. O Estado sem sombra de dúvidas está adstrito a observância dos direitos fundamentais no sentido de resguardá-los. Mas as ações estatais esbarraram em certos limites no tocante a excessos que porventura venham a ser cometidos em nome desta atuação..

(12) 11. Mister registrar, que excessos podem se evidenciar não apenas por parte do Estado, mas horizontalmente, em virtude das práticas de natureza privada, perpetradas por particulares e iguais titulares dos mesmos direitos fundamentais, a protagonizarem abusos e excessos de forma, cada vez mais corriqueiros no tocante ao que pertence ao outro. Importante pontuar que a abordagem histórica da pesquisa, tem como objetivo, demonstrar o contexto de formação do Estado Moderno, não só como forma de marcar no tempo o processo de surgimento dos direitos fundamentais, como também a mudança de paradigma, ocorrida a partir da implantação do discurso constitucional, a impor a observância e respeito aos direitos fundamentais num reflexo positivo para a convivência em sociedade. Com isso, o trabalho foca no viés situado nos direitos humanos e fundamentais, remarcando um compromisso assumido ainda na fase de elaboração do projeto de pesquisa. As teses contratualistas de formação do Estado, são objeto de estudo no capítulo dois, face a relação estreita que estabelecem com o direito de propriedade. O aporte teórico contudo, operou-se especificamente nas obras de Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau. Na sequência do desenvolvimento do trabalho, as bases filosóficas dos direitos fundamentais são ressaltadas, evidenciando não só peculiaridades, como também a irradiação dos seus efeitos para a esfera pública e privada, com destaque para as questões relacionadas a efetividade, sobretudo nas relações horizontais entre particulares. A Constituição Federal Brasileira admite a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nela erigidos. Todavia, a efetividade dessa vinculação impôs a análise das teorias mediata e imediata de efetividade dos direitos fundamentais no tocante aos sujeitos privados, bem como o posicionamento da comunidade jurídica brasileira sobre o tema. O Estado ao assumir novas funções promocionais não pode mais limitar suas ações às relações políticas estabelecidas entre governantes e governados. A ação estatal estende-se para campos relacionados ao universo dos particulares. Não se pode ignorar na análise da efetividade dos direitos fundamentais entre particulares, princípios vetores próprios da ordem privada, com especial destaque para a autonomia da vontade e a segurança jurídica. No enfrentamento do problema buscou-se demonstrar que tais princípios não são violados em razão da efetividade dos direitos fundamentais nas relações de ordem privada, seja de forma direta ou através de mediação legislativa nas relações entre particulares..

(13) 12. Ocorre que princípios próprios do universo das relações privadas, não podem ser exercidos com prejuízo aos direitos e garantias de outros indivíduos, mormente aqueles positivados em sede constitucional. A autonomia da vontade por exemplo, não adjudica aos indivíduos a faculdade de violar ou ignorar as restrições impostas pela Carta Política, muito embora a aplicação no caso concreto há de ser sempre ponderada. É preciso considerar a importância do ser humano. A pessoa humana é dotada, portanto, de dignidade, e enquanto titular do direito fundamental de propriedade, precisa ter preservado o exercício deste direito, sobretudo quando atende as exigências contidas na Constituição para permitir o seu exercício, seja nas relações estabelecidas com o Estado, seja nas relações construídas com outros particulares. O trabalho busca dessa forma, se debruçar sobre alguns questionamentos. A propriedade diante de sua condição de direito fundamental pode sofrer limitações? De que forma no Brasil opera-se a vinculação horizontal do direito de propriedade nas relações estabelecidas pelos particulares? De forma mediata ou imediata? Que critérios legais são fixados pelo legislador e aplicados pelo Judiciário brasileiro para efetivar horizontalmente o direito fundamental de propriedade? A produtividade seria um critério de restrição ao direito fundamental de propriedade apto a ser utilizado pelo intérprete na resolução de conflitos entre particulares? Que relação a função social guarda com a produtividade, enquanto, e se for considerada uma limitação ao direito fundamental de propriedade? Muitos são os trabalhos elaborados acerca da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, e o intérprete inserido em um momento constitucional com forte apelo axiológico, debruça-se inevitavelmente sobre os efeitos que os princípios irradiam para as relações que as pessoas estabelecem, bem como para a necessidade de ponderar as eventuais colisões decorrentes da aplicação desses mesmos princípios ao caso concreto. Inclusive, a ADPF 101 e a ADPF 167, demonstram a colisão entre princípios que no neoconstitucionalismo enseja a abertura sistêmica para o chamado padrão de decisão, alcançado através da derrotabilidade e ponderação. Um princípio precisa estabelecer conexão com outros princípios, e não sobrevive de forma isolada, sendo digno de registro que os limites necessários a sua aplicação, encontram-se presentes nos próprios princípios, que possibilitam ao hermeneuta observar o futuro de maneira prospectiva, partindo-se do pressuposto de que o pensamento é o primeiro movimento da ação, razão porque, o Direito já é real desde o momento em que é pensado..

(14) 13. Os princípios constitucionais adequam e viabilizam um padrão de decisão, podendo ser extraídos dos precedentes do Tribunal Constitucional, não havendo necessidade de que estejam positivados. Nesse passo no arremate final, o trabalho destaca o princípio da solidariedade diante da estreita relação deste com a efetividade do direito fundamental de propriedade, sobretudo nas relações horizontais, estabelecidas por sujeitos igualmente titulares dos mesmos direitos fundamentais. Como valor, a solidariedade dissemina a consciência dos interesses em comum. Cada indivíduo consciente dos seus deveres solidários, passa a ter a obrigação moral de não fazer aos outros o que não se deseja que lhe seja feito. Essa regra formal, remete o indivíduo a posicionar-se sempre no lugar do outro, num exercício diário de reciprocidade e reconhecimento do outro. O legislador constituinte brasileiro faz expressa referência à solidariedade no art. 3º, I, ao estabelecer como objetivo da República Federativa Brasileira a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, inserindo na ordem constitucional um princípio jurídico inovador que deverá ser respeitado seja no momento da elaboração da lei, na execução de políticas públicas, bem como nas situações que exijam a interpretação do Direito para possibilitar sua aplicação. Destaque-se que uma norma de direito fundamental sempre contém conteúdo valorativo, e esse valor quando revelado objetivamente, projeta efeitos não só sobre o ordenamento jurídico, como sobretudo para a compreensão e atuação do intérprete, numa demonstração de sua eficácia irradiante. Por outro lado, os direitos fundamentais não são estáticos, precisam de um viés de liberdade civil e política, pois a produção e escolha dos valores superiores encerram a necessidade de complementaridade atrelada a essa escolha. O conceito de horizontalidade existe no mundo já há algum tempo. Tendo emergido em meados do século XX, a partir do julgamento do caso Luth pelo Tribunal Constitucional Alemão em 1958, cujo teor de sua decisão, reconheceu a possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais nas relações estabelecidas entre os particulares. Nesse passo, no julgamento do caso Luth, o Tribunal Constitucional Alemão constatou a possibilidade de colisão entre valores e princípios, cuja solução só poderia advir pelo balanceamento de interesses. A citada decisão possibilitou o nascimento da teoria horizontal dos direitos fundamentais..

(15) 14. O Supremo Tribunal Federal brasileiro não só acolheu a teoria horizontal dos direitos fundamentais, como a aplica como padrão de decisão em diversos julgados, inclinando-se para a efetividade imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, muito embora não exista solução constituinte para a questão, visto que o legislador constituinte nada disse expressamente a respeito. A efetividade imediata dos direitos fundamentais horizontalmente, impõe a ponderação entre o direito fundamental em exame, a autonomia privada, a segurança jurídica, enquanto princípios atrelados aos sujeitos envolvidos, vetores das relações construídas privatisticamente. A solidariedade conecta-se com tal contexto, diante do direcionamento constituinte atual, sobretudo levando-se em consideração a nova realidade brasileira..

(16) 15. 1 EVOLUÇÃO DO ESTADO: FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO. A crise do feudalismo enseja o surgimento do chamado Estado Moderno, aproximadamente no ano de 14921. Dois fatos históricos permitem capturar a essência do Estado Moderno ou da lógica da modernidade. O primeiro deles foi a invasão das Américas pelos europeus, muito embora posteriormente tenham expandido seu domínio para o mundo, dando início a chamada hegemonia europeia. O segundo cinge-se na queda de Granada, com a derrota do denominado último império de resistência, que culminou com a expulsão da península ibérica dos mouros e dos mulçumanos (naquele tempo apelidados de infiéis). Foi uma época em que se vivenciou a exclusão do outro. Em contrapartida houve a consagração do nós, na seguinte medida: europeus conquistadores (nessa condição considerados: os cristãos e as pessoas civilizadas) eram alçados à condição de bons. Noutro polo posicionavam-se o eles, assim denominados os povos conquistados, os já nominados (estrangeiros, infiéis, selvagens e bárbaros). A relação de convivência que se estabeleceu entre o nós e o eles, sustenta a lógica moderna até os dias de hoje, e justifica a exclusão e violência praticadas nos últimos 500 (quinhentos) anos contra os povos conquistados2. Apenas para ilustrar, especula-se que no Século XVI teriam sido mortos em torno de 20 (vinte) milhões de pessoas no Continente Americano, por força do extermínio dos povos conquistados3. Os conquistados para os conquistadores (assim denominados de outros) seriam povos com graus de complexidade distintos, cada um com sua cultura, seu passado, sua história, idioma e tradições. No entanto, a compreensão do outro pelo conquistador é sempre inferiorizada, justificando em razão disso a escravidão, o homicídio e a tortura. Nesse passo, inicia-se a construção de uma identidade europeia 4.. 1. HOBBES, Thomas. Leviatã; ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2014. Cap. 13, p. 107-109. 2 MAGALHÃES, Luiz Quadros de. Direitos humanos: sua história, sua garantia e a questão de indivisibilidade. 1. ed. São Paulo: J. Oliveira, 2000. 3 Id., ibid. 4 MAQUIAVEL. Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio.1. ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007..

(17) 16. São anos de hegemonia da cultura europeia, regidos nos últimos quinhentos anos pela lógica moderna do nós (os civilizadores) e do eles (os inferiorizados ou conquistados). Os europeus consideravam sua cultura superior às demais culturas. O Estado moderno nasce, portanto, inserido nesse contexto, com características muito marcantes. É preciso lembrar que com a rebelião dos servos, que passaram a questionar o poder do senhor feudal, muitos migraram do campo para as cidades, agravando ainda mais a situação de caos social nos burgos. Com isso, alguns senhores feudais buscando reestabelecer a ordem, aproximaramse do rei, assim como nas cidades os burgueses também se aproximaram da realeza, passando inclusive a financiar uma nova estrutura de poder. Senhores feudais e burgueses buscavam igualmente por ordem no caos, e o mais importante, conquistar garantias. Garantias de segurança, de ordem e de preservação das propriedades para os nobres e burgueses. É sob a proteção desse rei, com o surgimento do absolutismo, que se desenvolve a burguesia, que mais adiante protagonizará as chamadas revoluções burguesas, mais precisamente na Inglaterra (século XVII), Estados Unidos (1776) e França (1789), marcando no tempo a ascensão dessa classe ao poder. A burguesia já aglutinava tanto ou mais prestígio econômico do que a nobreza, e até mesmo do que o próprio rei, passando a almejar também o poder político. Surge o Estado Moderno, que nasce absolutista, caracterizado pelo manejo de um poder organizado, centralizado e hierarquizado, a expressar a vontade do rei, dentro de um território delimitado, no qual se aplicava o direito produzido por este Estado, para a construção de uma identidade nacional e de um povo nacional. A identidade nacional de um povo é fruto de uma construção histórica, assim como a invenção do povo nacional também, e por uma razão muito clara: a identificação desse povo com o próprio rei. Exemplo disso é a Espanha, cuja constituição de 1978 prevê dentre outras matérias, o reconhecimento de quatro idiomas oficiais, em suas respectivas regiões ou comunidades autônomas. O idioma obrigatório é o castelhano, muito embora se fale na Espanha o catalão, o basco, o galego, o valenciano, dentre outros dialetos, numa evidência de uma Espanha multi étnica, multilinguística..

(18) 17. A diversidade linguística, revela igualmente uma diversidade étnica, presente no território espanhol. Aliás, o rei e a rainha espanhóis pertenciam a um grupo étnico específico, sendo assim, a razão lógica não apresentava justificativa plausível para que outros grupos étnicos espanhóis que ocupavam a região lhes rendessem obediência e fidelidade, e se unissem em torno dessa realeza. Era preciso construir uma identificação do povo espanhol com os membros da realeza. Assim, após a expulsão da península ibérica do império estrangeiro, formado por mouros e mulçumanos, esse grupo multi étnico espanhol, formados por catalães, bascos, galegos, valencianos, andaluzes dentre outros, permaneceram unidos em torno de uma identificação comum, que os mantiveram próximos uns dos outros, através da criação de uma identidade com a realeza. Essa identidade comum recebeu a denominação de identidade nacional. Da mesma forma ocorreu com outras nações. Por exemplo, quando da unificação italiana, ocorrida em 1860, apenas 3,5% (três e meio por cento) da população, falava o idioma italiano, assim também ocorreu com a unificação da Alemanha em 1870, com a formação dos estados nacionais, finalzinho do século XV, início do século XVI. A construção de uma identidade nacional é muito importante, para que se reconheça não só a formação do Estado, mas, sobretudo, a manutenção do poder estatal5. Necessário esclarecer que o Estado Moderno assume uma concepção uniformizadora, que nega a diversidade e rejeita a diferença, tanto é que se evidencia certa resistência à incorporação de leis consagrando o direito à diversidade, mesmo após a sua constitucionalização, cujo reconhecimento só irá acontecer final do século passado, início deste século. Resquícios dessa concepção para se ter uma ideia é que apenas nas décadas de 60 e 70, se constata o reconhecimento de igualdade de direitos para mulheres, assim como para afro descendentes no Brasil.. 5. Apenas como forma de melhor ilustrar os efeitos práticos do exercício dessa identidade nacional, em 2011, o governo francês liderado por Nicolas Sarkozy, determinou a expulsão de cerca de 9.000 (nove mil) ciganos do seu território, que naquele contexto representavam o ‘eles’, enquanto os franceses incorporavam o papel do ‘nós’. Na sequência dos fatos o governo Sarkozy cria o Ministério da Identidade Nacional, como forma de preservando a identidade do povo francês, manter também a estrutura e poder tão disseminados no Estado Moderno (MAGALHÃES, Luiz Quadros de. Direito à diversidade e ao estado plurinacional.Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2012)..

(19) 18. Mesmo a igualdade de direitos entre homens e mulheres no Brasil, apenas ocorreu em 05 de Outubro de 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã. Até 2002, os indígenas ainda eram considerados incapazes, de modo que somente com o advento do Código Civil de 2002, sinalizam-se algumas mudanças. Não faz muito tempo, em 2015, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva entre pessoas do mesmo sexo, fato considerado verdadeiro marco na história do judiciário brasileiro, sobretudo porque, o projeto de poder do Estado Moderno é centralizador, uniformizador, muito embora tenha surgido em uma Europa multilinguística e multi cultural. No contexto de formação do Estado Moderno, a uniformização era uma medida necessária para a concepção do Estado, como forma de garantir a identificação do povo com o seu governante. Governados e governante precisavam comungar do mesmo projeto de poder. Pontue-se por oportuno o papel desempenhado pela religião, que por sua vez contribuiu para a construção dessa identidade nacional, projeto este considerado por alguns historiadores como um projeto narcisista. A identidade nacional é considerada por parte da doutrina como um projeto narcisista, na medida em que pertencer a determinado país significa não ser o indígena, o bárbaro, ou o asiático. Essa postura, se por um lado proporciona a identificação dos governados com o governante, por outro aglutina sérios problemas, tendo em vista a negativa da diversidade entre os povos e a disseminação de um sentimento de superioridade de um povo sobre outro povo. Lembrando que a origem do Estado Moderno foi o pacto firmado entre o rei, a nobreza e a burguesia, pacto este que perdura até os dias de hoje, na figura dos banqueiros, industriais e Estados ricos. Outro fator interessante que fez parte da formação do Estado Moderno é o processo de exclusão dos mais diferentes e uniformização dos menos diferentes. Não nos esquecendo de que a lógica da modernidade é marcar a hegemonia de um grupo sobre outro grupo. Ocorre também a chamada uniformização da base do Estado Moderno, igualmente presente até os dias de hoje. Para viabilizar a uniformização de comportamentos, foi criado um único direito de propriedade, mediante o surgimento e formação do capitalismo, da propriedade privada, assim como de um único direito de família..

(20) 19. A soberania do Estado Moderno assume duas perspectivas: a externa, com a independência em relação a outros Estados; e a interna, enquanto poder supremo, no sentido de que não existe poder superior ou igual ao do Estado no território estatal. Interessante registrar que o Estado Nacional nas Américas teve um processo de formação diferenciado, tendo sido construído por homens brancos, ricos, descendentes de europeus, para homens igualmente brancos e ricos. Entretanto, o eles nas Américas, diferencia-se do eles na Europa, visto que o diferente no continente europeu sofreu o processo de expulsão, remanescendo apenas o uniformizado. Tal fato não ocorrerá nas Américas, tendo em vista que o outro não será expulso do território americano, muito pelo contrário, nele permanecerá para ser escravizado, explorado ou simplesmente excluído da sociedade6.. 1.1 O Estado constitucional. A partir das revoluções burguesas, inicia-se a construção do Estado Constitucional, cujas três grandes tipologias seriam: o estado liberal, o estado social democrático e o estado socialista. Abra-se um adendo para o denominado Estado nazi fascista, cuja existência não se pode negar, muito embora não deva ser considerado um estado constitucional, enquadrandose muito mais em Estado de negação do constitucionalismo e portanto, do Estado Constitucional de Direito, (estes alicerçados na limitação do poder e empenhados na garantia dos direitos fundamentais). O nazi fascismo em verdade promoveu negativas aos direitos fundamentais ao longo da sua existência. O Estado Moderno nasce absolutista, mas no curso da sua existência transformase em Estado Constitucional. Esse Estado constitucional inicialmente é liberal (século XVIII); passa por transformações no século XIX, início do século XX, de modo que a partir da Primeira Guerra Mundial surgem dois novos tipos de Estados Constitucionais: o Estado Constitucional Social ou Estado Social e Democrático; e o Estado Socialista.. 6. MAGALHÃES, Luiz Quadros de. Debates sobre teoria geral do estado. Belo Horizonte: Ed. da Faculdade de Direito da UFMG, 1996..

(21) 20. É nesse contexto histórico que surgem os direitos fundamentais, sendo a análise estrutural dos Estados Constitucionais que permitirá a identificação de que grupos de direitos fundamentais foram protegidos e priorizados por cada um deles. Assim, no Constitucionalismo liberal, direitos individuais como vida, liberdade, propriedade privada, segurança, privacidade e intimidade foram priorizados. Com o registro de que o liberalismo não nasceu democratizado. Na verdade custou a democratizar-se, sendo considerado por muitos autores inclusive, como incompatível com a democracia7. Praticamente em. todas as constituições de países diversos, houve a. universalização do discurso constitucional a partir de dois elementos: limitação do poder estatal e garantia de direitos fundamentais. Entretanto; dos 194 (cento e noventa e quatro) Estados que integram as Nações Unidas, e que têm Constituição própria, os graus de efetividade são diferentes, não só desses documentos, como também dos direitos fundamentais neles contidos, que variarão de nação para nação. Assim; para alguns Estados os direitos fundamentais terão um grau de efetividade muito pequeno, em outros terão um grau de efetividade maior, como em determinadas realidades não terão efetividade alguma. Uma Constituição Liberal, por exemplo, consagra os direitos individuais relativos à vida, liberdade e propriedade, no entanto, após o início do seu processo de democratização, com os movimentos operários e a formação dos partidos socialistas no final do Século XIX, será introduzido no cerne das discussões, o elemento democracia, e mais adiante com a democratização do constitucionalismo, os chamados direitos políticos de votar e ser votado. O constitucionalismo social é marcado pelos direitos individuais e políticos, que surgem já durante o constitucionalismo liberal. Com a primeira guerra mundial, novos direitos serão introduzidos. Esses novos direitos são os chamados direitos sociais relativos à Previdência, direitos trabalhistas, saúde, educação, moradia, e os chamados direitos econômicos, a nortearem uma economia de mercado regulamentada (capitalismo social). Em tal contexto, o Estado passa a garantir não só o bem estar social relacionado à saúde, moradia, educação, políticas públicas; como também direitos econômicos, como salário mínimo, políticas de geração de empregos, inserindo um capítulo diferente à ordem. 7. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia.São Paulo: Brasiliense, 2000. LOSUDO, Domenico. Liberalismo entre a civilização e a barbárie.São Paulo: Ed. A. Garibaldi, 2007..

(22) 21. econômica e social, incrementando o rol dos direitos fundamentais da pessoa humana, numa evidência da ampliação no Estado Social do catálogo de direitos fundamentais. O constitucionalismo socialista é marcado por uma proteção bem maior aos direitos sociais. Há uma preocupação com a socialização da saúde, educação, moradia, previdência, direitos econômicos e o incentivo a uma economia de pleno emprego, sem a presença da figura do capital trabalho e, portanto do capitalista proprietário versus trabalhador explorado. A democracia socialista, contudo, é considerada por alguns doutrinadores como sendo uma democracia consensual, de um partido só8. Surge aí para os autores de formação socialista um novo conceito de democracia: o de democracia consensual, onde todos seriam considerados trabalhadores, e, portanto, desprovidos de interesses antagônicos.. 1.2 O Estado constitucional liberal. A função primeira do Estado Constitucional Liberal foi afastar o Estado da esfera privada e garantir os direitos individuais. Não foi, portanto, em seu nascedouro um Estado democrático, e na verdade tinha sérios problemas com a democracia, tendo como objetivo proteger o espaço de escolha individual, a propriedade privada do indivíduo e o homem livre proprietário. Foi um Estado conforme já afirmado em linhas pretéritas, construído por homens brancos e proprietários; para homens igualmente brancos e proprietários. A concepção liberal parte do princípio de que o Estado é inimigo da liberdade, e, portanto, a função da Constituição é afastá-lo da vida privada, muito embora o Estado Liberal não tenha nascido democrático9. Muito pelo contrário, a História registra verdadeiros embates entre o estado liberal e a democracia.. 8. Essa afirmação, deriva da própria origem dos partidos políticos e de suas dicotomias. Assim, existem os partidos ‘parceiros do capital’, mais conservadores, e que, portanto, preservarão os interesses dos banqueiros e industriais; mas por outro lado, existirão os partidos liberais, representantes dos pequenos proprietários, dos pequenos burgueses, dos profissionais liberais. Como também, os partidos do campo do trabalho, protetores do operário, camponês, sendo considerados assim, os partidos socialistas, sociais democratas, trabalhistas. Portanto, a existência de uma sociedade onde a dicotomia entre capital (proprietário) e trabalho é superada, de modo que todos sejam considerados trabalhadores, não ensejaria a necessidade da existência, por exemplo, de partidos do campo do capital (MAGALHÃES, Luiz Quadros de. Direito à diversidade e ao estado plurinacional. Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2012). 9 Importante ressaltar que a concepção de Estado da época era a do Estado absolutista, razão porque, os preceitos liberais consideravam esse modelo de Estado como “inimigo da liberdade”, bem como por necessário o resgate.

(23) 22. A própria construção do Estado Liberal por homens brancos proprietários para homens brancos proprietários, que seriam os legítimos titulares de direitos, exclui naturalmente aqueles que não o são. Na verdade a realidade dos trabalhadores no campo e na indústria nos Séculos XVIII e XIX retratava um modus vivendi nada fácil, evidenciando uma realidade de extrema miséria, fome, exploração, desigualdade, em que a esmagadora maioria da população e desses trabalhadores teve sua liberdade praticamente esfacelada. Logo, essa sociedade liberal de homens livres, onde cada um seria contemplado com a medida do seu trabalho, na verdade restringia-se à nobreza e à burguesia (esta por direito de herança). A máxima de que quem se esforça mais e trabalha mais, recebe mais, é constantemente negada pela lógica do Estado Liberal dos séculos XVIII, XIX e XX. Entretanto, inobstante a descrição utópica de tal realidade, alguns conceitos importantes para o constitucionalismo começam a ser criados neste momento histórico, na medida em que muito embora o constitucionalismo liberal seja inicialmente elitista e nada democrático, foi berço do surgimento de uma ideia importante: a ideia de limitação do poder do Estado, resultando na separação de poderes e garantia de direitos da pessoa humana frente ao Estado. Os direitos da pessoa humana tendem a se expandir com o tempo, mas o núcleo inicial está presente no constitucionalismo liberal. Outra conquista muito importante do Constitucionalismo liberal decorre do fato de que, a partir dele, ao Estado só é permitido fazer o que está expressamente autorizado por lei. Ao indivíduo por outro lado, é facultado o agir livremente, desde que suas ações não estejam proibidas pela lei. Nesse passo, a ação do Estado quando expressamente autorizada por lei, é um princípio vigente. Doutra banda, se o indivíduo pode agir livremente, desde que suas ações não estejam proibidas em lei, a lei não poderá proibir ou limitar direitos fundamentais desse cidadão, garantidos na Constituição, posto que do contrário, estaria violando a lei maior do Estado.. da esfera de liberdade individual, da propriedade privada, da intimidade da privacidade (SANTOS, Boaventura de Souza. Pensar el estado y la sociedade: desafios actuales. Buenos Aires: Wadhuter Editores, 2009)..

(24) 23. O Estado Constitucionalista introduz outra concepção, a de que não haverá nenhuma norma que possa ser considerada maior em um país ou em uma nação, do que a sua Constituição. A tensão inegável entre Constituição e Democracia decorre, por um lado, da visão liberalista que compreende a Constituição como norma que visa garantir a escolha individual, a propriedade individual, a liberdade, e que por isso, não deveria incorporar princípios democráticos majoritários. Por outro lado, a visão democrática representa a vontade do coletivo majoritário que naturalmente se imporá à vontade de um coletivo minoritário10. É preciso considerar ainda que numa democracia majoritária, muito embora a vontade da maioria prevaleça, não se registra desrespeito aos direitos da minoria. Esse conceito inclusive começou a ser construído ainda no século XIX, mais precisamente na segunda metade do século XIX11. Sabe-se que a essência da Constituição liberal é garantir segurança às relações jurídicas, assim o burguês, o proprietário, o empresário, buscavam segurança para os seus contratos, para suas propriedades, com a convicção de que não haveria intervenção do Estado em seu universo particular, tendo sido este o objetivo primeiro da Constituição liberal. Assim, para os liberais, a Constituição precisava significar segurança como sinônimo de estabilidade e permanência. A democracia, por sua vez, para a visão liberalista, caminhava em um sentido oposto pelos riscos que ensejava, decorrentes da possibilidade de mudanças e transformações que poderiam advir a partir do seu exercício. Instaura-se aí uma dicotomia entre a proposta democrática de transformação impregnada de riscos; com a proposta da Constituição de segurança e estabilidade12. 10. Alguns autores mencionam ainda a Democracia Consensual que seria aquela em que todos ganham de alguma forma, todos abrem mão de parcela dos seus interesses para que todos ao final possam ganhar. 11 O grande embate entre os interesses liberais e a democracia decorre da dificuldade pelos liberais em aceitarem a prevalência dos interesses majoritários coletivos, haja vista que para os ideais liberais a Constituição deveria resguardar apenas os interesses individuais, e, portanto a esfera individual do ser humano. Por isso a rejeição liberalista à democracia na continuidade de sua busca pela construção de ideais elitistas. Evidência disso, é que as constituições liberais consagram o voto censitário, fixando requisitos para o voto que sofrerão variação de Estado para Estado, assim como também variarão no tempo. Outros exemplos de requisitos a serem citados: idade, nacionalidade, gênero (tendo em vista que as mulheres não votavam), escolaridade e o econômico, já que somente o rico votava e quanto mais rico maior o peso do seu voto. O movimento operário foi fundamental n a conquista pelo voto igualitário (ELEY, Geoff. Forjando a democracia. São Paulo: Perseu Abramo, 2005). 12 Para o constitucionalismo essa fusão trará algo de novo e importante na medida em que se a democracia significando transformação e risco funde-se com a constituição que buscava resguardar a segurança dos interesses elitistas, doravante a ideia predominante será mudar com segurança e com o mínimo de estabilidade, resultando na chamada ‘democracia constitucional’. Nesse passo, a fusão entre democracia e constituição ocorrida na segunda metade do século XIX por força dos movimentos operários que reivindicavam voto.

(25) 24. Mudar com segurança tem um significado único. As maiorias ao elegerem governos e parlamentares que se encarregarão de aprovarem leis, projetos políticos, políticas públicas, figurando na condição de representantes da maioria, esbarrarão em limites estabelecidos pela Constituição como elemento de segurança para o processo de transformação democrático. Assim, o núcleo imutável da Constituição é representado pelos direitos fundamentais, e, portanto, intocável por qualquer maioria. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 descortina esse núcleo imutável, quando em seu art. 60, § 4º, I ao IV fixa as cláusulas pétreas, estabelecendo serem elas intocáveis, não se admitindo emendas tendentes a abolir os direitos fundamentais e suas garantias, a democracia, a separação de poderes e o federalismo13. Por outro lado, a Constituição precisa manter-se atualizada, através do Poder Constituinte derivado, exercitável pela reforma, emendas ou revisão, como forma de preservar sua permanência, já que essa permanência é parte integrante do elemento segurança14. Situações em que as mudanças sociais surgem numa velocidade tal, a não mais se coadunarem com o texto constitucional também poderão ocorrer, razão porque admissível é o momento da ruptura. A ruptura é necessária para garantir a própria segurança da ordem constitucional, provocando uma transformação da sociedade quando constata que a ordem constitucional vigente envelheceu, e já não consegue acompanhar os anseios da sociedade. Entretanto, a ruptura de uma determinada ordem constitucional precisa ser legítima, ou seja; inequivocadamente democrática, retratando a vontade popular, de modo a superar a Constituição obsoleta.. igualitário dentre outros direitos, introduz na ótica do constitucionalismo a concepção de transformação com segurança dos limites estabelecidos pela Constituição, fazendo emergir conceitos importantes para a democracia majoritária constitucional. São os chamados mecanismos contra-majoritários. Esses mecanismos consideram a existência de um núcleo imutável da Constituição, ou seja; ‘mudar com segurança’. (MAGALHÃES, Luiz Quadros de. Teoria do estado: a modernidade violência e modernidade: o dispositivo de Narciso: a superação da modernidade na construção de um sistema mundo (texto 197). Blog do autor. 10 fev. 2011. Disponível em: http://joseluizquadrosdemagalhães.blogspot.com.br. Acesso em: 11 mar. 2016). 13 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas emendas constitucionais n.1/92 a 68/2011 e pelas emendas constitucionais de revisão n. 1 a 6/94. Disponível em: <http:www.planalto.gov.br>. Acesso em: 11 mar. 2016. 14 Se por um lado a Constituição não admite mudanças a ponto de comprometer seu núcleo de segurança, por outro lado, a sociedade cobra e é tendenciosa as mudanças sociais, que por sua vez, vêm numa rapidez e tamanho maiores do que as mudanças admitidas pela Constituição, fato que resulta na perpetuação de uma tensão permanente.Por outro lado, a tensão é necessária porque se as mudanças buscadas pela sociedade fossem incorporadas na mesma velocidade com que surgem ao texto constitucional, tal fato, resultaria no comprometimento da lógica da segurança constitucional (MAGALHÃES, op. cit.)..

(26) 25. Portanto, não se pode abdicar de Constituição sem democracia. A democracia sem Constituição poderia resultar em um sistema totalitário, autoritário, numa ditadura da maioria. Por outro lado, Constituição sem democracia, poderia significar um retrocesso ao liberalismo da Idade Moderna, consagrador de privilégios para apenas uma parcela da sociedade. Daí porque o caminhar conjunto entre a Constituição e a democracia é fundamental, em respeito ao núcleo de segurança da ordem constitucional, a impor limites à modificação do seu texto, constantemente motivada pelas mudanças vivenciadas pela sociedade15. Cada carta constitucional posta em vigor passou por um momento anterior de ruptura, admitida em casos extremos e por motivação de uma vontade popular forte o suficiente para democraticamente estabelecer uma nova ordem, capaz de oferecer transformação com segurança, ou seja; com respeito aos direitos fundamentais.. 1.2.1Crise do liberalismo. Não se pode deixar de registrar que o Século XIX marca a crise do liberalismo, ocorrida no auge da revolução industrial e da geração de riqueza, em que por força do aumento da produção industrial, as máquinas passaram a substituir em larga escala o trabalho artesanal de manufaturas. Constata-se uma movimentação populacional muito grande, fruto da migração de pessoas que trabalhavam no campo e em aldeias, para os centros urbanos, provocando o inchamento das cidades por indivíduos ávidos por encontrar trabalho. Instaura-se situação paradoxal, onde existia em curso, um processo de concentração econômica que se conflitava com a proposta do capitalismo liberal, cujo discurso fundava-se na ideia de livre iniciativa, livre concorrência, oportunidade para todos, disseminando no senso comum a concepção de que o esforço do trabalho viabiliza o alcance. 15. O Brasil (segundo MAGALHÃES, op. cit.) teve 7 ou 8 Constituições. Se considerarmos a Emenda nº 1 de 69 como Constituição outorgada, autoritária, ilegítima, mas uma Constituição, o país teve oito cartas constitucionais. A de 1824 (liberal); 1891 (liberal); 1934 (social); 1937 (autoritária de natureza fascista, do Estado Novo de Vargas); 1946 (período da redemocratização e de caráter social e democrático); 1967 (autoritária e de natureza fascista, inspirada no movimento do golpe militar de 1964 que acabou com a democracia no Brasil); 1969 (emenda constitucional, promulgada por Médici e imposta pela ditadura militar empresarial) e 1988 (popular, promulgada, denominada constituição cidadã a marcar no tempo o processo de redemocratização)..

(27) 26. da riqueza, bem estar e aquisição de bens materiais, sem privilégios hereditários ou de castas16. O liberalismo econômico fundado na propriedade privada dos meios de produção, vinculando liberdade individual à ideia de propriedade, revelava-se elitista e não reconhecia a democracia majoritária. Esse liberalismo alicerçava-se na concorrência, enaltecendo o indivíduo que tem dinheiro, considerado melhor do que aquele que não tinha posses. Pela ótica liberal, aqueles que não têm recursos financeiros, não trabalharam, não se esforçaram, não foram criativos. Surgem assim três problemas: O primeiro deles seria a desigualdade nas condições de competição, posto que o liberalismo disseminava a livre concorrência, onde o homem livre e proprietário o era também da sua força de trabalho e da sua própria vontade, visto que, mesmo que fosse desprovido de bens, posses, propriedades, seria, no entanto proprietário de si mesmo, saindo da condição de escravo, já que o escravo é propriedade do outro; enquanto o homem livre, não pertence a ninguém. Muito bem, esse homem livre, ainda que fosse desprovido de bens e posses, pelo simples fato de ser proprietário de sua vontade, e do seu corpo, poderia atuar no mercado aberto, livre, desregulamentado, com um Estado afastado da vida econômica por determinação da Constituição17. Todavia o jogo liberal do século XIX se desenrola de forma muito peculiar. É preciso considerá-lo como uma maratona, onde várias pessoas competem entre si, e que por isso, em prestígio às condições mínimas de justiça, todos deveriam iniciar a corrida no mesmo local e no mesmo momento. Ocorre que essa condição mínima de justiça, não existiu na história do liberalismo, posto que enquanto a grande maioria das pessoas se encontrava na linha de partida, habilitando-se ao início da competição no livre mercado, uma minoria já havia adiantando-se nesse processo competitivo.. 16. Essa ideia se contradiz com o direito de herança como algo essencial a lógica do direito de propriedade que manterá privilégios não só de nomes e sobrenomes, mas também despertará na burguesia, ou melhor na alta burguesia o desejo de imitar os costumes da nobreza (ELEY, Geoff. Forjando a democracia. São Paulo: Perseu Abramo, 2005). 17 TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracia na América. São Paulo: Nacional, 1969. TOCQUEVILLE, Alexis de. O antigo regime e a revolução. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília: Hucitec, 1989. Segundo o qual cada indivíduo pensando na sua propriedade e no seu lucro possibilitaria no mercado aberto o ‘equilíbrio do todo’, enaltecendo a meritocracia para quem se esforça mais, e por isso, deverá receber mais (TOCQUEVILLE, op. cit., 1969)..

(28) 27. A burguesia, por exemplo, já havia acumulado riqueza e poder político, sobretudo com as revoluções burguesas, de modo que no jogo competitivo liberal, posicionava-se bem a frente da maioria18. Um segundo problema que contribuiu para a crise do liberalismo, cinge-se no conservadorismo. Conservadorismo na medida em que a igualdade de competição como ideia liberalista, ensejou a mobilidade social, com um maior número de pessoas migrando para os centros urbanos em busca de trabalho, sobretudo no início do século XIX. Sabe-se que o processo de enriquecimento do indivíduo é decorrente de três causas basicamente: trabalho, herança ou roubo. O indivíduo que conseguiu enriquecer, seja trabalhando, herdando ou roubando, doravante, reunirá esforços para não perder o que conquistou. Nisso consistirá o conservadorismo. Nesse passo, este mesmo indivíduo criará mecanismos de conservação do espaço conquistado, mediante a eliminação da livre iniciativa e da livre concorrência19. O conservadorismo econômico representou o comprometimento do discurso liberal, tão disseminado pelo senso comum, no sentido de que: quem trabalha mais, 18. Por outro lado a liberdade para ser exercida exige que as pessoas reúnam meios para exercê-la. Não existe liberdade sem dignidade. Portanto, as construções liberais denotavam uma contradição entre os conceitos disseminados e as chamadas liberdades individuais, posto que não se preocupavam em resguardar os meios necessários para garantí-las (direitos sociais, a saúde, previdência social, direitos econômicos, salário mínimo), mesmo porque, vivenciava-se na época tempos de exploração do trabalho. Constatou-se assim, que o jogo liberal enfrentou como primeiro problema, o fato de haver começado historicamente desigual (ELEY, Geoff. Forjando a democracia. São Paulo: Perseu Abramo, 2005). O exercício da liberdade de competição exige meios para que se torne efetiva. O capital é imprescindível para tanto. Ora, se o liberalismo para o senso comum significa igualdade de oportunidade para todos, de modo que cada um terá de acordo com o que conseguir conquistar pelo trabalho, sem privilégios hereditários; como admitir na prática que pessoas muito embora trabalhassem o dia inteiro, muitas vezes 16 (dezesseis) horas por dia, ainda assim, não conseguissem satisfazer sequer suas necessidades vitais, enquanto a burguesia e a nobreza apresentavam um modus vivendi completamente diferente? Revela-se portanto uma contradição muito grande entre o discurso e os fatos reais (MAGALHÃES, Luiz Quadros de. Direito à diversidade e ao estado plurinacional. Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2012). 19 Os capitalistas liberais acreditavam na força do livre mercado, da pequena empresa, da igualdade nas condições de competição e oportunidades. Entretanto, estes vão sendo engolido pelo o que o próprio liberalismo gerou: uma economia desregulamentada, onde prepondera a lei do mais forte, e este por sua vez criará mecanismos de concentração econômica através de políticas variadas como o dumping, formação de cartéis, holdings, dentre outros. Esses mecanismos econômicos visarão a eliminação do novo competidor, antes que ele cresça, assim como a eliminação do risco tão combatido pelos liberalistas ou pelo capitalismo liberal. Inclusive, o capitalismo ‘sem risco’ consiste na situação em que os capitalistas conservadores eliminam do jogo outros competidores, sendo cada vez mais recorrente a busca por grandes empresas de lugares “com risco menor” para realizarem seus investimentos. Curiosamente, o liberalismo criou suas próprias contradições internas, ao permitir a livre ação das forças econômicas, desprovidas de regulamentação, ou de qualquer norma jurídica que porventura viesse a delimitar essas ações, através de mecanismos jurídicos em que se observassem “regras”. Dessa forma, diante da desregulamentação, os grandes grupos econômicos continuaram desenvolvendo mecanismos de eliminação da livre iniciativa, da livre concorrência e do risco (ELEY, Geoff. Forjando a democracia. São Paulo: Perseu Abramo, 2005)..

(29) 28. meritocraticamente vence econômica e profissionalmente, discurso este, aliás, muito alardeado nos séculos XIX e XX20. O terceiro problema, é que nem sempre a política econômica privada adotada, remete necessariamente ao resultado almejado. As políticas econômicas liberais deveriam ser garantidas por um sistema jurídico, e por sua vez por uma Constituição, que tivesse como regra básica econômica, a proibição do Estado em exercer atividade econômica ou de regulamentá-la. A regra básica econômica de uma Constituição liberal é a proteção da livre iniciativa de concorrência, da propriedade privada (como direito absoluto do Estado liberal), e a proibição do Estado de intervir na vida, iniciativa e na economia privadas, seja exercendo atividade econômica, seja regulamentando-a. Alguns autores admitem uma intervenção estatal, de forma excepcional e subsidiária, e apenas quando não houver interesse privado por determinado setor em atividade econômica. Portanto, a regra do constitucionalismo liberal e do Direito Liberal, posiciona de um lado; um Estado mínimo que não exerce atividade econômica (com economia desregulamentada); e de outro, a proteção da propriedade privada como direito absoluto protegido com aparato policial e militar; especialmente a propriedade dos meios de produção visando o alcance de dois objetivos: mercado livre e livre concorrência (no sentido de oportunidades para todos) na busca da geração de emprego, equilíbrio e riqueza. Desta feita a política econômica liberal deverá necessariamente alcançar tais resultados, posto que do contrário precisará ser modificada. Por outro lado, é preciso considerar que as teorias para terem eficácia, precisam observar dois aspectos: espacial e temporal. Portanto, uma teoria liberal de igualdade de oportunidades, não alcançará os resultados esperados, se aplicada em uma realidade onde os competidores não gozam do privilégio da igualdade de condições para competirem, e onde grandes corporações continuarão empenhadas em criar mecanismos de concentração de riquezas, eliminação da concorrência, combinação de preços, prática do dumping, formação de holdings, em comprometimento dos resultados esperados. 20. O século XXI vem demonstrando a contradição dessa teoria com a realidade, na medida em que, resguardando se algumas exceções, as grandes corporações crescem cada vez mais e por sua vez, continuam a desenvolver mecanismos de eliminação da concorrência para manutenção do domínio econômico no mercado (ELEY, ibid.)..

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