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4.3 Teorias mediata e imediata e vinculação dos particulares aos direitos

4.3.2 Eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares

A aplicação imediata de direitos fundamentais às relações estabelecidas entre particulares, não significa ausência de limites ou eficácia absoluta197.

Condicionar a eficácia da vinculação dos direitos fundamentais aos particulares à soluções legislativas e à mediação judicial, equivaleria a legalizá-los ao extremo, substituindo o princípio da constitucionalidade, pelo princípio da legalidade198.

A omissão legislativa, assim como a morosidade e o déficit legislativos, operam consequências que não podem ser negadas, seja quando o legislador se omite e deixa de editar regulações específicas de direito privado concretizadoras de direitos fundamentais, assim como, mesmo quando as edita o faz tardiamente, de modo que titulares de determinado direito fundamental deixem de usufruí-lo, por um tempo razoável.

Há de se considerar ainda, a própria incapacidade da lei para exaurir todas as possibilidades, de modo a contemplar todos os conflitos e situações passíveis e possíveis de regulação, evidenciando uma atuação legiferante deficitária, em contrariedade a teoria da eficácia mediata, sobretudo nas variações por ela preconizadas, que impõem a existência de lei expressa regulando a matéria.

Em contraponto ao argumento de que a Constituição Federal não ordena expressamente a vinculação dos particulares a direitos fundamentais, mas apenas faculta essa vinculação, não se pode esquecer que a própria Constituição Federal obriga os poderes públicos a proteger os direitos fundamentais dos particulares, contra lesões perpetradas por outros particulares.

Prosseguindo-se na análise da desigualdade fática como elemento determinante a justificar a aplicação excepcional e imediata das normas de direitos fundamentais pelo juiz ou Tribunal, imperiosos alguns destaques.

Assim, na proporcionalidade de quanto maior for a desigualdade fática maior a eficácia, é preciso esclarecer que essa suposta hierarquização das lesões de direitos fundamentais, segundo quem lesou, e não a lesão em si mesma, não enseja uma relação entre uma coisa e outra. Lesão a direito fundamental reveste-se do caráter da inconstitucionalidade, e por consequência impede, anula ou invalida total ou parcialmente ato de autonomia privada.

197STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004. 198 “Mais perigosa do que a ‘jusfundamentalização’ do direito civil é a ‘civilização’ (‘infraconstitucionalização’dos direitos fundamentais” (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais.São Paulo: Malheiros, 2004. p. 156).

Entretanto, na ponderação de bens, a desigualdade fática é um importante elemento empírico a ser levado em consideração, mas não determinante ou único, a ponto de justificar a eficácia imediata de normas de direitos fundamentais nas relações entre particulares.

A respeito da cláusula geral, importante definí-la como técnica legislativa que retrata enunciado formulado em linguagem vaga, com o objetivo de permitir ao juiz interpretar o direito privado mediante conteúdos metajurídicos e jurídicos, oriundos da Constituição.

A vagueza de uma cláusula geral, permite exatamente o enquadramento jurídico de um amplo número de casos ou hipóteses concretas, para os quais não existe previsão pormenorizada na lei.

Nesse passo, uma cláusula geral promove a abertura de normas e valores sociais, socialmente reconhecidos, de modo a permitir que estes ingressem no sistema jurídico, arejando-o.

As cláusulas gerais próprias do direito privado, são largamente utilizadas pela teoria da eficácia mediata, quando não há regulação legislativa específica, em cuja circunstância o juiz para dar eficácia as normas de direitos fundamentais, faz uso delas.

Importante enaltecer o argumento que respalda a teoria da eficácia mediata, em contraposição a teoria da eficácia imediata, que parte da ideia de vagueza e falta de clareza dos enunciados relativos aos direitos fundamentais, a imporem complexas ponderações, a fim de justamente possibilitar a interpretação e aplicação desses enunciados.

A certeza jurídica é de fundamental importância para o direito privado, logo, essa certeza poderia aglutinar riscos em torno do seu núcleo, acaso enunciados de direitos fundamentais nas relações de ordem privadas, fossem aplicados de forma imediata ou direta.

Em contrapartida a tal constatação, as normas de direito privado estariam mais aptas a garantir certeza jurídica (segurança), dada sua clareza e detalhamento a exigirem menos ponderação.

Se o argumento para não aplicação direta dos enunciados de direitos fundamentais é o da imprecisão de seus conceitos, padecem do mesmo problema as cláusulas gerais, diante da condição destas de enunciados legislativos com elevado grau de indeterminação.

Portanto, o papel da interpretação complexa, encontra-se presente nos textos de direitos fundamentais, como nos textos de cláusulas gerais.

As cláusulas gerais teriam dogmatização inviável, posto que seu sentido é variável, fluído e complexo. Entretanto, é exatamente essa indeterminação, fluidez e variabilidade, que viabilizam a mobilidade do direito privado.

Portanto, questionável é se a concretização de normas de direitos fundamentais entre particulares, por meio de cláusulas gerais de direito privado, não gozariam de posição mais vantajosa no tocante ao aspecto da segurança jurídica, do que a aplicação imediata de normas de direitos fundamentais199.

A teoria da eficácia imediata sustenta a posição dos direitos fundamentais como comandos constitucionalmente concedidos aos particulares, em suas relações uns com os outros, e não apenas nas relações destes com o Estado.

No Brasil essa teoria é amplamente dominante. Doutrinadores da envergadura de Ingo Wolfgang Sarlet, Luís Roberto Barroso, Gustavo Tepedino, Wilson Steinmetz, Daniel Sarmento, dentre outros, defendem a aplicação imediata dos direitos fundamentais nas relações jurídicas de natureza privada, mesmo porque, se os direitos fundamentais são protegidos constitucionalmente, não haveria prejuízo à democracia, muito pelo contrário, bem como, se a lei disciplina questões relacionadas ao conflito de ordem privada, nada obsta que o aplicador da lei empregue a norma vigente, ao invés de atribuir ao caso a resposta que pareça mais justa. A solução preconizada pelo legislador deverá prevalecer, salvo quando o intérprete compreender ser esta solução incompatível com a Constituição.

Os direitos fundamentais representariam o fundamento de todo o ordenamento jurídico, justificando sua aplicação em todos os âmbitos de atuação humana de forma imediata.

Dispensariam, portanto, a mediação judicial concretizadora dos poderes públicos, posto que sua aplicação imediata garantiria sua eficácia.

O aplicador da lei vem decidindo pela horizontalidade dos direitos fundamentais, e pela aplicação imediata200.

199 “Ainda sobre a concretização judicial de direitos fundamentais por meio de cláusulas gerais, há algumas perguntas com as quais os defensores da eficácia mediata deveriam se defrontar. Quando se diz que os direitos fundamentais devem influenciar nas relações entre particulares por meio do ‘preenchimento axiojusfundamental’ das cláusulas gerais do direito privado (‘ponto de irrupção’ dos direitos fundamentais no direito civil, conforme Dürig, citado pelo Tribunal Constitucional no Caso Lüth), os direitos fundamentais são tomados como normas jurídicas, valores ou cânones de interpretação? A exigência de concretização dos direitos fundamentais como normas jurídicas – portanto, como algo mais do que valores ou cânones de interpretação – que gozam de posição preferencial na ordem constitucional? Em suma, essa exigência toma a sério os direitos fundamentais?” (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 164).

200 As construções jurisprudências do STF corroboram tal entendimento, senão vejamos (STF, RE 201.819/RJ, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 11/10/2005:

imediata.

Necessário pontuar, entretanto, algumas variações próprias da teoria da eficácia

De início, é que nas relações entre particulares disseminou-se a ideia de que a eficácia dos direitos fundamentais é absoluta.

Outra concepção afirma que os direitos fundamentais operariam eficácia mediata, sobretudo quando direcionados a uma situação em que num dos polos da relação figura um particular em situação de inferioridade, e no outro polo, um particular em posição de supremacia econômica ou social.

Há também a versão no sentido de que a eficácia das normas de direitos fundamentais entre particulares é imediata, porém não absoluta.

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.

Em julgamento do RE 18.215/RS o STF entendeu que a inobservância do direito de defesa e devido processo legal do invidíduo violaria direitos fundamentais albergados na Constituição Federal Brasileira, verbis: DEFESA

- DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa.

Em julgamento do RE 161243-DF o STF extendeu o estatuto dos empregados franceses ao demais empregados da empresa invocando para tanto o princípio da igualdade, senão vejamos: EMENTA: CONSTITUCIONAL.

TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido.

O TST em diversos julgados adota e acolhe a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. A exemplo do julgamento do Agravo de Instrumento cujo provimento foi negado (TST -AIRR 142140-04.2004.5.03.0036, j.). AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO DE REVISTA - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS (ECT) - EMPREGADA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS - DESPEDIDA - MOTIVO VÁLIDO - NECESSIDADE - DEVER DE IMPLEMENTAR ADAPTAÇÕES RAZOÁVEIS A PROPICIAR MANUTENÇÃO NO EMPREGO - DIREITOS HUMANOS - NORMAS INTERNACIONAIS, CONSTITUCIONAIS E LEGAIS.

Ora, a problemática resume-se basicamente na colisão de direitos fundamentais incidentes sobre relações de natureza privada, a impor o alcance e determinação de sua eficácia, a partir da ponderação dos interesses envolvidos e protegidos constitucionalmente.

A autonomia privada por sua vez é igualmente um princípio fundamental do direito privado constitucionalmente protegido. Assim, a ideia de que os direitos fundamentais teriam caráter absoluto, no tocante a sua eficácia imediata na relação entre particulares, seria inevitavelmente questionada.

A ponderação dos direitos e interesses em discussão é fundamental e necessária, para tornar efetivos os enunciados de direitos fundamentais no caso concreto.

Alguns argumentos de objeção a teoria da eficácia imediata seria a falta de previsão constitucional, desta vinculação dos particulares a direitos fundamentais; bem como, a equiparação equivocada promovida pela teoria da eficácia imediata das relações entre particulares e das relações entre o particular e o Estado ( particulares ocupam os dois polos como titulares dos mesmos direitos fundamentais, estabelecendo relação regida pelo princípio da autonomia da vontade); e ainda a ameaça a própria identidade do direito privado em virtude das interferências no âmbito de regulação material, a por em risco a autonomia privada, caso as pessoas mesmo querendo, não pudessem renunciar as normas de direitos fundamentais indisponíveis para a ação do Estado.

As objeções a teoria da eficácia imediata ressaltam ainda, que o princípio da segurança jurídica estaria melhor resguardado mediante a veiculação dos enunciados de direitos fundamentais de maneira aberta e imprecisa, a projetar efeitos nas relações de natureza privada, através da mediação do Poder Legislativo, ou subsidiariamente, através da mediação judicial.

Ademais, o próprio princípio da separação dos poderes, outorgaria ao Legislativo o papel de definira vinculação dos particulares a direitos fundamentais.

Mesmo quando presente a mediação judicial, o juiz emprega técnica legislativa, concretizando uma decisão prévia do legislador201.

201 “No entanto, aqui, cabe ao menos uma breve consideração em relação ao argumento crítico de que a eficácia imediata é incompatível com os princípios democrático e da separação dos poderes. Primeiro: se o legislador ordinário não cria regulações normativas instituindo supostos fáticos específicos e conseqüências jurídicas determinadas com vistas à demarcação e harmonização dos “espaços jusfundamentais” entre particulares e, em um determinado caso concreto, a solução judicial via cláusulas gerais não é possível, então há apenas duas alternativas: ou se nega a eficácia, sem mais, ou se admite a eficácia mediata, porque, assim, ela pode ser caracterizada como uma “negação dissimulada” da eficácia de normas de direitos fundamentais entre particulares. Segundo: os teóricos da eficácia imediata não propõem que as ponderações do juiz devem se sobrepor às ponderações do legislador democraticamente legitimado. Argumentam exatamente em sentido contrário. Se há desenvolvimento legislativo de direitos fundamentais e se este desenvolvimento é compatível com a Constituição, então o juiz não poderá se sobrepor a ele sob pena de violar os princípios democráticos e da