• Nenhum resultado encontrado

4.1 Fundamentos dogmáticos da horizontalidade dos direitos fundamentais

4.1.2 A relação da Constituição com os poderes privados

privados.

Um segundo aspecto a ser analisado é a relação da Constituição com os poderes

Nesse passo, uma constituição não tem como únicos destinatários o poder público e seus agentes, precisa atuar como importante instrumento jurídico para preservar e desenvolver a vida em comunidade, ao consagrar princípios como dignidade da pessoa humana, livre iniciativa e trabalho como valores sociais, estabelecendo objetivos de longo alcance, como a construção de uma sociedade livre e justa, apta a fomentar o bem de todos, erradicando o preconceito.

É preciso considerar que se as relações de poder estão presentes em todas as relações sociais, logo, o alcance de uma sociedade livre e justa apta a fomentar o bem de todos, na qual os direitos fundamentais têm eficácia jurídica e um grau consideravelmente bom de efetividade, não é dever apenas do Estado, mas também dos poderes privados, incluindo, portanto, o plano das relações horizontais.

Para Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins172, a problemática em torno do efeito horizontal dos direitos fundamentais cinge-se nos aspectos de alcance e consequências que operariam nas relações estabelecidas pelos particulares. Necessário é definir a forma de aplicação dos direitos fundamentais em tais circunstâncias. Os citados autores demonstram posição favorável ao reconhecimento do efeito horizontal dos direitos fundamentais, quando constatada desproporção de poder social entre os particulares.

O efeito horizontal dos direitos fundamentais é atribuído à condição de um vínculo específico do Judiciário encarregado da interpretação de cláusulas contratuais e do direito privado de uma forma geral, com base em normas de direitos fundamentais.

Em suas conclusões, sustentam que o efeito horizontal deve ser examinado de forma indireta, ou seja; a legislação que tutela os interesses dos particulares, encontrando-se estes em situação de desigualdade social diante do adversário com poder proeminente, socorre-se dos direitos fundamentais, que nesse passo, operariam o chamado efeito de irradiação sobre a legislação comum.

Esse efeito de irradiação dos direitos fundamentais, não estaria restrito às relações assimétricas dos interesses privados em conflito, estendendo-se a outras relações em que tal assimetria não se verifica.

172DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2014.

A compreensão dos autores parte da premissa de que não é decisivo para aplicação da horizontalidade dos direitos fundamentais, a evidência de uma desigualdade geral e de cunho material, evidenciada em dicotomias como, por exemplo, empregados versus empregadores; empresas versus consumidores. A desigualdade precisa ser constatada no interior de cada relação jurídica sob exame, portanto de forma indireta.

Sinalizam como dificuldade maior, o fato das relações horizontais não denotarem relação jurídica sinalagmática do particular, em que ao direito de um, corresponde o dever do outro, já que em verdade, os particulares são iguais titulares dos mesmos direitos fundamentais.

Por essa razão, é que enfatizam serem viáveis as relações jurídicas de direitos fundamentais entre os tradicionais e formalmente desiguais; ou seja: o indivíduo e o Estado. O Estado seria, portanto, o efetivo destinatário dos direitos fundamentais na medida em que é obrigado a respeitá-los. O ente estatal estaria vinculado aos direitos fundamentais incluindo o poder judiciário com base no art. 5, § 1° da CF/88.

Dessa forma, para Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis173, o efeito horizontal dos direitos fundamentais é indireto, porque se atualiza pela atividade jurisdicional, a quem compete interpretá-los. Assim, mesmo quando o legislador não contempla as situações de poder que possam remeter uma das partes a uma posição jurídica mais frágil, as normas infraconstitucionais precisam ser interpretadas com base nos direitos fundamentais, em prestígio a um comando constitucional que consagra a inviolabilidade dos direitos fundamentais, mesmo quando dita violação provém dos particulares.

O juiz precisará observar a irradiação dos direitos fundamentais, a fim de evitar a prolação de uma decisão sobre determinado caso concreto, manifestamente inconstitucional174.

Esta atividade jurisdicional é considerada mediação estatal, na medida em que o Judiciário como poder integrante do Estado, estaria indicando o respeito aos direitos

173

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2014.

174“O efeito horizontal imediato ou direto refere-se ao vínculo direto das pessoas aos direitos fundamentais ou de sua imediata aplicabilidade para a solução de conflitos interindividuais. A razão teórica é que, além do Estado, outras forças sociais poderiam apresentar um potencial lesivo semelhante ao Estado. Apesar da procedência dessa motivação, ela não fundamenta uma relação jurídica de direito privado: destinatário imediato das normas de direito fundamental continua sendo exclusivamente o Estado. Lembre-se, mais uma vez, que em algumas constelações triangulares nas quais o Estado-juiz decide uma lide cível, o aspecto da assimetria econômica não é o predominante” (DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2014. p. 108).

fundamentais, afastando agressões ou impondo respeito aos mesmos175.Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins vão mais além quando afirmam que as relações horizontais só se submetem aos direitos fundamentais, quando ocorre a mediação estatal, razão porque diretamente vinculado a eles estaria em tal contexto o Estado-juiz.

A vinculação direta do particular seria às normas infraconstitucionais ditadas, por exemplo, pelo direito civil. Entretanto, por força do efeito de irradiação dos direitos fundamentais sobre essas normas, a decisão judicial na interpretação da legislação comum não poderá ignorá-los.

Concluem afirmando, que no ordenamento jurídico brasileiro, o destinatário dos direitos fundamentais é o Estado, seja no exercício do dever de abstenção, seja no exercício do dever de ação, mediante prestações que precise efetuar em prol do particular.