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Inobstante as considerações tecidas no capítulo anterior, importante perquirir, portanto, Hobbes – Direito de Propriedade inexistente – Estado absolutista empenhado em garantir apenas segurança aos indivíduos – Momento histórico de formação do Estado Moderno.

a existência ou não de incompatibilidade entre as duas teorias, bem como o posicionamento da comunidade jurídica brasileira sobre o tema.

Para enfretamento de tal questão a teoria integradora de Alexy226, sustenta que a suposição de que apenas uma das teorias acerca da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é correta, não seria a escolha mais acertada.

225“A teoria liberal clássica limitava o alcance dos direitos fundamentais à regência das relações públicas, que tinham o Estado em um dos seus polos. Tais direitos eram vistos como limites ao exercício do poder estatal, que, portanto, não se projetavam no cenário das relações jurídico-privadas. Hoje, tal concepção, que caracterizava o modelo de constitucionalismo liberal-burguês revela-se anacrônica. Parece indiscutível que se a opressão e a violência contra a pessoa provêm não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa, a incidência dos direitos fundamentais na esfera das relações entre particulares se torna um imperativo incontornável” (SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004).

Alexy227entende que as construções dogmáticas em torno da eficácia mediata e imediata, conduzem a um único resultado: a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

Bockenforde228relativiza eventuais diferenças entre as duas teorias, por entender que o aspecto objetivo da eficácia de princípios dos direitos fundamentais, cujo conteúdo axiológico recebe hierarquia constitucional, os torna para se efetivarem, independentes de legislação infraconstitucional.

Nesse ponto, enquanto conceitos jurídicos objetivos, podem e devem ser desenvolvidos, através do emprego de cláusulas gerais, muito própria da eficácia indireta, ou ainda, em determinadas situações, diretamente, dada a supremacia da Constituição.

Discutir pseuda incompatibilidade entre a eficácia mediata ou imediata dos direitos fundamentais, tornou-se discussão secundária, já que, quando não há possibilidade de viabilizar-se uma delas, elege-se a que por ventura for mais adequada a determinado caso concreto, de modo que seja garantida a eficácia de direitos fundamentais, enquanto princípios objetivos, presentes no ordenamento jurídico229.

A posição de Bilbao Ubillos230 é no sentido de que, o que não se pode admitir, é a exclusão de qualquer possibilidade de eficácia imediata dos direitos fundamentais.

Para Bilbao Ubillos231prioritariamente deve-se buscar a coordenação e harmonização da eficácia dos direitos fundamentais com os princípios próprios do universo do direito privado, os quais emergirão, a partir da análise do caso concreto em questão.

A celeuma em torno da adoção de uma ou outra teoria de eficácia dos direitos fundamentais, nas relações entre particulares, conforme exposição do capítulo anterior, instaura-se, sobretudo, em razão do posicionamento divergente de seus teóricos. Assim, aqueles que defendem a eficácia mediata dos direitos fundamentais sustentam a posição no

227Id., ibid.

228 BOCKENFORDE, Ernst-Wolfgan. Sobre lasituación de la dogmática de losderechosfundamentales trás 40 anos de ley fundamental.Tradução de Juan LuisRequejoPagés e IgnacioVillaverdeMenendez. Baden-Baden: NomosVerlagesgesellschaft, 1993.

229

Bockenforde (op. cit.) cita como exemplo a coexistência entre ambas as formas na teoria suíça do Direito do Estado: a teoria suíça do Direito do Estado não se preocupou com essas questões e delineou oportunamente o assunto no essencial: como princípios elementares do ordenamento, tal é sua argumentação, os direitos fundamentais penetram diretamente com sua força normativa expansiva nos âmbitos jurídicos especiais; por isso, que se dê ou não a eficácia frente a terceiros é um problema aparente. De que forma tem lugar essa atuação é algo secundário e que a Constituição deixa em aberto. Onde o princípio de direito fundamental pode realizar-se preenchendo de conteúdo conceitos e cláusulas existentes não é preciso fazer saltar pelos ares o sistema de normas jurídico-privado. Onde esse caminho seja impraticável pode resultar obrigado um recurso imediato ao direito constitucional.

230

BILBAO UBILLOS, Juan. La eficácia de losderechosfundamentales frente a particulares:analisis de la jurisprudência del Tribunal Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997. 231Id., ibid.

sentido de que, a aplicação imediata dos direitos fundamentais às relações entre particulares não seria compatível com os princípios democráticos e da separação de poderes, colidindo igualmente com outros princípios basilares das relações de ordem privada, dentre eles a autonomia privada e a segurança jurídica.

Entretanto, a autonomia privada por não representar um valor absoluto, pode e deve ser ponderada, a exemplo de outros direitos e interesses tutelados constitucionalmente.

Ademais, a Constituição Federal Brasileira não impõe de forma irrestrita a sujeição dos particulares aos direitos fundamentais, em regime próprio do em vigor perante os poderes públicos.

Muito pelo contrário.

A autonomia privada inclusive, por receber proteção constitucional, sofre a imposição da ponderação, entre o direito em jogo e a autonomia da pessoa cujo comportamento se deseja restringir.

Por fim, é preciso registrar, que a autonomia privada só existe efetivamente, quando evidenciadas condições mínimas de liberdade, hipótese que não se afigura numa realidade socialmente assimétrica como a brasileira, em que a liberdade humana sofre violações e constrangimentos constantes, provindos muitas vezes de agentes não estatais, razão porque, a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, longe de atentar contra a autonomia dos particulares, busca promovê-la em seu sentido mais amplo, ou seja; o sentido relacionado à liberdade.

O princípio democrático igualmente não deixa de ser respeitado em virtude da aplicação direta dos direitos fundamentais, face a existência do chamado espaço de ponderação próprio do legislador, a partir do que, a autonomia privada pode ser ponderada com os direitos fundamentais fixados a partir das normas de regência, em relações de caráter privado.

Cabe ao legislador prioritariamente no exercício da ponderação entre direitos fundamentais, atribuir presunção de legitimidade às normas de direito privado, de modo que o Poder Judiciário estaria adstrito a aplicação de tais normas na busca de soluções para o caso concreto, podendo ainda optar por regras específicas, quando existentes, ou ainda na hipótese de inconstitucionalidade, em que a norma estaria em descompasso com os valores preconizados na Constituição, deixar de aplicá-la.

Portanto, princípios como o da separação de poderes e democrático não deixarão de ser respeitados em face da aplicação direta dos direitos fundamentais aos particulares232.

Nessa esteira de raciocínio, a segurança jurídica igualmente é preservada, posto que, havendo regulação legal para determinado caso, prioriza-se tal prescrição, e não havendo, serão levados à exame pelo intérprete não só os direitos fundamentais propriamente ditos, como também a autonomia privada constitucionalmente protegida, como forma de viabilizar a penetração dos direitos fundamentais no universo do direito privado.

Caberá em tal circunstância ao aplicador da lei, a concretização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, como forma de ampliar a regulação casuística, através do preenchimento axiojusfundamental de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados.

232“O princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais, por si, não é um fundamento definitivo em favor da vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Desde a dogmática constitucional, é certo que os poderes públicos são, ao menos em primeiro plano, os sujeitos destinatários do princípio. Assim, nas relações verticais indivíduo-Estado, os direitos fundamentais operam eficácia e é uma eficácia imediata. Não é, porém, evidente, ao menos prima facie, que também entre os particulares está ordenada a eficácia por força do § 1º do art. 5º (CF). No máximo, em uma primeira aproximação hermenêutica, pode-se dizer que essa disposição normativa oferece a possibilidade de um argumento a mais – um argumento adicional de reforço – na constelação de argumentos favoráveis à vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Contudo, se aceita a tese de que direitos fundamentais obrigam também os particulares – definição da questão primeira –, então se impõem – na discussão da questão segunda – uma ‘reinterpretação’ do conteúdo normativo e uma reavaliação da relevância (‘peso’) dogmática do enunciado do § 1º, do art. 5º (CF). De forma concisa, a implicação é esta: está ordenada também entre particulares a aplicabilidade imediata de direitos fundamentais. Se for correta a tese de que direitos fundamentais vinculam, além dos poderes públicos, também os particulares e se a CF enuncia que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’ (§1º do art. 5º), então, e esta é a única conclusão possível, normas de direitos fundamentais operam eficácia ou aplicabilidade imediata também entre os particulares. Se forem constitucionalmente corretas as premissas, então correta é a conclusão do argumento:

- (i) (também) os particulares são destinatários de normas de direitos fundamentais (ou: normas de direitos fundamentais vinculam também os particulares);

- (ii) ora, a CF prescreve a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais;

- (iii) logo, normas de direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata nas relações entre particulares.

Portanto, sustenta-se como definição básica que, na ordem constitucional brasileira, direitos fundamentais vinculam direta ou imediatamente os particulares. Clarifique-se, porém, que não se trata de uma eficácia imediata linear, absoluta, universal e definida, abstratamente, de uma vez por todas. É, isto sim, uma eficácia imediata ‘matizada’ ou ‘modulada’. Em primeiro lugar, não se propõe que em todos os casos de colisões de direitos fundamentais entre particulares – seja colisões em sentido estrito, sejam emsentido amplo; sejam no âmbito de relações contratuais, sejam no âmbito de relações extracontratuais – o juiz e os tribunais ordinários estão obrigados a interpretar e aplicar disposições de direitos fundamentais exconstitutione. Havendo regulação legislativa concretizadora específica – necessária, suficiente e conforme à Constituição ou conforme aos direitos fundamentais–, deve-se dar a ela prioridade aplicativa.

[...]

A eficácia imediata ‘matizada’ ou ‘modulada’ de direitos fundamentais nas relações entre particulares (i) não afronta os princípios democráticos (CF, art. 1º, parágrafo único), da separação de poderes (CF, art. 2º), da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e da autonomia privada (CF, art. 1º, IV e art. 170, caput), (ii) é adequada ao fomento e ao alcance da máxima efetivação possível dos direitos fundamentais e (iii) é consistente e consequente com o conceito de uma Constituição como estrutura normativa básica do Estado e da sociedade e com a posição preferencial dos direitos fundamentais na ordem constitucional da República Federativa do Brasil. Ademais, a eficácia imediata ‘matizada’ é compatível com o projeto de superação da contraposição ‘eficácia mediata versus eficácia imediata’ em direção às ‘soluções diferenciadas’” (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais.São Paulo: Malheiros, 2004. p. 273-274).

Inclusive é muito frequente na legislação infraconstitucional, o emprego de conceitos jurídicos indeterminados e de cláusulas gerais, dotadas de elevado grau de indeterminação.

Outro aspecto a ser considerado, é que a segurança jurídica não se atrela atualmente apenas a um sistema fechado de regras prontas, subsumíveis ao caso concreto, mesmo porque, o paradigma de interpretação pós positivista, atribui juridicidade aos princípios, dinamizando a aplicação do direito, sobretudo axiologicamente, estendendo-se a todo o sistema jurídico englobando o Direito Privado.

Ademais, os direitos fundamentais embora tenham o caráter de norma constitucional aberta, a incerteza constitucional de sua aplicação pode ser solucionada a partir do emprego de determinadas medidas, como, por exemplo, o estabelecimento de Standards mediante a eleição de casos em que deverão prevalecer sobre a autonomia privada dos particulares, assim como as situações em que não deverão prevalecer, em conformidade com a relação de precedência condicionada entre princípios 233 .Com isso o decisionismo do intérprete, na ausência de lei reguladora sobre questões semelhantes, vai sendo reduzido a partir das construções elaboradas pela doutrina e jurisprudência, em fortalecimento da segurança jurídica.

A atuação direta dos direitos fundamentais funcionará como princípios objetivos de interpretação, concretizantes, de normas próprias do direito privado.

O que ocorre é que os direitos fundamentais têm uma relevância tal para uma ordem constitucional, que estão aptos a gerar efeitos, independentemente de recipientes normativos infraconstitucionais.

No Brasil prepondera a teoria direta e imediata dos direitos fundamentais, segundo o entendimento de que a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais às relações entre particulares, não fragiliza o princípio democrático, bem como, o receio de que seriam atribuídos super poderes ao Judiciário, igualmente cai por terra, visto que, existindo lei específica sobre a questão discutida no caso concreto, esta opção legal será priorizada, e inexistindo lei específica, pondera-se o direito fundamental em evidência, com os interesses privados envolvidos no caso concreto234.

233 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

234“Obviamente, a possibilidade de aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas não exclui a obrigação dos juízes e tribunais de interpretarem as normas jurídicas infraconstitucionais – todas elas e não apenas as cláusulas gerais – no sentido que mais favoreça a garantia e promoção dos direitos fundamentais. O reconhecimento da eficácia direta dos direitos fundamentais na esfera das relações jurídico-privadas não é incompatível com o chamado efeito de irradiação desses mesmos direitos, que os torna vetores exegéticos de todas as normas que compõem o ordenamento jurídico. Assim, ao aplicar qualquer norma infraconstitucional a

Atualmente quaisquer ramos do Direito, seja público ou privado não poderá subsistir isento da influência constitucional, mesmo porque a supremacia hierárquica da Constituição, seja do ponto de vista formal ou material, permitirá que todos os ramos do Direito impregnem-se por valores e princípios por ela preconizados.

A propriedade como um dos institutos de direito civil, está disciplinada, mesmo que em linhas gerais, pelo legislador constituinte, numa clara evidência da constitucionalização do Direito Privado.

Enfrentada a questão relativa a eficácia imediata dos direitos fundamentais no Brasil, outro aspecto a ser discutido diz respeito ao dever de proteção.