Resenha Bibliográfica. Revista da Sociedade Brasileira de M edicina Tropical 19:201, Jul-Set, 1986
RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS
Miocardiopatía Crônica Endêmica Rural Venezoiana. Chagásica? Monografia. Edi
tado por D.N. Montero, Publicación de ia Gobernación dei Estado Mérida, Consejo de
Publicaciones, Universidad de Los Andes, Venezuela, 244 p., 1985.
A p u b licação em ap reço constitu i-se n u m a T ese de D o u to ra m e n to que sin tetiza os achados de um estu d o de 7 anos, co nduzidos pelo au to r sobre a epidem iolo gia clínica d a m io card io p atía crô n ica en dêm ica p rev alen te n a z o n a rural v enezuelana. E s pecificam ente, a m onografia trad u z um estu d o epide- miológico tran sv ersal, levado a efeito em várias loca lidades ru rais d a V enezuela, que an alisa a co rrelação entre a m io card io p atía crô n ica defin ida em bases eletrocard iográficas e a p resen ça de infecção ch ag á sica definida sorologicam ente f>elo te ste de hem agluti- n a ç ã o indireta.
O argum ento d o estu d o b aseia-se na hip ótese de que a m io card io p atía crô n ica ru ral v en ezu elan a e, p or ex ten são talvez a m esm a e n c o n trad a em outros países latin o -am erican o s, n ão seja de n atu reza ch ag ásica na grande m a io ria dos casos, m as sim devida a cau sas o u tras n ã o identificadas (p. ex., infecções virais, nutricionais, fam iliares e /o u genéticas). O au to r fun d am en ta su a hipótese no fato de que n ão encontrou evidência que relacio n asse seguram ente a infecção ch ag ásica crô n ica com a p resen ça de m io card io p atía d ita ch ag ásica, a ju lg a r pela análise de dados clínicos, epidem iológicos e anáto m o-patológicos existentes sobre as m esm as. A este resp eito m erece destaque a volum osa lite ra tu ra an a lisa d a (4 6 0 referências), sem d úvida rep re se n ta tiv a p a ra fu n d am en tar a hip ótese le vantada.
O s resu ltad o s o btidos com o estudo conduzid o em 4 8 7 indivíduos d em o n straram nitidam ente não h av er a sso ciação en tre infecção ch ag ásica e a car- d io m io p atia crô n ica en d êm ica das zonas ru rais vene zuelanas. A p rev alên cia de card io m io p atia expressa p o r um eletro card io g ram a indubitavelm ente anorm al foi de 1 2 ,3 % entre os indiv íd uos soro-positiv os e de 15 ,1 % en tre os soro-negativos p a ra a d o en ça de C hagas. A d em ais, a p rev alên cia de card io m io p atia foi m aio r n a faix a e tá ria de 15-2 4 anos, cujos indivíduos foram em su a m aio ria soro-negativos. Se n ão d escon
certan tes, os dad o s ap resen tad o s pelo au to r são pelo m enos intrig antes e m ereced o res de profunda análise clínico-epid em iológica, n a m edida em que põem subjudice a asso ciação en tre infecção chagásica e card io m io p atia crônica tid a com o d ecorrente d a mes m a, am b as coincidentem ente prevalentes em áreas endêm icas p a ra o Trypanosoma cruzi.
P re c e itu a a b o a p raxe científica reconsiderar a veracidade de um fato, ain d a que dogm aticam ente aceito, desde que seja o m esm o co n testad o em bases claram en te fund am en tad as. Salvo m elhor ju ízo , p e r feita abordagem científica, ex p ressa num a esm erad a e cu id ad o sa análise clínico-epidem iológica e eletro- cardiográfica (co lab o raram um epidem iologista e um b io estatístico d a Jo h n s H opkins S chool o f H ygiene and P u b lic H e a lth ), foi a tô n ica d a m onografia do D r. D a rio M o n tero . A ssim , parece m ereced o ra de toda co n sid eração a p ro p o sta d o au to r, de revisão da hip ótese trad icio n al d a asso ciação entre infecção ch ag ásica e a card io m io p atia crônica subjacente.
Se tal pro p o sição pode ser válida p a ra a V e nezuela (considerando-se adem ais, a identificação de um a “ m io cardite crônica indiferenciada venezue- lensis” defin id a anátom o-patologicam ente) é, no m í nim o, d estitu íd a de q u alq u er ju stificativ a e fundam en to a ex trap o lação d a m esm a p a ra outros países latino- am ericanos.
N o B rasil, nenhum indício clínico-epidem ioló- gico sugere a ex istên cia de o u tra cardiom iopatia crô n ica congestiva endêm ica que não seja de fato ch ag ásica na quase to talid ad e dos indivíduos com sorologia positiva. A d em ais, nas áreas endêm icas p ara a d o en ça de C h ag as, os indivíduos com sorologia negativa têm prevalência quase nula de alterações eletrocardiográficas próprias de u m a cardiom iopatia congestiva. D esco n h ecem o s q uaisquer argum entos que possam co lo car em dúvida a estreita associação en co n trad as em indivíduos soro -positiv os e infecção ch ag ásica crônica em nosso país.
Luiz Ju n q u e ira Jr.