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John Locke54também inglês e contratualista, parte assim como Hobbes da ideia de existência de um estado de natureza e posteriormente de um estado de sociedade, entretanto, com base em premissas distintas.

Locke55considera que o ser humano no estado de natureza nem é bom ou ruim. Entretanto, já demonstra uma tendência a ser bom, porque no estado de natureza não apenas os direitos naturais do indivíduo são cultivados, mas também outros, considerados por Locke como sendo basicamente: o direito à vida, à propriedade privada e o direito de punir.

A visão Lockeana considera também além da existência no estado de natureza de leis, como algo que é aplicado a todos os indivíduos, o enquadramento dessas leis em dois grupos: a) as leis da natureza; e b) as leis de Deus.

Essas leis não teriam sofrido ainda a influência do ser humano, ou seja, não teriam sido criadas pelo homem, razão porque quando Locke discorre sobre elas, o faz reportando-se ao estado de natureza, em cujas circunstâncias as pessoas embora fossem neutras, teriam a tendência a ser boas, pressupondo-se assim, pela lógica, que o estado de natureza Lockeano seria muito bom, principalmente se comparado ao estado de natureza Hobbesiano, no qual as pessoas viviam em estado de guerra de todos contra todos.

A visão de Locke quando parte do princípio de que as pessoas são boas, ou pelo menos têm a tendência a sê-lo, remete a conclusão de que essas mesmas pessoas, pelo menos em tese, não criarão conflitos entre si.

Por outro lado, os direitos naturais (vida, propriedade e direito de punir) entre os quais Locke destaca como sendo o mais importante o direito de propriedade, por ele considerado intrínseco ao indivíduo, e reconhecido no estado de natureza de forma recíproca pelas pessoas.

Esse reconhecimento recíproco pelas pessoas do direito de propriedade, decorre do comportamento espontâneo que cada indivíduo teria em respeitar o limite do outro no momento da ocupação de um determinado território.

54 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014.

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Dita ocupação, outrossim, estaria legitimada por um outro direito natural, a propriedade, implicando no reconhecimento do direito do outro, de também ocupar a porção vizinha, não fazendo sentido para esses indivíduos, invadirem o que é do outro56.

Para Locke o estado de natureza revela algo de muito bom, dada a existência da propriedade privada, e o reconhecimento já no estado de natureza do que é meu, e do que é do outro.

A propriedade então daria subsistência ao direito à vida.

O terceiro direito natural para Locke seria o direito de punir, posto que, muito embora o citado autor considere as pessoas boas, eventualmente admite que elas possam praticar atos de transgressão, cometendo infrações.

Assim, na visão Lockeana, as pessoas que invadirem a propriedade de outras, ensejará o exercício por parte das vítimas da invasão, do direito natural de punir.

É necessário compreender que Locke não considera que o direito de punir corresponda a uma resposta desproporcional ao ato sofrido. Portanto, não caberia para Locke57punir uma invasão da propriedade privada, por exemplo, com a morte.

Difere de Hobbes 58 , para quem no estado de natureza por não existirem leis reguladoras das condutas, é admissível a concretização de quaisquer ações em hipótese de violação dos direitos naturais.

A compreensão de Locke é que no estado de natureza existem sim leis, e em seus dois conjuntos. Essas leis por sua vez, dão existência ao direito de punir, que, no entanto, precisa ser proporcional à agressão sofrida.

Diante desse ponto de vista, questiona-se a essencialidade de criação do Estado, posto que, se as pessoas são boas, convivem harmonicamente, cada uma no limite da sua propriedade privada, trocando produtos entre si, perderia um pouco o sentido, a criação do Estado.

Por que razão criá-lo então?

56“Podemos classificar como satisfatória a norma de propriedade que a natureza estabeleceu por meio do âmbito do trabalho dos homens e das conveniências da vida. Nenhum trabalho de um homem podia subjugar ou apropriar-se de tudo; nem podia o homem, a seu bel-prazer, consumir mais do que uma pequena parte. Dessa forma, era impossível a qualquer homem interferir no direito de outro, o adquirir para si uma propriedade em detrimento do seu vizinho, que ainda teria espaço para uma boa e ampla porção de terra (depois de o outro ter tomado a sua) como antes de ter sido apropriada” (LOCKE, John. Da propriedade. In: . Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 48).

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LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014. 58

HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2014.

O argumento é que apesar da evidência de uma boa convivência entre os indivíduos, faltam no estado de natureza três elementos.

O primeiro deles seria leis criadas pelo próprio indivíduo (ou seja: leis estabelecidas, conhecidas e aprovadas por meio do consentimento), fazendo a ressalva de que, muito embora no estado de natureza se reconheça a existência de leis (leis da natureza e leis de Deus) as quais o ser humano se submete, este não pode ser considerado livre, haja vista que não participou do processo de sua elaboração.

Precisa haver o consentimento, sem o que o ser humano não é livre59.

O segundo elemento para Locke seria: juízes imparciais já que muito embora no estado de natureza exista o direito de punir, esse mesmo direito pode ser extrapolado no momento do seu exercício por parte de quem sofreu uma determinada agressão.

O poder coercitivo seria o terceiro elemento, como algo ou alguém que empregue a força física para pôr em prática determinado julgamento, posto que muito embora o direito de punir exista no estado de natureza, ele ainda não é concretizado, exatamente em face da ausência de uma força maior que permita sua aplicação, justificando para Locke o surgimento do Contrato Social.

Locke60sustenta assim que o Estado surja para garantir a boa vida que o indivíduo já desfruta no estado de natureza, e o mais importante, com a presença do elemento consentimento, já que as leis presentes no estado de natureza, não são criadas pelo indivíduo, portanto são comandos na visão Lockeana que não garantem a liberdade ao indivíduo.

A criação do Estado para Locke 61 pressupõe a cessão dos direitos naturais de titularidade do indivíduo ao Estado. Na visão Lockeana o indivíduo apenas cede, temporariamente, esses direitos para que o Estado haja em seu nome, não perdendo com isso a titularidade dos direitos naturais.

59“Em primeiro lugar, os governantes devem atuar por meio de leis estabelecidas e promulgadas, não podendo alterá-las em casos particulares. As leis devem ser as mesmas para ricos e pobres, para o favorito da corte e para o lavrador no campo.

Em segundo lugar, tais leis devem ser definidas visando o bem do povo.

Em terceiro lugar, o legislativo não deve aumentar os impostos sobre as propriedades do povo, sem seu consentimento, que é concedido diretamente pelo próprio povo, ou indiretamente, por seus eleitos para a assembleia legislativa. E isso é do interesse somente dos governos em que o legislativo é permanente, ou, pelo menos, em que o povo não tenha reservado qualquer parte do legislativo aos seus eleitos, que devem ser por el es escolhidos de tempos em tempos.

Em quarto lugar, o legislativo não deve nem pode transferir o poder de fazer leis a quaisquer outras pessoas, nem confiar esse poder a outras mãos que não sejam aquelas que o povo elegeu” (LOCKE, John. Da extensão do poder legislativo. In: . Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 114). 60

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014. 61

Portanto, o contrato social de transferência Hobbesiano, diferencia-se do contrato social de cessão Lockeano.

Uma vez criado o Estado, é proposta a separação de poderes, por ser extremamente importante que o Estado garanta a liberdade individual, visto que, não se admite que o indivíduo tenha as suas ações comandadas de forma absoluta pelo Estado.

É considerada a importância de se limitar o poder do estado, em nome do respeito e garantia da liberdade individual dos indivíduos a ele submetidos.

A separação de poderes proposta por Locke, não é necessariamente a separação de poderes que se vislumbra nos dias de hoje.

Locke62 os divide em executivo, legislativo e federativo, cabendo ao executivo administrar, ao legislativo a criação das leis e ao federativo a responsabilidade pelas relações internacionais, como por exemplo, cuidar da guerra e da paz63.

Considera dentre eles, como mais importantes: o Executivo e o Legislativo, enfatizando a importância, entretanto, da separação entre eles, de modo a evitar a concentração de poder em uma única pessoa, ou em um único grupo, identificando o Executivo com a figura do rei e o legislativo com o parlamento.

Sob esse ponto de vista, suscitará a necessidade da realização de eleições, através das quais, o indivíduo efetivamente será livre, posto que o Parlamento representará o povo (um detalhe importante é que na visão da época o povo seria a nobreza, em verdade; a nobreza rica), a qual era dado o direito de votar e de ser votado, cabendo a essas pessoas eleger o parlamento.

Assim, não só o Parlamento seria limitado, na medida em que não seria absolutista, como o rei igualmente seria limitado, porque executaria a legislação criada pelo parlamento, e não a que bem entendesse e quisesse, disseminando-se a ideia de que um poder controlaria o outro poder, muito embora não na conformação dos dias atuais (com base no sistema de freios e contrapesos), mas apenas e tão somente, ensejando uma limitação entre os dois poderes integrantes do Estado, como forma de expandir a liberdade individual dos cidadãos a eles subjugados.

Sendo assim, é criada a ideia de eleições, de representação, sendo curioso enfatizar que o indivíduo exercitará o seu direito natural exatamente no momento das

62 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014.

63“A grande finalidade que os homens têm quando entram na sociedade é poder aproveitar seus bens em paz e em segurança, e o principal instrumento e os meios para isso são as leis estabelecidas nessa sociedade” (LOCKE, John. Da extensão do poder legislativo. In: . Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 107).

eleições, uma vez que na visão Lockeana, não há transferência de direitos ao Estado, apenas cessão, cujo exercício se daria segundo a visão de Locke, no momento das eleições.

Interessante registrar que é no momento das eleições em que o indivíduo exerce o seu direito natural, nos demais momentos, espontaneamente, cede esse exercício ao Estado, que passa a exercê-lo por representação.

O raciocínio Lockeano busca sempre a garantia da liberdade individual.

Num comparativo com Hobbes64, cujo Estado é intervencionista, interferindo na esfera privada do cidadão, sempre em nome da garantia da segurança, para Locke como criador da ideologia liberal, a função do Estado é intervir apenas quando houver necessidade, até porque para o citado autor, no estado de natureza o homem é bom, os conflitos raros, e há uma presunção de que esse mesmo homem continuará sendo bom, assim como os conflitos continuarão sendo raros no estado de sociedade, de modo que apenas e tão somente se surgirem conflitos, é que haverá a necessidade de que o Estado intervenha.

Nesse ponto, o Estado seria uma entidade que só atuaria na hipótese de conflitos entre os indivíduos.

A compreensão do pensamento Lockeano deve partir inicialmente da consciência de sua condição de liberalista, portanto titular de um pensamento liberal, para quem é importante que haja o Estado, mas o poder do rei não deve ser absoluto, e não sendo absoluto quem teria a responsabilidade de limitar o poder do rei seria o Parlamento.

O Parlamento, portanto, é tido como a instituição competente para limitar o poder do rei.

Admite também que o homem primitivo embora viva em estado natural, onde literalmente cada um cuida da sua vida, é destituído de uma organização social, e, portanto de segurança e progresso.

Ressalte-se que Locke foi um grande defensor da propriedade privada, que no estado natural considera desprotegida65.

64 HOBBES, Thomas. Leviatã:ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2014.

65 “Em certos governos, as leis regulamentam o direito à propriedade e a posse da terra é determinada por constituições positivas. Dessa forma, é muito fácil conceber como o trabalho pode levar-nos, inicialmente, a um título de propriedade em relação as coisas comuns da natureza: e como nos prendemos ainda mais a ele com o tempo. Com isso, não havia motivos para se disputar um título, nem qualquer dúvida sobre o tamanho da posse autorizada. O direito e a conveniência estavam associados; pois, ao mesmo tempo em que um homem tinha o direito de ficar com tudo que fosse fruto do seu trabalho, ele não tinha a tentação de trabalhar mais do que o necessário para sua sobrevivência. E isso não deixava margem para controvérsias, nem para transgredir o direito de outros; o que cada homem conseguiria para si estava claramente estabelecido. Era inútil e desonesto ter muito, ou pegar mais do que o necessário” (LOCKE, John. Da propriedade. In: . Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 57).

A propriedade privada precisa de proteção e segurança, a justificar a celebração entre a sociedade e o Estado de um contrato, embora em termos completamente diversos do que pregou Hobbes.

O Estado seria um mediador de conflitos, garantindo o desenvolvimento, a ordem, mas permitindo que a classe burguesa vivesse de forma livre, ou seja, que cada homem tivesse sua propriedade privada livre da intervenção do Estado e que pudesse praticar o comércio, promover a concorrência, já que no sistema liberal, o que rege o mercado não são as leis do Estado, mas as próprias leis do comércio, in casu, da oferta e da procura.

Assim, sendo o Estado um mediador, que deverá respeitar a propriedade privada e a concorrência, sua responsabilidade não é de intervir sempre, mas somente quando os interesses da burguesia sofrerem algum tipo de ameaça.

Configurando-se por parte do Estado abuso ou irresponsabilidade, esta conduta poderá ser contestada pela população.

A grande diferença entre os dois autores contratualistas é que para Hobbes o Estado é soberano, devendo os seus interesses prevalecerem. Para Locke os interesses da sociedade é que devem ser preservados, não podendo o Estado intervir, mas apenas no estrito limite do necessário e para reestabelecer a ordem.

Locke – Propriedade considerada o mais importante dos direitos naturais – respeito recíproco pelas pessoas desse direito – Estado com três funções definidas: criação das leis, viabilizador de juízes imparciais e gestor do poder coercitivo – Momento histórico do Estado constitucional liberal.